5 minute read

DIREITO DIGITAL

RICARDO OLIVEIRA

Sócio do COTS Advogados

MODELAGEM DE DADOS E MODELOS PREDITIVOS: CUIDADOS NECESSÁRIOS

Odia em que o consumidor só vai receber ofertas que lhe interessam, no momento e nas condições propícias, está chegando. Com isso, uma nova oportunidade de aumentar as conversões de venda também.

Segundo sites especializados, o e-commerce brasileiro surgiu no ano de 1995, ou seja, esse modelo de negócio já tem quase 30 anos. Nem sempre foi um sucesso, especialmente nos seus primórdios, devido, em grande parte, aos mesmos desafios que ainda permanecem infelizmente atuais, tais como falta ou insuficiência de conectividade, insegurança por parte dos usuários, fraudes digitais etc. De toda forma, já são algumas décadas comercializando produtos e serviços via internet e enriquecendo bastante os bancos de dados relacionados, em especial os de clientes.

Todos esses dados coletados dificilmente poderiam ser tratados com eficiência no passado por conta da limitação tecnológica e de sua escassez (os empresários nem sempre tiveram tantos dados nas mãos, não é mesmo?), mas esse cenário está mudando. Atualmente, há diversas ferramentas que, por meio da modelagem de dados, conseguem não apenas fazer com que dados antes desorganizados ou avulsos passem a ter algum significado para os negócios, mas também podem predizer o comportamento dos consumidores, fazendo com que as ações de marketing sejam cada vez mais eficientes.

Sem pressa, contudo, vamos entender o conceito de modelagem de dados: ela envolve a análise dos dados à disposição da empresa (quanto mais dados, melhor) para se compreender a relação que têm entre si. Os frutos dessas análises podem ser os mais diversos possíveis, dependendo do prisma ou do modelo utilizado. Os exemplos mais básicos às vezes são os mais reveladores: de uma mesma base de dados, seria possível extrair informações sobre os produtos mais comercializados, como também os hábitos dos consumidores que envolvem essas aquisições (horário de interação com o site, dispositivos utilizados, tipo de conexão). Tudo isso para que, no final das contas, se possa utilizar esses dados para otimização das vendas, aumentando a assertividade das ações da empresa sobre o seu público.

Como disse, os exemplos acima são bastante óbvios, mas, quanto maior a massa de dados modelada, maiores são as possibilidades de se encontrar variáveis que prejudicam ou beneficiam o negócio, o que nos leva ao segundo tema: de tão eficientes, os resultados podem ser preditivos, ou seja, confiáveis para aplicação no futuro. Se as pessoas jurídicas pudessem pensar por si mesmas, certamente seriam iguais ou mais ansiosas do que nós, pessoas físicas, por saberem o futuro. Saber com antecedência o quanto

Ricardo Oliveira é sócio do COTS Advogados, escritório especializado em Cyberlaw e Direito dos Negócios Digitais com sede em São Paulo. É coautor dos livros Marco Civil Regulatório da Internet - Editora Atlas, 2014, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais Comentada - Editora Revista dos Tribunais, 2018, e do O Legítimo Interesse e a LGPD Editora Revista dos Tribunais, 2020.

estocar, a capacidade logística necessária para uma determinada ação e o ticket médio de uma campanha tornaria a vida do empresário muito mais fácil.

Entretanto, nem tudo são flores. Poucas empresas têm a capacidade ou o interesse de desenvolver ferramentas próprias para a modelagem de dados (business intelligence) ou modelos preditivos, o que torna necessária a contratação de terceiros para esse fim. A contratação de terceiros que receberão credenciais para mergulhar nos dados da empresa, fruto, às vezes, de anos de dura labuta, certamente merece um grau de confidencialidade adequado, especialmente para: a) prever que o tratamento de dados seja apenas o necessário para o cumprimento do objeto da contratação; b) estabelecer deveres de que o tratamento do dado se dê em ambiente seguro e controlado; c) vincular a confidencialidade às pessoas físicas que prestarão os serviços, quando necessário, como empregados, sócios, contratados em geral etc.; d) dimensionar os recursos tecnológicos para garantir a segurança das informações e os dados sob tratamento.

É notório também que, em contratações como as mencionadas acima, é natural que o prestador de serviços seja um operador de tratamento, nos termos da LGPD. Isso significa dizer que o prestador não terá o direito de decidir sobre o que será feito com o dado pessoal, devendo ater o tratamento ao teor do contrato. Sendo assim, se o prestador de serviços é um operador, o lojista é o controlador do tratamento, ou seja, aquele que pode decidir sobre os dados pessoais que compõem a base de dados que será analisada.

Portanto, há de se tomar cuidado para que o tratamento de dados pessoais ocorra de acordo com uma base legal de tratamento disponível na lei. Há algumas bases aplicáveis, como o consentimento, o legítimo interesse ou a execução de contrato, que possuem prós e contras. O consentimento, por exemplo, por ser revogável a qualquer momento, dificulta a gestão e pode gerar impacto nas análises, pois a necessidade de exclusão de um dado pessoal poderá impactar outras tabelas. Por outro lado, o legítimo interesse depende de não se violar a legítima expectativa do consumidor, o que traz a discussão para um terreno subjetivo. Quantos consumidores, por exemplo, sentiriam sua privacidade violada se, após uma década ganhando um quilo por ano, passassem a receber apenas ofertas de produtos de maior número, como se o site “soubesse”, pelos tamanhos adquiridos anteriormente, que o ganho de peso permaneceria? Por ser uma questão subjetiva, a segurança jurídica diminui.

Por fim, a execução de contrato tem sido cada vez mais utilizada. Para tanto, muitas empresas têm criado comunidades, clubes, confrarias etc. para justificar o tratamento adicional de dados pessoais para personalizar os seus serviços. Essa personalização é de interesse dos participantes, que podem não ter nenhum interesse em receber ofertas de fraldas na segunda pela manhã, por exemplo, mas podem ter todo o interesse de receber promoção de cerveja na quinta ou sexta à tarde. Quanto mais assertivas as predições, maior a satisfação desse público.

Em suma, há diversas informações e segredos escondidos entre os dados coletados pelos sites de e-commerce que poderiam ser utilizados para incrementar as vendas, mas tal uso carece de cuidados, para que, ao invés de gerarem benefício, tornem-se uma tremenda dor de cabeça para o lojista.

This article is from: