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ISSN 1646-6071

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abril | junho 2017

Da Segurança Humana às Novas Estratégias de “Compromisso Social” ANTÓNIO REBELO DE SOUSA

Diretor: José Manuel Anes | Diretor Adjunto: Dias Correia | 10€ | www.segurancaedefesa.pt

Terrorismo, Terrorismos JOSÉ MANUEL ANES

As Funções do Estado: o papel dos Serviços de Informações ALICE MARIA FEITEIRA

Recursos Estratégicos para um Estado Inteligente FRANCISCO JAIME QUESADO


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Recursos Estratégicos para um Estado Inteligente

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FRANCISCO JAIME QUESADO

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As Funções do Estado: o papel dos Serviços de Informações

A Segurança Ambiental: uma perspetiva económica JORGE RIO CARDOSO

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Terrorismo, Terrorismos JOSÉ MANUEL ANES

ALICE MARIA FEITEIRA

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Da Segurança Humana às Novas Estratégias de “Compromisso Social”

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Adrian Hutchinson ENTREVISTA CONDUZIDA POR GUILHERME AZEVEDO

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Segurança e economia MÁRIO CALDEIRA DIAS

ANTÓNIO REBELO DE SOUSA

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Segurança e Demografia TERESA FERREIRA RODRIGUES

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Esta edição tem o patrocínio de

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Recursos Estratégicos para um Estado Inteligente FRANCISCO JAIME QUESADO Presidente da ESPAP – Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública

O Estado existe para servir os cidadãos e estes têm que se rever na capacidade positiva deste de legitimar uma relação de confiança essencial. Quando David Osborne nos fala da crescente oportunidade e necessidade de recolocar na agenda o “reinventing the government”, está claramente a colocar a tónica num dos elementos centrais da modernidade competitiva das nações. Importa mais do que nunca reposicionar o Estado como “pivot” central da organização, monitorização e funcionamento adequado da nossa Sociedade e fazer com que os cidadãos se sintam perfeitamente legitimados numa relação de confiança validada por um Novo Contrato Social.

Uma Plataforma de Centralidade A reinvenção estratégica do Estado, enquanto “plataforma de centralidade” onde convergem as dinâmicas de qualificação dos diferentes actores sociais, ganhou hoje um paradigma que não se pode cingir às especificações operativas de mecanismos mais ou menos necessários de Governo Electrónico ou de ajustamentos organizacionais adequados a determinados posicionamentos conjunturais de orgânica interna. Como muito bem nos elucida Samuel Hungtinton, a propósito do eventual choque de civilizações, o que está em causa é a capacidade endógena do Estado se autoreferenciar como o primeiro antes de mais e último antes de tudo centro de racionalidade dos processos sustentados de evolução da sociedade civil. Se é importante, como Francis Fukuyama não pára de reiterar, a evidência da capacidade da sociedade civil protagonizar dinâmicas de liderança nos processos de mudança, não menos verdade é que compete ao Estado modelar a dimensão estratégica dessa mudança. No quadro da Sociedade do Conhecimento e da Economia Global, cabe ao Estado o saber assumir de forma inequívoca uma atitude de mobilização activa e empreendedora da revolução do tecido social. Ou seja, independentemente da dinâmica de mudança assentar nos act ores da sociedade civil e da sua riqueza em grande parte depender a estabilidade estratégica das acções, cabe ao Estado, no quadro duma nova coerência estratégica e duma nova base de intervenção política, monitorizar, acompanhar. Esta cumpli-

cidade estratégica é essencial para a garantia de padrões coerentes de desenvolvimento e equilibrio social. Nas sábias palavras de António Paim, emérito politólogo brasileiro, só assim se garante a verdadeira dimensão de confiança entre todos os que acreditam no futuro. É neste sentido que a legitimidade de actuação e sustentação estratégica se torna central. Processos de compromisso e convergência entre uma base central forte e pontos de descentralização territorial autónomos e indutores de riqueza e bem-estar social a partir da inovação e conhecimento têm que ter por base uma forte relação de cumplicidade estratégica entre todos os actores do tecido social. Um compromisso sério entre uma capacidade natural de mobilizar e empreender e ao mesmo tempo uma vontade de tornar os processos estáveis nos resultados que potenciam. A modernização do Estado assenta em larga medida na capacidade de protagonizar esse desafio de mudança de paradigma.

