Natal em Família - Contos de Natal

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Apresentamos nove contos de Natal. As narrativas inspiram-se nas memórias do autor que viveu os natais da sua infância numa aldeia do Norte de Portugal. É o doce sabor da família e do aconchego do lar que saboreamos em cada história. Ao longo das páginas, vamos percebendo como as luzes do presépio e da lareira da meninice podem continuar a iluminar-nos na vida adulta.

PEDRO FERNANDES

Sobre o autor:

Pedro Fernandes nasceu em Sobrão, Paços de Ferreira, em 1972. Atualmente vive no Porto. É licenciado em Direito, Ciências Religiosas e História, tendo, no exercício da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, encontrado a sua vocação profissional. Lecionou, na Universidade Sénior, História Comparada das Religiões e Direitos e Deveres dos Cidadãos. Catequista, Leitor e Ministro Extraordinário da Comunhão encontra no serviço eclesial o sorriso de Deus.

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Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto | Tel.: 225 365 750 geral@editora.salesianos.pt www.editora.salesianos.pt

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Ficha técnica: Natal em família - Contos de Natal © 2023 Pedro Fernandes © 2023 Salesianos Editora Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto | Tel: 225 365 750 geral@editora.salesianos.pt www.editora.salesianos.pt Desenho da Capa/ilustrações: Mariana Fernandes Capa: Paulo Santos Paginação: João cerqueira 1ª edição: Outubro 2023 ISBN: 978-989-9134-27-0 Depósito Legal.: 522419/23 Impressão e acabamento: Totem Reservados todos os direitos. Nos termos do Código do Direito de Autor, é expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta obra por qualquer meio, incluindo a fotocópia e o tratamento informático, sem a autorização expressa dos titulares dos direitos.


Pedro Fernandes

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Aos meus amados filhos, Mariana e Pedro, com que Deus abençoou a minha existência.


INTRODUÇÃO

O Natal é uma época de especial encanto… A ternura do presépio, as ruas coloridas com as decorações natalícias e ­respetiva árvore de Natal, a figura mágica do Pai Natal, o sorriso e simpatia das pessoas, os programas culturais atinentes à época natalícia, as cerimónias eclesiais, o próprio prelúdio do dia de Natal cujo eco da festividade manifesta-se durante muito tempo. O Natal, também, tem aromas próprios, odores que evocam a infância. Durante muitos anos passei as férias na casa dos meus avós maternos em Sobrão (Paços de Ferreira). Na minha aldeia sentia-me livre: nadar no rio, jogar futebol nas ruas de terra, andar pelos campos e montes…Nas férias de Natal, mal chegava a Sobrão ia, juntamente com o meu irmão Tó-Zé, a minha avó Miquinhas e os amigos que lá e­ stivessem, ao monte escolher um pinheiro para enfeitar e trazer musgo para fazermos o presépio. Chegados a casa, todos ajudavam a enfeitar a árvore de Natal e a construir o presépio: era uma alegria! Nos cheiros de Natal, recordo-me o aroma da caruma queimada para se acender o fogão a lenha. Lembro-me do cheiro a terra molhada da chuva que, de mansinho, ia caindo e que, no rio, transbordava os campos e transformava-se em imensos lagos, para delícia do olhar pueril. Em todos estes natais senti sempre a alegria da minha querida e amada mãe que, trazendo as prendas, assumia a figura do Pai Natal, que as crianças da aldeia teimavam em afirmar 5


que era o menino Jesus. Senti sempre o olhar vigilante e cúmplice da minha avó, cujas mãos calosas do trabalho no campo e rugosas da idade sempre me pareceram macias no meu rosto. Recordo-me do cheiro dos formigos, aletria, ­rabanadas e das “sopas secas” cuja receita a minha avó me indicou: 1. Coloca-se a água a ferver com uma cebola, uma casca de limão e tempera-se, água de sal e coloca-se um pau de canela; 2. Adoçar a água – numa panela de 22 metade de água = 2 meias colheres; 3. Despeja-se numa bacia para arrefecer; 4. Cobre-se o fundo do alguidar de açúcar; 5. Parte-se o pão em fatias e molha-se cada ­fatia de pão na calda – água morna que estava na bacia e coloca-se cada fatia de pão no a­ lguidar; 6. Em cada camada de pão coloca-se, em cima dela, açúcar; 7. Vai-se colocando o pão – quanto mais apertado melhor; 8. Na última camada (a de cima), também se deita açúcar e calda e, depois de novo, a­ çúcar; 9. Cobrir com prata e colocar no forno – pode ser no máximo (300) +- 30m/1h. Ver se está cozido – por cima fica uma camada tostada. Lembro-me da azáfama na cozinha no dia 24 e, nesse dia, do aconchego noturno familiar traduzido em grande alegria e amor. Durante a noite, inaudivelmente rastejava entre os q ­ uartos e, na sala iluminada pelo piscar das luzes coloridas, de olhar maravilhado, abria as prendas junto do presépio cujas imagens que enalteciam a singular beleza do nascimento de Jesus adornavam o terno momento. 6


Os Contos que se seguem, versam sobre acontecimentos que se verificaram no tempo natalício. Nos primeiros quatro parti de alguma ocorrência real para a construção do conto em si. Nos últimos ­cincos compus situações verificadas, na totalidade, no tempo de Natal e, por mim, recebidas como prendas divinas para edificação da moral quoti­diana. Na realização do primeiro Conto tive presente as histórias que o meu pai me contava, aos sábados de manhã, onde referia a viagem que fazia de comboio de regresso a Bragança, vindo do quartel de Beja, os lobos, as raposas, a amizade com o seu irmão mais novo e o amor que tinha pela mãe. Foi com base nessa pintura de lembranças que edifiquei o Conto em apreço ao qual juntei as últimas palavras que ouvi de um tio, irmão do meu pai, que adorava os animais, a natureza e a sua aldeia natal – Santa Comba de Rossas (Bragança). Na edificação do segundo Conto caminhei em direção ao tempo em que lecionei numa encantadora terra do Vouga e das prendas natalícias recebidas por parte de alguns alunos… No base do terceiro conto esteve a resposta de um aluno, à pergunta que lhe fiz, sobre o que gostaria que o Pai Natal lhe desse como prenda de Natal. Através do quarto conto tentei compreender como seria o Natal, do ponto de vista maternal, face à ausência física de uma filha. Lembrei-me de uma colega de infância, muito querida na aldeia onde vivia, que, abalroada mortalmente num acidente de viação, no mês de novembro, foi sepultada no dia do seu aniversário – dia esse que tinha escolhido para comprar as prendas de Natal…

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Na elaboração do quinto Conto recordei-me de algumas situações vividas, como ministro extraordinário da comunhão, na visita a pessoas doentes no domingo anterior ao Natal. Na composição do sexto Conto abordei a paz ínsita ao Natal, face a uma situação de agressão que presenciei numa rua, cheia de gente, no centro da cidade do Porto e em plena época natalícia. Na construção do sétimo Conto recordei-me da manhã do dia de Natal que estive em Santo Tirso, com dois queridos tios-avós, para quem o Natal tinha perdido o encanto. No oitavo conto abordei a última noite do dia de Natal em que estive com o meu pai, e cuja oferenda filial foi consolidada por uma acendalha divina… No último conto percorri o real arrependi­mento, atinente à inação caritativa sentindo-me, em plena época natalícia, perdoado pela intervenção divina. O Natal, como usualmente se diz, deve ser vivido todos os dias. Mas, a realidade é que, infelizmente, não se vive quotidianamente o puro sentimento do amor ao próximo na incomensurável família universal. O Natal, enquanto celebração do nascimento de alguém que amou genuinamente o próximo, assume verdadeiro sentido. Assim, importa que se comemore com especial ternura, o dia em que se celebra o nascimento de Jesus e que tal sirva de exemplo para a restante época do ano. Natal, como reflexão e ação fraternal na relação com o outro – darmo-nos à semelhança do ser objeto de reflexão e comemoração – eis o milagre natalício ao alcance de todos nós. Neste contexto, no qual verdadeiramente acredito, expresso os meus votos de um Feliz Natal!

