Realidade, 1966-1968. Tempo da reportagem na imprensa brasileira

Page 236

236 O terceiro exemplo é o texto de João Antônio sobre a rivalidade entre as torcidas mineiras do Atlético e do Cruzeiro publicado em novembro de 1968465. O confronto dos dois times era visto pelo repórter com um evento capaz de alterar comportamentos, até mesmo dos mineiros - que a matéria insinuava tradicionalmente como moderados e cordiais (o povo brasileiro?). No limite de seu envolvimento com o descontrole provocado pela adesão a seu clube, “tudo muda. A cidade perde a calma ”; “a população está dividida ”; “São cem mil pessoas gritando ”; “Bandeiras, fogos, barulho, loucura ”; “sangue, murros, colapso, desmaios ”. Essa avalanche de manifestações que a revista intitulou de “Revolução ”, tinha uma base essencialmente democrática e mobilizadora, como a política, especialmente no momento em que a matéria foi elaborada: “... há no fundo de cada torcedor o desejo de encontrar alguma ternura ou aconchego na multidão, uma fuga estranha ao anonimato, através de um sentimento de fraternidade com a massa torcedora. “Para os sociólogos, a dilatação da capacidade esportiva, a atração de maior número de pessoas a concentração dos interesses na área do lazer, coincidem com uma situação de mudança social na capital mineira (o Brasil?) e fortificam-na. É a cidade (o Brasil?) passando de uma sociedade pré-capitalista para uma fase capitalista de relações econômicas e sociais. (...) “Grupos, carregando bandeiras e gritando gritos de guerra, compõem uma platéia especial que conversa, insulta e açula os privilegiados que vão ao campo. (...) Nos bairros, não é diferente: há berros, há bandeiras, e há futebol para os que não podem vê-lo no estádio. (...) “Gente sem dinheiro, que chegou ao estádio de manhã, come sanduíche. São muitos, a maioria. (...) Velhos, crianças, famílias inteiras, namorados... Discutem-se todos os assuntos, desde o preço da lavanderia até literatura e arte. O recheio, porém, é um só: futebol ”. Mas, para o repórter, havia mais que isso: “Na massa que torce, as inibições desapareceram. O torcedor pratica os atos que entende; bate, xinga, agride, chora. Na condição nova, a do homem que torce, ele inclui o direito até de matar, se houver necessidade. É livre. “O bojo do Mineirão está arfando. No espírito do torcedor, um ponto crítico, um misto de medo, insegurança, angústia. Sente-se, no ar, que a torcida parece achar que o jogo não deveria ter começado nunca (uma revolução?) e, já que começou não deveria chegar ao final ”.

465 É uma revolução, novembro de 1968, pág. 100.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.