




Civilização ou barbárie sintetiza o pensamento e a obra do senegalês Cheikh Anta Diop, um dos intelectuais africanos mais importantes do século XX. Aqui, ele revisita mais de três décadas da intensa produção intelectual dedicada a fundamentar a tese de que a África é o berço não apenas da origem biológica de nossa espécie, mas da civilização humana, inclusive do chamado Ocidente. Demonstrando uma erudição monumental, Diop mobiliza conhecimentos dos mais variados campos paleontologia, arqueologia, antropologia física, biologia molecular, linguística etc. a fim de tornar sua tese um “fato da consciência histórica africana e mundial”.
Publicado em 1981, pouco antes de sua morte e num momento em que os países africanos entravam na década final de suas lutas por independência, a obra encarna um “otimismo vigilante” que, nas palavras de Diop, significa que “cada povo, armado com a sua identidade cultural recuperada ou reforçada”, poderá enfim se ver inclinado a “desejar que todas as nações se deem as mãos para construir a civilização planetária, em vez de submergir na barbárie”.
Tradução de César Sobrinho
“O Brasil foi descoberto em 1500” é uma frase que está caindo em desuso. Esse fato originário ou mito de criação vem sendo revisto graças a uma exigência relativamente simples, de acurácia científica: em 1500 os portugueses chegaram a uma terra habitada, cujo nome ignoravam e que batizaram de Brasil, depois de invadi-la, saqueá-la e expulsar, escravizar ou dizimar as pessoas que ali viviam. Se essa reformulação de enunciado parece trabalhosa é porque ela demanda uma renúncia ao olhar eurocêntrico e colonial, que garante conformidade com “a” ordem do mundo mas deforma o passado a ponto de tornar enormemente difícil dizer o óbvio.
O projeto de vida de Cheikh Anta Diop foi criar “conceitos científicos operatórios” capazes de fazer com que obviedades tais pudessem se converter em “fatos da consciência histórica”. Já no doutorado, apresentado na Sorbonne na década de 1950, seu propósito era corrigir o que chamou de “grotescas e grosseiras falsificações da egiptologia moderna” a mais importante delas sendo a negação de que a civilização egípcia fosse negra.
Civilização ou barbárie é a obrasíntese desse esforço, condensando uma extensa produção científica que fundamenta a tese de que a África e os seus povos negros estão na origem não apenas da espécie, mas também da civilização humana. Considerada controversa e enviesada por alguns, a perspectiva de Diop tem sido celebrada por outros como uma abordagem inovadora, que antecipou debates, preparou caminho para a atual crítica do eurocentrismo e já nos alertava para, como mais tarde formularia Chimamanda Ngozi Adichie, “o perigo de uma história única”.
Cheikh AntA Diop (1923-86) foi um historiador, antropólogo, físico e político senegalês. Ganhou projeção com o livro A origem africana da civilização: Mito ou realidade, de 1974, no qual levanta a hipótese sobre uma origem negra da civilização egípcia. Vista como polêmica, sua obra suscitou questões importantes sobre o viés cultural e político na produção científica e é precursora de abordagens afrocêntricas e pós-coloniais. Em 1987, a Universidade de Dakar foi renomeada em sua homenagem.
Biblioteca Africana
Conselho de orientação:
Kabengele Munanga
Edson Lopes Cardoso
Sueli Carneiro
Luciane Ramos-Silva
Tiganá Santana
Antropologia sem complacência
Tradução:
César Sobrinho Cheikh Anta Diop
Dedico este livro à memória de Alioune Diop morto no campo de batalha cultural africano.
Alioune, você sabia o que tinha vindo fazer sobre a terra: uma vida inteiramente dedicada aos outros, nada para si mesmo, tudo para os outros, um coração repleto de bondade e generosidade, uma alma impregnada de nobreza, um espírito sempre sereno, a simplicidade personi cada!
O demiurgo quis nos oferecer, como exemplo, um ideal de perfeição, dando-lhe existência?
Infelizmente, ele o arrancou cedo demais da comunidade terrena à qual você sabia, melhor do que ninguém, transmitir a mensagem da verdade humana que brota das profundezas do ser. Mas ele nunca poderá apagar a sua lembrança na memória dos povos africanos, aos quais você dedicou a vida.
É por isso que dedico este livro à sua memória, como testemunho de uma amizade fraterna mais forte que o tempo.
Cheikh Anta Diop Dakar, 29 de outubro de 1980
Nota da edição brasileira 9
Prefácio à edição brasileira, por Kabengele Munanga 11
Introdução 15
parte i Abordagem paleontológica 23
1. A pré-história 25
2. Revisão crítica das mais recentes teses sobre a origem da humanidade 40
3. O mito de Atlântida retomado pela ciência histórica por meio da análise de radiocarbono 91
4. Últimas descobertas sobre a origem da civilização egípcia 127
parte ii As leis que regem a evolução das sociedades: Motor da história nas sociedades do MPA e na cidade-Estado grega 133
5. Organização clânica e tribal 135
6. Estrutura de parentesco no estágio clânico e tribal 139
7. Raça e classes sociais 148
8. Nascimento dos diferentes tipos de Estado 156
9. As revoluções na história: Causas e condições de sucessos e fracassos 163
10. As diferentes revoluções na história 169
11. A revolução nas cidades-Estado gregas: Comparação com os estados em mpa 180
12. As particularidades das estruturas políticas e sociais africanas e suas incidências sobre o movimento histórico 198
13. Revisão crítica das últimas teses sobre o mpa 223
parte iii A identidade cultural 253
14. Como de nir a identidade cultural? 255
15. Para um método de abordagem das relações interculturais 266
parte iv A contribuição da África para a humanidade nas ciências e na loso a 275
16. Contribuição da África: Ciências 277
17. Existe uma loso a africana? 354
18. Vocabulário grego de origem negro-africana 436
Reconhecimentos 439
Notas 440
Índice bibliográ co 467
Lista de ilustrações 477
Índice remissivo 480
Respeitamos a natureza heterogênea e por vezes lacunar do original. A magnitude da proposta e do projeto de Diop nos parece tornar irrelevantes determinadas idiossincrasias editoriais que via de regra seriam revistas.
A obra Civilização ou barbárie, de Cheikh Anta Diop, foi publicada em 1981 pela editora Présence Africaine, ou seja, cinco anos antes da morte do autor, ocorrida em 8 de fevereiro de 1986, aos 63 anos, vítima de uma crise cardíaca. Para entender o que esconde esse título, precisamos primeiramente dizer uma palavrinha sobre a origem, a socialização e a formação universitária de Diop. Nascido em 29 de dezembro de 1923 em Diourbel, uma localidade no interior do Senegal, teve uma formação corânica antes de ingressar na escola primária na mesma localidade. Em Dakar fez seus estudos secundários, no Colégio Saint-Louis, e dois bacharelados, em loso a e em matemática, em 1945. No mesmo ano, ele embarcou para Paris, onde iniciou seus estudos universitários em ciências e letras, na Sorbonne. Em 1954, seis anos antes da independência do Senegal, apresentou sua tese de doutorado intitulada Nações negras e cultura: Da Antiguidade egípcia aos problemas culturais da África negra hoje.
Essa tese não foi aceita, mas foi a partir dela que tudo começou. Seus mestres da Sorbonne lhe disseram: “Gostaríamos de lhe dar seu título de doutor, mas com uma outra tese. Reconhecemos que a África tem uma história e civilizações, mas não se misturam com o Egito Antigo, que não pertence à África”. Ele teve de preparar e defender uma outra tese, que foi aceita, com o título de In uência profunda do Egito na civilização grega, sem tocar na origem negra da civilização egípcia, que seus mestres consideravam não africana.