Tempo para Opções Há que fazer por isso opções. Opções claras em termos operacionais no sentido de agilizar a máquina processual e através dos mecanismos da eficiência e produtividade garantir estabilidade e confiança em todos os que sustentam o tecido social. Opções claras em torno dum modelo objectivo de compromisso entre governação qualificada central, geradora de dimensão estabilizadora e indução de riqueza territorial através da participação inovadora dos actores sociais. Opções assumidas na capacidade de projectar no futuro uma lógica de intervenção do Estado que não se cinja ao papel clássico, dejá-vu, de correcção in extremis das deficiências endémicas do sistema mas saiba com inteligência criativa fazer emergir, com articulação e cooperação, mecanismos autosustentados de correcção dos desequilíbrios que vão surgindo. David Osborne tem razão em insistir na actualidade e pertinência da chama da reinvenção do Estado. É essencial na Sociedade moderna do Conhecimento consolidar mecanismos estratégicos que façam acreditar. Cabe ao estado esse

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papel. Encerra em si uma missão única de fazer da sociedade civil uma fonte permanente de mobilização de criatividade e inovação e de estabilização de participações cívicas adequadas. A governação é hoje um acto de promoção e qualificação da cidadania activa. Importa ao Estado ser relevante. Importa ao Estado constituir-se como um operador de modernidade. Por isso, nunca como agora a sua reinvenção é um desafio de e para todos. A Reinvenção do Estado é em grande medida a reinvenção da Nação. Mais do que nunca se impõe neste tempo complexo um Estado Inteligente capaz de projectar no país uma dinâmica de procura permanente da criação de valor e aposta na criatividade. Num tempo de mudança, em que só sobrevive quem é capaz de antecipar as expectativas do mercado e de gerir em rede, numa lógica de competitividade aberta, o Estado Intwligente não pode demorar. Tem que se assumir como actor “perturbador” do sistema, induzindo na sociedade e na economia um capital de exigência e de inovação que lhe conferirá um desejado estatuto de centralidade e sobretudo de inequívoca liderança no processo de mudança em curso.

Um Estado Inteligente O Estado Inteligente tem que se assumir como o ponto de partida e de chegada de uma nova dimensão da competitividade em Portugal. Assumido o compromisso estratégico da aposta na inovação e conhecimento, estabilizada a “ideia colectiva” de fazer do valor e criatividade a chave da inserção das empresas, produtos e serviços portugueses no mercado global, compete a este Estado Inteligente a tarefa maior de saber protagonizar o papel simultâneo de actor indutor da mudança e agregador de tendências. Um percurso capaz de projectar uma “revolução cultural positiva” na sociedade para o futuro. O Estado Inteligente tem que se assumir em Portugal como um Actor Global, capaz de transportar para a nossa matriz social a dinâmica imparável do conhecimento e de o trans-

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Dr. Jaime Quesado Crédito da foto: Vítor Gordo

formar em activo transaccionável indutor da criação de riqueza. Para isso, o Estado Inteligente tem que claramente, no quadro dum processo de mudança estratégico, que assumir na sua plenitude a pertinência duma aposta consolidada nos três T que configuram a sua distinção estratégica – Tecnologia, Talentos e Tolerância. São estas as variáveis em que o Estado Inteligente , como “enabler” de mudança, deverá claramente apostar, fazendo delas o motor da reafirmação do seu papel no seio da Sociedade Portuguesa. O Estado Inteligente terá que conseguir fazer apelo à mobilização efectiva dos Talentos. É inequívoco o sucesso que nos últimos anos se tem consolidado na acumulação de Capital de Talentos de Norte a Sul, nos diferentes Centros de Competência que proliferam pelo país. Chegou agora o tempo de dar a estes Talentos dimensão global, no aproveitamento das suas Competências e na geração de criatividade e valor que eles podem induzir. Duma forma sistemática, arrojada mas também percebida e participada. Aí o Estado Inteligente tem também que se assumir como um Percurso Tolerante. Perturbador do sistema e inconformado com esse mesmo sistema, mas capaz de acolher diferentes tendências, pontos de vista. O Estado Inteligente , na sua dimensão de Actor Global indutor de Mudança, tem que ser também e sobretudo um Local de ampla participação duma Democracia Aberta onde as Ideias reforcem as apostas para o futuro. Um Estado Inteligente é um desafio à capacidade de mudança de Portugal. Porque o Estado Inteligente é um percurso possível decisivo na nossa matriz social, o sucesso com que conseguir assumir este novo desafio que tem pela frente será também em grande medida o sucesso com que o país será capaz de enfrentar os exigentes compromissos da Globalização e do Conhecimento. O Estado Inteligente tem que assumir dimensão global ao nível da geração de conhecimento, valor, mas também de imposição de padrões sociais e culturais. O Estado Inteligente tem que ser o grande Actor da Mudança que se quer para Portugal.


As Funções do Estado: o papel dos Serviços de Informações ALICE MARIA FEITEIRA Mestre em Direito (ciências jurídicas) e docente universitária Colaboradora do CEDIS – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e investigadora da Ratio Legis da Universidade Autónoma de Lisboa.

