Revistareni05

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vol. 3, n. 5 semestre1

2018 ISSN 2448-3664

EDITORIAL............................................................................................................3 ARTIGOS MULHERES E LIDERANÇA: UM ESTUDO DAS BARREIRAS ENFRENTADAS EM SUAS CARREIRAS EM HOSPITAIS PRIVADOS DE MARINGÁ ...............................................4 BIANCA CAROLINE TRAVISAN, CLEICIELE ALBUQUERQUE AUGUSTO

A AGENDA DE INCLUSÃO FINANCEIRA NO BRASIL...................................................19 VILMA MEURER SELA, LIGIA GREATTI

O IMPACTO NO MERCADO BRASILEIRO DAS INOVAÇÕES DE SERVIÇOS DE EXPERIÊNCIA POR MEIO DE PLATAFORMAS ONLINE.....................................................................33 ARIZA JASER MUHAMMAD SHIHADEH, ERICA DA CRUZ NOVAES GONÇALVES DIAS

OBSTÁCULOS ÀS POLÍTICAS DE EMPREENDEDORISMO NO BRASIL: ANÁLISE COMPARATIVA DO PERÍODO 2007-2015................................................................45 ANA BEATRIZ TOMÁS SALLES E RENATA LÈBRE LA ROVERE, GUILHERME DE OLIVEIRA SANTOS

CRIAÇÃO DE NOVOS NEGÓCIOS: AS INCUBADORAS COMO SUPORTE À PROFISSIONALIZAÇÃO DA GESTÃO DAS MICROS E PEQUENAS EMPRESAS................57 TAKESHY TACHIZAWA, HAMILTON POZO

POUPANÇA À LONGO PRAZO.................................................................................72 ALBERTO DE CARVALHO PEIXOTO DE AZEVEDO, MARCIA CARVALHO DE AZEVEDO

http://publicacoes.ufabc.edu.br/reni/


Equipe Editorial Editor Chefe

José Henrique Bassi Souza Sperancini - Doutor em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP. Tem experiência em ensino e pesquisa nas áreas de economia da saúde, evolucionismo, economia do turismo e avaliação de políticas públicas com ênfase nos temas da inovação tecnológica e do desenvolvimento econômico.

Conselho Editorial

Alberto Sanyuan Suen - Doutor em Administração pela FEA-USP. Tem experiência nas áreas de Economia, Administração e Direito, com ênfase em Economia Financeira, Administração de Empresas e Direito Comercial Alexandre Ottoni Teatini Salles - Doutor em Economia pela University of Hertfordshire. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Institucional, Economia Pós-Keynesiana, economia monetária e financeira, história econômica e desenvolvimento econômico. Ana Claudia Polato e Fava - PhD pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, mestrado e graduação pela Universidade de São Paulo. Tem experiência em Microeconomia, Econometria, Desenvolvimento Econômico, Economia da Família e Finanças Pessoais. Anapatrícia de Oliveira Morales Vilha - Doutora em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP. Tem experiência na área de Estratégia competitiva e de inovação; Gestão de tecnologia e inovação; Gestão de inovação em economias emergentes; Tecnologia, inovação e desenvolvimento sustentável; Economia da inovação tecnológica; Estratégias empresariais; Políticas de ciência, tecnologia e inovação e Empreendedorismo. Hernàn Thomas (UNQ) - Doutor em Ciência e Tecnologia Política pela UNICAMP. Pós-doutorado no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (UNICAMP). Pesquisador do CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas) e professor da Universidade Nacional de Quilmes. Pesquisador (categoria 1) do programa de incentivo do Ministério da Educação. Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes. Ivan Fernandes é Bacharel em Relações Internacionais (2007) e Mestre e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2010). Foi Pesquisador Visitante com Bolsa de Doutorado Sanduíche na Universidade de Illinois em Urbana Champaign (2012). Tem experiência nas seguintes áreas de Ciência Política: tomada de decisão, política comercial, política burocrática, mudança institucional, voto econômico e a relação entre democracia e desigualdade social. http://lattes.cnpq.br/9951591696185495. Josmar Cappa - Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Economia, atuando principalmente nos seguintes temas: economia urbana e regional, políticas públicas contemporâneas, políticas públicas, transporte aéreo e aeroportos e economia do bem-estar social. Marta Cristina Marjotta - Mestrado e Doutorado em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: agronegócio, logística, marketing e setor sucroenergético. Mônica Yukie Kuwahara - Mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de microeconomia e economia do meio ambiente. Realiza pesquisas sobre qualidade de vida, desigualdade, desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental, com ênfase maior em seus indicadores e análises de políticas públicas. Octavio Augusto Camargo Conceição - Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Flutuações Cíclicas e Projeções Econômicas, atuando principalmente nos seguintes temas: instituições, abordagens institucionalistas, economia brasileira, desenvolvimento econômico e crescimento econômico. Ricardo Luiz Silveira da Costa - Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Filosofia Medieval e História Medieval.

Pareceristas

Alberto Sanyuan Suen (UFABC) Alexandre Ottoni Teatini Salles (UFF) Ana Claudia Polato e Fava (UFABC) Anapatrícia Morales Vilha (UFABC) José Henrique B. Souza Sperancini (UFABC) Josmar Cappa (PUC-Campinas) Marta Cristina Marjotta-Maistro (UFSCar) Márcia Carvalho de Azevedo (Unifesp) Mônica Yukie Kuwahara (UFABC) Octavio Augusto Camargo Conceição (UFRGS) Ricardo Luiz Silveira da Costa (UFES) Amilcar Davyt Garcia (UR) Caroline Rodrigues Vaz (UFSC) Prof. Dr. Raul Otto Laux (UNIFEBE) Marcos Ricardo Rosa Georges (PUC -Campinas) Takeshy Tachizawa (FACCAMP) Hamilton Pozo (FACCAMP)

Editoração

Ma. Kelly Cristina Silva Firmino Sandra Felix Santos Bruna de Paula Gomes


EDITORIAL O quinto número da “Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação” (RENI) apresenta três artigos derivados de trabalhos selecionados pelo Departamento de Administração da Universidade Estadual de Maringá no âmbito da 37a semana do administrador (Semad). Os demais artigos foram submetidos diretamente à revista. O primeiro artigo da Semad busca compreender como as mulheres lidam com as barreiras que encontram em suas carreiras na busca por cargos de liderança em hospitais. A partir de entrevistas semiestruturadas com quinze mulheres de sete hospitais privados de Maringá o artigo revela que as líderes enfrentam diversas dificuldades decorrentes da maternidade, da dupla jornada de trabalho e do machismo no ambiente de trabalho. Embora consigam alcançar cargos de liderança, é raro que ocupem cargos de primeiro escalão. Conclui o artigo que as líderes conseguem alcançar os cargos desejados, mas os maiores obstáculos aparecem no esforço pela manutenção da posição ocupada. O segundo artigo aborda a agenda de inclusão financeira no país. O estudo descritivo-qualitativo de leis, decretos, regulamentações, relatórios, atas e sites das organizações revelou que a agenda de inclusão financeira é fruto de um processo incremental, que se iniciou na década de 1970, com o microcrédito. Na década de 1990 a agenda ganhou nova dimensão com o Banco Central do Brasil trabalhando com atores do segmento no fortalecimento dos canais de acesso e com a criação de instrumentos para adequar os serviços ao público de baixa renda. O impacto da inovação de serviços por meio de plataformas online é tema do terceiro artigo. Abordando as plataformas Uber, e o Airbnb, Ariza Shihadeh e Erica Dias exploram a diferenciação frente aos tradicionais prestadores de serviço por meio dos conceitos de inovação disruptiva, percepções esperadas e obtidas pelos clientes e economia compartilhada. O estudo destaca impactos como a grande procura pelos serviços, a oportunidade de emprego para proprietários de bens subutilizados e as ameaças aos habituais prestadores de serviços. Os obstáculos que enfrentam as políticas de apoio ao empreendedorismo no Brasil são abordados pelo quarto artigo. Uma análise comparativa do ambiente institucional brasileiro entre 2007 e 2015, serve de base para entender os desafios que afetam o fomento à atividade empreendedora no país. Análise de conteúdo de entrevistas leva o trabalho entender que uma das razões para o fraco desenvolvimento socioeconômico brasileiro pode estar em uma arquitetura institucional que não prestigia o potencial empreendedor do provo brasileiro. Seria necessário, portanto, uma melhor compreensão das instituições que incentivem a livre iniciativa e o aproveitamento das virtudes da lógica impessoal do mercado. No quinto artigo, Takeshy Tachizawa e Hamilton Pozo analisam as contribuições das incubadoras para a criação e desenvolvimento de novas empresas. Os pesquisadores da Faccamp enfatizam novas possibilidades de atuação do gestor de incubadoras e do gestor-empreendedor e suas interações com o mercado e o meio ambiente. Entrevistas, pesquisas em sites das empresas incubadas e visitas às incubadoras revelam que as competências, os meios de difusão e o grau de interação com as universidades e centros de pesquisa são fundamentais para o êxito dos empreendimentos. Por fim, o sexto artigo trata do efeito dos juros compostos no longo prazo. Alberto de Carvalho Peixoto de Azevedo e Marcia Carvalho de Azevedo demonstram, com base no investimento de renda fixa mais popular no pais, a Caderneta de Poupança, o efeito multiplicador em prazos longos de investimento. Os autores da UnB e da Unifesp alertam para o fato de que o Brasil passa por um processo de envelhecimento acelerado, e que, provavelmente, se tornará um pais com população envelhecida antes de se tornar um país economicamente rico. Tal perspectiva, alertam os autores, exige que seus habitantes sejam capacitados em educação matemática e financeira, de forma que possam se preparar melhor para os desafios do novo ambiente social. Aproveitamos para agradecer os organizadores da Semad – Semana do Administrador da Universidade Estadual de Maringá pela disposição e interesse em publicar seus melhores trabalhos em nosso periódico. Editor Científico José Henrique Bassi Souza Sperancini. Editores executivos Anapatrícia Morales Vilha. Direção da Agência de Inovação da UFABC. Alberto Sanyuan Suen. Chefe da Divisão de Empreendedorismo Tecnológico da Agência de Inovação da UFABC Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

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Mulheres e liderança: um estudo das barreiras enfrentadas em suas carreiras em hospitais privados de maringá

REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO ISSN 2448-3664

MULHERES E LIDERANÇA: UM ESTUDO DAS BARREIRAS ENFRENTADAS EM SUAS CARREIRAS EM HOSPITAIS PRIVADOS DE MARINGÁ WOMEN AND LEADERSHIP: A STUDY OF BARRIERS FACED IN THEIR CAREERS IN THE PRIVATE HOSPITALS OF MARINGÁ

Bianca Caroline Travisan Graduada em Administração pela Universidade Estadual de Maringá E-mail: biancatravisan@hotmail. com

Cleiciele Albuquerque Augusto Professora Adjunta no Departamento de Administração da Universidade Estadual de Maringá Atua nas áreas de Estratégia e Recursos Humanos E-mail: cleicielealbuquerque@ yahoo.com.br

RESUMO Este trabalho buscou compreender como as mulheres lidam com as barreiras encontradas ao longo de suas carreiras na busca por cargos de liderança em hospitais privados na cidade de Maringá. A partir de um estudo qualitativo e descritivo, realizado em 2017, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com quinze mulheres de sete hospitais privados de Maringá. Os resultados revelaram que as líderes enfrentam diversas dificuldades ressaltadas pela literatura, como maternidade, dupla jornada de trabalho e machismo. Embora elas consigam alcançar cargos de liderança, eles são, em sua maioria, secundários, ou seja, é raro elas ocuparem cargos de primeiro escalão nos hospitais privados. Ainda, as organizações pesquisadas estão impregnadas de valores machistas e relações de poder, que se converteram em um grande obstáculo para as mulheres pesquisadas. Concluiu-se que, apesar das dificuldades enfrentadas, as mulheres conseguem alcançar os cargos de liderança desejados e que os maiores obstáculos decorrem da manutenção da posição ocupada. Palavras-chave: liderança feminina, hospitais privados, gestão de carreiras.

ABSTRACT UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL:RENI@UFABC.EDU.BR COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC

This paper aims to understand how women deal with the barriers encountered their careers in the search for leadership positions in private hospitals in the city of Maringá. From a qualitative and descriptive study conducted in 2017, semistructured interviews were conducted with fifteen women from seven private hospitals in Maringá. The results reveal that the leaders confront several difficulties that have been highlighted by the literature, such as maternity, double work and preconception. Although women manage to achieve leadership positions, the majority of them are secondary, therefore it is rare for a female leader to hold top-level positions in private hospitals. Moreover, the organizations surveyed are impregnated with macho values​​ and power relations, which have become a major obstacle for the women surveyed. It is concluded that, despite the difficulties faced, women manage achieve the desired leadership positions and that the greatest obstacles from the maintenance of the position occupied. Key words: female leadership, private hospitals, career management.

Classificação JEL: J, J7, J71, J710 4

Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Bianca Caroline Travisan, Cleiciele Albuquerque Augusto

1.

INTRODUÇÃO

Considerando-se o ambiente de negócios, e as suas relações de trabalho inerentes, percebe-se que uma das questões que está gerando transformações é a presença cada vez mais acentuada da figura feminina, ocupando cargos de gestão e liderança nas organizações (LEITE, 1994; ROBBINS, 2000; GOMES, 2005; IBARRA; ELY; KOLB, 2013). No entanto, apesar desse fenômeno estar ocorrendo constantemente, percebe-se que as mulheres ainda enfrentam dificuldades para alcançar e manter cargos de liderança nas organizações (STEIL, 1997; CARLI; EAGLY, 2007; KANAN, 2010). Entre as dificuldades encontradas pelas mulheres, destacam-se as relacionadas à cultura organizacional machista que predomina nas organizações (LEITE, 1994; BRUSCHINI; PUPPIN, 2004; SILVEIRA, 2009) e a maternidade e a dupla jornada de trabalho (LEITE, 1994; LODI, 1999; GOMES, 2005; CARLI; EAGLY, 2007). Por outro lado, nota-se que as mulheres possuem um estilo característico de gestão, que se enquadra no novo padrão de gestão das organizações, que buscam um profissional mais flexível, cooperativo e democrático (CASTELLS, 1999; MUNHOZ, 2000; ROBBINS, 2000; GOMES, 2005; DUARTE; D’OLIVEIRA; GOMES, 2009). Observando-se a atuação de mulheres que almejam cargos de liderança em hospitais privados, percebe-se que ainda há diversos empecilhos que restringem a participação feminina em tais cargos e ainda há barreiras no que concerne a sua qualificação profissional (ALVES et al., 2008; CRAMER, 2009). Tal situação é ocasionada devido a constante manutenção das relações de poder existentes nos hospitais que direciona profissionais do sexo feminino, em geral, para cargos secundários que não exigem alta visibilidade e esforços (ALVES et al., 2008; CRAMER, 2009). Diante desse contexto, o objetivo deste trabalho é compreender como as mulheres lidam com as barreiras encontradas ao longo de suas carreiras na busca por cargos de Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

liderança em hospitais privados. Para tanto, busca-se levantar quais características de liderança as mulheres investigadas possuem, bem como identificar os aspectos do estilo de liderança feminino presentes e averiguar são as dificuldades encontradas pelas mulheres na ascensão de suas carreiras. Entende-se que estudar o fenômeno das mulheres nas lideranças das organizações é significativo, uma que vez que as mulheres ainda são percebidas como um grupo de identidade social excluído e inferior quando se trata de alguns processos organizacionais, principalmente a promoção para cargos de alta gerência (SILVEIRA, 2009). Ainda, é necessário apreender quais são os tipos de dificuldades que as mulheres enfrentam e como as mesmas lidam com essas situações (EAGLY; CARLI, 2007). Para atingir o objetivo proposto, além dessa introdução que engloba o problema e os objetivos da pesquisa, apresenta-se um segundo capítulo, com a revisão teórica utilizada. Sob esse enfoque discute-se liderança, estilos de liderança, estilos de liderança e gênero, mulheres na liderança (dificuldades e barreiras) e gestão de carreiras. O terceiro capítulo apresenta a metodologia empregada, em que são apresentados a natureza, tipo e abordagem da pesquisa e explicita também, a coleta de dados efetuada. O quarto capítulo se dedica a análise dos resultados obtidos por meio das entrevistas realizadas. Por fim, o quinto e sexto capítulo se referem, respectivamente, às conclusões e às referências utilizadas.

2.

REVISÃO DA LITERATURA

A fim de se compreender o fenômeno da inserção das mulheres em cargos de liderança nas organizações, bem como as dificuldades encontradas durante o processo, é necessário que haja uma exposição, em um primeiro momento, dos conceitos de liderança. Além do mais, haverá a apresentação dos estilos de liderança que podem ser adotados, a relação entre a figura feminina e a liderança e também uma abordagem sobre a gestão de carreiras atualmente. 5


Mulheres e liderança: um estudo das barreiras enfrentadas em suas carreiras em hospitais privados de maringá

2.1. LIDERANÇA E ESTILOS DE LIDERANÇA

facilidade de comunicação, sensibilidade, flexibilidade, disposição para se trabalhar em equipe e de também dividir decisões. Entende-se que, segundo Robbins (2000, p. 413), as mulheres tendem a adotar um estilo de liderança mais democrático e recorrem as suas habilidades e carisma para influenciar os outros. Ainda, Duarte, D’Oliveira e Gomes (2009) analisam a relação entre as abordagens contingenciais de liderança propostas por Burns (1978) com o gênero. Os autores afirmam que a liderança transacional é normalmente atribuída ao gênero masculino, que é mais autocrático e voltado para tarefas. Além disso, o estilo de liderança transformacional, por apresentar características de democracia, participação e ser voltado para as pessoas, tende a ser adotado pelas mulheres, uma vez que as mesmas, em sua maioria, manifestam tais aspectos naturalmente (DUARTE; D’OLIVEIRA; GOMES, 2009). Apesar das organizações ainda estarem impregnadas de valores masculinos, a situação vem gradativamente se alterando para que as empresas estejam cada vez mais alinhadas com a economia globalizada. Logo, o modelo masculino de gestão está sendo questionado e o novo padrão de gestão das organizações exige um perfil de profissional que seja mais flexível, sensível e cooperativo, características que são extremamente desenvolvidas nas mulheres de forma geral (MUNHOZ, 2000; ROBBINS, 2000; GOMES, 2005; DUARTE; D’OLIVEIRA; GOMES, 2009).

A liderança, conforme Stoner e Freeman (1999, p. 344), é o processo de “dirigir e influenciar as atividades relacionadas às tarefas dos membros do grupo”. Os autores sugerem três implicações sobre essa definição: liderança envolve outras pessoas, ela engloba uma partilha desigual de poder entre o líder e seus subordinados e, por fim, ela é capaz de utilizar as diferentes formas de poder para influenciar o comportamento dos seguidores. Além do aspecto de influenciar pessoas, Robbins (2000, p. 371) acrescenta que a liderança implica em ações que “[...]facilitam o movimento de um grupo de pessoas rumo a metas comuns ou compartilhadas”. Segundo Dias e Borges (2015) a liderança não é somente manifestada pelo cargo ocupado, mas também por cooperação de outras pessoas. Além do mais, a liderança “é deliberadamente, fazer com que as ações conduzidas por pessoas sejam planejadas, para permitir a realização do programa de trabalho do líder” (CROSBY, 1999, p. 2). Sobre as novas abordagens de estilos de liderança, Bergamini (1994) e Dias e Borges (2015), basearam-se na teoria proposta por Burns (1978) para definir dois tipos básicos de líderes: os transacionais e transformacionais. A liderança transacional é fundamentada na autoridade burocrática, na legitimidade no interior da organização e é voltado para tarefas (DIAS; BORGES, 2015). Já os líderes transformacionais, conforme os autores, procuram motivar seus seguidores e estarem 2.1.1.1 MULHERES NA LIDERANÇA: conectados com os mesmos, além do mais DIFICULDADES E BARREIRAS são voltados para pessoas. Atualmente, apesar da mulher estar 2.1.1.  ESTILOS DE LIDERANÇA presente de forma mais acentuada nos cargos E GÊNERO: CARACTERÍSTICAS DA de liderança das organizações, ainda existem LIDERANÇA FEMININA preconceitos que dificultam a sua ascensão rumo ao cargo desejado (STEIL, 1997; Focando-se de uma forma mais acentuada CARLI; EAGLY, 2007; KANAN, 2010). Sendo no estilo de liderança feminino, Leite (1994), assim, observa-se que a partir do momento Carrieri et al. (2013) e Machado (2002), que as mulheres atingem um certo nível nas afirmam que as mulheres possuem um organizações não raro se defrontam “com estilo de gestão característico devido a suas uma barreia invisível – o telhado de vidro – habilidades naturais que incluem maior obstaculizando seu avanço. O conceito de objetividade, perseverança, cooperatividade, 6

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telhado de vidro se aplica a mulheres como um grupo impedido de avançar porque são mulheres” (KANAN, 2010, p. 249). Além do mais, as mulheres, quando inseridas nas organizações em altos cargos, enfrentam barreiras a sua aceitação por causa do gênero e também devido aos estereótipos machistas de gestores existente em grande parte das empresas (LEITE, 1994; BRUSCHINI; PUPPIN, 2004; SILVEIRA, 2009). Segundo Lodi (1999) e Carli e Eagly (2007), outras barreiras que concernem a mulher e sua ascensão é a dupla jornada de trabalho, uma vez que a vida doméstica é vista como função feminina, e também, a maternidade. Ainda, o processo de promoções dentro das organizações é mais lento para mulheres e também elas ainda possuem salários relativamente mais baixos se comparadas aos indivíduos do sexo masculino (CASTELLS, 1999; CÔRREA, 2004; CARLI; EAGLY, 2007). Levando-se em consideração a atuação de mulheres que almejam cargos de liderança em hospitais privados, Alves et al. (2008, p. 12) e Cramer (2009), observam que há diversos empecilhos que limitam as possibilidades de inserção de profissionais do sexo feminino em cargos diferenciados. Conforme os autores, esses empecilhos ocorrem principalmente devido as relações de poder já estabelecidas dentro dos hospitais, que direcionam, sutilmente, as mulheres a funções secundárias que não exigem alta visibilidade e esforços. Apesar de todas as restrições e discriminações que as mulheres enfrentam quando presentes em diversos setores produtivos tem sido impossível reverter esse processo de inserção das mulheres em cargos de gestão (LEITE, 1994). Ademais, a autora afirma que o conhecimento é uma das formas pela qual a mulher pode obter cargos hierárquicos superiores nas organizações. Ainda, a mulher do século XXI, segundo Gomes (2005), possui o desafio de recuperar o que foi perdido durante os séculos de repressão, através da aplicação do seu talento na ampliação do seu conhecimento. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

2.2. GESTÃO DE CARREIRAS De acordo com Hughes (1937), o conceito moderno de carreira visualiza a mesma como sendo, de maneira objetiva, uma sequência de papéis e status. Já subjetivamente “a carreira é uma perspectiva dinâmica na qual um indivíduo observa sua vida como um todo e interpreta o sentido dos seus vários atributos, ações e situações que acontecem com ele” (HUGHES, 1937, p. 409-410, tradução nossa). Sendo assim, a carreira é percebida, não como algo a ser determinado, mas sim algo a ser construído através de um papel proativo do trabalhador ao longo desse processo. A partir então da percepção da carreira moderna e de suas definições, surge o modelo de “auto-gestão da carreira”, que segundo Fontenelle (2007), é um dos desafios da nova economia do conhecimento é o gerenciamento da carreira como se fosse um empreendimento individual, ou seja, a “auto-gestão da carreira”. Nesse sentido, Bridges (1995), aponta que os indivíduos precisam desenvolver uma mentalidade de administração das suas carreiras, que seja mais semelhante a um vendedor do que um empregado tradicional.

3.

METODOLOGIA

A fim de se realizar o presente trabalho utilizou-se uma metodologia de pesquisa qualitativa que possui um aspecto descritivo e uma abordagem teórico empírica. Além do mais, a presente investigação foi elaborada em três etapas. Em uma primeira etapa, foram delineados o problema de pesquisa, os objetivos decorrentes, a justificativa para a realização da presente investigação, bem como a revisão teórica sobre o tema. Nessa primeira etapa, a fim de se atingir os objetivos propostos, realizou-se uma pesquisa de caráter bibliográfico. Na segunda etapa, os procedimentos metodológicos foram desenhados. Nesse sentido, destacase a elaboração do roteiro de entrevistas e o levantamento de dados junto as mulheres entrevistadas e a posterior transcrição das entrevistas realizadas. Por fim, na terceira 7


Mulheres e liderança: um estudo das barreiras enfrentadas em suas carreiras em hospitais privados de maringá

etapa, realizou-se a compilação e também Nesse sentido, o roteiro é composto análise dos dados coletados, seguidos por cinco partes principais. A primeira pelas considerações finais sobre o assunto visou estabelecer o perfil das mulheres pesquisado. entrevistadas. Já a segunda parte buscou investigar quais características de liderança 3.1. TIPOS DE DADOS, METÓDO DE estão presentes nas lideradas entrevistadas. COLETA E ANÁLISE DOS DADOS A terceira parte procurou examinar quais aspectos do estilo de gestão feminino as Os dados utilizados foram tanto entrevistadas possuem. A quarta seção primários quanto secundários, sendo que teve como objetivo levantar as dificuldades os secundários foram reunidos a partir da enfrentadas por elas ao longo de suas carreiras pesquisa bibliográfica. Os dados primários e também o modo empregado pelas mesmas foram obtidos através de entrevistas gravadas para lidarem com essas situações. A análise e transcritas mediante a autorização expressa de dados foi organizada a partir de cada de cada uma das entrevistadas. As entrevistas objetivo específico estabelecido no presente foram estruturadas através de um roteiro estudo. Para realizar a análise dos dados, foi elaborado a priori, organizadas, notadamente, utilizada o método interpretativo. A Figura a partir dos objetivos específicos propostos e 1 indica o esquema de análise utilizado na da revisão teórica realizada. presente investigação. Figura 1 – Esquema de análise

Fonte: elaborado pela autora

3.2. OBJETO DE ESTUDO E PERFIL DOS ENTREVISTADOS O objeto de estudo da presente pesquisa são mulheres que exerçam cargos de liderança em hospitais privados de Maringá. Os cargos analisados 8

foram somente aqueles denominados administrativos e também de farmácia, não compreendendo então, cargos de competência médica. Participaram da pesquisa sete hospitais privados na cidade de Maringá, denominados aqui: “Hospital A”; “Hospital B”; “Hospital C”; “Hospital Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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D”; “Hospital E”; “Hospital F”; “Hospital trabalho nele e também os respectivos cargos G”. O Quadro 1 expõe quais são hospitais ocupados pelas mesmas, além de outras em que as entrevistadas atuam, o tempo de informações tais como formação e idade. Quadro 1 – Informações das mulheres entrevistadas

Entrevistada Idade

Formação

Hospital

Tempo no hospital

Cargo

1

39

Administração

A

22 anos

Gerente de vendas

2

32

Pedagogia

B

2 anos

Chefe de leitos

3

35

Educação física/Pós em gestão de pessoas

C

Mais de 10 anos

Chefe de recepção

4

55

Sem formação

AeB

A: 5 anos e B: 4 anos

Gerente administrativa noturna

5

32

Sem formação

D

8 anos

Chefe de recepção

6

32

Enfermagem

D

12 anos

Gerente administrativa

7

34

Farmácia

E

4 anos

Gerente de faturamento

8

31

Nutrição

E

4 anos

Coordenadora de nutrição/copa

9

70

Administração Hospitalar

FeG

F: 3 meses e G: mais de 10 anos

Diretora administrativa

10

37

Turismo e Hotelaria

E

1 ano

Gerente de hotelaria/higienização

11

42

Pedagogia/Administração

G

19 anos

Gerente de faturamento

12

38

Psicologia

A

6 anos

Gerente de recursos humanos

13

61

Bioquímica

F

22 anos

Diretora administrativa

14

51

Administração/Pós em administração hospitalar

A

23 anos

Diretora institucional

15

39

Farmácia

G

12 anos

Coordenadora de farmácia

Fonte: Elaborado pela autora

Foram entrevistadas quinze mulheres que possuem idade entre 31 e 70 anos, sendo que a maioria delas são casadas e possuem filhos. Três das entrevistadas alcançaram cargos de diretoria e as demais ocupam cargos de gerência e coordenação. Além disso, somente duas entrevistadas não concluíram o ensino superior.

4. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Nesta seção, é apresentado os dados, bem como os resultados e análises obtidos por meio das entrevistas realizadas, a fim de que os mesmos sejam confrontados perante o que é disponibilizado pela literatura empregada sobre a temática. A apresentação, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

análise e discussão tem três momentos: o primeiro demonstra quais as características de liderança as entrevistadas possuem; o segundo momento abarca os aspectos da liderança feminina que foram levantados junto ao objeto de estudo; e por fim, o terceiro momento traz quais foram as dificuldades encontradas pelas mulheres entrevistadas na ascensão de suas carreiras. 4.1. CARACTERÍSTICAS DE LIDERANÇA Em relação as características de liderança encontradas nas mulheres líderes nos hospitais privados, observou-se que todas as entrevistadas possuem tais características inerentes a um sujeito líder, seja em menor 9


Mulheres e liderança: um estudo das barreiras enfrentadas em suas carreiras em hospitais privados de maringá

ou maior grau. Todas afirmaram que são capazes de influenciar e motivar os seus subordinados, situação que fica explicitada na fala da entrevistada 11: “sim, me considero. Eu acho isso muito importante, não só para o funcionário mas para mim. Se eu motivo esse funcionário, a minha relação de trabalho e as respostas são bem melhores”. Essa percepção, geral entre as entrevistadas, também pode ser exemplificada na resposta da entrevistada 1:

Acredito que sim. No nível de liderança não basta você ter somente o conhecimento técnico, tem que ter também um nível de influência e motivação. Eu acredito que o bom exemplo e a inspiração acabam tornando-se necessário para que as pessoas desenvolvam o trabalho conforme a empresa precisa.

O perfil das entrevistadas confirma o exposto por Stoner e Freeman (1999), de que o líder possui a capacidade de influenciar o comportamento dos seus seguidores. Além do mais, as entrevistadas citaram de forma recorrente que o bom exemplo é uma ação que facilita o processo de influência e que também favorece o movimento do grupo rumo aos objetivos da organização, o que

corrobora a afirmação de Robbins (2000), de que o líder é responsável por desenvolver essas ações com o grupo a fim de que as metas comuns e compartilhadas sejam alcançadas. As entrevistadas também acreditam na importância de se esclarecer as regras, o papel e o que é esperado de cada colaborador dentro da organização. Além disso, constatou-se que as entrevistadas procuram envolver os subordinados na maioria das decisões tomadas. A entrevistada 14 indica que: “isso é importantíssimo. Hoje quem não faz uma gestão participativa terá muitas dificuldades. A minha gestão, ela é participativa”. Entende-se então, que o pensamento das entrevistadas é concordante com o que afirma Dias e Borges (2015) e Crosby (1999), ou seja, que a liderança é exercida por meio da cooperação das pessoas e que tudo se alcança por meio da participação das mesmas. Ademais, o Quadro 2 demonstra as respostas das entrevistadas com relação ao envolvimento dos subordinados na tomada de decisão.

Quadro 2 – Respostas das entrevistadas sobre envolvimento dos subordinados na tomada de decisão

Entrevistada

O que as entrevistadas acham sobre envolver os subordinados na tomada de decisão

1

Procura envolver os subordinados, mas acredita que certas decisões não cabem ao pessoal de base.

2

Envolve os subordinados para que eles entendam toda a dinâmica do trabalho.

3

Envolve e leva em consideração as ideias dos subordinados.

4

Procura envolver porque acha importante ouvir os liderados.

5

Acredita ser essencial contar com o envolvimento dos subordinados.

6

Envolve, pois, os liderados estão mais ligados com questões cotidianas e podem dar sugestões diferenciadas.

7

Envolve os subordinados para que eles se sintam importantes e parte da equipe.

8

Envolve para mostrar para equipe o porquê das coisas.

9

Procura envolver em decisões que são pertinentes as funções de cada um.

10

Procura envolver os subordinados que também possuem cargos de liderança inferiores ao dela.

10

Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Bianca Caroline Travisan, Cleiciele Albuquerque Augusto

11

Acredita que o envolvimento dos liderados ajuda a melhorar a gestão.

12

Envolve o subordinado dependendo da decisão a ser tomada.

13

Envolve o subordinado dependendo da decisão a ser tomada, mas acha importante ouvir e trocar ideias com eles.

14

Procura envolver o subordinado pois acredita que a gestão participativa é importante.

15

Acredita que atualmente é importante envolver a todos na tomada de decisão.

Fonte: Elaborado pela autora

Sobre a conexão com os subordinados, grande parte das entrevistadas afirmaram que, apesar de cultivarem boas relações com todos, é também um desafio manter essa situação sem que os mesmos ultrapassem os limites e atrapalhem no trabalho e na liderança desenvolvida por elas. A entrevistada 15 respondeu: “eu sou bem conectada. Mas as vezes eu sinto que é preciso uma barreira, porque esses mesmos colaboradores as vezes não sabem até onde eles podem ir”. Semelhantemente, a entrevistada 1 expôs que: “eu me sinto próxima mas procuro manter um limite para que as coisas não se misturem. Mas é importante você ter um vínculo e ter uma amizade com os subordinados”. Já a entrevistada 3 afirmou que, apesar de se sentir conectada, ela percebe que: “quando você tem um cargo de chefia eles ficam um pouquinho na retaguarda, com o pé atrás. Eu sinto deles que tem uma barreira me impedindo de estar mais ligada”. Observando-se as respostas das mulheres participantes com relação a temática, percebe-se, de maneira geral, que elas são portadoras das características de liderança ressaltadas pela literatura empregada que destaca o processo de influência e motivação entre o líder e subordinado, bem como a mútua ligação entre eles. 4.2. ASPECTOS DO ESTILO DE LIDERANÇA FEMININA

delas se consideram flexíveis com algumas ressalvas. Segundo a entrevistada 4: “as vezes você tem que saber ponderar essa flexibilidade, quando tem uma situação e você aceita muito, as vezes eles misturam”. Por outro lado, a entrevistada 1, que não se considera flexível, expôs que isso ocorre devido ao ambiente masculinizado em que trabalha. Ela afirmou que: “não sou muito não. Eu não sei se pelo fato de ser feminina e haver muitos homens trabalhando aqui e isso te leva a não querer se mostrar tão frágil, tão boazinha”. De acordo com as respostas obtidas, nota-se que as características do estilo de liderança feminino tais como ser cooperativa, comunicativa e dispostas a trabalhar em equipe estão presentes em todas as líderes participantes da pesquisa. Sobre o tema, a entrevistada 15 ressaltou que: “meu método de liderança é sempre priorizar a equipe”, e a entrevistada 11, de forma semelhante, apontou: “eu trabalho muito em equipe, para mim são colaboradores, pessoas que trabalham comigo”. Ainda, a entrevistada 9 destacou que a sua comunicação faz com que ela se volte para o trabalho em equipe, como fica evidente em sua fala: Eu acho que eu sou uma pessoa muito comunicativa, eu não consigo ver um hospital trabalhar se não for por equipe. Se você não estruturar equipes, principalmente dentro de um hospital que todos os serviços se interligam, todos eles estão voltados para o paciente, você não consegue nada.

No que diz respeito aos aspectos do estilo Ainda, quando questionadas sobre de liderança feminina presentes nas mulheres sensibilidade, percebeu-se que em sua maioria entrevistadas, averiguou-se que grande parte as participantes não se consideram sensíveis, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

11


Mulheres e liderança: um estudo das barreiras enfrentadas em suas carreiras em hospitais privados de maringá

sendo que essa foi a única característica de liderança feminina que não está presente de forma geral nas entrevistadas. Aquelas que se julgam sensíveis, alegam que o são de uma maneira que não as prejudiquem no trabalho e no cumprimento de suas tarefas. A entrevistada 9 pontuou: “eu tenho sim um nível de sensibilidade. Mas no cargo de diretora em muitos momentos você tem que não ter sensibilidade, você tem que ter pulso firme”. Esse aspecto diverge do que foi afirmado por Gomes (2005) e Carrieri et al. (2013) que a liderança feminina é marcante por sua sensibilidade, uma vez que 8 dentre 15 entrevistadas não possuem esse atributo. Além disso, elas afirmaram que suas habilidades e carisma são suficientes para exercerem sua autoridade. Algumas

destacaram que, em determinados momentos, recorrem a autoridade formal do cargo, mas que essas situações são raras. As respostas dadas vão ao encontro do que foi afirmado por Robbins (2000), de que as mulheres conseguem exercer influência e autoridade sobre seus subordinados através de suas habilidades e carisma. Ademais, constatou-se que nove dentre quinze entrevistadas se consideram líderes totalmente voltadas para pessoas. Sobre a temática, a entrevistada 9 revelou que: “eu acho que eu sou mais pra pessoas. Eu acho que pegando a pessoa você desenvolve as tarefas”. Ainda, o Quadro 3 demonstra as características de liderança feminina e também a orientação das entrevistadas para pessoas ou tarefas.

Quadro 3 – Características da liderança feminina nas entrevistadas

Entrevistada

Flexível

Cooperativa

Comunicativa

Sensível

Tarefas/Pessoas

1

Não

Sim

Sim

Não

Tarefas

2

Sim

Sim

Sim

Sim

Pessoas

3

Sim

Sim

Sim

Não

Tarefas

4

Sim

Sim

Sim

Sim

Pessoas

5

Sim

Sim

Sim

Não

Pessoas

6

Sim

Sim

Sim

Não

Tarefas

7

Sim

Sim

Sim

Não

Pessoas

8

Não

Sim

Sim

Não

Pessoas

9

Não

Sim

Sim

Não

Pessoas

10

Sim

Sim

Sim

Sim

Pessoas

11

Não

Sim

Sim

Sim

Misto

12

Sim

Sim

Sim

Sim

Pessoas

13

Sim

Sim

Sim

Sim

Pessoas

14

Sim

Sim

Sim

Sim

Misto

15

Não

Sim

Sim

Não

Tarefas

Fonte: Elaborado pela autora

Os dados coletados confirmam aquilo que Leite (1994), Machado (2002) e Carrieri et al. (2013) atribuem como sendo características pertencentes ao estilo feminino de liderança, ou seja, flexibilidade, priorização do trabalho em equipe, comunicação e também um alto grau de conexão com os seus subordinados. Além do mais, compreendeu-se que as mulheres entrevistadas exercem o estilo de liderança transformacional, harmonizando assim com Duarte, D’ Oliveira e Gomes (2000), uma vez que as autoras mostram 12

a líder mulher como sendo mais voltada para a democracia, participação e pessoas, características inerentes de uma liderança transformacional. 4.3. DIFICULDADES ENCONTRADAS NA ASCENSÃO DAS CARREIRAS Em relação as dificuldades encontradas pelas mulheres líderes entrevistadas durante a ascensão de suas carreiras, observou-se que a maioria dos empecilhos relatados Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Bianca Caroline Travisan, Cleiciele Albuquerque Augusto

estão mais vinculados a manutenção do cargo do que com o seu alcance. Sobre o tema, muitas participantes afirmaram que conquistar o reconhecimento e a aceitação é algo extremamente árduo. A entrevistada 4 expôs que: “existe uma resistência natural a uma líder mulher ‘quem que é essa mulher? Quem ela pensa que é?’ Então é muito difícil”. Ademais, a entrevistada 1 relatou que: “ainda existe esse pensamento de que talvez a mulher não deveria estar em cargos de liderança e os homens normalmente tem esse ‘pé atrás’ quando é uma mulher que vai tomar essa decisão”. Percebe-se que as respostas coletadas confirmam o que foi evidenciado por Leite (1994), Bruschini e Puppin (2004) e Silveira (2009), que as mulheres enfrentam barreiras a sua aceitação devido ao estereótipo machista de gestores presente nas organizações. Além disso, constatou-se que elas se sentem pressionadas a mostrarem suas competências e habilidades constantemente por serem mulheres, principalmente no início de suas carreiras. Algumas relataram que se sentem avaliadas de maneira frequente tanto por superiores quanto por subordinados, situação que as deixam extremamente desconfortáveis. A entrevistada 2 disse que: “no começo da carreira foi muito difícil porque eu era bem nova e por ser mulher eu sentia que eu tinha que provar toda hora a minha competência. Eu tinha um supervisor que, por eu ser mulher, ele achava que tinha que ficar em cima e eu não poderia tomar decisões sozinha”. Outra dificuldade mencionada pelas mulheres entrevistadas foi o telhado de vidro, algo que obstaculiza o avanço das mesmas em direção a cargos mais altos de liderança, devido ao seu gênero. Tal situação evidencia o que foi afirmado por Kanan (2010), que as mulheres conseguem alcançar um determinado nível hierárquico nas organizações, mas que, para atingirem níveis superiores, as mesmas se deparam com uma barreira invisível, ou seja, o telhado de vidro. A entrevistada 9, que possui um cargo de diretoria, indica essa Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

situação na sua fala:

Normalmente uma grande dificuldade é que a maioria dos cargos de diretoria, seja no hospital público ou no privado, ainda são ocupados por médicos e homens. Você pode encontrar mulheres num segundo escalão como gerente de relacionamento, como gerente disso, mas primeiro escalão quase que majoritariamente é homem. Mas você vê, devagar a gente vai conquistando espaço. Antigamente era muito mais difícil, hoje as coisas já estão se abrindo mais e está dando para alcançar cargos mais altos. Eu acho que tudo é possível, vai de como você se posiciona em termos de uma participação de ‘olha eu tenho esse conhecimento, eu posso colaborar’. Eu digo assim, eu fui pioneira em muitas coisas, então abrir o caminho foi muito mais difícil.

Outro ponto que se apresenta como um empecilho para as mulheres líderes são os salários relativamente mais baixos do que os oferecidos para líderes do sexo masculino. A entrevistada 11 confirmou que: “o que se encontra, que é bem sabido é com relação a salário. O salário ainda é diferente de uma mulher para um homem. Isso é notório. Já vi e já senti isso várias vezes”. A entrevistada 4, que atua em hospitais privados há mais de 10 anos, notou que não ocorreram mudanças no sentido de atenuar a desigualdade entre os salários femininos e masculinos. Sobre o assunto, ela afirmou que “os salários sempre foram menores né, desde aquela época eram menores do que os dos homens”. Além do mais, as entrevistadas 2 e 4 apontaram o assédio sexual como algo já enfrentado por elas no início de suas carreiras. Por serem extremamente jovens e inexperientes, elas acreditam que sofreram assédio por parte dos seus superiores, situação que fica evidente na fala da entrevistada 4: “como eu era jovem, os meus chefes eles investiam contra mim e também contra as outras meninas, na área de assédio entendeu?”. Ainda, as líderes 4 e 9 relataram casos de agressão física cometidos contra elas, uma delas relatou que “ele pegou no meu braço e começou a me sacudir e eu não fiz nada porque tinha muita consideração pela empresa. Mas ele podia fazer isso? Meu braço ficou com a marca da mão do cara”. A entrevistada 9 contou que: “eu já levei quatro tapas no rosto. Conversando numa boa, eu 13


Mulheres e liderança: um estudo das barreiras enfrentadas em suas carreiras em hospitais privados de maringá

levei 4 tapas no rosto e isto porque eu estava falando com a voz mais tranquila [...] foram tapas de homens”. Duas das dificuldades que foram mais realçadas pelas mulheres entrevistadas foram a maternidade e a dupla jornada de trabalho. Todas as mulheres casadas e com filhos apontaram que se sentem esgotadas com as tarefas domésticas e com a maternidade, e, ainda, muitas afirmaram que não há uma colaboração efetiva dos maridos. A entrevistada 8 destacou: “a maternidade exige muito e o trabalho de casa ele não para né. Meu marido não me ajuda muito, dai isso piora a situação”. Ademais, a entrevistada 4 afirmou que: “eu acho que a gente é mais penalizada por isso, porque esse trabalho de casa parece que ele não tem valor sabe? Talvez porque não é remunerado, mas é um trabalho constante”. As respostas vão ao encontro do que foi ressaltado por Lodi (1999) e Carli e Eagly (2007), que a maternidade e a dupla jornada de trabalho são problemas centrais quando se discute as mulheres em cargos de liderança nas organizações. Entretanto, apesar desse empecilho a entrevistada 1 concluiu que:

pejorativos, intimidação e agressão verbal. Além disso, as mulheres relataram que as vezes não são levadas a sério justamente por serem mulheres. Sobre o assunto a entrevistada 11 explicou que “se eu fosse um homem eu acho que essas agressões verbais seriam um pouco mais leves. A mulher ainda é vista como um sexo frágil, é mais fácil um homem gritar com uma mulher do que gritar com um homem”. Ademais, a entrevistada 8 expôs que: Na minha mente não vem nenhum caso muito específico né, vem vários casos e coisas pequenas que já ocorreram mais de uma vez. Então assim o homem ele tem mania de usar uma certa autoridade e tentar te intimidar, então aconteceram casos nesse sentido de intimidação, de usar uma palavra mais rude, ser grosseiro, meio desrespeitoso, usar uns termos pejorativos tipo ‘entendeu mulher?’ [...] com certeza se fosse com um outro homem ele não estaria falando dessa maneira. E eu acredito que tenha o machismo para o outro lado, já tive superiores bem atenciosos que cuidavam mais por considerar a gente o ‘sexo frágil’, então faltava esse tratamento de igual para igual.

Além disso, percebe-se que nenhuma das entrevistadas foram designadas para posições hierárquicas inferiores. Elas afirmaram que suas carreiras se deram de forma crescente, a mulher tem uma habilidade de fazer várias ou seja, sempre galgando posições melhores coisas ao mesmo tempo que o homem não tem. Se a e nunca retrocedendo para algum cargo gente quiser se manter no que a gente briga para ter inferior. Essa constatação diverge do exposto tem que ter jogo de cintura né, se não a gente tem por Carrieri et al. (2013), que as mulheres que voltar e ser do lar. ocupam posições hierárquicas de menor nível, Muitas entrevistadas mencionaram o mesmo quando possuem uma qualificação machismo como um problema enfrentado mais elevada do que os homens. Ademais, o com grande frequência. O machismo Quadro 4 explicita as dificuldades que cada percebido é com relação a piadas e termos entrevistada pontuou. Quadro 4 – Dificuldades encontradas na ascensão das carreiras das entrevistadas

Dificuldades encontradas na ascensão das carreiras

Entrevistadas

Pressão para mostrarem suas competências

1, 2 e 3

Avaliação constante

2e3

Aceitação

1, 4, 7 e 13

Assédios

2e4

Salários

4 e 11

Telhado de vidro

1e9

Maternidade

1, 3, 4, 7, 8, 12 e 14

Dupla jornada de trabalho

1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 11, 12 e 14

Agressão física

4e9

Machismo

2, 3, 4, 6, 8, 9, 10 e 11

Fonte: Elaborado pela autora

14

Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Bianca Caroline Travisan, Cleiciele Albuquerque Augusto

Observa-se que grande parte das dificuldades relatadas estão de acordo com o que foi pontuado pela literatura empregada. Destaca-se que a maternidade, a dupla jornada de trabalho e o machismo foram os empecilhos mais citados pelas mulheres líderes. Já a sensação de avaliação constante, o assédio, o telhado de vidro e a agressão física, foram as barreiras com menor ocorrência entre elas. Por fim, uma pequena quantidade das entrevistadas (5 e 15) não souberam pontuar dificuldades específicas na ascensão e na manutenção de seus cargos de liderança. 4.4. COMO AS MULHERES LIDAM COM AS DIFICULDADES ENCONTRADAS Diante dos dados coletados, percebe-se que as mulheres entrevistadas, de uma forma geral, lidam com os empecilhos apresentados de maneira semelhante, ou seja, sempre procurando demonstrar as competências e as habilidades que as mesmas possuem para ocupar tal cargo. A entrevistada 14 expôs que: “eu me esforcei e mostrei que tinha condições e capacidade de desenvolver o trabalho que eu venho desenvolvendo até hoje”. Ainda, a entrevistada 1 afirmou que: “é um espaço que desde que você tenha técnica e habilidade, você vai conquistando”. Essa mesma entrevistada ainda aponta que no início do cargo recorreu a uma postura mais

rígida para tornar válida sua autoridade, segundo ela: “as vezes a gente tem que ser mais dura para mostrar que pode e depois quando percebem que você tem qualificação você pode amenizar um pouquinho mais”. De forma semelhante, algumas participantes acreditam que para se lidar com os empecilhos apresentados é necessário assumir um posicionamento e uma postura que transmitam a autoridade do cargo ocupado, a entrevistada 10 alegou que: “sempre procurei resolver isso com muito jogo de cintura né, então eu acho que é uma questão de postura, de você se posicionar e fazer valer o seu cargo independentemente de você ser mulher”. Outra forma apontada pelas mulheres entrevistadas para se lidar com as dificuldades encontradas na ascensão de suas carreiras é a busca pelo conhecimento, profissionalização e, também, pelo entendimento do funcionamento do hospital como um todo. A entrevistada 4 afirmou que: “acho que essa foi minha maneira de lidar, a busca pelo conhecimento e procurando sempre aprender como o hospital funcionava”. Com isso, harmoniza-se com o que foi pontuado por Leite (1994) e Gomes (2005), sobre a busca pelo conhecimento ser algo central para a mulher alcançar cargos superiores e também para resgatar o que foi perdido durante os séculos de repressão vivenciados.

Quadro 5 – Como as entrevistadas lidam com os empecilhos encontrados

Como as entrevistadas lidam com os empecilhos encontrados

Entrevistadas

Demonstração de competência e habilidade

1, 2, 3, 11, 14, 15

Postura de autoridade e segurança

1, 4, 9, 14

Busca pelo conhecimento e profissionalização

4 ,9, 10, 11, 13

Fonte: Elaborado pela autora

Ainda, o quadro 5 apresenta a maneira de lidar com as barreiras que cada uma das entrevistadas adota. Analisando-se esse quadro, percebe-se que algumas mulheres entrevistadas (5, 6, 7, 8 e 12) não souberem pontuar o modo empregado para lidarem com as dificuldades encontradas na busca pelos cargos de liderança. Já as líderes 1, 4, 9, 14 e 11 adotam pelo menos duas das três formas mencionadas pelas entrevistadas Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

(demonstração de competências e habilidades, postura de autoridade e segurança, busca pelo conhecimento e profissionalização).

5.

CONCLUSÃO

O presente estudo trouxe à tona os empecilhos e barreiras enfrentados pelas mulheres ao longo de suas carreiras na busca por cargos de liderança nos hospitais 15


Mulheres e liderança: um estudo das barreiras enfrentadas em suas carreiras em hospitais privados de maringá

privados. Mesmo com todas as discussões existentes sobre o preconceito e resistência a mulheres líderes, percebe-se que a situação ainda está distante do que seria ideal. Isso porque as mulheres ainda possuem dificuldades para alcançarem e manterem seus cargos de liderança, justamente por serem do sexo feminino. Os dados levantados, que pontuaram algumas dificuldades enfrentadas pelas mulheres líderes, evidenciaram que elas precisam se adaptar a organizações que ainda estão impregnadas de valores machistas, o que obstaculiza o seu avanço rumo a cargos de posições hierárquicas superiores. Além do mais, observa-se que as mulheres líderes estão, em grande parte, exercendo funções de segundo escalão nas organizações, enquanto que no primeiro escalão, em cargos de diretoria, a presença feminina ainda é extremamente escassa. Quanto ao objetivo especifico relacionado ao levantamento das características de liderança presentes nas mulheres entrevistadas, percebe-se que as entrevistadas possuem os atributos pontuados como sendo intrínsecos de líderes pela literatura utilizada, a maioria desses aspectos estão relacionados com o processo de influência entre o líder e seus subordinados, bem como sua conexão com os mesmos. Também, relaciona-se com ações promovidas pelo líder para motivar e envolver os seus liderados, a fim de que todos alcancem os objetivos da organização. Logo, as entrevistadas se reconhecem como líderes que motivam e que envolvem seus subordinados nas decisões tomadas. No entanto, apesar de sentirem conectadas com os seus subordinados, elas sentem que é um desafio manter uma boa relação sem que os limites sejam ultrapassados. No que tange ao objetivo específico de identificação dos aspectos do estilo de liderança feminino, os achados apontam que o objeto de estudo contém, em sua maioria, características que são atribuídas a líderes mulheres. Observou-se que elas se consideram pessoas comunicativas, cooperativas e dispostas a trabalhar em equipe. São também flexíveis e sensíveis após análise criteriosa das situações apresentadas. 16

As entrevistadas geralmente não precisam recorrer a autoridade formal do seu cargo, ou seja, somente o carisma e as habilidades são suficientes para exercer sua autoridade de líder. Além disso, averiguou-se que grande parte das entrevistadas são líderes voltadas para pessoas e que esse fator em conjunto com os demais apresentados, as pontuam como líderes transformacionais. Sobre o objetivo específico relacionado a verificação das dificuldades encontradas pelas líderes entrevistadas na ascensão de suas carreiras, destaca-se que as dificuldades pontuadas são pertencentes, em grande parte, a manutenção dos cargos alcançados. A maternidade e a dupla jornada de trabalho foram os empecilhos mais ressaltados pelo objeto de estudo. Ademais, o machismo, em suas diversas formas, foi outro ponto realçado como sendo uma grande dificuldade enfrentada por elas. A pesquisa de campo, que buscou compreender como as mulheres lidam com as barreiras impostas, comprovou um dos pontos levantados pela literatura exposta sobre a temática, o qual é relacionado ao conhecimento. As líderes entrevistadas lidam com os empecilhos citados através da busca pelo conhecimento, profissionalização e também procurando entender o hospital como um todo. Outra forma empregada por elas é a demonstração das competências e habilidades que as mesmas possuem para a posição que lhes foi designada. Ressaltase, também, que elas consideram a adoção de uma postura rígida algo importante para estabelecer a autoridade no início da ocupação do cargo Como limitação da pesquisa desenvolvida observou-se que, na cidade em que se realizou a pesquisa de campo, são raras as mulheres que ocupam cargos de diretoria, ditos de primeiro escalão, o que poderia trazer perspectivas diferentes aos resultados. Ainda, restou comprovar se os subordinados percebem as características de liderança e de liderança feminina em suas superiores, tal como as mesmas afirmaram. Ademais, o estudo poderia ser expandido para maiores centros brasileiros, a Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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fim de se utilizar como objeto de estudo apenas mulheres com cargos de primeiro escalão ou mulheres em outros hospitais. Baseandose nessa temática, seria viável também, a realização de pesquisas aprofundadas sobre as relações de poder estabelecidas e os valores relacionados a cultura organizacional dentro dos hospitais, que direcionam a maioria das profissionais do sexo feminino para cargos secundários.

6.

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Mulheres e liderança: um estudo das barreiras enfrentadas em suas carreiras em hospitais privados de maringá

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18

Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Vilma Meurer Sela, Ligia Greatti

A AGENDA DE INCLUSÃO FINANCEIRA NO BRASIL

REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO ISSN 2448-3664

THE FINANCIAL INCLUSION AGENDA IN BRAZIL

Vilma Meurer Sela Doutora em Administração Pública e Governo pela FGV, São Paulo (SP), Professora do Departamento de Administração da Universidade Estadual de Maringá (UEM). vmsela@uem.br

Ligia Greatti Doutora em Administração Pública e Governo pela FGV, São Paulo (SP), Professora do Departamento de Administração da Universidade Estadual de Maringá (UEM). lgreatti@uem.br

RESUMO O presente artigo tem por objetivo estudar a agenda de inclusão financeira no país, com foco nas políticas de fortalecimento dos canais de acesso e de criação de instrumentos para melhor adequação dos serviços aos segmentos de menor renda, implementadas a partir da década de 1990. A pesquisa se caracteriza como um estudo descritivo-qualitativo. A coleta de dados se deu de forma indireta, realizada por meio da pesquisa documental, realizada nos meses de setembro a dezembro de 2016, por meio de leis, decretos, regulamentações, relatórios, atas dos fóruns de inclusão financeira, dentre outros, bem como de sites das organizações que estão diretamente relacionadas com o tema, tanto em nível nacional quanto internacional. Os dados foram analisados de forma qualitativa, por meio da análise de conteúdo. A pesquisa revelou que a agenda de inclusão financeira é fruto de um processo incremental, que se iniciou na década de 1970, com o microcrédito. A partir da década de 1990 a agenda ganha nova dimensão. Desde então, o Banco Central do Brasil (BCB) vem trabalhando com atores de diversos segmentos (públicos e privados) no fortalecimento dos canais de acesso e de criação de instrumentos para melhor adequação dos serviços aos segmentos de menor renda, com vistas a melhorar a inclusão financeira da população de baixa renda no país. Palavras-chave: Inclusão/Exclusão Financeira. Agenda de Inclusão Financeira. População de Baixa Renda.

ABSTRACT

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL: RENI@UFABC.EDU.BR COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC

The purpose of this paper is to study the financial inclusion agenda in the country, focusing on policies to strengthen access channels and create instruments for better matching services to lower income segments implemented since the 1990s. The research is characterized as a descriptive-qualitative study. The collection of data was done indirectly, through documental research, carried out in the months of September to December 2016, through laws, decrees, regulations, reports, minutes of forums for financial inclusion, among others, as well as of organizations’ websites that are directly related to the topic, both at the national and international levels. The data were analyzed in a qualitative way, through content analysis. The research revealed that the financial inclusion agenda is the result of an incremental process that began in the 1970s with microcredit. From the 1990s, the agenda has taken on a new dimension. Since then, the BCB has been working with actors from different segments (public and private) to strengthen access channels and to create instruments to better align services to the lower income segments, with a view to improving financial inclusion of the low-income population in the country. Keywords: Financial Inclusion/Exclusion. Financial Inclusion Agenda. Low Income Population.

JEL Classification: Z18. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

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A agenda de inclusão financeira no brasil

1.

INTRODUÇÃO

décadas (as quais são objeto de estudo da presente pesquisa), com vistas a expandir a inclusão financeira no país. Neste contexto, o presente artigo tem por objetivo estudar a agenda de inclusão financeira no país, com foco nas políticas de fortalecimento dos canais de acesso e de criação de instrumentos para melhor adequação dos serviços aos segmentos de menor renda, implementadas a partir da década de 1990. A agenda de Inclusão Financeira foi selecionada como objeto empírico da presente pesquisa devido à sua fundamental importância para o contexto econômico e social, haja vista que um ambiente de relações financeiras sustentáveis e inclusivas é fator catalisador para o desenvolvimento social e econômico de um país. À medida que facilita o acesso da população aos serviços financeiros, a inclusão financeira agrega ao mercado financeiro uma faixa de indivíduos localizada na base da pirâmide de renda, bem como viabiliza o acesso de pessoas, antes excluídas, ao sistema financeiro formal. O recorte temporal foi escolhido, devido ao fato de que a década de 1990 marca uma nova dimensão da agenda, uma vez que amplia o número de atores que prestam serviços de microfinanças, incorpora iniciativas governamentais e institui o Programa Comunidade Solidária. Além desta seção introdutória, o presente artigo está estruturado em outras quatro seções. A seção dois apresenta as bases teóricas e conceituais sobre o tema em estudo – inclusão/exclusão financeira. A seção três apresenta os procedimentos metodológicos adotados pela presente pesquisa, seguida da seção quatro, que apresenta a agenda de Inclusão Financeira no Brasil, com foco nas políticas de fortalecimento dos canais de acesso e de criação de instrumentos para melhor adequação dos serviços aos segmentos de menor renda. As Considerações Finais são apresentadas na seção cinco.

A inclusão financeira proporciona a inserção de pessoas de baixa renda ao universo de negócios ligados direta ou indiretamente às finanças. Nessa perspectiva, a inclusão financeira pode ser definida como um processo de efetivo acesso e uso pela população de serviços financeiros adequados às suas necessidades, contribuindo para a sua qualidade de vida (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2011; FEBRABAN, 2014). Ao agregar ao mercado financeiro a faixa de indivíduos localizada na base da pirâmide de renda, a inclusão financeira abre novas oportunidadesparaaexpansãoedesenvolvimento econômico e social. Ao incluir esses indivíduos ao sistema financeiro formal, gera-se um grande potencial de alavancagem para diversos setores da economia, agrega-se rentabilidade às instituições financeiras e ampliam-se os horizontes das famílias. Assim sendo, a inclusão financeira atua como força relevante na redução da desigualdade, como sugere a teoria econômica, visto que um maior acesso a serviços financeiros é importante ferramenta para reduzir a desigualdade de renda. Tendo em vista que a busca de mecanismos para inclusão financeira é essencial para redução de desigualdades sociais e para maior desenvolvimento econômico, a inclusão financeira passou a ser tema de interesse global. Além de ser uma tendência natural em alguns países, vem sendo estimulada e promovida por organizações que trabalham em nível mundial, a exemplo da Aliança para Inclusão Financeira (AFI, sigla em inglês) e outras organizações internacionais (Banco Mundial, G20, dentre outros). O Brasil está inserido neste debate internacional sobre inclusão financeira e, por meio da atuação do Banco Central e outros atores governamentais e não governamentais (atores do mercado, bem como fomentadores e estudiosos), vem trabalhando para expansão da inclusão financeira da população de menor renda. A agenda de inclusão financeira tem sido 2. INCLUSÃO/EXCLUSÃO trabalhada por estes atores, tanto em nível de FINANCEIRA debates (por meio de Fóruns promovidos pelo Pode-se dizer que o embrião da inclusão Banco Central do Brasil), quanto por meio de iniciativas implementadas nas últimas financeira é o microcrédito – empréstimos 20

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de baixo valor concedidos à população de baixa renda, com o objetivo de estimular o empreendedorismo e os pequenos negócios. A primeira experiência de microcrédito é creditada ao economista Muhammad Yunus, que, ao inventar o mecanismo de microcrédito, tornou-se mundialmente conhecido como o “banqueiro dos pobres”. Por meio do Grameen Bank, que fundou em 1983, em Bangladesh, Yunus espalhou, em escala internacional, o conceito de microcrédito, que foi implementado como política de acesso ao crédito em vários países. Posteriormente, além do microcrédito, outros serviços financeiros foram sendo demandados (poupança, pagamentos e seguros), o que ressalta a importância de uma gama maior de produtos/serviços financeiros acessíveis a população de baixa renda. A inclusão financeira proporciona a inserção de pessoas de baixa renda ao universo de negócios ligados direta ou indiretamente às finanças. Nessa perspectiva, a inclusão financeira pode ser definida como um processo de efetivo acesso e uso pela população de serviços financeiros adequados às suas necessidades, contribuindo para a sua qualidade de vida (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2011; FEBRABAN, 2014). Desta definição apreende-se que o processo de acesso e utilização de serviços financeiros deve ser efetivo, visto que a inclusão financeira não decorre somente da possibilidade de acesso aos serviços financeiros, mas da real condição de acesso e decisão de utilização, adequados às necessidades dos indivíduos. Assim sendo, a inclusão financeira não é o acesso a todo e qualquer tipo de serviço financeiro, mas àqueles que visam satisfazer as necessidades dos indivíduos e a contribuir para a melhoria na qualidade de vida dos mesmos. A visão de inclusão financeira do Center for Financial Inclusion (online, 2015), corrobora o exposto no parágrafo anterior. A inclusão financeira para este órgão se refere: (1) ao acesso a um conjunto completo de serviços financeiros, que inclui crédito, poupança, seguros e pagamentos; (2) fornecido com qualidade, ou seja, de forma conveniente, acessível e adequada, e com dignidade e Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

proteção do cliente; (3) para que todos possam usar serviços financeiros, dando especial atenção ao meio rural, pessoas com deficiência, mulheres e outros grupos muitas vezes excluídos; (4) com capacitação financeira, na qual os clientes são informados e sentem-se confiáveis para tomar decisões financeiras; e (5) através de um mercado diversificado e competitivo, que apresente uma gama de fornecedores, infraestrutura financeira robusta e regulamentações claras. É importante destacar que a inclusão financeira não envolve apenas o acesso aos serviços financeiros. Neste sentido, vale lembrar que bancarização não é sinônimo de inclusão financeira, uma vez que estar bancarizado não significa, necessariamente, estar incluído (GONZALEZ; OLIVEIRA, 2015), da mesma forma como estar incluído não significa, necessariamente, estar bancarizado. Um indivíduo pode ter acesso a uma conta bancária (corrente ou poupança), mas não a utilizar. Nesse caso, tem-se a bancarização, mas não o uso. Não se pode dizer, portanto, que este indivíduo está incluído. Ademais, a inclusão financeira pode ser promovida sem a bancarização, por meio da utilização de serviços financeiros ofertados “a partir de canais de distribuição não pertencentes ao sistema financeiro” (GONZALEZ; OLIVEIRA, 2015), a exemplo das moedas sociais (instrumento de troca e meio de pagamento criado e operado por associações autogestionárias), bem como das modalidades de cartão de crédito (cartão de loja – cartão de crédito emitido por grandes redes varejistas que, normalmente, são utilizados apenas nas lojas da rede emissora) e de serviços (cartões distribuídos por pessoas jurídicas a seus funcionários, sob a forma de benefícios trabalhistas, concentrando-se principalmente nos setores de transporte e alimentação), emitidos para usuários não necessariamente bancarizados. Nesse caso, é possível dizer que o indivíduo estaria incluído, mas não bancarizado. Ante o exposto, pode-se dizer que a disponibilidade de serviços financeiros (acesso) é uma condição necessária, mas não suficiente, para o uso. Para que 21


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haja cruzamento de demanda consequentemente, inclusão depende-se dos custos relativos de serviços financeiros e da

e oferta, e financeira, da provisão renda dos

consumidores (CLAESSENS, 2006). O autor apresenta as categorias de acesso e uso dos serviços financeiros em um continuum, conforme mostra a Figura 1.

Figura 1: Diferença entre Acesso e Uso

A Consumidores de serviços financeiros

B

C

Exclusão Voluntária

Exclusão Involuntária

Não tem necessidade

Rejeição assumida

Não tem consciência?

Incapacidade de uso devido ao preço/renda

B1

B2

Rejeitado: Alto risco/ crédito ruim = Sem Acesso

Rejeitado: discriminação = Sem Acesso

Excluído devido a preço, produto, renda, dentre outros = Sem acesso

C1

C2

C3

População

Fonte: Claessens (2006)

De acordo com o autor, ao Grupo A pertencem os indivíduos que têm acesso e fazem uso de serviços financeiros e, portanto, são financeiramente incluídos. Aos Grupos B e C pertencem os não-usuários de serviços financeiros, que podem ser diferenciados naqueles que voluntariamente se excluem e naqueles que são involuntariamente excluídos. No Grupo B encontram-se os indivíduos que têm acesso, mas não utilizam os serviços financeiros (exclusão voluntária), pelo fato de não terem necessidade de uso (CLAESSENS, 2006; BECK; DEMIRGÜÇKUNT, 2008), por razões religiosas ou culturais, por acesso indireto através de amigos e familiares (BECK; DEMIRGÜÇKUNT, 2008), ou outros motivos. A exclusão voluntária não reflete, necessariamente, indisponibilidade de serviços financeiros, nem, tampouco, sua racionalidade, haja vista que os pertencentes a este grupo têm acesso, mas optam por não utilizar os serviços financeiros. Os excluídos voluntariamente representam um problema menor para os formuladores de políticas, uma vez que a falta de uso reflete a falta de demanda (BECK; DEMIRGÜÇ-KUNT, 2008). Por sua vez, o Grupo C é composto por indivíduos que não têm acesso e, portanto, não usam os serviços financeiros (exclusão 22

involuntária). De acordo com o modelo de Claessens (2006) estes indivíduos são rejeitados pelas instituições financeiras (alto risco, discriminação) ou são excluídos devido a inadequação de preço, produto ou renda, dentre outros. As instituições financeiras ofertam produtos e serviços financeiros que não são adequados à maioria da população, com altas taxas e custos dos produtos que desencorajam ou podem gerar prejuízos para os clientes de baixa renda ou sem condições de cumprir exigências solicitadas. Soma-se a isto o fato de que as instituições financeiras criam pacotes e produtos vinculados que tendem a excluir determinados perfis de clientes, especialmente os de baixa renda. Ademais, as instituições financeiras tradicionais tendem a se localizar em áreas cujos moradores possuem alta renda per capita. Diante deste fato, famílias que vivem em áreas mais pobres sofreriam barreiras adicionais, tendo que se deslocar para outras áreas para obter serviços dessa natureza, arcando com os custos adicionais que essa busca representa. Beck e Demirgüç-Kunt (2008) mencionam que é importante distinguir entre diferentes grupos de excluídos involuntariamente a fim de formular políticas adequadas. Diante de um grande número de pessoas (principalmente de baixa renda) que se Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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encontra no Grupo C, a inclusão financeira tem despertado a atenção de agentes econômicos que atuam em nível local e global. Várias iniciativas governamentais para a criação e fortalecimento de ações que contribuam para a inclusão financeira de indivíduos de menor renda estão sendo desenvolvidas. Estas ações podem ocorrer por meio de vários canais de acesso, como: instituições financeiras, Branchless Banking (incluindo os correspondentes no país) e instituições de microfinanças. As Instituições Financeiras são responsáveis pela maioria dos canais de acesso aos serviços financeiros, acesso que pode ocorrer por meio de: agências, Postos de Atendimento Bancário (PABs), Postos Avançados de Atendimento (PAAs), Postos de Atendimento Bancário Eletrônico (PAEs), Caixas Eletrônicos (ATM) e máquinas de leitura de cartões de pagamento (POS – Postos de Venda no Comércio). Complementando o papel das instituições financeiras, o Branchless Banking proporciona a oferta de produtos e serviços financeiros por meio de quaisquer dispositivos ou agentes que não sejam as agências bancárias tradicionais. O tipo mais conhecido de branchless banking são os correspondentes bancários (correspondentes no país), que no Brasil engloba casas lotéricas, correios, supermercados, farmácias e outras modalidades de estabelecimentos comerciais. Os correspondentes são empresas contratadas por instituições financeiras, que prestam serviços em nome, e sob responsabilidade, da instituição contratante. Além de levarem serviços financeiros a municípios desassistidos, os correspondentes no país oferecem mais conveniência em áreas já atendidas. Para que a inclusão financeira aconteça de fato, o desenvolvimento das microfinanças também tem papel fundamental, visto que tem por objetivo suprir uma lacuna aberta pelas instituições financeiras tradicionais. As microfinanças compreendem os microsserviços financeiros destinados à população de baixa renda, com vistas a ampliar a capacidade de investimento deste público. Segundo Neri (2008), a principal Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

função da microfinanças é aumentar a capilaridade do sistema financeiro em seus diversos segmentos, dando ênfase ao crédito, à poupança e ao seguro como instrumentos financeiros da reprodução social de famílias de baixa renda. As instituições de microfinanças exercem um papel fundamental na institucionalização do processo e na oferta dos serviços e produtos de microfinanças, que surgem para atender aos microempreendimentos e indivíduos que exercem suas atividades tanto no setor formal quanto no informal. Os serviços de microfinanças não se limitam apenas à concessão de crédito para os indivíduos e empreendedores excluídos do setor bancário. Microfinanças oferece, também, serviços de bancarização, microsseguros e microinvestimentos, ainda que poucos desenvolvidos. A expansão e/ou fortalecimento destes canais de acesso vem sendo preocupação de governantes, visto que proporcionam um incremento na oferta de produtos e serviços financeiros, que proporciona maior possibilidade de uso de produtos e serviços financeiros, acarretando em uma melhora no nível de inclusão financeira do país.

3.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa se caracteriza como um estudo descritivo-qualitativo. Para Cooper & Schindler (2000), a pesquisa descritiva procura descrever algo – características, fenômenos, resultados, função de uma população ou mercado. A pesquisa de cunho qualitativo envolve a “[...] obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo” (GODOY, 1995, p. 58). A pesquisa qualitativa assume características descritivas, envolvendo a pesquisa documental e bibliográfica e a pesquisa de campo, definida pela coleta de dados in loco, gerando dados para estudo das hipóteses. A coleta de dados se deu de forma indireta, 23


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realizada por meio da pesquisa documental. A pesquisa documental é aquela na qual a fonte de coleta de dados está restrita a documentos, constituindo o que se denomina de fontes primárias (LAKATOS & MARCONI, 2003). A pesquisa documental foi realizada nos meses de setembro a dezembro de 2016, por meio de leis, decretos, regulamentações, relatórios, atas dos fóruns de inclusão financeira, dentre outros, bem como de sites das organizações que estão diretamente relacionadas com o tema, tanto em nível nacional quanto internacional. Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo. Segundo Bardin (1979, p. 42), a análise de conteúdo é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”. A análise de conteúdo visa o tratamento dos conteúdos veiculados por meio de documentos escritos, como também por meio de outras formas de expressão, como imagens, sons, mapas, símbolos. Quanto à organização da análise de conteúdo, Bardin (1979, p. 95) preconiza que esta requer técnicas para a sua clareza e objetividade; e enumera três etapas básicas, as quais orientaram os procedimentos de análise desta investigação, conforme delineado a seguir: (1) pré-análise; (2) exploração do material; (3) o tratamento dos dados, a inferência e a interpretação. A presente pesquisa seguiu estas etapas, realizando, primeiramente, uma pré-análise dos documentos e a exploração do material para, posteriormente, proceder com sua análise e interpretação.

4. AGENDA DE INCLUSÃO FINANCEIRA NO BRASIL A agenda de inclusão financeira no Brasil se inicia em 1973, com a criação da União Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações, conhecida como Programa 24

UNO, que foi a primeira experiência moderna de microcrédito no Brasil. A partir da década de 1980 a agenda se expande, com a criação de outras instituições voltadas ao microcrédito1, a exemplo da Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Mulher – Banco da Mulher, no Rio de Janeiro; o Banco do Microcrédito, no Paraná; o PROMICRO, no Distrito Federal; dentre outras. A partir da década de 1990, a agenda ganha nova dimensão. Nesta década, ampliou-se o número de atores que prestam serviços de microfinanças, a exemplo das Sociedades de Crédito ao Microempreendedor (SCMs, atuais SCMEPPs), Fundos Públicos, Agências de Fomento, Bancos e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips). A partir da década de 1990, a agenda incorpora iniciativas governamentais, a exemplo dos Bancos do Povo (Santo André, Uberaba, Belém, Goiás, dentre outros), ligadas a governos estaduais e municipais. Com o objetivo de viabilizar pequenos negócios com empréstimos a juros baixos, os Bancos do Povo se apresentam como um projeto inovador na política brasileira. A década de 1990 foi marcada, também, pela instituição (Decreto no 1.366, de 12 de janeiro de 1995) do Programa Comunidade Solidária, presidido pela socióloga e então primeira-dama do país, Ruth Cardoso, e vinculado à Casa Civil até o ano de 2002. O objetivo do Comunidade Solidária era alavancar as ações que combatiam, com o mínimo de subsídio público, a desigualdade social do país. No âmbito do Programa houve a formação do Conselho da Comunidade Solidária, que teve importante participação nas disposições legais sobre o microcrédito. O Conselho da Comunidade Solidária era um arranjo institucional que agregava Ministros de Estado, Secretários Executivos, presidente do Sebrae (à época, Sérgio Moreira), presidentes e diretores de empresas estatais e representantes de órgãos, instituições, bancos, organizações, programas ou ações governamentais e não governamentais que atuavam direta ou indiretamente com 1  Ver Monzoni Neto (2006), que apresenta um histórico institucional de microfinanças no Brasil. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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o microcrédito no Brasil. Em agosto de 1997, quando o Conselho da Comunidade Solidária se reuniu na Quinta Rodada de Interlocução Política sobre Alternativas de Ocupação e Renda, surgiu a ideia de se criar fóruns de discussão voltados especificamente para serviços financeiros. Nesses encontros, os operadores de microcrédito e entidades públicas e privadas envolvidas, levavam ao Banco Central do Brasil sugestões de aperfeiçoamento da regulamentação de responsabilidade do Conselho Monetário Nacional. Desde então o Banco Central do Brasil vem atuando nesta agenda, de forma a melhorar e ampliar o acesso da população de baixa renda ao sistema financeiro. As iniciativas se intensificam em 2002, com a realização de seminários sobre microcrédito, ampliados posteriormente para microfinanças. A partir de 2009, a agenda ganha uma nova dimensão, momento em que os fóruns passaram a abordar a inclusão financeira da população de baixa renda ao Sistema Financeiro. Posteriormente, o debate passou a incorporar a educação financeira e a proteção ao consumidor. Nessa perspectiva, por meio da atuação do Banco Central do Brasil (e outros atores governamentais e não governamentais), o Brasil vem atuando para ampliar e melhorar o acesso da população a serviços financeiros, por meio de três frentes principais: (1) expansão e fortalecimento dos canais de acesso a serviços financeiros; (2) criação de instrumentos para melhor adequação dos serviços aos segmentos de menor renda; e (3) garantia da qualidade na provisão de serviços financeiros (PNIF, 2012). No que tange à expansão e fortalecimento dos canais de acesso, destaca-se a expansão dos correspondentes no país, a criação das Instituições de Microfinanças (IMFs) e o fortalecimento das cooperativas de crédito. Quanto à criação de instrumentos para melhor adequação dos serviços aos segmentos de menor renda, destacam-se as contas especiais de depósitos à vista e de poupança (contas simplificadas), criadas em 2003. Esta iniciativa está em consonância com as demais Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

ações do Governo Federal, particularmente programas voltados a aumentar o acesso a crédito por parte da população de menor renda, como o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO) e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Com relação à garantia da qualidade na provisão de serviços financeiros, o Banco Central motivou vários aprimoramentos normativos nos anos 2000, com vistas ao aumento da transparência na prestação de serviços financeiros, permitindo à população acesso a informações mais objetivas e oportunas quanto aos custos dos serviços financeiros. As frentes um e dois são foco de estudo do presente artigo, apresentadas nos tópicos a seguir. A terceira frente é abordada de forma indireta pelo estudo. 4.1. POLÍTICAS DE CRIAÇÃO/ FORTALECIMENTO DOS CANAIS DE ACESSO O advento de novas tecnologias possibilita a participação de empresas não financeiras na prestação de serviços financeiros. Nesse sentido, os canais de acesso ao sistema financeiro não se limitam somente a dependências de instituições financeiras, conferindo importante atenção ao desenvolvimento de meios inovadores para o acesso da população aos serviços financeiros. Serviços estes que têm o potencial de trazer benefícios (redução de custos e preços, maior conveniência, melhoria do serviço, facilitação da inclusão financeira) e mais competição na prestação desse serviço (além de permitir maior liberdade de escolha aos consumidores, propicia aos mesmos uma maior comparabilidade para selecionar produtos e serviços). Entre os principais canais inovadores de acesso a serviços financeiros no Brasil encontram-se, os Correspondentes no País – contratados na forma da Resolução CMN no 3.954, de 24 de fevereiro de 2011. O desenvolvimento do modelo atual de correspondentes iniciou-se no final da década de 1990. Todavia, a utilização desse mecanismo 25


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teve início na década de 1970 (Circular no 220 do BC, de 15 de outubro de 1973), ao permitir que os bancos firmassem contratos com empresas prestadoras de serviços para a execução de cobrança de títulos e execução, ativa ou passiva, de ordens de pagamento, sob a responsabilidade da instituição financeira contratante. Desde então, o modelo passou por diversas alterações, buscando garantir o aperfeiçoamento e a estabilidade do sistema. Os correspondentes bancários são empresas contratadas por instituições financeiras para prestar determinada gama de serviços em nome e sob responsabilidade da instituição contratante. No Brasil, as farmácias, supermercados, correios, casas lotéricas, dentre outros estabelecimentos, atuam como correspondentes. Além de exercerem suas atividades, os correspondentes prestam diversos serviços financeiros, como recebimentos, pagamentos, empréstimos, financiamentos, abertura de conta, concessão de cartão de crédito, dentre outros. É importante lembrar que os correspondentes são organizações que já exercem algum tipo de atividade, contratadas como prestadoras de serviços por instituições financeiras, não podendo ter como atividade principal a de correspondente. Os Correspondentes no País, além de levarem serviços financeiros a municípios desassistidos, oferecem maior conveniência em áreas já atendidas, destacando-se pela quantidade absoluta de pontos de atendimento e por sua capilaridade. Em termos de capilaridade, não há, no país, município algum sem ponto de atendimento de correspondente2. Os correspondentes estão presentes em todo o território nacional. Nesse sentido, a expe riência nacional de correspondentes, com alta capilaridade, tem destaque significativo no cenário da inclusão financeira nacional, assim como no cenário mundial. No Brasil, destacam-se dentre as empresas correspondentes doze mil casas lotéricas e 2  De acordo com o Relatório de Inclusão Financeira (2015), em 2014, em apenas dois municípios, que foram constituídos em 2013, não havia a figura dos correspondentes – Pescaria Brava (SC) e Pinto Bandeira (RS).

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mais de seis mil postos dos correios, entre milhares de farmácias, pequenos mercados, supermercados e lojas (CÓRDOVA, DINIZ, GONZALEZ, 2014). Pode-se dizer que o modelo brasileiro de correspondente se consolidou como alternativa de ampliação do acesso a serviços financeiros, constituindo-se em importante mecanismo de democratização da oferta e do uso desses serviços. Nesse sentido, os correspondentes têm contribuído muito para a expansão do atendimento à população de baixa renda e, portanto, é parte imprescindível no processo de inclusão financeira. O correspondente viabiliza, de forma rentável, o atendimento à população desassistida, por representar custos bem menores do que aqueles em que se incorre em outras formas de prestação dos serviços financeiros. Todavia, mesmo com o amplo acesso e a proximidade dos usuários, é possível que esse ponto de atendimento esteja sendo subutilizado pela população, que acaba preferindo o atendimento oferecido pelas agências e postos de atendimento, em virtude da maior variedade de serviços financeiros ofertados. Além dos correspondentes, as Instituições de Microfinanças (IMFs) também tem sido foco de atenção na agenda de inclusão financeira. As IMFs são organizações legalmente constituídas para operar com microcrédito empreendedor e em microfinanças. As primeiras iniciativas no sentido de instituir as Instituições de Microfinanças (IMF) no Brasil aconteceram em 1999, com a criação das OSCIPs e das SCMs. Posteriormente, as cooperativas de crédito ganharam papel de destaque neste setor. As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), criadas pela Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, são organizações sem fins lucrativos, que podem firmar termos de parceria com o setor público para implementar atividades e projetos. Uma OSCIP é uma qualificação jurídica, sendo atribuída a diferentes tipos de entidades privadas que atuam em áreas típicas do setor público com interesse social. As OSCIPs podem ser financiadas pelo Estado ou pela iniciativa privada. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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Por se tratar de uma qualificação (e não uma forma de organização em si), vários tipos de instituições podem solicitar a qualificação como OSCIP. As Organizações não-governamentais são as entidades que mais se encaixam no perfil para solicitar a qualificação de OSCIP. A Lei no 9.790/1999 abriu para as ONGs de microcrédito a possibilidade de atuar na qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público e permitiu a ampliação de sua capacidade operativa mediante o acesso a recursos públicos, com a utilização do Termo de Parceria. O Termo de Parceria é o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no Art. 3o da Lei 9.790/1999. Embora sejam entidades não reguladas pelo Banco Central, as OSCIPs de microcrédito visam proporcionar segurança para os tomadores, por meio de auditoria externa e independente, bem como ao utilizar regras de contabilidade financeira bancária e fazer sua gestão por meio de sistemas de informática e de outras tecnologias apropriadas às finanças. Com vistas a ampliar o número de instituições financeiras para atuar com microfinanças, foi regulamentada, em 03 de agosto de 1999, pelo Conselho Monetário Nacional (Resolução CMN no 2.627/1999), a Sociedade de Crédito ao Microempreendedor (SCM), com o objeto social exclusivo de concessão de financiamentos a pessoas físicas, a fim de viabilizar empreendimentos de natureza profissional, comercial ou industrial de pequeno porte, bem como a pessoas jurídicas classificadas como microempresas nos termos da legislação e regulamentação em vigor. Por meio da Resolução no 2.627/1999, o Conselho Monetário Nacional normatizou a constituição e funcionamento das SCMs como integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Como pessoa jurídica de direito privado, com fins lucrativos, as Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

SCMs deveriam ser constituídas na forma de sociedade de responsabilidade limitada (Ltda.) ou companhia fechada. As SCMs, inicialmente, deveriam direcionar o crédito exclusivamente aos microempreendedores, observando o limite de até R$10.000,00 por cliente. O crédito concedido pelas SCMs não poderia ser direcionado ao consumo, tendo sido vedada, ainda, a participação societária, direta ou indireta, do setor público em seu capital. Embora instituída e regulamentada pelo CMN desde 1999, em 2001 foi aprovada a lei de criação das SCMs (Lei no 10.194, de 14 de fevereiro de 2001). Em 2008, a Resolução no 3.567, de 29 de maio, insere a Empresa de Pequeno Porte no rol de empresas atendidas pelas SCMs e altera a denominação para Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e à Empresa de Pequeno Porte (SCMEPP). O escopo de atendimento dessas instituições é ampliado, permitindo que empresas de pequeno porte, sem acesso adequado aos serviços de crédito pelo sistema financeiro tradicional, ampliem suas alternativas. Com o propósito de aprimorar as condições para ampliação da rede de canais de provisão de microcrédito à população brasileira, foram criados, em 2001, os Postos de Atendimento de Microcrédito (PAMs), que podem ser instalados em qualquer localidade do país, por instituições financeiras que realizem essas operações, podendo ser fixo ou móvel, permanente ou temporário, admitindo-se a utilização de instalações cedidas ou custeadas por terceiros. À época de sua criação, os PAMs eram dependência das antigas SCMs. Atualmente, são dependências de SCMEPPs e são destinados à realização das operações autorizadas à instituição titular. As cooperativas de crédito, assim como as OSCIPs e SCMEPPs, exercem papel de destaque no cenário da inclusão financeira e, por isso, também receberam atenção dos atores da agenda de Inclusão Financeira. As cooperativas são instituições financeiras com características próprias, nas quais os cooperados participam diretamente de sua gestão, definindo as diretrizes e as linhas de atuação. Diferentemente de outras 27


A agenda de inclusão financeira no brasil

instituições de microcrédito, as cooperativas de crédito podem captar recursos de seus associados em depósitos, fundos e poupança. Ademais, em sua maioria, trabalham com a oferta de seguros e outros produtos financeiros. As cooperativas, em sua maioria, atuam regionalmente, com captação e aplicação de seus recursos nos limites da área de atuação, dentro de uma determinada comunidade. Ademais, as cooperativas são concebidas com o propósito específico de concretizar os interesses de seus associados em termos de melhor prestação de serviços financeiros. Dadas às restrições regulamentares à liberdade associativa, o cenário do cooperativismo financeiro de pequenos negócios era incipiente no início dos anos 2000. As cooperativas existentes contavam quase que exclusivamente com comerciantes de confecções. Diante desse cenário, vários segmentos de micro e pequenas empresas não tinham como associar-se a uma cooperativa. O marco regulatório do segmento passou por intenso aprimoramento e o cenário do cooperativismo começou a mudar entre os anos de 2002 e 2003, com a edição de normas do Conselho Monetário Nacional (Resoluções no 3.058/2002 e no 3.106/2003), que visaram ampliar o escopo das condições de adesão a uma cooperativa, sobretudo, com a criação de cooperativas de livre admissão, que vieram assegurar a possibilidade de qualquer cidadão compor o quadro de cooperados. A Resolução no 3.058, de 20 de dezembro de 2002, possibilitou a criação de cooperativas de pequenos empresários, microempresários e microempreendedores, ampliando a participação do microcrédito nas operações realizadas pelas cooperativas. Atualmente, é permitida a atuação de cooperativas em áreas com qualquer população. No início, as possibilidades de funcionamento de tais cooperativas eram limitadas àquelas com área de atuação inferior a 300 mil habitantes e vinculadas, obrigatoriamente, a uma cooperativa central de crédito. Além das agências, as Cooperativas de Crédito podem ampliar sua rede de atendimento por meio de Postos 28

de Atendimento Cooperativo (PAC), respeitando os limites de sua área de atuação. O PAC é a dependência de cooperativa de crédito destinada a prestar os serviços para os quais a instituição esteja regularmente habilitada. O atendimento por meio do PAC deve ser executado exclusivamente por funcionários da cooperativa. Desde 2005, essas instituições podem, também, instalar postos de atendimento eletrônico. 4.2. INSTRUMENTOS DE MELHOR ADEQUAÇÃO DOS SERVIÇOS FINANCEIROS AOS SEGMENTOS DE BAIXA RENDA A presente subseção apresenta alguns produtos/serviços criados para atender à população de baixa renda, com vistas a expandir a inclusão financeira da população. Dentre estes, destacam-se as contas especiais de depósito e os instrumentos de crédito (microcrédito e crédito rural). As contas especiais de depósito, conhecidas como contas simplificadas, foram instituídas para atender à população de baixa renda, podendo ser tanto contas de depósito à vista como contas de poupança. Criadas em 2003, pelas Resoluções no 3.104, de 25 de junho de 2003, e no 3.113, de 31 de julho de 2003, respectivamente, as contas simplificadas caracterizam-se pela maior facilidade de abertura e isenção de tarifas. As contas simplificadas foram criadas para estimular a inclusão da população de baixa renda no sistema financeiro e possuem abertura facilitada, limites na movimentação, não fornecem talão de cheques e têm restrições à cobrança de tarifas. A abertura das contas simplificadas dispensa algumas exigências de identificação dos titulares. No entanto, os limites para movimentação são baixos, para evitar o risco de serem usadas indevidamente. Uma vez que os limites vinham limitando seu uso e fazendo com que os clientes utilizassem as contas de poupança como conta de depósito à vista, a norma sofreu diversos ajustes. Os ajustes tiveram por objetivo corrigir essa distorção, preservando o objetivo inicial Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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de ampliar o acesso aos serviços bancários pela população de baixa renda, em especial os beneficiários de programas sociais e os microempreendedores. A alteração mais recente se deu com a edição da Circular no 3.731, de 18 de novembro de 2014, por meio da qual o Banco Central elevou para R$3.000,00 o limite máximo de saldo mensal permitido para as contas simplificadas. O limite de saldo máximo, sob pena de bloqueio da conta, também foi elevado, que passou a ser R$6.000,00. A ampliação do limite visou adequá-lo ao aumento da renda média do público-alvo, buscando-se evitar o decréscimo na quantidade das contas simplificadas. Os Instrumentos de Crédito apresentam papel de destaque na agenda brasileira, haja vista que o acesso ao crédito tem se mostrado como um eficaz instrumento, tanto de desenvolvimento econômico quanto de inclusão financeira. Duas modalidades de crédito têm destaque especial, em vista da relevância para a inclusão financeira: o microcrédito e o crédito rural. O crédito demandado pelo público normalmente excluído do sistema financeiro tradicional possui características próprias e passou a ser mundialmente denominado microcrédito. Apesar de não existir consenso acerca da definição de microcrédito, este é entendido como o crédito de pequena quantia, concedido a microempreendedores, e que será pago fundamentalmente com o resultado de seus empreendimentos. Ademais, o microcrédito utiliza-se de metodologia de contato de proximidade com o tomador, com vistas a avaliar sua capacidade de pagamento e acompanhamento do empréstimo. O microcrédito, tanto no Brasil como no mundo, caracteriza-se pela adoção de maneiras inovadoras de conceder crédito (GONZALEZ, et. al., 2010). Dentre as inovações, os autores destacam o mecanismo de empréstimos em grupo e o papel do agente de crédito. Os empréstimos em grupo visam reduzir o risco associado à falta de garantia, uma vez que o público-alvo, de maneira geral, não tem como oferecer contrapartidas, sob forma de ativos, pelos empréstimos. Sendo assim, o grupo representa uma forma Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

de garantia solidária, apoiada nas diversas formas de vínculo (capital social) existentes entre os tomadores. Já o agente de crédito é o responsável pelo relacionamento entre a instituição e o tomador, com o qual há um constante contato e monitoramento. Tendo em vista a escassa disponibilidade de recursos para operações de crédito para a população de baixa renda e microempreendedores, a Lei no 10.735, de 11 de setembro 2003, dispõe sobre o direcionamento de depósitos à vista captados pelas instituições financeiras para operações de crédito destinadas à população de baixa renda e a microempreendedores. A Lei no 10.735 é regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional, pela Resolução no 3.109/2003, de 24 de julho, que determina que 2% dos depósitos à vista dos bancos múltiplos com carteira comercial, dos bancos comerciais e da Caixa Econômica Federal (CAIXA) devem, obrigatoriamente, ser aplicados em operações para esse público. Como incentivo para o cumprimento da exigibilidade, os valores não aplicados na atividade devem ser depositados no Banco Central do Brasil, sem qualquer remuneração. Para efeito da destinação obrigatória, a Resolução limita a taxa de juros efetiva a 2% ao mês (a.m.). O valor do crédito é limitado pela Resolução a R$600,00 (seiscentos reais), no caso de pessoas físicas, a R$1.000,00 (mil reais), no caso de microempreendedores. O prazo da operação não pode ser inferior a 120 dias. Em 2005, o conceito de microcrédito é ampliado, por meio da Lei no 11.110, de 25 de abril de 2005, que cria o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com o objetivo de incentivar a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores populares. A lei define microcrédito produtivo orientado como o crédito concedido para o atendimento das necessidades financeiras de pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades produtivas de pequeno porte, utilizando metodologia baseada no relacionamento direto com os empreendedores no local onde é executada a atividade econômica. Os 29