Publicado em 1955 pela editora Présence Africaine, Nations nègres et culture tornou-se um best-seller e projetou o professor Cheikh Anta Diop, fazendo dele o intelectual africano mais conhecido desde o início das independências
Universidade de Hull, 81
Universidade de Sorbonne, 11-2, 154-5, 374
Universidade de Tombuctu, 374
Universidade de Viena, 367-8
Universidade Harvard, 58
Universidade Yale, 57
Université de Chicago, 126-7
uólofe, 129, 131, 144, 146, 202, 207, 218, 260, 267, 325-7, 373, 414-6, 438
Urano, 401
Usmã dã Fodio, 178
Vacher de Lapouge, Georges, 154
Valentin, 379-80
Valhala, 86
Vallois, Henri Victor, 30, 37, 41-5, 47-8, 50-1, 55, 57-8, 60-1, 65, 67-8, 70, 72, 442n
Valoch, Karel, 63
Vandermeersch, Bernard, 43-7, 49-50, 62, 442n, 444n
Vaticano, 387
Vaufrey, 27
Veja, 433
Ventris, Michael, 94
Vênus, deusa, 38, 64, 66-7
Vênus, planeta, 365
Ver Eecke, Paul, 277, 282, 286, 288, 292, 369, 392, 460n
Verbo, o, 357, 380, 408
Vercingétorix, 158
Vercoutter, Jean, 100, 328, 335
Vermelho, mar, 92 “vermelhos”, os, 154-5
Vernant, Jean-Pierre, 200, 245-6
Verneaux, René, 41, 70
Vértesszöllös, 82-3
Vêtes, 249
Viena, 66, 367 Vietnã, 230, 232 vikings, 34
Villeneuve, De, 65 Vinita, 35
Vint, F. W., 86
Virgem Maria, 358 visigodos, 153
Vitória, lago, 26 Vogel, 314
Vogelherd, 63
Volney, C. F., 15
Vorster, Balthazar, 31, 149
Wace, Alan, 95 Wallon, 170 Walo, 219 wanande, 206 wanax, 248 Waterbolk, 58 wawanga, 453n
Weidenreich, Franz, 55, 72 Weiner, J. S., 43 welsch [galeses], 84 werden, 379, 461n Westermann, D., 204 Willendorf, 63, 66 Williams, Bruce, 126-7 Witt, Jean de, 236 Wittfogel, 230, 236 Woodward, Smith, 442n Wotan, 34 woyo, 361, 367 Würm/würmiano, 29, 31, 38, 41, 44, 46-7, 54, 59
Xabaka, 182, 381 Xangô, 417 Xangô-Jakuta, 417 xeesal ver kheesal Xenócrates, 405 Xunzi, 236
Yang-Shaw, 72 Yangtzé, 83 Yen-Zi-Yi, 238 yobou-Koï, 207 Yokoyame (Yuji) Yoyotte, Jean, 408, 463n yurugu, 367
zadruga, 147 Zaire, 146, 361, 367-8 Zambeze, 440n Zâmbia, 367 Zed, 358 Zenão de Cítia, 173 Zenão de Eleia, 409-10 Zermelo, 422 Zeus, 103, 387 Zhoukoudian, 72, 7 Zimbábue, homem de, 47 Ziyang, homem de, 72 Zuckerkandl, E., 52, 89 zulu, 31, 149, 453n
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Copyright © 1981 by Présence Africaine
Cet ouvrage a béné cié du soutien des Programmes d’aides à la publication de l’Institut Français. Este livro contou com o apoio à publicação do Institut Français.
Gra a atualizada segundo o Acordo Ortográ co da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Título original
Civilisation ou Barbarie: Anthropologie sans complaisance
Capa
Estúdio Daó
Mapas Sonia Vaz
Preparação
Angela Ramalho Vianna
Índice remissivo
Gabriella Russano
Revisão
Nestor Turano Jr.
Adriana Bairrada
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip ) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)
Diop, Cheikh Anta, 1923-1986
Civilização ou barbárie : Antropologia sem complacência / Cheikh Anta Diop ; tradução César Sobrinho. — 1 a ed. — Rio de Janeiro : Zahar; São Paulo : Edições Sesc São Paulo, 2025. — (Biblioteca Africana)
Título original: Civilisation ou barbarie : Anthropologie sans complaisance.
Bibliogra a.
isbn 978-65-5979-218-4 (Zahar) isbn 978-85-9493-341-6 (Edições Sesc São Paulo)
1. África – Civilização 2. África – Civilização – In uências egípcias i. Título. ii. Série.
25-264099 cdd -960
Índice para catálogo sistemático:
1. África : Civilização : História 960
Cibele Maria Dias – Bibliotecária – crb-8/9427
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