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Nascido em Trás-os-Montes


Q

Quem conhece Trás-os-Montes sabe que é impossível não ter amor àquela terra. O odor idílico floral, o vento que acaricia o rosto, o sol que aquece a alma, o frio que fomenta o aconchego, a neve que maravilha o olhar como um pueril sonho natalício... Nas manhãs de Bragança, João sentia todo esse encanto ao visionar as extensas terras que medeiam entre Santa Comba de Rossas e Nossa Senhora da Serra. Um pouco antes da aurora levantava-se, apressadamente, como que a ser o primeiro a saborear a oferenda divina de um novo dia. João era filho da terra trasmontana que, desde muito novo, acompanhava o pai na arte da lavoura e de apascentar o gado. Acordar significava, também, despertar para a alegria do ­trabalho. – João vai levar as ovelhas a comer! – Dizia o pai… Lá ia o pequeno João pelos térreos caminhos, ora lamacentos, ora poeirentos, dirigindo, na companhia de dois grandes 11


cães (Gigante e Lanascas), o gado até ao enorme Campo Fonte da Pedra. Pelo caminho, quando as pessoas lhe perguntavam: – João! João! Onde é que vais tão cedo? João respondia: – Vou abençoar vales e montes, rios e fontes... João tinha dois irmãos mais novos (José e Toninho) que, por vezes, o acompanhavam e o irritavam com pequenas diabruras: amarravam as patas à mula, vendiam as ovelhas sem ninguém saber (embora depois entregassem o dinheiro à mãe), começavam a chamar pelos cães… – Lanascas! Lanascas! Estão-ma roubar! Gigante! Gigante! Há ali lobos! Os cães começavam rapidamente a correr em redor do rebanho, à procura de qualquer bicho que se aproximasse e a ladrar ferozmente como que a afoguentar os imaginários ladrões/lobos… E os dois irmãos riam-se, riam-se… Aqueles dois irmãos estavam sempre juntos na brincadeira, abraçados a rir ou a lutar para ver quem era o mais forte… João, como irmão mais velho, era o que mais trabalhava ao ritmo da repetição de duas palavras que o pai tinha trazido de França, aquando da presença na reconstrução daquele país, após a segunda Grande Guerra Mundial: Vite! Vite! Doucement! Doucement! Uma vez, João estava a merendar junto ao riacho. De repente, apareceram dois intrusos que começaram a gozá-lo. João, enfurecido, pegou na navalha e aos berros avisou: – Com que diacho! Abro-vos já ao meio!

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Eles, vendo João de rosto vermelho e de navalha aberta na mão, desataram a correr campo fora. Nas suas veias corria puro-sangue transmontano… Para João os dias eram todos iguais. O que ele gostava mesmo era da beleza bucólica do campo da sua terra transmontana – Santa Comba de Rossas! A idade de João ia avançando e as pessoas amigas iam-no alertando: – João, isto não é vida para ti! – Diziam uns… – João, a idade está a passar, e se tu não vais para a cidade nunca passas disto! – Acrescentavam outros… Ao que João respondia: – Mas eu gosto do campo, gosto dos animais – gosto disto! O apelo familiar começou a ser mais intenso quando o pai faleceu. A mãe disse ao João: – Vais trabalhar para o Porto! Tens lá a tua irmã, Adília, e o teu cunhado, Abel, que podem apoiar-te. João, contrariado, lá foi trabalhar para a fábrica metalúrgica do cunhado. Mas, logo que lá chegou, depressa se deu mal. O barulho das máquinas, em contraste com o som dos pássaros e das ovelhas a que estava habituado, provocava-lhe dores de cabeça. O cheiro dos vernizes, ao invés do odor matinal do campo, agonizava o dia-a-dia citadino de João. – João, que tens tu? – Perguntava a irmã, preocupada com a apatia e tristeza do seu irmão.

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– Eu não gosto disto! Este cheiro e este barulho fazem-me mal à cabeça. Está-me sempre a doer a cabeça. Quero ir para casa! João andava triste, doente… tinha saudades daquela que sempre fora a sua casa. Vésperas ao Natal, João despediu-se da irmã e do cunhado, pegou na mala, dirigiu-se para a estação de Campanhã (Porto) e comprou um bilhete, apenas de ida, para a sua santa terra. No caminho férreo, o comboio parou na Régua e João ouviu umas vozes conhecidas. Eram os seus irmãos, José e Toninho, que debruçados na janela do comboio, estavam a conversar com uma vendedora dos famosos Rebuçados da Régua. Os irmãos, que cumpriam serviço militar em Beja, tinham vindo a casa passar o Natal. João, dirigindo-se para os irmãos, disse: – Com que diacho, que fazeis aqui? – Olha o João! Disseram os irmãos, viemos passar o Natal a casa. E tu, não estavas no Porto? – Não gosto de lá estar, é muito barulho, vou voltar para casa! No comboio, após terem passado por Mirandela, os três irmãos puseram a cabeça de fora da janela, fecharam os olhos e sentiram o vento frio a dar-lhes as boas-vindas. Em breve estariam em casa. Quando chegaram à estação mais alta de Portugal, já tinham companhia à espera. Eram os amigos Gigante e Lanascas que, há muito, já tinham sentido o cheiro espiritual dos três irmãos. Mal saíram do comboio foram logo atropelados em lambidelas, saltos e empurradelas pelos dois saudosos e alegres cães. Entre 14


corridas, malas pelo chão, botas da tropa pelo ar, lá foram a correr os três irmãos e os dois amigos caninos até casa. Quando os três irmãos entraram em casa, agarraram em conjunto a mãe com uma saudosa intensidade, típica de uma família que se ama e que nunca mais se quer separar. No lar, pairava o cheiro a arroz-doce, aletria, bola de carne, polvo, e tudo mais que a mãe tinha preparado para a ceia natalícia. Foi o melhor Natal de sempre! Conversaram alegremente durante toda a noite. Lá fora, a neve caía tranquilamente, como que a apelar ao aconchego da lareira, ao fogo da família que aquece a alma… Na manhã de Natal, Toninho e José ouviram um ruído junto à porta da entrada de casa. Levantaram-se, viram que João ia sair de casa e, em uníssono, perguntaram: – João! João! Onde é que vais tão cedo? Ao que João respondeu: – Abençoar vales e montes, rios e fontes...

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 5 Nascido em Trás-os-Montes .......................................................................................... 9 Pai Natal em Uce ............................................................................................................17 Carta ao Pai Natal ..........................................................................................................25 Estrela de Natal ...............................................................................................................31 Eucaristia no Natal .........................................................................................................37 Natal é Paz .......................................................................................................................43 Recordar o Natal ............................................................................................................49 A última noitedo dia de Natal .....................................................................................55 Tempo de Natal ..............................................................................................................61


Apresentamos nove contos de Natal. As narrativas inspiram-se nas memórias do autor que viveu os natais da sua infância numa aldeia do Norte de Portugal. É o doce sabor da família e do aconchego do lar que saboreamos em cada história. Ao longo das páginas, vamos percebendo como as luzes do presépio e da lareira da meninice podem continuar a iluminar-nos na vida adulta.

PEDRO FERNANDES

Sobre o autor:

Pedro Fernandes nasceu em Sobrão, Paços de Ferreira, em 1972. Atualmente vive no Porto. É licenciado em Direito, Ciências Religiosas e História, tendo, no exercício da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, encontrado a sua vocação profissional. Lecionou, na Universidade Sénior, História Comparada das Religiões e Direitos e Deveres dos Cidadãos. Catequista, Leitor e Ministro Extraordinário da Comunhão encontra no serviço eclesial o sorriso de Deus.

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