A agenda de inclusão financeira no brasil

recursos direcionados ao PNMPO provêm do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), de parcela dos depósitos à vista das instituições financeiras (anteriormente mencionada), do orçamento geral da União ou dos Fundos Constitucionais de Financiamento (quando forem alocados para operações de microcrédito produtivo rural efetuadas com agricultores familiares no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF) e de outras fontes alocadas para o PNMPO pelas instituições financeiras ou instituições de microcrédito produtivo orientado. De maneira semelhante ao microcrédito, o crédito rural também se apresenta como instrumento de inclusão financeira e tem recebido atenção na agenda em estudo. O crédito rural pode ser observado como instrumento de inclusão financeira, principalmente, no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado pelo governo federal por meio do Decreto no 1.946, de 28 de junho de 1996. O Pronaf tem por finalidade promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares, de modo a propiciarlhes o aumento da capacidade produtiva, a geração de empregos e a melhoria de renda. A coordenação do PRONAF compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), por intermédio da Secretaria da Agricultura Familiar. Esta coordenação é realizada em parceria com os agentes financeiros, com as entidades oriundas dos movimentos sociais e com as empresas de assistência técnica e extensão rural. Os recursos relativos ao programa são liberados por meio de agentes financeiros, que são instituições financeiras formais, que analisam as propostas de financiamento apresentadas pelos agricultores e as deferem (ou indeferem), observando as normas e prioridades do programa. É importante levar em consideração a natureza dos beneficiários do Pronaf, cujo perfil está associado, em grande medida, à grande parcela dos excluídos do sistema financeiro formal. Desta maneira, no país, a inclusão 30

financeira no setor rural ocorre basicamente por intermédio do Pronaf, tendo em vista que uma das condições para acesso aos recursos desse programa é a abertura de uma conta corrente na instituição financeira que repassa a operação, o que permite ampliar o acesso desses beneficiários a outros produtos financeiros, além do próprio crédito.

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou estudar a agenda de inclusão financeira no país, com foco nas políticas de fortalecimento dos canais de acesso e de criação de instrumentos para melhor adequação dos serviços aos segmentos de menor renda, implementadas a partir da década de 1990. A agenda de Inclusão Financeira é fruto de um processo incremental. A trajetória de formação da agenda se iniciou na década de 1970, com as iniciativas de microcrédito, passando, posteriormente, a incorporar outros produtos e serviços de microfinanças (poupança, pagamentos e seguros). A partir da década de 1990 a agenda ganha nova dimensão, ampliando o número de atores que prestam serviços de microfinanças, bem como incorporando iniciativas governamentais. Embora a agenda tenha tomado maior dimensão nos anos posteriores, é importante lembrar que o Conselho da Comunidade Solidária foi o primeiro arranjo institucional, que reunia atores com a finalidade de promover o diálogo político e parcerias entre governo e sociedade para o enfrentamento da pobreza e da exclusão, até o ano de 2002. A partir da década de 1990, o Banco Central vem trabalhando de forma integrada com representantes dos diversos segmentos envolvidos, tanto do setor privado como do setor público, engajados em ações voltadas à adequada inclusão financeira da população. Estes atores atuaram na construção do marco regulatório para o setor, destacandose, dentre outras ações, os mecanismos para a bancarização (Correspondentes no país e contas simplificadas), o aperfeiçoamento normativo das cooperativas de crédito e a criação das Sociedades de Crédito ao Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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Microempreendedor e à Empresa de Pequeno Porte e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Além das ações de fortalecimento dos canais de acesso e da criação de instrumentos para melhor adequação dos serviços aos segmentos de menor renda, o Banco Central, em parceria com outros atores, realizou vários eventos, marcados por amplos debates, com vistas a definir os problemas a serem equacionados com relação à exclusão da população de menor renda. Ademais, os eventos também possibilitaram a divulgação dos resultados das ações voltadas ao setor. Por meio destes eventos, realizados a partir de 2002, iniciou-se a construção de estratégia voltada a disseminar o conhecimento sobre a agenda, que viria a ser, em momento futuro, a agenda da Inclusão Financeira. Não se pode ignorar que o desafio de inclusão financeira é permanente e contínuo. Pode-se dizer que as políticas criadas contribuíram para a expansão da inclusão financeira no país. Todavia, mesmo diante de um quadro que tem se mostrado favorável à inclusão financeira da população de baixa renda, os atores têm buscado desenvolver soluções que visem alcançar resultados de longo prazo. O presente artigo cumpriu com os objetivos propostos, contribuindo no sentido de apresentar uma visão global das ações e programas que compõem esta agenda no Brasil, bem como para a disseminação do tema da inclusão financeira. Estudos futuros poderão ser realizados, objetivando apresentar a efetividade das políticas desenvolvidas como soluções para a expansão da inclusão financeira da população de baixa renda no Brasil. Estudo comparativo entre a agenda nacional de inclusão financeira com a agenda internacional também contribuirão para o tema.

6.

REFERÊNCIAS

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A agenda de inclusão financeira no brasil

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Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Ariza Jaser Muhammad Shihadeh, Erica da Cruz Novaes Gonçalves Dias

REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO ISSN 2448-3664

Ariza Jaser Muhammad Shihadeh Administradora de empresas formada pela Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR, pós-graduanda em Inovação, com experiência na área de atendimento ao cliente. Email: ariza_shihadeh@hotmail.com

Erica da Cruz Novaes Gonçalves Dias Professora Colaboradora da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR, mestre em Ciências Humanas pela UFABC e doutoranda em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP. Email: ericadias.unespar@gmail. com

O IMPACTO NO MERCADO BRASILEIRO DAS INOVAÇÕES DE SERVIÇOS DE EXPERIÊNCIA POR MEIO DE PLATAFORMAS ONLINE THE EFFECT OF INNOVATIONS OF ONLINE CUSTOMER SERVICE EXPERIENCE ON BRAZILIAN MARKET

RESUMO Na presente pesquisa buscou-se analisar o impacto da inovação de serviços de experiência por meio de plataformas online no mercado brasileiro, levando em consideração os dois dos setores em que a utilização possui maior ênfase no Brasil: o de transporte urbano individual, com a plataforma Uber, e o de hospedagens, com o Airbnb. Buscamos compreender as características que compõe cada serviço, as quais promovem a diferenciação e o destaque frente aos tradicionais prestadores de serviço das referidas áreas. Uma das características percebidas é o vínculo com a inovação disruptiva e com a economia compartilhada de serviços. Para identificar o impacto ocasionado por tais empresas realizou-se uma pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico. Realizando comparações existentes em cada tipo de serviço, foi possível perceber que os impactos estão visivelmente presentes no mercado ao considerar a grande procura pelos atuais serviços, a oportunidade de emprego para pessoas que possuam um bem subutilizado e as ameaças que têm causado aos habituais prestadores de serviços que deverão se adaptar a tais mudanças ou oferecer um serviço mais consistente. Vale ressaltar que as percepções esperadas e obtidas pelos clientes em relação ao serviço concebido também é um fator que influencia no impacto ocasionado pelas empresas apontadas. Palavras-Chaves: inovação disruptiva, serviços de experiência, economia compartilhada.

ABSTRACT UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL: RENI@UFABC.EDU.BR COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC

In the present research we analyzed the impact of innovation of experience services through online applications in the Brazilian market, taking into account two sectors in which the use of applications has a great emphasis in Brazil, such as individual urban transport, with the Uber platform and the lodging, with Airbnb. And in this way, to understand the characteristics that make up each service, in which they promote the differentiation and the prominence in front of the traditional service providers of the cited sectors. One of the characteristics perceived is the link with disruptive innovation and the shared economy of services. To identify the impact caused by such companies a qualitative bibliographical research was carried out. By making comparisons in each type of service, it was possible to perceive that the impacts are visibly present in the market when considering the great demand for the current services, the employment opportunity for people who have an underutilized good and the threats that have caused to the habitual providers of services that should adapt to such changes or offer a more consistent service. It is worth emphasizing that the perceptions expected and obtained by clients in relation to the service conceived are also a factor that influences the impact caused by the companies mentioned. Key words: disruptive innovation, experience services, shared economy.

JEL Classification: O33. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

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O impacto no mercado brasileiro das inovações de serviços de experiência por meio de plataformas online

1.

INTRODUÇÃO

Atualmente as crescentes buscas por vantagem competitiva e diferenciação têm colaborado para o surgimento de diversos modelos tecnológicos de inovação, assim como definidos por Joseph Schumpeter (renomado autor austríaco considerado como pai do conceito de “inovação”) como sendo a inserção de um novo produto no mercado, no qual deve ser significativamente diferente dos já existentes (SCHUMPETER, 1985). Assim, percebe-se que de forma radical o cenário competitivo tem mudado e com isso evoluindo a forma de se utilizar determinados serviços como, por exemplo, a maneira de solicitar ou usufruir dos serviços de transporte e hospedagem. Neste cenário, surgem as atuais empresas que possuem mínimo capital físico, mas que atualmente têm ofertado novas opções para utilizar tais serviços. Esta nova maneira de utilização de serviços enquadra-se no conceito de inovação disruptiva. Segundo Christensen (2006) é considerado disruptivo o modelo de inovação, que quando comparado ao exemplo de outra empresa, proporciona ao cliente um valor diferente do já existente. Deste modo, o enfoque não está na comercialização do serviço em si, mas sim na experiência agregada e nos custos-benefícios que tais serviços proporcionam, pois de modo eficiente têm ofertado maneiras inovadoras e mais acessíveis se utilizar os referidos serviços. A partir do surgimento de tais inovações surge também a Economia Compartilhada definida por Gansky (2012) como sendo a ideia de utilizar e partilhar um bem que se encontrava ocioso com pessoas que veem uma utilidade nele. A partir dos conceitos definidos até aqui, este trabalho se utilizará de dois exemplos para discorrer sobre as inovações em serviços. O primeiro a ser abordado será a plataforma de transportes urbano individual Uber, conhecida por conectar pessoas que querem se deslocar na cidade, com pessoas disponíveis para as levarem aonde querem ir. O segundo, 34

a plataforma de serviços de hospedagens Airbnb, caracterizada como um serviço online comunitário para pessoas compartilharem locais disponíveis para hospedagem. Os meios de transportes urbanos individuais tradicionais, distintamente da Uber, não oferecem a praticidade de solicitar o serviço rapidamente a partir da utilização de uma plataforma e nem de fazer o pagamento através de cartão de crédito. Além disso, a Uber se destaca por proporcionar um nível de segurança aos usuários e por oferecer dados do carro e do motorista, tais como: nome, telefone, foto e possibilidade de consultar a classificação dos clientes anteriores referente ao serviço prestado. No caso dos serviços ofertados pelo Airbnb o cliente tem a oportunidade de usufruir de um serviço de hospedagem em um ambiente similar a um familiar, fazendo com que o hospede se sinta em casa, além da facilidade para solicitar o serviço e transparência quanto às características do imóvel e do proprietário e também o custo monetário inferior se comparado com os demais oferecidos pelo mercado hoteleiro tradicional. O que justifica essa pesquisa, portanto, é a importância de se estudar a constante evolução da funcionalidade dos serviços no Brasil, principalmente os ofertados através de plataformas online. Tendo em vista que estes podem representar uma oportunidade para clientes e para prestadores de serviço, pois também consistem em ferramentas de diferenciação frente ao cenário econômico competitivo no qual o país encontra-se atualmente. Desse modo, surge o interesse em analisar o impacto que tais serviços de experiência têm no mercado brasileiro. Inicialmente trabalhamos com a definição de alguns conceitos de inovação propostos por diversos autores, em seguida foram expostas características pertinentes ao impacto da economia compartilhada com base na inovação disruptiva de serviços. Adiante, é descrita a economia da experiência presente nos serviços e por fim analisamos os setores de maior relevância em que os serviços descritos estão presentes. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Ariza Jaser Muhammad Shihadeh, Erica da Cruz Novaes Gonçalves Dias

2.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nesta parte do trabalho realizamos uma revisão bibliográfica, acerca de obras que são primordiais para o desenvolvimento das ideias essenciais às discussões propostas. Começamos abordando os aspectos referentes às principais definições de autores sobre a inovação e em específico a inovação disruptiva que através de suas características se enquadra nos temas posteriormente abordados, como a economia da experiência e economia compartilhada. 2.1. CONCEITOS DE INOVAÇÃO A palavra inovação origina do latim, “innovatio” que quer dizer introduzir novidades, ou seja, está relacionada com a criação de algo novo. Do ponto de vista mercadológico é tomada como uma ferramenta primordial de diferenciação e vantagem competitiva para as organizações. Porém, atualmente vários são os conceitos utilizados para definir a palavra inovação. Por exemplo, O Manual de Oslo (1997) a define como: A implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas (OCDE, 1997, p.55).

De maneira mais objetiva autores como Tidd e Bessant (2013) definem inovação simplesmente como a exploração bem sucedida de novas ideias. Na concepção de Drucker (1987) a inovação é vista como um instrumento exclusivo dos empreendedores, pois se trata do meio pelo qual buscam oportunidades e mudanças para um negócio ou serviço diferente. A literatura sobre o tema atribui ao austríaco Joseph Schumpeter o surgimento do conceito de inovação, que a utilizava como base em suas considerações sobre mudanças técnicas e desenvolvimento econômico dos países (DIAS, 2015). Assim, a definição clássica de inovação feita por Schumpeter (1985) aponta que a inovação pode ocorrer a partir de cinco diferentes maneiras (DIAS, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

2015, p.19): 1. Introdução de um novo bem ou de seu melhoramento; 2. Introdução de um novo método de produção; 3. Abertura de um novo mercado; 4. Conquista de uma nova oferta de matérias-primas; 5. Através de novas maneiras de organização das empresas Nosso trabalho, portanto, se baseia principalmente no conceito schumpeteriano de inovação, no qual a inserção de novos bens, no caso, serviços, serve como um dos pilares da dinâmica capitalista de criação constante de novidades. Nesta dinâmica, a inovação adquire uma nova característica, que busca satisfazer as necessidades do indivíduo esta, tomada como: Sendo um sinônimo para a produção, assimilação e exploração com sucesso de novidades nas esferas econômicas e sociais, oferece novas soluções para problemas e assim torna possível satisfazer as necessidades tanto do indivíduo como da sociedade (EUROPEAN COMISSION, 1995, p.2).

Deste modo, apesar dos autores definirem o conceito de inovação de maneiras mais ou menos amplas, todas elas remetem à ideia de que a inovação é vista como a criação de algo novo no mercado, elaborado a partir de uma necessidade percebida. A inovação pode ainda ser abordada a partir de uma perspectiva que trate de seu grau de novidade, assim, ela pode ser incremental ou disruptiva. No caso de inovação incremental, ainda que haja uma introdução de melhoria em um produto, processo ou no modelo organizacional de uma organização, sua estrutura industrial não é alterada, bem como não há uma quebra de padrão tecnológico em relação ao que está disponibilizado em seu mercado de atuação (TIRONI; CRUZ, 2008). No que diz respeito à inovação disruptiva, esta representa uma ruptura em um determinado cenário quando introduz um novo produto, processo ou forma organizacional. Nela, há um rompimento em relação ao padrão tecnológico até então existente e origina um novo mercado. Christensen (2006) afirma ainda que a 35


O impacto no mercado brasileiro das inovações de serviços de experiência por meio de plataformas online

inovação disruptiva proporciona ao cliente um valor diferente do já existente, além de dar início a novos mercados e modelos de negócios, disponibilizando resultados mais competentes dos já existentes. Cândido (2011) reafirma o impacto das inovações disruptivas no surgimento de novos modelos de mercado e negócios, visam soluções mais eficientes das existentes até o momento e aponta que este processo leva a uma quebra do modelo de competição já estabelecido. Neste âmbito, Charitou e Markides (2003) concluem que as inovações disruptivas em comparação com os meios tradicionais, apresentam diferentes características, de modo que sejam atraentes para seus clientes. No caso da inovação abordada nesta pesquisa (utilização de plataformas online nos setores de transporte e hospedagem), podemos afirmar que ela possui característica disruptiva, pois está relacionada com uma forma drástica de mudança desenvolvida a partir do rompimento de um modelo tradicional de negócios e a alavancagem para a chamada economia compartilhada e a economia da experiência nos serviços, as quais serão tratadas no tópico a seguir. 2.2. O IMPACTO DA INOVAÇÃO DISRUPTIVA: ECONOMIA COMPARTILHADA A economia compartilhada assim como definida por Bostman e Rogers (2011) é composta por realizações comerciais que proporcionam o acesso a bens e serviços, sem que haja a obtenção de um produto. Considerando que a inovação disruptiva é uma forma de mudança radical no modelo de negócios já existentes, a economia compartilhada é um exemplo, pois, segundo Bardhi e Eckhardt (2012), as pessoas passaram a ter acesso ao produto e pagar pela experiência de tê-los temporariamente, ao invés de adquiri-los. Assim como proposto por Botsman e Rogers (2011, p.13): A economia compartilhada permite que as pessoas, além de perceberem os benefícios enormes do acesso a produtos e serviços em detrimento da propriedade, economizem dinheiro, espaço

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e tempo, façam novos amigos e se tornem cidadãos ativos novamente. Redes sociais, redes inteligentes e tecnologias em tempo real também estão conseguindo superar modos ultrapassados de hiperconsumo, criando sistemas inovadores baseados no uso compartilhado, como acontece com carros e bicicletas. Estes sistemas fornecem benefícios ambientais significativos ao aumentar a eficiência do uso, ao reduzir o desperdício, ao incentivar o desenvolvimento de produtos melhores e ao absorver o excedente criado pelo excesso de produção e de consumo.

Ou seja, atualmente não é necessário ter posse de um produto para usufruir dele, há simplesmente a possibilidade de pagar por uma experiência, quebrando os padrões de consumo existentes. Deste modo surgem os atuais modelos de serviços que não possuem capital físico, mas que oferecem de maneira inovadora e eficiente modos de se utilizar um transporte urbano individual sem que haja a necessidade de adquirir um veículo. Antes da aparição de tal inovação a única opção que as pessoas possuíam de deslocamento individual eram os táxis, que por sua vez se mantinha estável, mantendo sua clientela fixa, e os casos de mau atendimento ou má prestação de serviços, eram irrelevantes e a única alternativa que o cliente possuía era efetuar a troca de motorista na próxima viagem, na tentativa de encontrar um atendimento melhor (FARIAS, 2016). E em consequência do início das atividades da nova opção de serviço, os meios habituais passaram a entrar em estagnação, e a nova proposta de serviço passou a ganhar espaço no mercado, Kotler e Keller (2006) explicam esse acontecimento em virtude do período de declínio das vendas dos serviços tradicionais e a aceitação e substituição no mercado ocasionado pelo concorrente inovador. Deste modo, em virtude do atual cenário econômico competitivo no qual estamos inseridos, as propostas de serviços oferecidos pela economia compartilhada constitui uma relevante oportunidade tanto para os prestadores de serviços, quanto para os clientes que passam a ter a opção de pagar por um serviço customizado e mais barato. Em vista disso, Cusumano (2015) ressalta que as startups surgidas na economia compartilhada que reúnem indivíduos que possuem ativos Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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subutilizados e pessoas interessadas em alugá-los por períodos curtos, constituem um novo grupo de concorrentes para as empresas tradicionais. Em razão da comodidade e os custosbenefícios que as inovações referidas oferecem e da possibilidade de qualquer pessoa que possua um bem subutilizado se tornar prestador destes serviços à economia compartilhada passou a ser vista como uma ameaça aos meios tradicionais de utilizar determinados meios. Assim como elaborado por Boesler (2013) que por sua vez expõe, que em longo prazo, os impactos dessa tendência podem ser cruciais para as formas de mercado atual, uma vez que essa nova forma exigiria mudanças nas vendas, na produção e até mesmo na estrutura do emprego. E em meio a tais mudanças as empresas que oferecem os meios tradicionais de serviços deverão se adaptar a tais mudanças para que não sejam extintas do mercado. Assim como ressalta Cusumano (2015) ao dizer que as empresas tradicionais deverão oferecer serviços mais resistentes, confiáveis e mais seguros do que os oferecidos por seus concorrentes da economia compartilhada. Ou seja, com o início das atividades propostas pela economia compartilhada, os habituais prestadores de serviços passam a sentir o impacto ao perceber a queda na procura por seus serviços e deste modo, para manterem-se no mercado deverão adaptar-se a tais mudanças ou criar um diferencial que mostre valores e benefícios superiores que os oferecidos pela economia compartilhada. 2.3. A ECONOMIA DA EXPERIÊNCIA NOS SERVIÇOS O conceito de economia da experiência foi introduzida em 1999 nos Estados Unidos, por Pine e Gilmore, que definem a economia da experiência como uma forma de comercialização em que o consumidor não adquire simplesmente um produto ou serviço, mas sim, paga “para passar algum tempo participando de uma série de momentos memoráveis”. Expõem ainda que os prestadores de serviços devem priorizar Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

a venda de “experiências únicas”, ou seja, oferecer “emoções memoráveis” para seus consumidores (PINE E GILMORE, 1999). Da mesma forma Fitzsimmons e Fitzsimmons (2014) propõem que as experiências nos serviços criam um valor agregado ao envolver e estabelecer uma relação com o consumidor de maneira pessoal e memorável. Seguindo a mesma ideia apresentada por Pine e Gilmore (1999), autores como Barbosa e Farias (2012), relatam que os serviços de experiência transformam em algo memorável não apenas durante a prestação do serviço, mas cultivam uma lembrança na mente do consumidor, fazendo-o ter vontade de adquirir novamente a experiência. No contexto apresentado por Beni (2003, p.19), a economia da experiência nos serviços é definida como uma oferta tão real quanto qualquer serviço, porém atualmente as empresas concentram a experiência em torno das ofertas tradicionais para vender melhor. Entretanto o pensamento de Pine e Gilmore (1999) enfatiza que cada vez mais os clientes estão se importando menos com a funcionalidade dos serviços e buscando adquirir experiências emocionais distintas das já existentes. Percebe-se que na economia da experiência o foco não está apenas em oferecer produtos ou serviços, mas sim ofertar sensações pessoais que superem as expectativas esperadas, ou seja, fazer com que o cliente sinta uma admiração diferente das já sentidas por ele até o momento. As experiências percebidas são intrinsecamente particulares de cada indivíduo, ou seja:

As experiências são acontecimentos individuais que ocorrem como resposta a algum estímulo (por exemplo, os estímulos provocados pelo marketing antes e depois da compra). As experiências duram a vida toda. Geralmente são resultado de uma observação direta e/ou de participação nos acontecimentos reais, imaginários ou virtuais (Schmitt, 2000, p. 74).

Desta forma, segundo Vasconcelos et al. (2012), a experiência é caracterizada seguindo três dimensões: predisposição, interação e reação. A primeira dimensão refere-se ao ato do cliente estar disposto a usufruir da 37


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experiência concebida. A segunda trata-se do momento em que acontece o contato entre cliente e organização, sejam físico ou virtual. E por fim as reações em que é considerado o momento final no qual o cliente tem suas percepções relativas quanto aos serviços prestados, é o momento em que ele percebe o valor e reconstrói uma imagem diferente das experiências percebidas dos serviços que já usufruiu anteriormente. Tais experiências causam percepções que são intrínsecas de cada indivíduo que usufrui o serviço, podendo elas serem negativas ou positivas. Como bem apontado por Boshoff e Leong (1998): quando há interação entre cliente e empresa há possibilidade das percepções positivas serem aprimoradas ou as negativas solucionadas.

o Airbnb. A escolha deu-se em virtude da percepção quanto à relevância e a grande procura por estes serviços atualmente no Brasil. Para perceber a diferença e o impacto ocasionado pelas referidas inovações inseridas no mercado brasileiro atualmente, foram realizados comparativos quanto às características e distinções, valores monetários e as percepções quanto à experiência adquirida como fator propulsor da reutilização do serviço adquirido, fato este que impulsiona a atuação dos serviços no mercado. A partir disso, foram colhidas informações em livros e levantados materiais em banco de dados, nos quais foram selecionadas palavraschave para a realização das buscas, como: inovação disruptiva, serviços de experiência 3. METODOLOGIA Uber e Airbnb, economia compartilhada e o impacto dos serviços de experiências no A partir do objetivo geral deste trabalho, mercado brasileiro. decidiu-se analisar os elementos que contribuem e constituem o impacto da 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS inovação dos serviços de experiência no RESULTADOS mercado brasileiro. Deste modo, a pesquisa se caracteriza como um estudo qualitativo, Seguindo os critérios estabelecidos na seção pois segundo Gil (1999) a validade dessa anterior, e com base na revisão bibliográfica abordagem proporciona o aprofundamento apresentada, foi possível elencar as principais da investigação das questões relativas à definições e os elementos que contribuem ocorrência do estudo. e constituem o impacto da inovação dos Também se caracteriza como sendo de serviços de experiência e os setores de cunho bibliográfico, por se constituir em relevância nos quais a inovação disruptiva, um “procedimento técnico de uma pesquisa solicitada por meio de plataformas online e ocorre quando é baseada na análise da está presente. literatura já publicada em forma de livros, revistas, anais, publicações avulsas, impressa 4.1. UBER E AIRBNB E OS SETORES escrita e até eletronicamente, disponibilizada DE RELEVÂNCIA na eletronicamente” (GIL, 1999, p.207). Os serviços de experiência tratados neste Para Marconi e Lakatos (1992), a finalidade de tal pesquisa é proporcionar, ao pesquisador, trabalho referem-se aos de transporte a familiaridade direta com todo o material e hospedagem, ofertados através de escrito sobre um demarcado conteúdo, plataformas online de fácil acesso, no qual é auxiliando o cientista na investigação de possível o usuário solicitar o serviço, efetuar suas pesquisas ou na manipulação de suas a compra e o pagamento por meio de cartão de crédito, em um processo simples, sem informações. Deste modo, com base nesta pesquisa, os muita burocracia e realizado com a utilização exemplos selecionados para serem englobados de dispositivos móveis. Uma das atividades que mais tem foram as plataformas de transporte Urbano crescido atualmente com a utilização destas individual Uber, e o de hospedagens com plataformas são os serviços de transportes 38

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urbanos como, por exemplo, a Uber que teve o início de suas atividades em 2009 nos Estados Unidos e em maio de 2014 no Brasil. Neste último, presente inicialmente em grandes cidades e capitais do país, o serviço vem apresentando crescente presença em cidades menores, como Maringá e Bauru, cidades do interior do Paraná e de São Paulo, respectivamente (UBER, 2017). A proposta oferecida pela Uber é baseada em serviços de localização nos quais é possível através da plataforma e internet disponibilizarem a possibilidade de solicitar um carro que esteja próximo do local em que o usuário está. Além disso, permite que seja escolhido o tipo de serviço e forma de pagamento, o que inclui cartão de crédito. Por meio da própria plataforma é possível que o usuário tenha acesso a dados do motorista e do carro a ser utilizado, além do tempo estimado de chegada do carro ao local de partida e ao destino e também a base de valor a ser pago pela corrida antes mesmo de utilizar o serviço (UBER, 2017). Para se tornar um motorista da Uber, o interessado deve encaixar-se em alguns requisitos estabelecidos como: possuir a carteira nacional de motorista com autorização para exercer atividade remunerada, passar por uma auditoria de antecedentes criminais, e posteriormente, se aceito manter sua média de avaliação mínima em 4,6% na aceitação de clientes e também de outros motoristas vinculados a plataforma (UBER, 2017). No Brasil, a Uber põe à disposição dos usuários cinco opções de serviços, tais como, a UberX caracterizada por disponibilizar viagens com carros populares, quatro portas e ar condicionado. A UberPOOL, é o modelo de serviço que disponibiliza a divisão do valor a ser pago pela viagem com outras pessoas que estejam no trajeto idêntico ao seu. A UberSELECT, refere-se aos serviços que proporcionam a possibilidade de solicitar carros mais espaçosos e confortáveis. A UberBLACK, é o serviço considerado de alto padrão por oferecer carros de luxo modelos sedan. E a UberEATS, que é o mais novo serviço ofertado pela Uber que oferta ao usuário a Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

opção de solicitar refeições em restaurantes em qualquer lugar que esteja (UBER, 2017). Tal inovação na prestação de serviços de transporte dá ênfase à conectividade e ao compartilhamento de experiências, às pessoas que buscam de maneira diferenciada utilizar um serviço de transporte particular diversificado. Por apresentar as respectivas distinções dos meios tradicionais de se utilizar um serviço transporte individual, tal inovação tem se destacado frente a seus habituais concorrentes. Um comparativo realizado com as duas opções de transporte ofertadas, demonstra que há uma diferença significativa nos preços dos serviços oferecidos por ambos. Por exemplo, os serviços de táxi tradicionais oferecem inicialmente um valor fixo médio de R$5,24 reais inicias na bandeira 1, mais um adicional de R$2,85 reais por quilômetro percorrido (DECRETO DISTRITAL, 2016). Enquanto os serviços proporcionados pela Uber custam em média R$2,70 reais iniciais na bandeira 1, mais um adicional de R$1,25 para cada quilometro percorrido, para os serviços de carros comuns, embora fossem os serviços oferecidos pela UberBlack considerado a frota de carros de luxos existentes nos serviço da Uber, o custo monetário do serviço da mesma forma seria inferior ao serviço prestado por um táxi comum. Ou seja, uma viagem com a UberBlack custaria em média inicialmente R$4,00 reais na bandeira 1, com um adicional de R$2,20 reais por quilômetro percorrido, totalizando uma diferença de R$3,89 reais (UBER, 2017). Logo, percebe-se que mesmo utilizando um serviço considerado de alto padrão para o nível oferecido pela Uber, ainda há vantagens nos custos em relação às ofertas oferecidas pelos táxis comuns. Além disso, podemos enfatizar que os serviços ofertados pela Uber se diferenciam por incluir o oferecimento de itens como água, balas, ar condicionado, seguro para os passageiros em casos de acidentes e a utilização de cupons para obter desconto na viagem, distintamente dos serviços oferecidos habitualmente. Outra atividade de experiência em serviço relevante que tem impactado atualmente não 39


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somente no Brasil, mas em âmbito mundial é a plataforma de locação de imóveis conhecido como Airbnb. Fundada em 2008 nos Estados Unidos, a empresa tem como foco conectar qualquer pessoa que tenha algum imóvel subutilizado e que queira oferecer serviços de hospedagem por qualquer período de tempo a usuários que necessitem destes serviços. A plataforma concentra-se na intermediação entre anfitriões e hóspedes, ou seja, trabalha na mediação entre quem aluga e quem deseja alugar. No Brasil, as atividades do Airbnb tiveram início a partir do fim do primeiro semestre de 2012. Porém, foi na Copa do Mundo de 2014, com a grande demanda por hotéis e a consequente inflação nos preços de hospedagem, que a procura por hospedagens na plataforma passou a ter mais relevância. Além de oferecer um baixo custo e acessibilidade em relação aos hotéis tradicionais, a proposta central está em fazer com que os hóspedes se “sintam de casa” (AIRBNB, 2017). O Airbnb oferece também a possibilidade de interação entre hóspedes, em que clientes anteriores podem compartilhar sua experiência e as características percebidas com hospedes que estejam interessados em alugar o mesmo imóvel. Além da disposição que o anfitrião se apresenta para auxiliar e sanar as dúvidas que hospede possa ter com o imóvel (AIRBNB, 2017). Sendo assim, Garcia (2014) enfatiza que o primordial do modelo do Airbnb está na estadia diferenciada, na qual o visitante tem a oportunidade de integrar-se à rotina de uma casa, em um ambiente familiar, onde o tratamento assemelha-se à acolhida de um parente ou amigo. No que concerne aos custos dos serviços de hospedagens é possível identificar a diferença em valores monetário referente à oferta de cada serviço ao realizar uma comparação com um hotel localizado no centro da cidade de Maringá no Paraná, com a oferta de quartos proporcionados pelo Airbnb. Em relação ás ofertas de um quarto de hotel simples para uma hóspede a média de preço é de R$99,00 reais, enquanto o quarto duplo oferece uma média de preços de R$150,00 reais a diária 40

(BOOKING, 2017). Já em comparação com o Airbnb os quartos simples oferecem uma média de preços de R$42,00 reais e R$99,00 reais para quartos duplos na mesma localidade (AIRBNB, 2017). Em vista disso, Snyder (2010) completa que apesar dos hotéis tradicionais oferecerem mais segurança e conforto, acaba custando mais caro e também e sendo mais entediante. Diante de tais características, percebe-se que nestes cenários a economia compartilhada encontra-se presente em tais atividades, considerando a possibilidade de utilizar um carro sem necessariamente ter a posse dele através de um processo acessível e seguro. Ou ainda de hospedar-se em um ambiente no qual há interação de pessoas por um custo mais baixo, assim como demonstrado nas comparações realizadas acima, com as ofertas de viagens e hospedagens. Desta forma, nota-se que as inovações disruptivas apontadas, em comparação com os meios tradicionais, apresentam diferentes características e benefícios que acabam se tornando mais atraentes para seus clientes, fazendo-os ter a necessidade de experimentar ou usufruir novamente o serviço (CHARITOU; MARKIDES, 2003). 4.2. O IMPACTO DA TENDÊNCIA NO BRASIL Percebe-se que no Brasil os impactos provenientes desta nova tendência estão visíveis principalmente no mercado, ao considerar a interação existente entre os custos- benefícios presentes nos serviços ofertados. A possibilidade de qualquer pessoa que possua um bem móvel ou imóvel subutilizado, e que se encaixem nos requisitos estabelecidos pelas empresas possa aderir à economia compartilhada se tornando um motorista ou anfitrião. Ao considerar o grande número de pessoas desempregadas atualmente, a proposta acaba se tornando uma oportunidade de renda financeira para pessoas que possua a disponibilidade e os bens necessários. As características atreladas aos serviços oferecidos, como: a facilidade de manuseio Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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as plataformas e na solicitação do serviço, transparência com os dados do motorista ou anfitrião que podem ser utilizados caso haja alguma dúvida ou falha, além da possibilidade de consulta no que se refere ao grau de satisfação dos clientes anteriores quanto ao serviço prestado, têm como intuito fidelizar o cliente e criar um valor que até então não era ofertado. No que diz respeito às vantagens agregadas aos serviços oferecidos, é possível considerar, no caso da Uber: a demonstração da estimativa de preços, o tempo necessário de espera, agilidade da chegada do carro ao local de partida e o sistema de GPS utilizado que conecta o cliente com o motorista que esteja mais próximo da sua localização. Este sistema, por sua vez, permite ainda que a chegada ao local pretendido seja pelo feito pelo trajeto mais eficiente e rápido. No mais, há os itens que são oferecidos durante a prestação de serviço como, água, balas, seguro para passageiros casa haja algum incidente e cupons de desconto. Em relação ao Airbnb, as percepções referem-se, a interação existente entre hóspede e anfitrião, e a disposição que o proprietário do local se dispõe para auxiliar e sanar as dúvidas e necessidades que o hospede possa vir a ter, e a hospitalidade que o cliente é tratado fazendo-o se sentir em casa. Ambos os serviços oferecem o serviço de classificação em que é possível que os clientes façam suas avaliações quanto à qualidade do serviço prestado, e descrever as características percebidas, fator este que colabora para o desenvolvimento e melhoria dos serviços, além dos preços significativamente inferiores quando comparados com os ofertados pelas empresas habituais, tais características existentes são primordiais para a promoção e desenvolvimento das inovações no mercado, por constituir elementos que criam uma experiência memorável na mente do cliente influenciando-o a usufruir novamente do serviço. Neste sentido, Pine e Gilmore (1999) enfatizam que os objetivos das ofertas Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

mencionadas devem concentrar-se em criar um valor inovador memorável para o cliente, de modo que o faça sentirse satisfeito com o serviço prestado influenciando o indivíduo a ter vontade de usufruir novamente dos serviços. Deste modo, os meios tradicionais existentes que oferecem tais serviços passam a sentir os impactos das inovações existentes no mercado. Conforme indicado por Cusumano (2015), as startups surgidas na economia compartilhada constituem um novo grupo de concorrentes para as empresas tradicionais. Assim, os serviços habituais existentes são pressionados a se adaptarem às mudanças ou oferecerem um serviço mais consistente, que apresentem um diferencial frente a seus novos concorrentes. No mais, Bardhi e Eckhardt (2012) expõem que as pessoas passaram a pagar pela experiência de usufruir temporariamente do produto ou serviço ao invés de adquirilos. Ou seja, mais do que prestar um serviço inovador e de qualidade o objetivo das respectivas empresas está em oferecer uma sensação pessoal e memorável para seus usuários. Barbosa e Farias (2012) mencionam que os serviços de experiência transformam-se em algo memorável não apenas durante a prestação de serviço, mas cultivam uma lembrança na mente do consumidor fazendo-o ter vontade de adquirir a experiência novamente. E ao considerar o desejo do consumidor usufruir novamente dos serviços da Uber e do AirBnb os meios de utilizar os serviços passam a expandir-se e os tradicionais a estagnarse. Com isso, Boesler (2013) declara que, a longo prazo, os impactos dessa nova tendência podem ser cruciais para as formas de mercado atual que deverão oferecer um serviço que proporcione uma vantagem frente às características propostas pela Uber e AirBnb ou adaptar-se e oferecerem serviços com valores semelhantes. As diferentes percepções acerca dos serviços, entendidas por cada indivíduo, tendem a incorporar as três dimensões elencadas por Vasconcelos et al. (2012) 41


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(como já exposto: predisposição, interação e reação) e podem colaborar para o fortalecimento da qualidade dos serviços de experiências. Isto porque auxiliam no processo de contato entre prestador e consumidor quando da avaliação da prestação de serviço para um aprimoramento dos serviços prestados. Neste sentido, as plataformas oferecem formas de avaliação dos serviços experimentados pelos clientes. Na Uber, o cliente pode avaliar o motorista imediatamente após o término da corrida. Quando esta é encerrada, aparece uma mensagem no celular do cliente, pedindo que este avalie o serviço por ele utilizado, de uma a cinco estrelas. Motoristas que possuem constantes baixas avaliações são penalizados pela plataforma (o que inclui bloqueio e banimento de usuário). No Airbnb, por sua vez, os clientes recebem mensagem de incentivo da empresa para escreverem avaliações aos prestadores de serviços que alugaram seus quartos. São estes depoimentos e avaliações que servem, inclusive, como atrativo (ou não) aos futuros contratantes destes serviços, já que as avaliações ficam disponibilizadas nos históricos dos donos dos quartos. Em relação aos impactos na economia destes tipos de serviços incentivados pela Uber e Aibnb ainda não há dados oficiais que sejam capazes de mensurar de forma completa e ampla as modificações nos cenários em que tais empresas atuam. Todavia, é perceptível a crescente procura pelo serviço se considerarmos, por exemplo, o número de inscritos nas plataformas tanto de clientes quanto dos que querem prestar tais serviços. No caso da Uber, há cerca de 17 milhões de clientes e mais de 500 mil motoristas cadastrados nacionalmente (CAPELAS, 2017; UBER, 2017). No que se refere ao Airbnb, apenas na cidade do Rio de Janeiro há cerca de 60 mil quartos inscritos na plataforma. Dados estes muito significativos e que estão gerando discussões e reflexões sobre não apenas a qualidade dos serviços prestados, mas inclusive nos impactos sociais destas plataformas no que se refere à qualidade de serviços prestados, no valor 42

de aluguéis nas cidades que permitem a atuação do Airbnb, nos ganhos e qualidade de vida dos prestadores de serviços da Uber, bem como na segurança de seus usuários ou na incidência de impostos sobre eles (PEREIRA, 2017; BRASIL, 2017; ABÍLIO, 2017; GARATONI, 2016). Ainda assim, vale enfatizar que a crescente procura por estes serviços está no fato, inclusive, de o consumidor usufruí-lo de forma mais econômica em relação aos modelos tradicionais ofertados anteriormente. Logo, os seus concorrentes sentem o impacto ocasionado pela redução da procura de seus serviços em virtude dos novos meios disponibilizados no mercado, o que constitui na dinâmica capitalista enfatizada por Schumpeter, descrita anteriormente, na qual as novidades alteram os mercados.

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho se propôs a analisar o impacto da inovação dos serviços de experiência no mercado brasileiro, ofertados por meio de plataformas online. Os exemplos utilizados para representar os impactos foram os setores de transporte urbano individual com a Uber e o de hospedagem com o Airbnb. Neste cenário, os novos modelos de serviços são denominados uma inovação disruptiva, devido à quebra ocasionada aos padrões de consumo utilizado até o momento, tais inovações são originadas da economia compartilhada de serviços, dado que, as pessoas passaram a disponibilizar um bem móvel ou imóvel próprio subutilizado com indivíduos que veem uma utilidade e deste modo tirar proveito do uso. As características existentes nestes serviços têm como intuito proporcionar ao cliente uma percepção distinta dos serviços tradicionais. Neste âmbito, foi possível perceber que o diferencial ofertado pelas respectivas inovações são fatores promotores da constante evolução e expansão da atuação dos serviços no mercado. Os atributos constatados que ocasionam o impacto foram a facilidade, a comodidade, a forma de atendimento e o custo inferior assim Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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como observado quando comparado com os serviços ofertados tradicionalmente. A proposta dos serviços concentra-se em proporcionar ao cliente uma experiência memorável distinta das já percebidas até o momento. Fator este que conduz a satisfação do cliente quanto à qualidade do serviço prestado, influenciando-o a utilizar o serviço novamente. Foi possível constatar que a interação existente entre prestadores de serviços nas plataformas citadas e seus clientes permite que sejam expostas dúvidas, reclamações, observações e sugestões, quanto às percepções em relação ao serviço prestado. O que contribui para a melhoria e evolução dos serviços prestados, características estas que também se diferem de seus concorrentes tradicionais. Deste modo, os meios habituais de utilizar tais serviços são impactados e podem sofrer pressão para se adaptarem aos novos modelos ou criarem um diferencial que mostre um valor superior aos da economia compartilhada, de tal modo que incentivem seus clientes a continuarem a usufruir de seus serviços. É valido ressaltar que durante a pesquisa não foi possível mensurar com precisão os impactos que a tendência de utilização de plataformas online estudadas provoca na economia, em função da ausência de dados oficiais e de estudos ainda incipientes sobre o tema no país. Ainda assim, com informações referentes ao número de motoristas e anfitriões nelas cadastrados, apontamos a tendência de ganho de mercado daqueles serviços e uma evolução nas formas de utilizá-los. Estes pontos são relevantes levando-se em consideração que aquelas plataformas são as pioneiras no oferecimento dos serviços descritos, o que as torna de inovações disruptivas. Sendo assim, podemos apontar para o fato de que a importância crescente no mercado daquelas inovações disruptivas estão atreladas ao aumento da percepção dos clientes da relevância das inovações dos serviços de experiência. Isto, no que diz respeito às percepções por eles esperadas e as Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

obtidas na contratação de tais serviços nas plataformas Uber e Airbnb.

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Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Ana Beatriz Tomás Salles e Renata Lèbre La Rovere, Guilherme de Oliveira Santos

REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO ISSN 2448-3664

Ana Beatriz Tomás Salles Possui mestrado em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992) e doutorado em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2008).

Renata Lèbre La Rovere Possui mestrado em Structures Productives Et Systeme Mondial - Université de Paris VII - Université Denis Diderot (1986), França e doutorado em Economia - Université de Paris VII , França (1990). Atualmente é professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Guilherme de Oliveira Santos Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL: RENI@UFABC.EDU.BR COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC

OBSTÁCULOS ÀS POLÍTICAS DE EMPREENDEDORISMO NO BRASIL: ANÁLISE COMPARATIVA DO PERÍODO 2007-2015 OBSTACLES TO ENTREPRENEURSHIP POLICIES IN BRAZIL: A COMPARATIVE ANALYSIS IN THE PERIOD 2007-2015 RESUMO As políticas de apoio ao empreendedorismo no Brasil enfrentam obstáculos devido a dificuldades de articulação das instituições envolvidas. O objetivo deste artigo é realizar uma análise comparativa do ambiente institucional do país no período 2007-2015, visando entender se houve mudanças neste ambiente e de que forma elas afetam o fomento à atividade empreendedora no país. A metodologia utilizada foi análise de conteúdo de entrevistas realizadas com gestores de políticas públicas em 2007 e em 2015, e as categorias de análise utilizadas foram extraídas do modelo de Boyer (1996). O artigo está estruturado em cinco seções. Na introdução apresentamos os objetivos do artigo e uma justificativa da escolha das categorias de análise. Na segunda seção fazemos uma breve revisão do modelo utilizado. A terceira seção apresenta os resultados das entrevistas e a quarta seção a discussão destes resultados. Na quinta seção são apresentadas as considerações finais e sugestões futuras pesquisas. Palavras-chave: Empreendedorismo. Arranjo Institucional. Brasil

ABSTRACT In Brazil, policies to support entrepreneurship face difficulties due to poor institutional articulation. This paper proposes a comparative analysis of the Brazilian institutional environment in the period 2007-2015. The purpose of the paper is to understand whether there were changes in the institutional environment and how these changes influenced entrepreneurship policies. The methodology of the paper involved content analysis and the categories used were extracted from the model of Boyer (1996). The paper has five sections. In the introduction we present the objectives of the paper and justify the choice of the categories. In the second section we present a brief review of the model we used. The third section presents results of the interviews and the four section their discussion. The fifth section presents conclusions and suggestions for future research. Key words: Entrepreneurship. Institutional arrangement. Brazil

Classificação JEL / JEL Classification: L26, L53, B52 Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

45


Obstáculos às políticas de empreendedorismo no brasil: análise comparativa do período 2007-2015

1.

INTRODUÇÃO

O interesse no estudo do empreendedorismo vem aumentando na atual fase de globalização do capitalismo. Empreendedores são vistos como geradores de emprego e renda, inovação e de soluções para desafios sociais. Os estudos sobre estes diversos aspectos do empreendedorismo estão se consolidando em um campo de pesquisa que foi mapeado recentemente por Ferreira et al. (2015). Segundo estes autores, este campo é multidisciplinar, onde os autores utilizam diversas teorias como a Visão Baseada em Recursos, a Teoria Evolucionária e a Teoria do Agente-Principal. Ainda segundo estes autores, os principais temas que emergiram da pesquisa bibliométrica por eles realizada foram: processo empreendedor; determinantes ambientais e externos do empreendedorismo; criação de valor e desempenho; e modelos, teorias e questões de pesquisa. Chama a atenção o fato da teoria institucionalista e do tema instituições não aparecerem nos resultados de Ferreira et al. (2015). Apesar de alguns autores situarem a Teoria do Agente-Principal dentro do programa de pesquisa neoinstitucionalista (Coriat e Weinstein, 1995, Tigre 1998), esta teoria se centra na explicação da alocação de recursos e tendências do emprego (Williamson, 2000). Enquanto estes são elementos afetados pelo empreendedorismo, as ações empreendedoras vão além de atributos individuais. Como observam Acs et al. (2016), não se pode discutir empreendedorismo sem levar em consideração o contexto. Isto por que: “1. O contexto regula quem decide abrir uma nova empresa, 2. O contexto regula que tipo de firma será aberta e 3. O contexto regula como esta firma buscará crescer e com quais resultados” (Acs et al., 2016, p.528). Os autores propõem assim o conceito de Sistema Nacional de Empreendedorismo para dar conta da análise do contexto. O conceito de Sistemas Nacionais de Empreendedorismo parte da problematização de três teorias: a teoria de Sistemas Nacionais de Inovação (Nelson, 1993), que ao tratar dos processos de inovação toma as decisões 46

individuais como dadas; a teoria das vantagens competitivas proposta por Porter (1990), que apesar de mostrar que interações entre firmas situadas em clusters conferem vantagens competitivas aos países, considera o número de firmas como dado; e a teoria do empreendedorismo proposta por Baumol et al. (2009), que analisa as ações individuais dos empreendedores como o reconhecimento de oportunidades criadas pelo sistema econômico e social. Estas três teorias, na visão de Acs et al. (2016), não dão conta da interface entre ações individuais e contexto, uma vez que a atividade empreendedora não trata apenas de reconhecer oportunidades, e sim de reconhecer e ter acesso aos recursos necessários para empreender. Os autores propõem então a análise dos arranjos institucionais que afetam a ação empreendedora em nível nacional, para que pesquisadores e formuladores de política possam pensar em termos sistêmicos (Acs et al., 2016, p. 530). Como observado por Pessali e Dalto (2010, p. 33), as instituições influenciam a formação de valores, disposições e comportamento dos indivíduos. A análise dos arranjos institucionais também se justifica uma vez que a interação entre estes arranjos e atitudes empreendedoras individuais é um tema pouco abordado pela literatura sobre empreendedorismo (Schillo et al., 2016). Entretanto, para analisar os arranjos institucionais é necessário definir categorias de análise que permitam avançar na compreensão de como estes arranjos se constituem. Em outras palavras, é preciso entender os mecanismos de coordenação da sociedade. Cabe aqui distinguir a teoria neoinstitucionalista da teoria institucionalista. Conforme observado por Hodgson (2007), a teoria neoinstitucionalista (também chamada de Nova Economia Institucional) é um programa de pesquisa que apesar de buscar entender as interações de indivíduos e instituições, pressupõe que os indivíduos têm comportamentos racionais e, portanto, previsíveis; e parte dos indivíduos para explicar as instituições. Assim, os neoinstitucionalistas têm dificuldades em explicar o estágio inicial das interações entre indivíduos e instituições (Hodgson, 2007, p.327). Ainda segundo este autor, uma coisa é afirmar que instituições Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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afetam comportamentos individuais, outra coisa é explicar causas e efeitos destas interações. Para Hodgson, a explicação dada pela teoria institucionalista que emerge a partir dos trabalhos de Thorstein Veblen é mais adequada ao pressuposto de racionalidade limitada dos agentes:

Through the individual mechanism of habit, the framing, shifting and constraining capacities of social institutions give rise to new perceptions and dispositions within individuals. This is a key element in the Veblenian legacy. (Hodgson, 2007, p. 331).

O trabalho de Boyer (1996) é um desdobramento das reflexões iniciadas no âmbito da Escola da Regulação Francesa. Esta Escola se situa dentro do programa de pesquisa institucionalista, mas apresenta características específicas por levar em consideração tanto as diferenças entre indivíduos situados em um sistema institucional quanto as mudanças institucionais no espaço e no tempo (Billaudot, 2009). Boyer, em seu artigo Sete Paradoxos do Capitalismo (1996), propõe os seguintes mecanismos de coordenação alternativos aos mercados: Constituição, Instituições, Organizações, Convenções e Hábitos. Neste sentido, o objetivo deste artigo é propor uma análise comparativa do ambiente institucional no Brasil entre 2007 e 2015, visando entender se houve mudanças neste ambiente e de que forma estas mudanças afetam o fomento à atividade empreendedora no país. Para esta análise, foram utilizadas as categorias Instituições, Organizações, Convenções, Hábitos, tais como definidas por Boyer (1996)1. Estas categorias foram aplicadas ao conteúdo de entrevistas realizadas com gestores de políticas públicas e investidores em 2007 e em 2015, partindo do pressuposto que estes atores, por estarem diretamente envolvidos com o fomento às atividades empreendedoras, afetam e são afetados pelo contexto institucional mais amplo. Apesar de sua importância, optamos por não abordar a categoria “Constituição” neste trabalho uma vez que, no período analisado, não houve mudanças constitucionais relevantes no país que afetassem o ambiente institucional no que se refere à questão do empreendedorismo. 1

Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

As entrevistas de 2007 se realizaram no contexto da elaboração da tese de doutorado de um dos autores deste artigo. A tese realizou entrevistas com um conjunto amplo de atores: especialistas, investidores, empreendedores, representantes de incubadoras, e de agências de fomento e de capacitação, mas, para os propósitos deste artigo, foram consideradas as respostas dos atores envolvidos diretamente com o fomento às atividades empreendedoras: BNDES, FINEP, Investe-Rio, SEBRAE, SENAC e investidores. As entrevistas de 2015 se realizaram no contexto de uma pesquisa junto a gestores públicos envolvidos em políticas de apoio ao empreendedorismo conduzida por outros dois autores deste artigo. Esta pesquisa procurou avaliar as percepções dos gestores públicos quanto aos desafios das políticas de apoio ao empreendedorismo no Brasil, focando na questão da formulação e da implementação destas políticas. Foram entrevistados atores das seguintes instituições: BNDES, FINEP, SEBRAE e IEL. Como será visto mais adiante, apesar do universo de entrevistados da pesquisa de 2015 ter sido mais limitado, os resultados convergiram sobre a percepção da persistente fragilidade do ambiente de negócios do país, devido às restrições impostas pela dificuldade de acesso ao crédito, pelas questões tributárias, e fundamentalmente pela influência das convenções e hábitos, repassados socialmente. O artigo está assim estruturado em quatro seções, além desta introdução. A seção 2 detalha o modelo de Boyer (1996) e discute suas implicações para a análise do ambiente institucional do Brasil. A seção 3 mostra os resultados da Análise de Conteúdo realizada nas entrevistas, ordenando o discurso dos entrevistados de acordo com as categorias propostas. A seção 4 apresenta pontos de reflexão a partir da comparação dos dois momentos e a seção 5 apresenta as conclusões.

2. ARQUITETURA INSTITUCIONAL E MECANISMOS DE COORDENAÇÃO Boyer

(1996)

reconhece

que

várias 47


Obstáculos às políticas de empreendedorismo no brasil: análise comparativa do período 2007-2015

configurações institucionais podem coexistir e desenvolver vantagens competitivas dentro de um sistema capitalista, mas chama a atenção para o fato dessas vantagens estarem diretamente relacionadas à natureza e, mais importante, à coerência de sua arquitetura institucional. Como saber se uma determinada arquitetura institucional é coerente? A impossibilidade, já comprovada, da autoimplementação do sistema capitalista, faz com que as atenções se voltem para os mecanismos de coordenação utilizados pelas diferentes sociedades que deveriam ser propriamente definidos. Desta maneira, a taxonomia sugerida por Boyer diferencia e hierarquiza os mecanismos de coordenação utilizados pelas sociedades modernas da seguinte maneira: A Constituição ou ordem constitucional é o mais alto princípio de organização possível da solução de conflitos entre as regras de nível mais baixo. Sua legitimidade é dada por um evento político fundador passado, no entanto, é uma questão em aberto investigar se os princípios constitucionais ou os que são encarregados de zelar pelo seu cumprimento em cada país maximizam ou não os critérios econômicos tais como o bem-estar social. Uma instituição leva em consideração as restrições e as oportunidades dentro da ordem constitucional e estrutura a interação entre as organizações e entre organizações e indivíduos, por métodos puramente imateriais. Uma organização é construída sobre uma estrutura de poder e de uma série de rotinas de maneira a superar falhas de coordenação entre agentes ou mitigar comportamentos oportunistas. Uma convenção, por sua vez, é constituída de um conjuntodeexpectativasecrençascompartilhadas por uma sociedade, com a característica de serem autoimpostos (self-enforcing) e emergirem de interações descentralizadas. Hábitos são conjuntos de padrões de comportamentos internalizados durante o processo de socialização de um individuo. Na distinção feita por Boyer, e ilustrada na Figura 1, os três primeiros mecanismos de coordenação alternativos – constituição, instituições e organizações – exigem algum tipo de formalização ou materialização das regras a serem adotadas por uma coletividade 48

(sendo, os dois primeiros, prerrogativas do Estado, e o terceiro, tanto do Estado como da sociedade civil), por isso são chamados de mecanismos formais; enquanto os dois últimos, por serem apreendidos ao longo do processo de socialização dos indivíduos, podem ser considerados mecanismos informais, ou imateriais. Na visão de Boyer, os princípios de ação que permitem mudar estes mecanismos de coordenação são bastante diferentes, sendo a mudança tão mais difícil quanto mais alta a hierarquia, o que equivale a dizer, quanto maior for o esforço despendido para sua formalização. Isto não significa, segundo ele, que, no longo prazo, uma arquitetura institucional não possa mudar. Durante os tempos normais a lógica de interação entre os mecanismos de coordenação é de cima para baixo. A natureza dinâmica do capitalismo e Figura 1: Representação do Ambiente Institucional

Fonte: Salles (2009)

do sistema democrático, no entanto, faz com que alguns atores tenham sempre interesse em inovar, o que pode provocar novos desequilíbrios e desafiar os mais altos níveis de coordenação, em um processo conduzido então de baixo para cima. Assim, a esfera econômica e a esfera política interagem continuamente, uma vez que os conflitos redistributivos acabam afetando as regras do jogo e vice-versa. O desenvolvimento econômico adquire estabilidade quando há coerência entre os mecanismos informais (hábitos e convenções frutos de valores e crenças compartilhadas) e mecanismos formais de coordenação (Billaudot, 2009). Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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Assim Boyer reforça a visão de Veblen (1965) segundo a qual o processo de transformação institucional pode se iniciar de baixo para cima com a mudança dos hábitos de pensamento e ação dos agentes econômicos ao se adaptarem às novas condições ambientais e materiais da sociedade. Castelli e Conceição (2016) também seguem esta linha de pensamento ao observar que, à medida que novos hábitos emergirem no lugar dos antigos, novas instituições serão constituídas, substituindo aquelas que forem inadequadas à nova realidade e criando uma nova estrutura institucional. A mudança institucional, portanto, ocorre através do abandono e substituição de antigos por novos hábitos, promovidos pelo novo ambiente material. Neste sentido, qualquer processo de desenvolvimento (no sentido não linear de des-envolver ou liberar) requer mudanças, tanto das instituições formais (constituição, instituições e organizações governamentais, regulações, legislação) como das informais (convenções, hábitos). Devendo-se compreender e incorporar os contramovimentos que fazem parte e são naturais e saudáveis em qualquer processo de mudança, pois permitem ajustar rumos. Como observado por Mantzavinos, North e Shariq: A relação entre instituições formais e informais é muito importante por razões de política. Como as políticas consistem de mudanças em instituições formais, mas seus resultados derivam de mudanças em regras formais e informais (e também nas regras de controle), aprender mais sobre a interação das regras formais e informais é condição necessária para melhorar o desempenho econômico. (Mantzavinos, North e Shariq, 2004, p.79, tradução própria)

3. PERCEPÇÕES DOS ATORES ENVOLVIDOS NO FOMENTO AO EMPREENDEDORISMO SOBRE O AMBIENTE INSTITUCIONAL BRASILEIRO 3.1. O AMBIENTE EM 2007 Em 2007 (Peixoto, 2009), ano précrise financeira mundial, o contexto socioeconômico brasileiro se caracterizava por: redução do desemprego, devido à Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

economia aquecida; ganho real dos salários com trajetória de crescimento expressivo desde 2003; aumento das exportações devido à valorização das commodities no mercado internacional e diversificação dos mercados; aumento do superávit primário e redução da dívida líquida em relação ao PIB devido ao bom desempenho das empresas; indicação de alta de juros devido ao aquecimento do consumo e à pressão inflacionária; a economia brasileira vinha de um período de pelo menos cinco anos de crescimento e estabilidade, com a inflação sob controle. Em 2008, podia-se dizer que o Brasil ainda estava na moda e na mídia. No que se refere às políticas de apoio ao empreendedorismo, em 2004 foi lançada a Política Industrial, Tecnológica e de Comercio Exterior (PITCE) que apoiava ações de incentivo a Arranjos Produtivos Locais por meio de agências governamentais tais como BNDES, APEX e FINEP. Em 2006 foi aprovada a Lei Complementar 123/06, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, consolidando o arcabouço jurídico sob o qual estas empresas operavam. A partir da análise feita das entrevistas foi possível identificar vários aspectos referentes ao ambiente e à cultura empreendedora no país, detalhados em Salles (2008). Para os propósitos deste artigo, serão enfatizados dois aspectos principais: a falta de uma agenda para as políticas de apoio ao empreendedorismo, e a falta de capital social. Por capital social, entende-se a capacidade apresentada pelos membros de uma comunidade de se associar e se organizar em termos da solução de seus problemas e da construção de sua prosperidade social e econômica. No que se refere às instituições, reconheciase que o apoio ao empreendedorismo era importante, sobretudo em um país onde os formuladores de política privilegiavam as grandes empresas: Existem disputas entre correntes internas. Os que tentam criar um ambiente mais propício para as micro e pequenas empresas têm que lutar com a ideia de que as pequenas empresas tem uma função muito marginal, no sentido de que sempre vai surgir uma grande para comprar ou destruir a mesma, 49


Obstáculos às políticas de empreendedorismo no brasil: análise comparativa do período 2007-2015

o que faz com que se alastre a ideia, quase antievolucionista, do ponto de vista econômico, de que “não se deve preocupar com as mesmas ” já que “são as grandes empresas nacionais ou multinacionais que puxam o desenvolvimento” e, que portanto, é na atração destas que se deve focar a atenção, para natural revolta dos que consideram importante o apoio ao empreendedorismo. Ora bolas, nós temos que criar um empresariado nacional, temos que criar empresas. Não podemos ficar nessa pasmaceira de só meia dúzia de empresas, não é? (Entrevista BNDES, 2007, grifo nosso).

informações e à informalidade:

Hoje para uma empresa se financiar, a empresa tem que bater em muitas portas (mesmo dentro de uma mesma instituição). Para cada coisa ela tem uma forma diferente de apresentar o mesmo projeto. As regras, os produtos e instrumentos oferecidos não são facilmente entendidos. (Entrevista FINEP, 2007, grifo nosso). Os empreendedores brasileiros são extremamente informais. Eles saem fazendo e depois veem o que dá para encaixar ou qual é a penalidade que eles vão ser obrigados a pagar, ou tentam não pagar e vão em frente. Mas o Estado brasileiro - até por ser um Estado - tem regras, tem que ter regras para poder fiscalizar, para poder orientar, para normatizar. As regras têm que existir, mas deviam ser mais brandas. O problema é onde colocar a fronteira. (Entrevista BNDES, 2007, grifo nosso).

Isto explicaria por que as políticas de apoio ao empreendedorismo não eram políticas explícitas àquela época. Desta forma, o apoio ao empreendedorismo acaba, na percepção dos formuladores de política, se confundindo com mecanismos de No que se refere às convenções, foi geração de emprego e renda: identificada uma aversão ao risco das classes A taxa elevada de empreendedorismo com maior formação e oportunidade, apresentada pelo Brasil é consequência, na demonstrada na valorização e busca de verdade, de um problema social e, de certa forma, demonstra a incoerência do ambiente institucional estabilidade em empregos públicos ou brasileiro, ao analisar que: “a pessoa é colocada simplesmente, em empregos em grandes em um mundo econômico que depende do capital empresas. Na visão dos entrevistados, seria e do trabalho que são a essência do capitalismo, necessário mudar esta mentalidade através mas não tem o capital e o trabalho ninguém lhe de políticas de educação e de capacitação de oferece”, [dessa forma] o “empreendedorismo” passa a ser uma coisa de sobrevivência. A pessoa empreendedores: tem que gerar algum tipo de renda para poder viver [...]. Então você tem uma demanda [social] aqui no Brasil [que faz surgir] muitos empreendedores por obrigação. (Entrevista SEBRAE, 2007).

Assim as políticas pouco faziam para mitigar os efeitos do ambiente reconhecidamente inóspito para o empreendedor:

O ambiente para o empreendedor no Brasil é ruim, é horrível; nada ajuda, absolutamente nada ajuda. A burocracia é uma coisa imensa, pesa: a tributação é insana, é enorme. A questão da infraestrutura também não é muito adequada, não ajuda; não existem políticas bem definidas de Governo nesse sentido e o mercado é selvagem. (...) As instituições já existentes teriam que fornecer essa facilitação, e não, ter essas ilhas dentro de um sistema – que está todo errado – para criar uma coisa para contrapor a esse ambiente adverso. (Entrevista INVESTE RIO, 2007).

Além disso, há pouco diálogo e cooperação entre as instituições na definição de políticas: A gente se encastela um pouco. E conhece muito pouco do que acontece lá fora. Enfim, a entidade pública teria que se abrir mais, ser mais acessível nesse sentido. (Entrevista FINEP, 2007).

No que se refere às organizações, percebiase dificuldades das empresas devido à burocracia, à falta de transparência nas 50

O brasileiro ainda tem uma cultura grande de estudar – a gente tem ótimas faculdades, pósgraduações, etc. – mas estudar para ser empregado e até um viés para ser empregado do Governo (Entrevista FINEP, 2007, grifo nosso). “O que não existe no Brasil ainda é qualificação de empreendedores e isso a gente tem que trabalhar. Não é uma questão de transpor o sistema dos EUA para o Brasil. “você tem todo um ecossistema para trabalhar, além de dinheiro e gestão, obviamente. Você tem que ter empresário conversando com empresário, cientista com cientista. Você tem que ter “toda uma postura do país com relação a isso”. (Entrevista Investidor, 2007, grifo nosso).

Segundo um dos investidores entrevistados, “na raiz de todos os problemas brasileiros está o problema da educação. E isso, você só muda com o tempo”: O conjunto de hábitos identificado em 2007 revela, entre outros aspectos, uma falta de associativismo pelo cultivo do individualismo em detrimento do incentivo à individualidade e à coletividade, gerando desconfiança no outro, além de valorização dos resultados (aparência e sucesso) e Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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não do esforço e da trajetória (Salles, 2008). Estes hábitos provocam uma baixa cooperação, tanto entre empresas quanto entre instituições:

Entre os micro e pequenos empresários notase uma mudança de mentalidade que leva a uma maior preocupação com a associação de esforços, mas para ele essa mudança está sendo provocada por uma ameaça de ‘eu vou me associar para não morrer, para não ser engolido pelo grande’ [pois] o empresariado sabe que se não criar uma política séria ele pode quebrar (Entrevista SENAC, 2007).

3.2. O AMBIENTE EM 2015 Em 2015, o contexto socioeconômico havia se modificado completamente: as contas públicas estavam piorando, pois a economia havia começado a desacelerar; a inflação se situou em torno de 7%, bem acima da meta de 4,5%, e o crescimento estava abaixo de 1%; a política de estímulo ao consumo interno atingiu o seu limite e o desemprego começou a aumentar (Carvalho Filho, 2015). No que se refere à política industrial, que inclui as políticas de apoio ao empreendedorismo, entre 2007 e 2010 o Governo deu continuidade à PICTE através da Política de Desenvolvimento Produtivo e em 2010 lançou o Plano Brasil Maior, que buscou integrar a política industrial com a de comércio exterior. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) iniciou em 2012 um processo de elaboração de uma Política Nacional de Empreendedorismo, que estabeleceu diretrizes de apoio que foram validadas por oficinas regionais e uma consulta pública em 2013. Entretanto, sucessivas mudanças desde então no Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, responsável à época pela condução da política, impediram que a mesma pudesse ser implementada. No que se refere às instituições, observase a permanência do ambiente desfavorável aos empreendedores: “A outra questão eu acho que é o que se coloca aí de não se ter um ambiente favorável ao empreendedorismo. O Estado primordialmente não pode ser o que mais traz barreiras para esse tipo de desenvolvimento. Nós temos situações,

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como por exemplo, aqui no Rio de Janeiro, que em média são necessários dois meses para abrir uma empresa. Na Bahia esse prazo diminuiu para duas, três semanas. Em alguns municípios de São Paulo ou de Minas Gerais em uma semana você consegue abrir uma empresa. Por outro lado você fica aí de três a quatro anos para você conseguir fechar uma empresa.” (Entrevista SEBRAE, 2015, grifo nosso).

Entretanto, observa-se um avanço na percepção das possíveis soluções para melhorar o ambiente:

O ambiente de negócios envolve não só a questão tributária, abrir e encerrar um negócio, mas também propiciar ao investidor ter uma proteção do seu investimento, conseguir estimular, por exemplo, o empreendedorismo, a articulação entre o mercado, os empreendedores, incubadoras, parques tecnológicos, universidades, então na verdade a política você não consegue só trabalhar ali no âmbito da empresa. Se você criar uma lei, por exemplo de tax exemption, de benefício tributário ou de isenção de impostos, você não vai conseguir mudar o cenário [...] Então é uma coisa mais ampla do que simplesmente trabalhar no âmbito da pequena empresa (Entrevista BNDES, 2015, grifo nosso).

Porém, persiste a falta de transparência e de articulação entre as instituições observada em 2007:

O país tem que enfrentar esse dilema [de falta de garantias para empreendedores] e montar um fundo de apoio, um fundo de crédito, um fundo garantidor. Alguns dizem: tem o FAMPE (Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas) do Sebrae, o FGI (Fundo Garantidor de Investimentos) do BNDES. São sempre coisas pulverizadas, a porta de acesso nunca é conhecida, e que você fica encastelado nas instituições que comandam isso, e na realidade muita gente não detém essa informação. (Entrevista FINEP 2015, grifo nosso.).

No que se refere às organizações, as empresas, na percepção dos gestores, ainda têm dificuldades no que se refere a competências para gestão, para receber aportes de investidores e para aumentar sua escala, sendo assim frágeis:

[..]você tem empresas de porte 1, que vão ter faturamento até 3,6 milhões, empresas de porte 2, que vão de 3,6 a 16 milhões, empresas de porte 3 que vão de 16 a 90 milhões, e que são consideradas médias empresas. [...], nessas empresas de porte 1 – com faturamento de até 3,6 milhões – o empreendedor tem um sério problema: ele entende muito do negócio, ele tem a capacidade de desenvolver novas ideias e novos produtos, mas ele não tem o tempo necessário para se dedicar ao projeto, não tem a expertise necessária para áreas correlatas 51


Obstáculos às políticas de empreendedorismo no brasil: análise comparativa do período 2007-2015

como precificação, comercialização, marketing, recursos humanos, administração; e ele precisa de algum tipo de recurso para que possa se manter ao longo daquele período de desenvolvimento do projeto. [...] empresas de porte 2, já possuem maior solidez na gestão estratégica. [..] aí tem uma questão maior, que é a necessidade de preparar essas empresas efetivamente para a questão dos recursos reembolsáveis de crédito – que a dificuldade é a questão da garantia –, e a questão da preparação do dono da empresa na possibilidade de ser investida através de algum fundo de investimento. Para empresas de porte 3, os programas devem se voltar para que essas empresas tenham escala de atuação. Então você precisa ter um volume maior de recursos, pensando em que essa empresa chegue mais rápido ao tamanho de média a grande. Por que se caso isso não acontecer, ela pode em um pequeno espaço de tempo retornar a uma condição de microempresa, o que é ruim. (Entrevista FINEP, 2015, grifo nosso).

acaba que fica muito o poder público, os bancos públicos e as agências de fomento colocando dinheiro nessas empresas. (Entrevista BNDES, 2015, grifo nosso). O país vive um dilema, porque a gente está meio que na quina, meio que refém de uma política monetária e de uma política econômica que não dá muita margem de você apostar. E empreendedorismo exige aposta. Aposta precisa de recurso. Recurso precisa de excedente. Excedente vem do PIB. Quando você tem parcela grande do seu PIB comprometida para pagar dívida, para remunerar capital especulativo de rentista, e que você tem que segurar esse capital aqui porque senão os juros vão lá pra cima, senão o dólar vai lá pra cima, já é algo complicado. Então, politicamente você precisa pensar em uma reformulação macroeconômica, porque com esse atual estágio muito pouca iniciativa para empreendedorismo vai ser possível. (Entrevista FINEP, 2015, grifo nosso).

Como é que você traz uma empresa que está acabando de nascer com uma carga tributária tamanha hoje? Então, eu acho que o ambiente tributário hoje não é um ambiente ideal para as empresas, eu acho que nós temos uma questão jurídica muito séria no Brasil que é a questão da responsabilidade limitada. As pessoas hoje têm medo de criar empresa, porque a pessoa acaba sendo responsável na pessoa física. Então, se a minha empresa falir e eu não pagar meu fornecedor, isso pode chegar no meu patrimônio pessoal. Em países, onde o empreendedorismo é mais evoluído como nos Estados Unidos, isso é inaceitável. A empresa é uma personalidade jurídica diferente da pessoa física. Então, isso é um limitador. Eu acho que existem algumas limitações, principalmente no ambiente tributário, no ambiente jurídico e também no crédito. O Brasil é um país extremamente conservador para dar crédito para as empresas. (Entrevista BNDES, 2015, grifo nosso).

educação formal, a questão de ter o tema do empreendedorismo pulverizado em todos os níveis escolares. Não ser um tema, digamos assim, traduzido somente pela vertente de ser um empreendedor no sentido de ter um negócio próprio, uma autonomia na carreira, mas também ser um empreendedor no seu cotidiano. Então acho que tem uma questão aí que deveria ser uma política de Estado, implementando isso quase que como uma disciplina obrigatória desde os primeiros níveis escolares, permeando todos os níveis. (Entrevista SEBRAE, 2015). Imagina duzentos milhões de pessoas, que é o que o país tem, sabendo o que é empreendedorismo e a importância disso! É impossível? Não! Se você decidir daqui a dez anos todo mundo na primeira série do primeiro grau já vai estar com isso no currículo, não é impossível que você daqui a vinte, trinta anos tenha um país de empreendedores; de mentalidade empreendedora. (Entrevista IEL, 2015).

Culturalmente o Brasil é um país de poupança, as pessoas colocam o dinheiro na renda fixa, as pessoas tem aversão a risco. Se você pegar dados da bolsa de valores das empresas que cresceram muito desde 2005 para cá, o percentual de investidores estrangeiros é enorme, porque os brasileiros tem medo de botar dinheiro em capital de risco. Brasileiro é poupança, é renda fixa. Acaba criando um ambiente difícil, porque as pessoas não investem,

políticas, por exemplo, de inovação de muitos países são associadas à política de comércio exterior. [Aqui] elas não têm articulação [...] a gente tem os instrumentos de investimento, tem os instrumentos de financiamento aqui no Banco, na FINEP, subvenção na FINEP. O Brasil tem os instrumentos, mas a gente tem que articular melhor. (Entrevista BNDES, 2015).

A educação empreendedora é uma das O desestímulo ao empreendedorismo soluções compartilhadas: relacionado à burocracia persiste: Começa lá nos primórdios da nossa

No que se refere aos hábitos, a baixa A convenção de aversão ao risco também cooperação entre as instituições também foi observada em 2015, apesar das condições persiste: macroeconômicas terem se modificado: Não adianta ser competitivo no Brasil. As

52

Assim, as condições favoráveis do ambiente macroeconômico observadas no período Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Ana Beatriz Tomás Salles e Renata Lèbre La Rovere, Guilherme de Oliveira Santos

2007-2014, não se refletiram em mudanças nas políticas de apoio ao empreendedorismo, como indicam a persistência de problemas na articulação das ações apontadas pelos entrevistados.

4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Nas nações que apresentaram maior desenvolvimento socioeconômico nos séculos XIX e XX se observam dois tipos de mudança: mudança política (surgimento da República e da noção do Estado como instituição regida por leis, símbolo máximo do conjunto de instituições que vão garantir a governança e o interesse e a segurança do povo) e mudança econômica, com o advento do capitalismo em apoio à livre iniciativa. Essas mudanças só foram possíveis, segundo McCloskey (2008), pela construção e poder de convencimento de uma retórica favorável às mesmas. Uma das razões para o “atraso” brasileiro em termos de desenvolvimento socioeconômico pode estar em uma arquitetura institucional incoerente e inóspita, que não prestigia o potencial empreendedor do brasileiro devido a uma falta de compreensão das regras necessárias para se desfrutar das virtudes da lógica do “mercado”, ou do incentivo à livre iniciativa. Esta incompreensão seria alimentada pela deturpação ocorrida e reificada pelo desconhecimento da complexa e intrincada trajetória da institucionalização da República e do capitalismo no Brasil estimulada pela falta, na grande maioria

da população, de um entendimento mais aprofundado e realístico das regras do jogo. Se por um lado, tem-se um discurso poderoso, que permitiu que no Brasil fosse construída uma noção de nação, por outro falta um discurso convergente em termos de sua organização social, ou seja, do Estado e do desenvolvimento de um capitalismo sem a “dependência” do Estado. O movimento de apoio ao empreendedorismo no Brasil se caracteriza como um movimento de baixo para cima, por meio de iniciativas pontuais de vários atores, integradas apenas por uma proposta comum, qual seja, promover uma cultura empreendedora que abrangesse o sistema institucional como um todo em prol da democratização da base produtiva. Em 2007, as organizações que começaram a apoiar o empreendedorismo, devido à globalização e à abertura de mercados, apesar de terem se multiplicado e terem conseguido uma maior participação no discurso oficial, ainda atuavam como verdadeiras ilhas, dentro de uma estrutura institucional razoavelmente inóspita, onde o Estado ainda aparecia como o distribuidor do jogo, com a sociedade civil atuando, quando muito, como simples coadjuvante. Em 2015, permanece o ambiente institucional inóspito, apesar de terem sido constatados avanços na percepção sistêmica dos gestores de políticas públicas e a consolidação da crença de que políticas de educação empreendedora são fundamentais para a melhoria deste ambiente. O Quadro 1 abaixo sintetiza os achados da comparação entre os dois períodos.

Quadro 1 : Comparação entre o Ambiente em 2007 e 2015

Ambiente em 2007

Socioeconômico

Contexto Políticas de apoio às empresas e ao empreendedorismo

Redução do desemprego; Ganho real dos salários; Aumento das exportações; Aumento do superávit primário; Redução da dívida líquida; 2004: Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE); 2006: a Lei Complementar 123/06 – Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte;

Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

Ambiente em 2015

Desaceleração da economia; Piora nas contas públicas; Inflação no teto da meta; Baixo crescimento; Aumento do desemprego; 2008: Política de Desenvolvimento produtivo; 2010: Plano Brasil Maior; 2012: Início do processo de elaboração da Política Nacional de Empreendedorismo;

53


Obstáculos às políticas de empreendedorismo no brasil: análise comparativa do período 2007-2015

Ambiente institucional inóspito para o empreendedor;

Instituições

Reconhecimento da importância das políticas de apoio por parte das instituições;

Pouco diálogo e cooperação entre as instituições na definição de políticas;

Organizações

Dificuldades relativas às competências para gestão e ao excesso de burocracia; Falta de acesso às informações e alto grau de voluntarismo; Aversão ao risco; Valorização e busca de estabilidade;

Convenções Necessidade de mudança de mentalidade através de políticas de educação e de capacitação de empreendedores; Falta de associativismo e culto ao individualismo; Hábitos

Valorização dos resultados (aparência e sucesso) em detrimento do esforço e da trajetória;

Permanência de um ambiente desfavorável para os empreendedores; Avanço na percepção das possíveis soluções para melhorar o ambiente (visão sistêmica); Persistência da falta de transparência e articulação entre as instituições; Persistência das dificuldades relativas às competências para gestão e ao excesso de burocracia; Permanência da aversão ao risco, sobretudo devido ao custo de oportunidade decorrente dos altos juros; Reforço da percepção acerca da necessidade de políticas voltadas para a educação empreendedora;

Manutenção do baixo nível de cooperação entre instituições e organizações;

Baixo nível de cooperação entre os atores; Fonte: Elaboração Própria

A comparação entre os dois períodos mostra que contextos macroeconômicos distintos pouco interferem nas dificuldades relacionadas às políticas de apoio ao empreendedorismo. A falta de articulação entre as instituições de apoio leva à duplicação de esforços por parte destas, a dificuldades no acesso dos empreendedores às linhas de fomento e a avanços limitados no que se refere à melhoria da capacidade de gestão das empresas. Observa-se também uma falta de coerência entre os mecanismos de coordenação: enquanto há reconhecimento por parte dos gestores públicos que é necessária a articulação das instituições, prevalece a cultura de baixo associativismo ao longo do período analisado. No que se refere às convenções, o alto custo de oportunidade de empreender associado aos altos juros no Brasil encontrado pela pesquisa revela o ambiente inóspito descrito anteriormente. Este achado corrobora os 54

achados de Erber (2011), que mostra que juros altos constituem uma das facetas da convenção de estabilidade macroeconômica associada a uma agenda neoliberal, a qual, apesar de estar em conflito com a convenção neodesenvolvimentista desenvolvida nos governos do PT, é predominante nas ações do Governo, no período analisado. As fragilidades do quadro institucional dificultam o desenho e a implementação de uma política eficaz de apoio ao empreendedorismo. Deste modo, os achados da pesquisa são complementares ao trabalho de Camara (2016) que sugere que os agentes envolvidos nas políticas de apoio ao empreendedorismo têm diferentes percepções sobre o que é empreendedorismo e sua importância, o que limita a sua efetividade.

5. O

CONSIDERAÇÕES FINAIS exercício

analítico

proposto

neste

Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Ana Beatriz Tomás Salles e Renata Lèbre La Rovere, Guilherme de Oliveira Santos

artigo pretendeu contribuir para uma perspectiva dinâmica das instituições que podem vir a compor um Sistema Nacional de Empreendedorismo no Brasil. A permanência das dificuldades no ambiente institucional brasileiro entre 2007 e 2015 explica por que o Brasil figura em 98o lugar entre 138 países no ranking de empreendedorismo global feito pelo Global Entrepreneurship and Development Institute (www.gedi.org) e coloca três caminhos para trabalhos futuros. Em primeiro lugar, deve-se investigar se esta permanência se deve ao simples fato de que o período entre as entrevistas é relativamente curto, do ponto de vista histórico. De fato, Williamson (2000) sugere que mudanças no ambiente institucional podem ter entre 10 e 100 anos de duração, e mudanças nos hábitos podem levar entre 100 e 1000 anos. Complementarmente, Castelli e Conceição (2016) observam que o processo de mudança institucional é complexo e demorado, pois depende da gestação de novos hábitos de pensamento e comportamento, sendo inócua a simples adoção de “boas instituições” importadas de outros contextos. Em segundo lugar, é preciso analisar se o pensamento sistêmico dos entrevistados observado pela pesquisa de 2015 é suficiente para gerar ações de apoio ao empreendedorismo que levem em consideração a necessidade de articulação institucional. Para tanto, é preciso avançar na análise das iniciativas recentes de políticas, programas e instrumentos de apoio ao empreendedorismo no país do ponto de vista de suas relações, complementaridades e gargalos (Acs, 2016), bem como na investigação acerca das capacidades estatais existentes para a formulação, implementação e avaliação destas políticas. Por fim, devemos avançar em análises comparativas com outros ambientes institucionais, sobretudo àqueles que apresentam semelhanças com o caso brasileiro, como no caso dos países latinoamericanos. Como pontuam Kantis e Federico (2012), na América Latina existem diversos fatores sociais, culturais e econômicos que possuem uma influência negativa no contexto Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

empreendedor na comparação com outras regiões. Desta forma, a partir da identificação de problemas comuns e específicos a estes ambientes, analisando e explicitando dentro desta especificidade as regras informais e, portanto, ocultas (convenções e hábitos) a cada um que se interpõem e comprometem a eficiência da formulação e implementação das regras e instrumentos formais, será possível formular de políticas de apoio adequadas à nossa realidade, ao invés de importar políticas e instituições de países centrais. Como pontuam Castelli e Conceição (2016), a imitação de leis, regras e políticas que não tenham aderência nos hábitos de pensamento dos agentes econômicos está fadada ao fracasso e a não se institucionalizar.

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Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Takeshy Tachizawa, Hamilton Pozo

REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO ISSN 2448-3664

Takeshy Tachizawa Administrador e Mestre em Administração pela FEA/USP. Especialização em Gestão Empresarial pela Universidade da Califórnia (Irvine). Doutor em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professor e pesquisador da Faculdade Campo Limpo Paulista (FACCAMP). http://lattes.cnpq. br/5203729599096224

Hamilton Pozo Pós-Doutor em Administração pela FEA/USP. Professor e pesquisador da Faculdade Campo Limpo Paulista (FACCAMP). Foi Diretor de Operações, Industrial Comercial em diversas empresas Nacionais e Transnacionais nos Estados Unidos, Alemanha, Austrália, Canadá e Espanha. http://lattes.cnpq. br/7082129428182587

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL: RENI@UFABC.EDU.BR COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC

CRIAÇÃO DE NOVOS NEGÓCIOS: AS INCUBADORAS COMO SUPORTE À PROFISSIONALIZAÇÃO DA GESTÃO DAS MICROS E PEQUENAS EMPRESAS THE ADMINISTRATOR AS SUPPORT TO INCUBATORS FOR THE CREATION AND STRENGTHENING OF NEW BUSINESS

RESUMO Este artigo analisa as contribuições das incubadoras para a criação e desenvolvimento de novas empresas. Enfatiza as novas possibilidades de atuação do gestor de incubadoras, e do gestor-empreendedor, e suas interações com o mercado e o meio ambiente onde estão inseridas. Nas incubadoras de base tecnológica, direcionadas para o desenvolvimento de tecnologias inovadoras, sua competência, os meios de difusão e o grau de interação com as universidades e centros de pesquisa aos quais estão vinculadas são elementos fundamentais para o seu êxito. No desenvolvimento desta pesquisa foram avaliadas as empresas incubadas, graduadas e já atuando no mercado com dados obtidos por meio de entrevistas pessoais, acesso aos sites das empresas incubadas, via internet e visitas às incubadoras. Palavras-chave: criação de negócios, empreendedorismo e gestão inovadora.

ABSTRACT This article analyzes the incubators contributions to start and develope news firms. The emphasizes in the new possibilities of the managers’ of incubators performance and their interactions with the market and the environment where are inserted. In the incubators of technological base, addressed for the development of innovative technologies, the competence, the diffusion and the interaction degree with the universities and research centers were they are linked, are fundamental elements for their success. The development of this research were appraised the incubated companies, graduate and already acting at the market with data obtained through personal interviews, internet and visits to the incubators. Keywords: creation of businesses, intrapreunership and innovation

Classificação JEL / JEL Classification: L26 Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

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Criação de novos negócios: as incubadoras como suporte à profissionalização da gestão das micros e pequenas empresas

1.

INTRODUÇÃO

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008), existem no Brasil 4,6 milhões de empresas, das quais 99% são micro e pequenas empresas (MPEs). Os pequenos negócios, formais e informais, respondem por mais de dois terços das ocupações do setor privado. Também nos demais países da América Latina, as MPEs superam, em termos de geração de postos de trabalho por unidade de capital investido, os empregos oferecidos por empresas multinacionais, estrangeiras, conglomerados e empresas de grande porte (Labarca, 1999). Para o IBGE, os pequenos negócios tendem a aumentar ainda mais seu espaço econômico na medida que mais MPEs sejam instaladas. Entretanto, para que isso ocorra, é preciso que novos negócios não apenas sejam criados, como também sobrevivam e se desenvolvam de forma sustentável. E o que faz com que um enorme contingente de pessoas resolva abrir um negócio próprio? Conforme Tachizawa e Faria (2008), os principais motivos que levam o empreendedor a abrir uma empresa, em ordem de importância, são: oportunidade; experiência prévia; desemprego; tempo disponível; capital disponível; insatisfação com o emprego atual e demissão com indenização. Esses fatores são confirmados pelo Sebrae (2008), que aponta como principal motivo para a abertura de uma MPE, tanto das firmas de sucesso quanto das extintas, a identificação de uma oportunidade de negócio. A MPE bem-sucedida no Brasil, segundo o Sebrae, tem sido aquela que leva em conta: 1.º) o bom conhecimento do mercado em que atua; 2.º) a existência de um bom administrador à frente dos negócios e 3.º) o uso de capital próprio em vez da utilização de empréstimos financeiros e capital de terceiros. Entretanto, pesquisas bianuais realizadas pelo Sebrae (2008) no Estado de São Paulo revelam altas taxas de insucesso desses novos negócios. As taxas de mortalidade chegam a 29% para empresas de até um ano, 42% para empresas de até dois anos, 53% para empresas 58

de até três anos e 56% para empresas com até cinco anos de vida. Em comparação com estudos anteriores, verificou-se uma queda da taxa de mortalidade, em especial, nas empresas com até cinco anos. A taxa de mortalidade desse grupo de empresas caiu de 71%, em 2000, para 56%, em 2004. Apesar disso, essa taxa continua sendo superior às encontradas nas economias de paises desenvovidos e nos emergentes. Os obstáculos que os empreendedores enfrentam no Brasil são muitos. Legislação arcaica, burocracia, corrupção, falta de financiamento favorável, dificuldades com fornecedores, etc. Sem o apoio de programas e de ações institucionais - como as incubadoras, o SEBRAE e as universidades – uma porcentagem grande de novos empresários tende ao fracasso. Como demonstrou Schumpeter (1985), o empreendedor está umbilicalmente vinculado à inovação. Entretanto, a transformação de novas idéias e invenções em inovações como novos produtos, processos, mercados ou formas de organização nos negócios pressupõem riscos. Nos Estados Unidos, por exemplo, somente duas de cada dez idéias inovadoras implantadas alcançam o êxito planejado (Degen e Mello, 1989). Assim, torna-se necessário a presença, não somente de empreendedores audaciosos, mas também, de planos de negócios bem estruturados. Em outras palavras, a capacidade do ambiente econômico e institucional apoiar os novos empreendimentos é fundamental. Por fim, no âmbito nacional é preciso criar uma cultura favorável para o desenvolvimento dos empreendedores fortalecendo a educação e as políticas públicas nas esferas nacional, estadual e municipal. Nesse aspecto vale citar na íntegra a análise precisa de Paiva; Calheiros e Potengy, (2003):

“No que diz respeito à qualificação, estamos diante de um paradoxo. De um lado, as transformações contemporâneas exigem um nível mais elevado de conhecimentos para enfrentar não apenas o trabalho ou a atividade alternativa, mas a vida diária no plano doméstico e fora dele. De outro, estamos diante de dois fenômenos que incidem de forma especialmente forte nos países periféricos: a deterioração qualitativa do sistema de ensino em seus diversos níveis e um elevado

Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


Takeshy Tachizawa, Hamilton Pozo

desperdício de qualificação e de experiência.”

Schumpeter (1985), já havia enfatizado no início do século XX a importância da inovação como principal motor do desenvolvimento. Porter (1989), mais recentemente, com o conceito de “Diamante Nacional” tratou da análise dos principais fatores que determinam o sucesso internacional de uma indústria. Primeiro, a situação do país quanto aos fatores de produção, como infraestrutura e trabalho especializado; segundo, a natureza da demanda interna para os produtos ou serviços da indústria; terceiro, a existência ou ausência no país de indústrias correlatas e indústrias fornecedoras competitivas internacionalmente e, por fim, a natureza da rivalidade interna. Estes fatores, principalmente, os fatores criados (e aprimorados) e não os herdados (recursos naturais e localização), formam, para Porter, a base da vantagem competitiva e do desenvolvimento de um país. A despeito de tantos desafios o empreendedorismo representa um dos mais significativos avanços no campo da administração. Como marco conceitual é absolutamente essencial para que organizações e indivíduos possam se guiar rumo ao sucesso em um ambiente marcado por mudanças e quebras de paradigmas em todos os campos do conhecimento e da atividade humana. Tais indagações nos levam a considerar a respeito do papel e das novas atribuições do gestor das incubadoras. Para que o nível de sobrevivência e evolução dos novos negócios aumente é preciso que a gestão das incubadoras esteja de acordo com o que há de mais avançado no mundo da gestão de negócios. As primeiras experiências do que viria a ser conhecido como incubadora aconteceram nos anos 30, na Universidade de Stanford (EUA). Uma das histórias mais famosas é a da HP. Dois recém-formados em engenharia – Bill Hewlett e Dave Packard –, incentivados pelo professor Fred Terman, montaram a empresa em 1939 e o primeiro produto construído foi um instrumento de teste utilizado por engenheiros de som (oito Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

equipamentos foram adquiridos mais tarde pela Walt Disney, para a realização do filme Fantasia). Começava a trajetória de uma das maiores companhias do mundo, que fechou o ano fiscal de 2003 com uma receita de 73,1 bilhões de dólares e emprega 141,8 mil pessoas mundialmente. No Brasil, as incubadoras chegaram em meados dos anos 80, mas foi na época da bolha da internet que elas entraram na moda. Com o fim do período de ouro da Web, várias delas acabaram falindo junto com os negócios que suportavam. Mas algumas – especialmente as nascidas no meio acadêmico – mantêm alguma força até hoje e contam com empresas que nasceram nelas e já andam com suas próprias pernas. Obviamente que o universo da gestão no mundo globalizado apresenta inúmeras faces. Não é proposta deste trabalho, tratar de todas, mas pretende-se indagar a respeito da possibilidade das incubadoras brasileiras desenvolverem competências que capacitem empresas residentes a desenvolver relações mais efetivas com os agentes econômicos que integram o sistema nacional de inovações. Para isso três incubadoras serão visitadas. O objetivo foi verificar se a missão e formas de atuação das incubadoras brasileiras demandam o desenvolvimento de competências avançadas por parte de seus gestores. O foco de análise foi enfatizado, sobretudo, nas competências necessárias para a gestão de relações institucionais voltadas para a inovação.

2.

METODOLOGIA ADOTADA

A pesquisa empírica foi realizada com três incubadoras tecnológicas no estado de São Paulo. Para isso, a metodologia utilizada foi um estudo comparativo de casos, que viabiliza estabelecer relações entre categorias analíticas e as formas como tais relações ocorrem, comparando resultados de escolas com diferentes desempenhos (Tachizawa e Mendes, 2008). A população pesquisada foi composta pelas incubadoras tecnológicas do Estado de São Paulo. A técnica de amostragem intencional foi 59


Criação de novos negócios: as incubadoras como suporte à profissionalização da gestão das micros e pequenas empresas

utilizada na seleção de três incubadoras, para possibilitar a análise de ambientes com características similares, envolvendo gestores das referidas instituições. Trata-se de um estudo de perspectiva transversal, no qual o nível de análise é organizacional e a unidade de análise é composta pelo grupo de fatores relevantes, presentes em incubadoras tecnológicas. A abordagem do trabalho é predominantemente descritivo-qualitativa. As fontes dos dados coletados são primárias e secundárias, tendo sido utilizada a técnica da triangulação na análise e interpretação dos dados. Para a análise das pressões do contexto ambiental, utilizou-se de dados secundários sobre o segmento das micro e pequenas empresas, de diversas fontes como livros, internet, artigos, fontes estatísticas, entre outras. Os dados secundários das incubadoras tecnológicas estudadas foram obtidos em idênticas fontes que permitiram a elaboração do roteiro de levantamento. Este roteiro permitiu a obtenção de dados primários diretamente dos sites/páginas na Internet das três incubadoras pré-selecionadas. Com esses dados primários e secundários, identificou-se a missão, os valores e crenças e as estratégias de ação de cada uma das incubadoras. Durante o período de visitas, entrevistas e coleta de dados foi utilizada a observação não-participante para obtenção de informações relevantes, o que se justifica pela necessidade de averiguar fatos importantes para a pesquisa. Os dados primários foram tratados pela análise de conteúdo, sendo a temática para a análise de esquemas interpretativos e a categorial para as estratégias de ação (Bardin, 1979).

tecnologias e recursos humanos com alto nível de capacitação nas áreas tecnológicas. O êxito dessas incubadoras, portanto, depende da consolidação da nova tecnologia a ser explorada, do grau de interação com as instituições de apoio, e das competências das universidades e centros de pesquisa aos quais estão vinculadas. As incubadoras de base tecnológica geralmente têm maior sucesso quando vinculadas a institutos que oferecem cursos de graduação e pós-graduação em áreas tecnológicas. Dentre elas, pesquisaram-se em detalhes três incubadoras com foco de atuação diversificado, analisadas em termos de missão, finalidade estatutária e objetivos que para efeito de apresentação deste trabalho serão designadas por Incubadora Alfa, Beta e Gama. Essas três incubadoras foram pesquisadas, por meio de entrevistas com suas respectivas empresas incubadas e graduadas já atuando no mercado. Enquanto as incubadoras Alfa (localizada no Vale do Paraíba, na região de alta concentração da indústria aeroespacial) e Beta (situada na região de Campinas/SP conhecida como Vale do Silício brasileiro) delineiam suas atividades no espaço nacional, a Gama (localizada na região de Santos) delimita sua atuação na economia local. Entretanto, essa última também almeja, no longo prazo, adquirir uma expressão nacional. Quanto à visão de futuro e ao posicionamento de longo prazo, observa-se que a incubadora da região de Jundiaí destaca-se tanto pelo alcance nacional quanto pelo estreito foco de atuação em produtos de alto valor agregado. Em termos de posicionamento estratégico, observa-se que a Gama destaca-se tanto pelo 3. PROCESSO DE GESTÃO alcance nacional quanto pelo enfoque em EM INCUBADORAS DE BASE todos os segmentos da economia. Em termos de serviços básicos, as três TECNOLÓGICA incubadoras se equivalem. São oferecidos às empresas incubadas serviços compartilhados 3.1. AMOSTRA de infra-estrutura física e logística, como: espaço físico para instalação dos escritórios O sucesso das incubadoras de base das empresas; instalações apropriadas tecnológica se traduz em oferecer ao mercado, com linha telefônica e internet; segurança; por meio de suas empresas residentes, novas secretaria; sala de reuniões; recepção e 60

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outros serviços de apoio. Outros serviços normalmente prestados são: assessoria para elaboração do plano de negócios das empresas; consultorias especializadas de acordo com as necessidades das empresas em áreas como gestão empresarial, finanças, planejamento, contabilidade, jurídica etc.; acesso à informação tecnológica; assessoria na elaboração de projetos para captação de recursos em entidades financeiras e de fomento; captação e intermediação da negociação com investidores; apoio em ações mercadológicas, divulgação e comercialização de produtos/serviços das empresas incubadas e orientação e apoio para participação em feiras e rodas de negócios. 3.2. RESULTADO DAS OBSERVAÇÕES Como administrador de uma incubadora ou como gestor de uma empresa em processo de incubação ou já graduada e atuando no mercado, algumas estratégias são recomendáveis. O foco de atuação é um ponto crítico a ser gerenciado na medida em que apenas determinados tipos de empresas são passíveis de serem apoiados por incubadoras. Quanto aos serviços especializados prestados pelas três incubadoras, foi constatada uma significativa diferenciação no grau de suporte oferecido às empresas incubadas. A incubadora Alfa destaca-se na orientação quanto ao uso de plano de negócios; a incubadora de Santos (Gama), pela maior especialização na orientação à criação de empresas produtoras de software; a incubadora de Campinas (Beta), pela orientação às empresas em sua busca de financiamentos em instituições de fomento como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A seguir os principais elementos de cada Incubadora. 3.2.1.  INCUBADORA ALFA A incubadora Alfa possui como diferencial o fato de focar empresas com projetos de alta tecnologia para aplicação industrial ou de Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

serviços nas áreas de eletrônica, informática, ciências de materiais, aeroespacial, telecomunicações, biotecnologia, mecânica, química, robótica, meio ambiente etc. Como incubadora tecnológica atua na geração de empresas cujos produtos, processos ou serviços resultam da pesquisa científica. Ocorre que não há absorção sistematizada do conhecimento tecnológico dos centros de pesquisa da universidade à qual a Alfa se vincula. Esse elo que, normalmente constitui a base para as incubadoras tecnológicas, é fundamental para a formação empreendedora no meio acadêmico. A Alfa tem com missão:

“Oferecer um ambiente propício ao desenvolvimento de empreendedores de negócios tecnológicos, transformando-os em empresários bem-sucedidos, por meio de ações: integradas e eficazes com outros parceiros, como forma de contribuir para o surgimento de empresas tecnológicas bem-estruturadas e competitivas no mercado global.”

Como benefícios, oferece às empresas residentes todos os serviços necessários para seu desenvolvimento e para sua adequação à realidade do mercado, a partir de critérios de excelência empresarial. Os empresários são assistidos na elaboração de seus projetos, participam de cursos, seminários, palestras e workshops, recebem informações, consultoria e assessoria de forma a permitir que sua empresa possa criar estratégias de desenvolvimento e definição de metas. A Incubadora visa com isso possibilitar a preparação de cada empresa para sua entrada no mundo dos negócios, após sua graduação, desenvolvendo as habilidades gerenciais dos empresários enquanto complementam seus projetos tecnológicos. Também oferecemos orientações quanto a fomentos e financiamentos, incentivos fiscais, parcerias, além de incentivar e colaborar com a participação em feiras e rodas de negócios. O principal objetivo é ajudar cada empresa incubada a alavancar seu negócio. A Incubadora Alpha facilita o acesso dos empresários a serviços básicos de: • orientação sobre linhas de financiamento e fomento; • consultorias especializadas (marketing, 61


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financeira, contábil, patentes, etc.); • participação em cursos, seminários, palestras, workshops e eventos diversos (marketing pessoal, plano de negócios, habilidades empreendedoras, etc.); • treinamento técnico especializado; • informações sobre comercialização de produtos/serviços; • promoção e divulgação das empresas residentes; • suporte tecnológico, administrativo e operacional, a custo subsidiado e racionalizado; • estrutura gerencial e tecnológica de uso coletivo e baixo custo operacional; • apoio ao desenvolvimento de Plano de Negócios; • acompanhamento metodológico das atividades das empresas residentes; e • participação em feiras e rodas de negócios - muitos a custo zero e alguns com pequena participação das empresas. • Tem como objetivo alcançar resultados positivos para empresas incubadas, conforme descrito a seguir: • aumento da taxa de sobrevivência; • redução do volume de capital necessário para montar uma empresa; • apoio ao desenvolvimento local e regional com a geração de emprego e renda; • geração de produtos, processos e serviços inovadores; • implantação de redes de novos negócios; • fortalecimento do espírito associativo; e • aumento da interação com o setor empresarial e as instituições acadêmicas. Nessa incubadora os aprovados na etapa de pré-seleção participam de um “Curso de Formação de Empreendedores” de 40 horas que trata de questões relacionadas às falhas gerenciais e logísticas. A participação no curso é etapa obrigatória do processo de seleção. Cada projeto aprovado na etapa de pré-seleção proporciona a inscrição de até dois representantes no curso. A eles são oferecidas consultorias especializadas para a elaboração dos planos de negócios. Quanto aos serviços especializados 62

prestados foi constatada uma significativa diferenciação no grau de suporte oferecido às empresas incubadas, destaca-se na orientação quanto ao uso de plano de negócios. Como meio de suprir as deficiências inerentes ao desenvolvimento das pequenas e médias empresas de base tecnológica, principalmente quanto à falta de mecanismo de crédito adequado ao crescimento empresarial, a Incubadora Tecnológica Univap orienta as empresas incubadas quanto a financiamentos e recursos não reembolsáveis existentes, incentivos fiscais, parcerias junto às grandes empresas para desenvolvimento de projetos em conjunto. Assim, como parte de sua missão de alavancar e consolidar as empresas tecnológicas, a Incubadora oferece assessoria para a elaboração de propostas de projetos junto aos seguintes agentes de fomento e financiamento: BNDES; CNPQ; FAPESP; FINEP. Tem, também, foco direcionado às empresas com projeto de aplicação industrial ou de serviço, nas áreas de eletroeletrônica, controle de processos, tecnologia da informação, ciências de materiais, aeroespacial, telecomunicações, biotecnologia, mecânica, química, robótica, meio ambiente e organizações de alto conteúdo tecnológico. Existe uma correlação direta entre a vocação regional como pólo aeronáutico-espacial e o tipo de MPE existente no Vale do Paraíba. As empresas aqui incubadas após sua graduação têm elevado índice de sobrevivência, 85%. 3.2.2.  INCUBADORA BETA Na incubadora Beta é considerado um diferencial o fato das empresas estarem localizadas no interior de uma das três grandes universidades do Estado de São Paulo. Trata-se de um endereço respeitado no mundo acadêmico e no mercado, e que pode contar com a colaboração dos professores e pesquisadores da instituição. A missão da Incubadora BETA é: “capacitar gerencial e tecnologicamente as micro e pequenas empresas, estimulando a interação universidade-empresa e buscando promover a geração de emprego e renda da região, com Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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o desenvolvimento de tecnologias adequadas ao País”. Para o cumprimento desta missão a organização procura: desenvolver tecnologias adequadas ao país; desenvolver um fluxo contínuo de inovações; induzir a geração de riqueza e novos empregos; promover a diversificação e desconcentração industrial; e a valorização da cultura empreendedora. Tem como objetivo a implantação de uma estrutura propícia ao surgimento de novas empresas de base tecnológica e já é reconhecidamente um esforço conjunto da Universidade que a abriga, do SEBRAE-SP, da comunidade e dos governos municipal, estadual e federal. Esse novo papel das universidades vem exigindo tanto a expansão dos seus ativos físicos, organizacionais e educacionais de apoio à inovação quanto à promoção da cultura empreendedora que propicie reconhecer e tirar proveito das oportunidades geradas pelas iniciativas universitárias. A Beta orienta as empresas a buscar instituições de fomento e até hoje todas conseguiram apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia) ou do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Além de uma taxa mensal pela utilização de espaço físico e sua conta de telefone, as incubadas, a partir do 25º mês, pagam 2% do faturamento pelo mesmo tempo em que permaneceu incubada. Futuramente deve ser exigido 1% do faturamento pelo dobro do tempo em que a empresa ficou interna. Outra regra é que após três anos as empresas devem ir para o mercado. Na Incubadora Beta não é explicitado um processo formal de seleção de futuras empresas incubadas, com base em um plano de negócios. A participação de até dois representantes em um curso de formação de empreendedores é etapa obrigatória do processo de seleção. Para os inscritos também são oferecidas consultorias especializadas para a elaboração dos planos de negócios. O processo para os empreendedores Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

interessados em participar da incubadora é parecido com o adotado pelas demais. A demora é de dois a três meses e, uma vez aprovados, os empreendedores passam a contar com uma sala, internet e um ponto de telefone. Há ainda uma consultoria em gestão que orienta os empreendedores e, na medida da necessidade, corrige seus passos, passa “lição de casa” e monitora o desenvolvimento dos negócios. Além disso, as empresas estão dentro de uma universidade que é um endereço respeitado no mundo acadêmico e no mercado, e contam com o apoio dos professores e pesquisadores da instituição. A Beta orienta as empresas a buscar instituições de fomento e até hoje todas conseguiram apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia) ou do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Além de uma taxa mensal pela utilização de espaço físico e sua conta de telefone, as incubadas, a partir do 25º mês, pagam 2% do faturamento pelo mesmo tempo em que permaneceu incubada. Futuramente deve ser exigido 1% do faturamento pelo dobro do tempo em que a empresa ficou interna. Outra regra é que após três anos as empresas devem ir para o mercado. As empresas incubadas após sua graduação têm pleno índice de sobrevivência, ou seja, 100%. 3.2.3.  INCUBADORA GAMA A Incubadora Gama procura o desenvolvimento tecnológico regional por meio da criação e incremento de uma rede colaborativa e pelo apoio a novos negócios considerados estratégicos para a economia local. Em síntese sua missão é: “fazer da região um pólo nacional de referência da cultura empreendedora e da criação de produtos e serviços com alto valor agregado”. Essa incubadora se volta, preferencialmente, às áreas de software, informática, turismo e design. Mas, também, apoia novos empreendimentos de segmentos tradicionais 63


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da economia. A incubadora Gama foi pesquisas científicas; projetada para incubar 17 empresas no modo • incentivar o empreendedorismo e a residente, aquelas que ocupam espaço físico inovação tecnológica na região; na incubadora. A história da Gama inicia-se • reduzir os riscos de mortalidade das em 1999, quando a Prefeitura Municipal da empresas; cidade que a sedia, em conjunto com o Serviço • buscar auto sustentabilidade da de Apoio às Micro e Pequenas do Estado de São incubadora; Paulo - SEBRAE e a Federação das Indústrias • incentivar o desenvolvimento de novas do Estado de São Paulo e seu representante tecnologias visando a modernização da regional, o Centro das Indústrias do Estado estrutura produtiva; de São Paulo - CIESP se reúnem pela primeira • promover negócios sustentáveis e vez com a intenção de convergir esforços desenvolvimento local; para a implantação de uma incubadora no • contemplar os interesses dos parceiros; município. O SEBRAE-SP orientou para • difundir a educação e a cultura que se realizasse um Estudo de Viabilidade empreendedora em todos os níveis de Técnica e Econômica – EVTE da incubadora, ensino; e que se convocassem as forças vivas da • incentivar a implantação de sistemas cidade para captar os parceiros. A Prefeitura de pré-incubação nas Universidades se encarregou de conduzir o processo. Foram parceiras; chamadas mais de 30 instituições, de todos • criar uma Rede Colaborativa de os meios, das quais 25 instituições assinaram Valor do Conhecimento Científico e um documento de lançamento do projeto, Mercadológico na região; no qual manifestavam apoio à sua criação. • consolidar o conceito e a imagem A Gama como incubadora do tipo misto, da Incubadora junto a parceiros e pode abrigar empresas de desenvolvimento comunidade; de software, empresas de fabricação de • incrementar processos que agreguem componentes eletrônicos e cooperativas tecnologia e valor para as empresas da em diversas áreas. Faz parte do Sistema região; FIESP de Incubadoras, referência nacional • realizar ações e eventos de em gestão e propicia a abertura de empreendedorismo e desenvolvimento oportunidades de negócio, e está localizada regional em conjunto com outras próxima ao aeroporto internacional de incubadoras que se venham constituir Viracopos, à Capital e às demais cidades na região; da Grande São Paulo. • articular a implantação de sistemas Seu posicionamento estratégico define a locais de pós-incubação, em parceria Incubadora Gama como uma oportunidade com governos, institutos e centros de de transformar a idéia do empreendedor em pesquisa, além de grandes empresas de um negócio viável e de sucesso. É voltada software e hardware; preferencialmente às áreas de software; • construir cultura local de investimentos informática; turismo; design como também em Capital de Risco – “Angel Investors e em segmentos tradicionais da economia. Seed Money”; Foi projetada para incubar 17 empresas no • construir cultura local de Pesquisa & modo residente, aquelas que ocupam espaço Desenvolvimento de Inovação para físico na incubadora. Identificam-se como busca de recursos das Agências de principais objetivos: Fomento: FAPESP, FINEP e CNPq; e • apoiar e orientar o aprimoramento • articular projetos de Desenvolvimento empresarial nas suas bases: gerencial, Sócio-Econômico Regional nas áreas de técnica e tecnológica; Software, Turismo e Design. • promover a integração entre empresas, Quanto aos serviços especializados Universidades e instituições de prestados, destaca-se na orientação quanto 64

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ao uso de plano de negócios pela orientação às empresas em sua busca de financiamentos em instituições de fomento como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia, ou do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A Incubadora Gama, como processo de seleção das empresas, leva em conta a entrevista individual feita pelo Coordenador da incubadora, a avaliação dos planos de negócios submetida à aprovação FIESPCiesp/SEBRAE/SP e a avaliação final pelo Conselho da Incubadora. Seus critérios de aprovação são: viabilidade econômicofinanceira; perfil empreendedor; dedicação exclusiva ao negócio; idoneidade na praça; processo de fabricação não poluente e atividade estratégica para o desenvolvimento regional. A incubadora considera, em seu processo de seleção, dois diferentes tipos de empresa: a) de cunho tecnológico e b) inovadoras e com potencial para exportação e desenvolvimento de novos produtos, materiais e processos de produção. A vocação regional está intimamente vinculada ao segmento de turismo, hotelaria e prestação de serviços. Quanto a serviços especializados prestados a incubadora de Santos, destacase pela maior especialização na orientação à criação de empresas produtoras de software. A entidade gestora desse empreendimento é a FIESP/CIESP, através de seu departamento de Assessoria Micro e Pequenas Empresas e a administração operacional do empreendimento fica a cargo de um Coordenador Executivo contratado para esse fim. Paralelamente, a Prefeitura e o Sebrae operam oferecendo recursos econômicos e financeiros a toda a operação. As regras para o período de incubação, demissão e graduação são definidas por Termo de Adesão e Regulamento Interno assinados entre a empresa incubada e a entidade gestora. Suas consultorias são contratadas de acordo com as normas e procedimentos da FIESPCIESP e são prestados por profissionais pós-graduados nas áreas de Marketing, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

prestando orientação à comercialização do produto, e Finanças prestando análise no que diz respeito ao desempenho econômicofinanceiro da empresa. As empresas aqui incubadas após sua graduação têm elevado índice de sobrevivência, 87,5%. 3.3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA Nos três casos estudados nota-se que a gestão das incubadoras, além de suas tradicionais funções, poderia atuar mais acentuadamente como elo de ligação entre os novos empreendimentos e o sistema nacional de inovação. Seria viável e salutar que os novos empresários pudessem interagir mais profundamente com as instituições responsáveis pelo avanço do conhecimento e pela regulação. Essa atuação poderia ocorrer em termos de implementação de alianças e parcerias entre as incubadoras e as instituições de apoio como: Sebrae, Fiesp/Ciesp, instituições de ensino e pesquisa, prefeituras, associações de classe e órgãos oficiais.

4. PERSPECTIVAS DO PROCESSO DE GESTÃO E EMPREENDEDORISMO As análises de economistas, sobre a mortalidade das empresas, tendem a dar grande importância aos fatores estruturais e conjunturais. Já as publicações voltadas para o mundo dos negócios e as análises de estudiosos da gestão reforçam o papel das práticas gerenciais como responsáveis pela mortalidade. Na verdade, é mais provável que a alta mortalidade das empresas sejam provocadas, principalmente, por falhas gerenciais na condução dos negócios, seguidas de causas econômicas e tributação. Portanto, fica evidente a enorme importância da qualificação técnica dos novos empresários para a criação de patrimônio produtivo no país. A contribuição das incubadoras de empresas na difusão de práticas gerenciais eficientes entre os novos empresários, portanto, é essencial. Com o apoio das 65


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incubadoras as novas empresas podem obter maior produtividade, lucratividade, agilidade e capacidade para inovar, mudar, aproveitar oportunidades, se adaptar e se antecipar à mudança do ambiente econômico. O ímpeto empreendedor e as possibilidades de sobrevivência e desenvolvimento de novos negócios podem, desse modo, ser potencializados pelo “capital intangível” representado pelo conhecimento, habilidades e experiência (Paiva, 2001 e Labarca, 1999). Desse modo, o presente artigo considera a capacitação gerencial como “capital humano” e, portanto, como um dos principais recursos disponíveis para o desenvolvimento de um país. Deve assim, ser encarada como um fator endógeno no processo evolutivo que se desenrola no ambiente competitivo. Para Hoff e Stiglitz (2001) “o desenvolvimento não é mais visto primariamente como um processo de acúmulo de capital, mas antes como um processo de mudança organizacional”. Desse modo, o conhecimento e as mudanças organizacionais são fatores determinantes nas possibilidades do desenvolvimento (Evans, 2003). A gestão empreendedora, um dos mais importantes marcos conceituais da história do pensamento da administração, está relacionado com a emergência de uma área temática, cujo objeto de estudo transcende a abordagem das habilidades convencionais. Este novo posicionamento tem como referência básica o estudo e a pesquisa aplicada às características que conformam o perfil e o comportamento daquele que é o agente de transformação no âmbito das organizações. Procura, o empreendedor, desenvolver novas tecnologias gerenciais de forma a instrumentalizá-las para a inovação tecnológica. Assim, cabe ao empreendedor não apenas inovar no sentido “schumpteriano”, mas, também desenvolver novas práticas gerenciais que estimulam a inovação em seu próprio empreendimento. Uma nova configuração da economia, quanto aos seus padrões de concorrência e relações entre seus agentes, requer um novo formato de gestão. A consecução de objetivos 66

e metas neste novo cenário requer gestores preparados para esse novo balizamento. Dentre os requisitos exigidos para este novo formato de organização, no que concerne à sua inserção na economia empreendedora, Drucker (1986) destaca como relevantes as seguintes diretrizes e práticas: • a organização deve ser receptiva à inovação e predisposta a ver a mudança como oportunidade e não como ameaça; • a mensuração sistemática, ou pelo menos uma apreciação, do desempenho empreendedor e inovador da empresa na perspectiva do aprendizado contínuo; • práticas específicas pertinentes à estrutura organizacional e ao relacionamento com o seu quadro de pessoal. Portanto, a ação de empreendedorismo deve ter fundamentação econômica - a emergência da economia empreendedora e organizacional - a delimitação de um modelo de gestão empreendedora, torna-se oportuno proceder à abordagem da produção intelectual relacionada a esse novo modelo de gestão para a inovação. Para Drucker (1986) o comportamento empreendedor sempre busca a mudança, reage a ela, e a explora como uma oportunidade. Pereira (l995) configura o empreendedorismo como um dos modelos de gestão que se destaca neste novo momento da economia mundial, um período de transição e da emergência de novos paradigmas. O Gestor, além de suas tradicionais funções nas MPEs e órgãos governamentais, poderia atuar como elo entre a incubadora e as MPEs ou empreendimento em sua fase de criação. De forma análoga, seria viável a MPE interagir com instituições do Primeiro Setor e organizações sociais do Terceiro Setor (vide relacionamento do tipo “b”), conforme Figura 1 a seguir. Essa atuação poderia ocorrer em termos de implementação de alianças e parcerias entre MPEs e incubadoras e entre elas e instituições de apoio como o Sebrae, a Fiesp/Ciesp, as universidades e instituições de ensino e pesquisa, prefeituras, associações de classe e outros órgãos oficiais e privados congêneres (relacionamento do tipo ”c”). Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação


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Figura 1 – Modelo conceitual: A incubadora e as MPEs

Fonte: dados de investigação dos autores

Segundo Almeida (2004, p. 22) a instituição incubadora pode ser considerada como “um exemplo do modelo de hélice tríplice de relações universidade - empresa – governo, sendo consideradas como organizações híbridas, que internalizam o relacionamento entre as três esferas, estimulando e criando um espaço de interação”. Tal “modelo de hélice tríplice”, na verdade, é uma construção teórica que visa explicar o processo de inovação tecnológica. Nesse modelo o processo linear de inovação – da pesquisa básica nas universidades à aplicação comercial – é substituído por um modelo que privilegia a integração institucional de três elementos do sistema de ciência e tecnologia (C&T): as universidades, as empresas e as agências governamentais. No “modelo de hélice tríplice” as incubadoras podem acelerar o desenvolvimento e melhorar as chances de sucesso de empresas recém-criadas. Isso é feito pelo fornecimento de serviços e recursos necessários para as jovens empresas. Esse apoio, coordenado pela gerência da incubadora, tem como principal objetivo produzir “empresas graduadas” de sucesso que irão deixar o período de incubação para ser tornarem vitoriosas no mercado e financeiramente sustentáveis. As incubadoras brasileiras crescem em um ritmo acelerado, como pode ser constatado na tabela 01. Nelas, os pequenos empreendedores que trabalham Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

com produtos e processos inovadores ou de alta tecnologia, podem entrar em contato com instituições de ensino, pesquisas, laboratórios e redes de fornecedores. Tabela 1 – Incubadoras no Brasil: 1988 2006

Ano

Instaladas

Novas

1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

2 4 7 10 12 13 19 27 38 60 74 100 135 150 183 207 283 339 359

2 3 3 2 1 6 8 11 22 14 26 35 15 33 24 76 56 20

Fonte: Anprotec, 2006b.

A incubadora de empresas oferece uma série de facilidades para o surgimento e desenvolvimento de novos empreendimentos. Proporciona condições especialmente planejadas para favorecer o nascimento e o desenvolvimento de empresas, até que elas tenham condições de trabalhar 67


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métodos gerenciais e processos de negócio que permitam uma operacionalização mais ágil e flexível. Existem, porém, dois fatores determinantes para alavancar essas iniciativas de melhoria contínua do negócio e aumento da competitividade dessas empresas. Trata-se do acesso e obtenção de financiamentos e de um eficiente planejamento que permitam a implementação dessas ações. Com a atual crise econômica mundial e particularmente a situação brasileira, a ausência desses fatores está, cada vez mais, determinando a falência e saída do mercado de inúmeras empresas de diversos ramos de atuação, devido às altas taxas de juros cobrados sobre o capital, sem falar na carga tributária excessiva pela qual são submetidas essas empresas. Isso tudo vem culminando no aumento contínuo do desemprego e levando inúmeros ex-empregados da indústria nacional a tornarem-se pequenos empreendedores que se jogam, sem qualquer suporte ou planejamento prévio, no sonho de vencer e ser dono do próprio negócio. Em decorrência desse quadro, o número de micro e pequenas empresas - MPEs criadas no país vem aumentando a cada ano. Porém, em vez de significar uma solução alternativa à crise econômica citada, isso tem trazido também outros problemas econômicos e sociais ao país, haja vista o alto índice de mortalidade dessas MPEs em seus primeiros anos de vida. Em pesquisa realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE na região metropolitana de São Paulo pode-se ter um quadro claro a esse respeito. Nota-se que mais de 50% das MPEs deixam de existir até o final do 3º ano de vida. Ainda não se têm dados em nível nacional, mas segundo o próprio SEBRAE os números são no mínimo iguais aos expostos acima ou maiores. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma iniciativa que vem proporcionando resultados animadores em todo mundo, e Um dos fatores mais importantes para também no Brasil, é a criação de incubadoras a sobrevivência das empresas na atual de empresas destinadas a amparar o economia global, é a sua capacidade de estágio inicial de empresas nascentes que continuamente buscar a aplicação de se enquadram em determinadas áreas de novas tecnologias, novos mercados, novos negócios. O principal objetivo de uma competitivamente no mercado. Disponibiliza ainda soluções por meio de ferramentas de gestão e tecnologia, atuando como facilitadora de informações e serviços. Dessa forma, ampliam as possibilidades de sucesso de empresas ainda frágeis, mas que devem sobreviver numa economia globalizada, e agir de forma competitiva e com responsabilidade socioambiental. Além da assessoria na gestão técnica e empresarial da empresa, oferece infraestrutura e serviços compartilhados necessários ao desenvolvimento do novo negócio. A incubadora, portanto, pode ser catalisadora do processo de desenvolvimento regional e de consolidação de empreendimentos inovadores quando conduzidas por gestores competentes. Segundo pesquisa realizada pelo SEBRAE (2008), 56% das empresas registradas na Junta Comercial do Estado de São Paulo que foram fundadas em 1999 e não foram instruídas pelo SEBRAE desapareceram do mercado em 5 anos, já para as clientes do SEBRAE, o percentual cai para 30%. Anprotec (2005) informa que, no Brasil, as novas empresas apoiadas por uma incubadora apresentam uma taxa de sobrevida é de 82%. Isso mostra quão importantes são os conhecimentos e a experiência adquiridos em gestão de negócios dentro da incubadora. Entretanto, mesmo sendo um dos melhores instrumentos de auxílio às empresas nascentes, ainda existem lacunas não preenchidas no tocante à assessoria das incubadoras às MPEs: o auxílio na elaboração de planos de negócios consistentes e que sirvam de base à gestão das MPEs e na captação de recursos financeiros provenientes de linhas de crédito como as do BNDES, bancos estatais e privados, fundos de investimento, venture capitalists (capitalistas de risco), etc.

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Incubadora de Empresas deve ser a produção de empresas competitivas, que obtenham êxito no seu mercado de atuação, gerando benefícios econômicos e sociais. Este trabalho tratou, também, de um aspecto ainda pouco explorado pelas incubadoras de empresas e que envolve o seu próprio gerenciamento: a capacitação dos seus executivos no processo de gestão das mesmas, além da capacitação dos empreendedores das empresas incubadas. Diante do alto grau de mortalidade das empresas recém-criadas surgiram as incubadoras para melhorar a sustentabilidade dos novos negócios por meio do apoio tecnológico, físico e gerencial. De fato, as incubadoras, especialmente de foco tecnológico, têm garantido a sobrevida de centenas de empresas. O Programa Nacional de Apoio as Incubadoras de Empresas (PNI) que congrega, articula, aprimora e divulga a maioria dos esforços institucionais e financeiros de suporte a esse tipo de empreendimento para ampliar e otimizar a maior parte dos recursos deve ser canalizado para gerar e consolidar um maior número de MPEs inovadoras em regime de incubação. Esse processo, que se inicia com a geração da idéia, passando pelas etapas da pesquisa, do desenvolvimento de protótipo (a fase em que a idéia transforma-se em processo, produto ou serviço) e da produção em escala, é implementado de modo consistente e coerente. O gestor das MPEs deve considerar a necessidade de adotar estratégias de parcerias e alianças de maneira diferenciada em função do tipo de incubadora. Enquanto as tecnológicas se aproximam de universidades e centros de pesquisas, as mistas interagem mais diretamente com entidades de classes e Governos municipais e estaduais. E todas, indistintamente, interagem com órgãos financiadores e autarquias do tipo SEBRAE e congêneres. Outras oportunidades de firmar alianças e parcerias seriam com empresas juniores de instituições de ensino. Essa articulação institucional, quando alvo de atenção por parte do gestor das Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

MPEs, torna possível identificar vocações regionais que podem direcionar e sinalizar às incubadoras projetos de criação de novos negócios realmente viáveis. Esse enfoque pode direcionar a própria formulação da missão e foco estratégico de atuação da incubadora. É nesse contexto que o gestor das MPEs pode emergir como um tipo de profissional que agregaria sua contribuição técnica à melhoria da gestão interna das MPEs, das incubadoras e da administração do relacionamento entre esses dois ambientes. Essas e outras reflexões permitiram inferir, inicialmente, que o processo de gestão das incubadoras se avizinha como uma promissora área de atuação para o executivo das MPEs, tanto na sua administração intrínseca quanto por meio de parcerias e alianças institucionais. Estratégias essas que permitiriam, inclusive, fomentar o desenvolvimento regional por intermédio de Arranjos Produtivos Locais (APLs). O gestor da Incubadora ou de uma MPE, poderia atuar na concentração local ou regional de atividades econômicas industriais, comerciais, serviços e agronegócios, formando cadeias produtivas. A força econômica, a competitividade e a capacidade de geração de emprego e renda da APL decorrem justamente da sinergia proporcionada pela integração de diferentes organizações e agentes. Ou seja, a articulação institucional nas esferas públicas e privadas, entre incubadoras, empresas, fornecedores e instituições de pesquisas e acadêmicas constitui um espaço de atuação inexplorado e que, dadas suas exigências em termos de atuação, constitui um amplo campo para o administrador exercer suas habilidades e competências. Para o gestor de uma incubadora ou de uma empresa em processo de incubação, ou já graduada e atuando no mercado, o foco de atuação é um ponto crítico a ser gerenciado na medida em que apenas determinados tipos de empresa justificam o apoio de. De fato, uma incubadora de empresa é o “locus” da inovação, o lugar ideal para receber os empreendedores que estão iniciando negócios e que desejam 69


Criação de novos negócios: as incubadoras como suporte à profissionalização da gestão das micros e pequenas empresas

agregar tecnologias para valorizar seus produtos, processos e serviços. Essa conclusão é crucial para a atuação dos administradores. Diante do novo fenômeno das incubadoras e das múltiplas relações que elas engendram o campo de atuação do gestor das MPEs pode ser ampliado. O pré-planejamento do negócio, a gestão empresarial e a gestão das relações institucionais podem se constituir em fatores de apoio ao desenvolvimento de novos negócios. É nesse contexto que o gestor pode atuar na gestão de incubadoras, de MPEs e na articulação e interação com instituições parceiras.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Mariza Costa. A Evolução do Movimento de Incubadoras no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPE, 2004 (Tese de Doutoramento em Engenharia de Produção.). Disponível em: http://redeincubar.anprotec.org.br:8280/portal/ baixaFcdAnexo.do?id=41. Acesso em 12 ago 2008. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES PROMOTORAS DE EMPREENDIMENTOS INOVADORES. Evolução do Movimento Brasileiro de Incubadoras – 2006. Número de incubadoras em operação. Anprotec. Brasília: Anprotec, 2006. Disponível em: http://www.anprotec.org.br/ ArquivosDin/Graficos_Evolucao_2006_Locus_ pdf_59.pdf. Acesso em: 01 out. 2008. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES PROMOTORAS DE EMPREENDIMENTOS INOVADORES. Panorama 2005. Anprotec. Brasília: Anprotec, 2005. Disponível em: http://www.anprotec. org.br/ArquivosDin/Panorama_2005_pdf_11.pdf. Acesso em: 01 out. 2008. BEDÊ. Marco Aurélio. Sobrevivência e Mortalidade das Empresas Paulistas de 1 a 5 anos. São Paulo: Sebrae, 2004. Disponível no endereço http:// www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/ DED986F2676BD261832572BC0063F7AA/$File/ NT00035176.pdf. 2007. Acesso em: 10 maio 2008. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de Luis Antonio Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1979. DEGEN, R. J. E ; MELLO, Á. A. O Empreendedor Fundamentos da Iniciativa Empresarial. São Paulo: McGraw-Hill, 1989. DRUCKER, P F. Inovação e Espírito Empreendedor (Entrepreneurship): Prática e Princípios. São Paulo: Pioneira, 1986. EVANS, Peter. Beyond “Institutional Monocropping”: institutions, capabilities, and deliberative development. Sociologias , Porto 70

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Takeshy Tachizawa, Hamilton Pozo

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Poupança à longo prazo

REVISTA DE EMPREENDEDORISMO, NEGÓCIOS E INOVAÇÃO ISSN 2448-3664

POUPANÇA À LONGO PRAZO LONG-TERM SAVINGS ACCOUNT

Alberto de Carvalho Peixoto de Azevedo Graduado em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Mestre em Matemática pela Harvard University, Doutor em Matemática pela Purdue University. Foi professor do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília (UnB). Lattes: http://lattes. cnpq.br/7761132907533114

Marcia Carvalho de Azevedo Mestre e Doutora em Administração de Empresas pela FGV/SP, Professora do Curso de Administração e do Mestrado Profissional em Gestão de Políticas e Organizações Públicas da Universidade Federal de São Paulo. CV: http://lattes.cnpq. br/7735307216322291. E-mail: marciacarvalhoazevedo@ gmail.com.br UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC AVENIDA DOS ESTADOS, 5001 BAIRRO BANGU, SANTO ANDRÉ - SP. CEP 09210-580 E-MAIL:RENI@UFABC.EDU.BR

RESUMO Juros compostos tem um efeito impresssionante no longo prazo, mesmo assim este não é um conceito familiar para a maior parte da população brasileira. A análise conduzida neste trabalho demonstra, por meio de exemplos, que tiveram como base o investimento de renda fixa mais popular no pais, a tradicional Caderneta de Poupança, o seu efeito multiplicador, especialmente em prazos de investimento mais longos. O Brasil passa por um processo de envelhecimento acelerado, e provavelmente se tornará um pais envelhecido antes de se tornar um país rico. Cenário que demanda de forma clara, que seus habitantes sejam capacitados em termos de educação matemática e financeira, de forma que possam se preparar melhor para sua futura aposentadoria. Palavras-chave: juro composto, caderneta de poupança, rendimento, inflação

ABSTRACT Compound interest has a striking effect in the long run, yet this is not a familiar concept for most of the Brazilian population. The analysis carried out in this paper demonstrates, through examples, based on the most popular fixed income investment in the country, the traditional Savings Account, its multiplier effect, especially in longer investment periods. Brazil is going through an accelerated aging process, and will probably become an aged country before it becomes a rich country. A scenario that clearly demands that its inhabitants be trained in terms of mathematical and financial education, so that they can better prepare for their future retirement. Keywords: compound interest, savings account, interest, inflation.

COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE INOVAÇÃO INOVAUFABC

Classificação JEL / JEL Classification: G11 72

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Alberto de Carvalho Peixoto de Azevedo, Marcia Carvalho de Azevedo

1.

INTRODUÇÃO

No Brasil, as cadernetas de poupança são o tipo de aplicação financeira mais conhecido pela população e são bastante populares, especialmente entre os extratos de baixa renda. Entre as aplicações financeiras de renda fixa existentes é a modalidade mais antiga. Foi criada no século XIX pelo Imperador Dom Pedro II em 1861, por meio de decreto que instituiu e regulamentou a Caixa Econômica Federal e Monte de Socorro, com duas modalidades de negócio, a Caderneta de Poupança e o Penhor. A poupança em sua criação tinha a garantia do Governo Imperial e era destinada a atender as camadas mais pobres da população, sendo que, desde 1871, mesmo escravos com algum provento (chamados de escravos de ganho), podiam guardar suas economia em uma Caderneta de Poupança (nesse caso a caderneta era feita no nome do senhor do escravo). Suas regras sofreram algumas alterações ao longo dos anos, mas a remuneração com juros de 6% ao ano, já foi estabelecida no momento da sua criação. A correção monetária da aplicação foi criada em 1964 de forma a proteger o investidor da inflação. Em 1991 a correção monetária foi substituída pela Taxa Referencial (TR), que possou a totalizar o rendimento da caderneta, somada aos juros (Brasil, 2012). Sua popularidade é fruto de diversos fatores. O processo de abertura de conta é bastante simples e rápido. Seu rendimento é isento de imposto de renda e desde que foi criada sofreu poucas alterações em suas regras, o que facilita a compreensão de seu funcionamento por parte do aplicador. A poupança não tem custo de manutenção e pode ser movimentada por meio de cartão magnético, possibilitando assim que o correntista faça saques e transferências. Vários bancos oferecem também a opção dos correntistas fazerem compras utilizando o cartão magnético da conta poupança como cartão de débito. Muitas pessoas de menor renda utilizam cadernetas de poupança como um substituto de uma conta bancária tradicional, ou por não terem acesso a Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

abertura de uma conta corrente comum e/ ou pelo fato da conta poupança não ter custo de manutenção, diferentemente da conta corrente. A Caderneta de Poupança é extremamente importante na sociedade brasileira. Sua popularidade, facilidade de abertura de conta e de aplicação de recursos financeiros, a tornam um tipo de investimento acessível a toda população. Além disso ela tem um importante papel do ponto de vista de Educação Financeira, pois pode criar, e cultivar, o hábito de poupança na população. Muitas famílias brasileiras abriram contas para suas crianças e tiveram o hábito de realizar depósitos ao longo dos anos visando “juntar um dinheirinho” para elas.

2. O FUNCIONAMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA Atualmente existem dois tipos de Caderneta de Poupança. Em 3 de maio de 2012 as regras de remuneração foram alteradas e todos os depósitos feitos a partir do dia 4 de ano de 2012 são remunerados pelas novas regras, as regras antigas continuam válidas para os depósitos feitos antes desta data. Os depósitos da Poupança Antiga são remunerados em 0,5% de juros ao mês mais a TR. Como os juros da poupança são compostos (juros sobre juros), o rendimento é de 6,17% ao ano, o que é uma remuneração alta em uma economia com taxa de juros e inflação baixas. Em países desenvolvidos não existem aplicações financeiras de renda fixa, com um risco extremamente baixo com é o caso da Poupança brasileira, com remuneração semelhante (Brasil, 2012). Já para os depósitos da Poupança Nova, quando a taxa de juros básicos da economia, a Taxa Selic, estiver em 8,5% ao ano ou menos, a remuneração dos aplicadores será de 70% da própria Taxa Selic mais a variação da TR (Brasil, 2012). Com a mudança de regras a Poupança Nova perdeu rentabilidade, e mesmo a Poupança Antiga tem tido um rentabilidade menor que outros investimentos de renda fixa nos últimos anos. A baixa rentabilidade da 73


Poupança à longo prazo

poupança (em 2015 o rendimento foi de 8,2% e a inflação, de acordo com o IPCA, foi de 10,7%), aliada à crise econômica, tem levado a saldos negativos desde 2015 (depósitos menos retiradas). Em 2015 o saldo negativo foi de R$ 53,6 bilhões e em 2016 de R$ 40,7 bilhões. Em 2017, apesar de uma melhora nos resultados mensais quando comparados as 2016, o saldo líquido acumulado do ano continuava negativo em junho, com um total de R$ 12,3 bilhões (Máximo, 2017). A Poupança Antiga teve rentabilidade, descontada a inflação, menor que 1% entre 2010 e 2014. Com a queda da inflação e a alta da Taxa Selic o rendimento real em 2016 aumentou para 1,9%, no entanto, a Selic tem sido reduzida desde então, o que diminuirá novamente a rentabilidade da poupança, mas diminuirá também o rendimento de todas as aplicações em renda fixa, aumentando assim a atratividade da caderneta de poupança, em especial da modalidade antiga (Oliveira, 2017). A educação da população é um fator fundamental para o desenvolvimento social e econômico de um pais, o que também inclui a educação matemática e financeira. O objetivo desta nota é demonstrar o “poder” dos juros compostos a longo prazo, ilustrando a importância do planejamento financeiro. Os dois casos que analisamos a seguir mostram isso de maneira eloquente, pois, a longo prazo, o crescimento do saldo dessas cadernetas chega a surpreender. A análise será feita com base nas regras da Poupança Antiga. O primeiro exemplo envolve a venda da Ilha de Manhattan pelos índios americanos. O segundo exemplo analisa o caso de fundos de aposentadoria, tema relevante para todos os trabalhadores do país.

o saldo dessa poupança nos dias de hoje seria da ordem de 350 bilhões de dólares. Na década de 1990 esse valor quitaria, com folga, a dívida externa brasileira que, na época, era considerada impagável. O rendimento mensal da Poupança Antiga é o resultado de duas taxas: uma fixa de 0,5% (o rendimento propriamente dito) e outra variável, denominada TR, que procura compensar a inflação. Por exemplo: no dia 1 de julho de 2017, uma caderneta de poupança com aniversário no dia 1 rendeu 0,5626%. Este índice engloba (juros compostos) 0,5% de rendimento real e 0,0623% de TR (1,005626 = 1,005*1,000623). Consideremos uma caderneta de poupança hipotética, aberta em 1626, com um depósito de 24 dólares. Qual seria o saldo dessa caderneta nos dias de hoje? Para calcular esse saldo, teríamos que dispor de índices que medissem a inflação durante todo esse período. Entretanto, nos Estados Unidos, índices que medem a inflação só foram elaborados a partir de 1913 (USBC, 1975, p. 183) e, no Brasil, a partir de 1944 (IBGE, 1990, p. 148). De qualquer forma como nosso objetivo é discutir o impacto dos juros compostos no longo prazo, para efeito de cálculo vamos supor que, durante todos esses anos, não houve inflação, isto é, que a poupança rendeu sempre 0,5% ao mês. O valor obtido será, certamente, muito inferior ao que se obteria levando-se em conta a inflação. Como no Brasil, só há registros de taxas de câmbio a partir do século XIX (IBGE, 1990, p. 591), optamos por fazer os cálculos em dólares americanos. Para fixar idéias, vamos supor que a caderneta de poupança foi aberta no dia 01 de junho de 1626, com depósito inicial A. No dia 01 de julho de 1626, o depósito A rendeu 0,5 A = 0,005 A 3. ILHA DE MANHATTAN 100 Indicando 1,005 por σ, o saldo no dia 01 de Em maio de 1626, Peter Minuit, da julho de 1626 foi: Companhia das Índias Ocidentais, comprou a A + 0,005 A = (1 + 0,005) A = σA ilha de Manhattan, dos índios, por 24 dólares Designemos por Fn o saldo na caderneta (Goodwin, 1919). Nosso primeiro exemplo mostra que se estes 24 dólares tivessem sido no primeiro dia do n-esimo mês. Temos: F1 = A depositados numa caderneta de poupança, 74

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F2 = σA F3 = σ (σA) = σ 2 A e, em geral, para todo n ≥ 1: Fn = σ n −1 A

O mês de maio de 2017 é o 4.692° mês dessa caderneta. Logo, com depósito inicial de 24 dólares A = 24, o saldo na caderneta no dia 01 de maio de 2017, foi:

F4.593 = 1,0054.692 A = US $8.842.103.332 * 24 = US $349.440.311.030 Isto é, cerca de 350 bilhões de dólares americanos. Fica como exercício para o leitor estimar qual seria o saldo da caderneta se a inflação dos últimos 391 anos tivesse sido levada em conta! A caderneta trabalha com juros compostos (juros sobre juros). Se o rendimento incidisse apenas sobre o capital inicial (juros simples) o rendimento mensal seria de: US $0,005 * 24 = US $0,12 O rendimento total (após 4.692 meses) de apenas:

US $0,12 * 4.692 = US $563,04 E o capital corrigido de US $24,00 + US $563,04 = US $587,04

4.

FUNDOS DE APOSENTADORIA

Para receber pelo INSS uma aposentadoria no valor de 1 (um) salário mínimo um trabalhador autônomo deve contribuir, mensalmente, com 20% do salário. O que aconteceria se, ao invés de recolher essa quantia para o INSS, o autônomo abrisse uma caderneta de poupança e depositasse os 20% todo mês? Atualmente está em discussão no Brasil a mudança das regras para aposentadoria. Pelas regras vigentes, para ter o direito a se aposentar por tempo de contribuição pelo INSS, os homens devem contribuir por 35 anos e as mulheres por 30 anos. Analogamente, na poupança, no caso dos homens, os depósitos seriam feitos por 35 anos (420 meses) e, no caso das mulheres, por 30 anos (360 meses). O resultado surpreende: vamos mostrar que, no caso dos homens, o fundo acumulado na poupança possibilita Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação

uma retirada mensal de 1,4 salários, por toda a vida. No caso das mulheres, o período de capitalização é menor e, mesmo assim, o fundo permite uma retirada mensal de 1 salário mínimo, por toda a vida. Estes fatos sugerem que o INSS não deveria ter problemas para pagar a aposentadoria dos seus contribuintes. Entretanto, além da aposentadoria por tempo de contribuição, a Previdência Social assegura ao contribuinte uma série de outros benefícios, tais como: aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, auxílio-acidente, auxílio-doença e auxílio-reclusão. Além disso, o INSS provê salário-família, salário-maternidade e, no caso de falecimento do trabalhador, paga pensão para os dependentes - qualquer que tenha sido o tempo de contribuição do trabalhador. Há ainda que considerar, os segurados especiais (trabalhadores rurais, entre outros), o seguro desemprego, etc. Segundo Celso Barroso Leite (apud Souza, 2002, p.116), nos dias de hoje, a Previdência Social contempla mais de 80 benefícios. Outros pontos importantes são: a existência de benefícios com baixíssimas contribuições como as aposentadorias dos segurados especiais, as aposentadorias por idade e o fato de que muitos contribuintes se aposentam na faixa dos cinquenta anos, enquanto que a expectativa de vida dos brasileiros tem crescido de maneira expressiva ao longo dos últimos anos. A aparente “folga” financeira do sistema é fundamental para que o Governo possa cumprir com seus compromissos de previdência e assistência social. A rigor, a arrecadação do INSS tem se mostrado insuficiente para pagar todos esses benefícios, como atesta o déficit crescente da previdência, que foi de R$ 45 bilhões em 2007 e subiu para R$ 150 bilhões em 2016 (MF, 2017). A 75


Poupança à longo prazo

inadimplência de muitos empresários - e do próprio governo - não explica a existência de déficits dessa magnitude. Tem ficado clara a limitação da atual estrutura finaceira do sistema para fazer frente às obrigações em relação a aposentadorias e pensões. No exercício aqui proposto, coloca-se a seguinte questão: “Um trabalhador deposita numa caderneta de poupança, mensalmente, por 420 meses, 20% do seu salário. Decorridos 420 meses, qual será o saldo na caderneta?”. Para responder esta pergunta, teríamos que estimar o valor da inflação nos próximos 420 meses e usar esta estimativa para calcular, a evolução do salário mínimo e o rendimento da poupança. Certamente uma empreitada inviável. Ao invés disso, vamos supor que não haverá inflação e a TR será zero durante todo o período. Assim, para efeito de cálculo, durante os 35 anos, o salário do trabalhador permanece o mesmo e a caderneta de poupança rende 0,5% ao mês. Sejam S o salário do trabalhador e C0 depósito mensal (C=0,2S). Para fixar idéias, vamos supor que o trabalhador começou a exercer suas atividades como autônomo no dia 01 de janeiro de 2017 e que a caderneta foi aberta no dia 15 de fevereiro de 2017. Por hipótese o depósito inicial foi C e vamos supor que, em geral, o depósito relativo a cada mês trabalhado será feito no dia 15 do mês posterior. Dessa forma, teremos na caderneta uma situação análoga à do INSS onde o recolhimento relativo a cada mês é feito até o dia 15 do mês seguinte. Seja Fn o saldo na caderneta no dia 15 do n-ésimo mês (o primeiro mês é fevereiro de 2017). Temos: F1 = C F2 = σF1 + C = σC + C = (1 + σ )C F3 = σF2 + C = (1 + σ + σ )C 2

e, em geral, para todo n ≥1: Fn = (1 + σ + ... + σ n −1 )C

σ 420 − 1 = = 1.424,71 σ −1

1 + σ + ... + σ Como resulta que: F = 1.424,71C = 284,942 S 419

Este saldo F será o “fundo para a aposentadoria do trabalhador”. Do mês seguinte em diante não serão mais feitos depósitos na caderneta; antes pelo contrário, no dia 15 de cada mês, será feita uma retirada no valor do salário S. De 15 de janeiro de 2052 a 15 de fevereiro de 2052 o fundo vai render 0,005 F = 0,005 * 284,942 S = 1,42471S Ou seja, o rendimento vai ser maior do que S. Quando o trabalhador retirar seu primeiro mês de aposentadoria o saldo ficará sendo: F + 1,42471S − S = F + 0,42471S Portanto, de 15 de janeiro de 2052 a 15 de fevereiro de 2052 o fundo terá crescido de F para F + 0,42471 S. Conclusão: o fundo não acaba nunca e, a rigor, continuará crescendo um mês após o outro! O mesmo vai acontecer se, ao invés de retirar S, o trabalhador retirar mensalmente 1,42S: uma “aposentadoria” eterna no valor de quase um salário e meio! Esta “aposentadoria” é de fato eterna visto que, após o falecimento do trabalhador, a poupança passa para os herdeiros. Por outro lado, pode-se mostrar que se o trabalhador, ao invés de S, retirar mensalmente 2S, ele exaure o fundo em 19 anos e 11 meses. No caso das mulheres (aposentadoria aos 30 anos de contribuição), cálculos análogos mostram que o “fundo para aposentadoria da trabalhadora” fica sendo

F = (1 + σ + ... + σ 359 )C = 1.004,52C = 200,904S

De 15 de janeiro de 2047 a 15 de fevereiro de 2047 o fundo vai render 0,005 F = 0,005 * 200,904 S = 1,00452 S

Novamente o rendimento terá sido maior do que S e quando a trabalhadora retirar seu primeiro mês de aposentadoria o saldo fica No dia 15 de janeiro de 2052, duas semanas sendo após o autônomo ter completado 35 anos F + 1,00452 S − S = F + 0,00452 S de trabalho, é feito o último depósito C e o Também no caso das mulheres, o fundo não acumulado na poupança fica sendo: acaba nunca e, a rigor, continua crescendo F = F420 = (1 + σ + ... + σ 419 )C um mês após o outro! 76

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5.

CONCLUSÃO

Juros compostos tem um efeito impresssionante no longo prazo, mesmo assim este não é um conceito familiar para a maior parte da população brasileira. A análise conduzida neste trabalho demonstra, por meio de exemplos, que tiveram como base o investimento de renda fixa mais popular no pais, a tradicional Caderneta de Poupança, o seu efeito multiplicador, especialmente em prazos de investimento mais longos. O planejamento financeiro a longo prazo é um fator muito importante de apoio ao desenvolvimento econômico e social de um país. É particularmente relevante também para a formação de capital para a aposentadoria. O Brasil passa por um processo de envelhecimento acelerado, e provavelmente se tornará um pais envelhecido antes de se tornar um país rico. Cenário que demanda de forma clara, que seus habitantes sejam capacitados em termos de educação matemática e financeira, de forma que possam se preparar melhor para sua futura aposentadoria.

Acesso em: 19 de mar. de 2009. Brasília/DF, 2009. MINISTÉRIO DA FAZENDA. Resultado do Regime Geral de Previdência Social – RGPS. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/centraisde-conteudos/apresentacoes/2017/resultado-doregime-geral-de-previdencia-social-rgps.pdf. Acesso em: 25 de jul. de 2017. Brasília/DF, 2017. OLIVEIRA, Eulina. Poupança tem ganho real de 1,9% em 2016, melhor resultado desde 2009. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 jan. 2017. Mercado. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ mercado/2017/01/1848880-poupanca-tem-ganhoreal-de-19-em-2016-melhor-resultado-desde-2009. shtml>. Acesso em: 10 jul. 2017. SOUZA, Jorceli Pereira de. 80 anos de Previdência Social no Brasil – um levantamento bibliográfico, documental e iconográfico. Brasília/DF: MPAS, 2002. UNITED STATES OF AMERICA. BUREAU OF THE CENSUS. Historical Statistics of the United States, Colonial Times to 1970, Bicentennial Edition, Part 1, Washington: USBC, 1975.

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