Os Serviços de Informações representam um pilar estruturante na organização dos Estado, com a natureza de serviço público, no sentido da prossecução da defesa dos interesses nacionais e não um serviço do Estado, no sentido da defesa dos interesses dos governantes. Assim, discorrer sobre as funções do Estado ao abrigo do texto constitucional, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 27.º da CRP, implica a ponderação da missão dos Serviços de Informações. Com efeito, a importância para a segurança nacional e cooperativa das atividades desenvolvidas pelos serviços de informações, centradas na prevenção e combate às ameaças ao Estado de direito democrático, depreende-se, de modo óbvio, de fenómenos como o terrorismo, a espionagem, o crime cibernético ou a criminalidade organizada transnacional1. A produção de informações encontra-se subordinada ao pacto social, acompanhando, enquanto atividade a permanente transformação do equilíbrio de poderes, políticos, sociais, económicos, diplomáticos, militares e securitários. Na sua essência a atividade de produção de informações visa conhecer o agir do outro, o jogo de interesses dos intervenientes, incluindo Estados, e determinar os níveis de risco e ameaça aos sistemas democráticos. Numa dimensão mais restrita, a produção de informações reporta-se à atividade levada a cabo pelos serviços de informações, que se inicia com a obtenção de dados - elementos consistentes que permitem conhecer as oportunidades e as ameaças – e se destina, de forma aprofundada, após a análise desses dados com recurso a métodos interpretativos e técnicas de análise, a informar o destinatário com fiabilidade e segurança. Assim, o trabalho de produção de informações consiste basicamente na identificação de problemas, na definição da estratégia de pesquisa e no tratamento de dados, segundo o seu grau de complexidade, de forma a alcançar conclusões ou previsões fiáveis e seguras, sob a forma de informações, determinando as respetivas possibilidades e probabilidades de concretização, bem como as vulnerabilidades que as podem propiciar.

Essas previsões implicam a ponderação de alternativas, bem como a construção de cenários prováveis, e, nalguns casos, a identificação de novos atores, suscetíveis de representarem uma ameaça aos interesses e segurança nacional, bem como o acompanhamento das suas trajetórias e interdependências. Sem prejuízo do inquestionável contributo na defesa dos valores do Estado de direito democrático, a praxis dos Serviços de Informações reclama uma permanente reflexão teórica, que, ao assumir como ponto de partida a sua essencialidade, não deixa de ter em conta os equilíbrios de interesses, os limites de atuação e dos poderes exercidos, a par da inerente articulação da produção de informações com outras funções do Estado. A complexidade de agregação desses aspetos requer uma atenção legislativa, indispensável para a configuração global do papel dos Serviços, especialmente numa lógica de permanente alteração das ameaças e riscos às sociedades democráticas. Por seu turno, conformar a atividade dos Serviços de Informações com os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos, carece de um sistema de responsabilização e controlo, de modo a dirimir eventuais conflitos entre os fins a prosseguir, mormente a salvaguarda do Estado de direito democrático, e os meios legais ou recursos disponíveis. Com efeito, o intrincado plano em que se movem os Serviços de Informações, com diferentes classificações e níveis de confidencialidade das informações produzidas, qualificadas como informações estratégicas e de segurança, matérias classificadas, e segredo de Estado, bem como a ação condicionada por critérios de politics e de expertise, impõem um referencial de interesse público quanto à atividade desenvolvida, referencial esse, confirmado e reconhecido por entidades autónomas e democraticamente responsáveis2. Contudo, este escrutínio, resultante de acrescidas exigências de transparência e de responsabilização dos Serviços de Informações, coabita com a perceção social e institucional 2

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Sobre as vantagens competitivas das informações vide Michael Herman, Intelligence power in peace and war, Cambridge University, 2006.

A atividade dos serviços de informações encontra-se subordinada a estritas exigências de legalidade, encontrando determinados constitucional e infraconstitucional os meios e limites da sua ação.

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da essencialidade da atividade dos Serviços de Informações, no contexto da segurança do Estado e dos seus cidadãos. Os Serviços de Informações, apesar de vocacionados para prevenir e detetar ações disruptivas da normalidade da vida em sociedade, e estarem sujeitos a uma atuação silenciosa em prol desse resultado, assumem, concomitantemente, a natureza de uma entidade que integra a estrutura administrativa central do Estado. Dada a sua atividade silenciosa, esquiva à visibilidade pública, o custo-benefício da atividade dos serviços de informações só é aferido pela comunidade quando os riscos ou ameaças se concretizam, ou seja, quando os cidadãos sentem uma real ameaça aos interesse ou aos valores da comunidade.3 Apesar da discrição de atuação, a defesa do interesse público e do sistema democrático traduzem um prius em relação a toda a atividade dos serviços de informações4. Todavia o para quê das informações é uma interrogação recorrente por parte dos cidadãos. Como primeira abordagem de resposta poder-se-á afirmar que a atividade de intelligence, ou de produção de informações, se destina a satisfazer, em primeira linha, a defesa das comunidades, do conhecimento, do património ou dos interesses do Estado, em suma, em garantir a integridade da comunidade política5. Assim, a atividade de inteligência6, ou de produção de informações no Estado de direito democrático, privilegia as informações estratégicas em detrimento das informações táticas ou operacionais, de forma a garantir aos decisores políticos, ou a entidades legítimas, o acesso ao conhecimento, no sentido técnico de “informações”, com a finalidade da tomada de decisão esclarecida que, em tese geral, sustenta a obtenção de vantagens competitivas no âmbito da salvaguarda dos interesses nacionais7.

Assim, falta às informações, pela sua própria natureza, o exercício relacional, num sentido de causa-efeito decisório, sem prejuízo de os Serviços de Informações cumprirem a sua missão quando facultam ao decisor politico informações que o coloquem em posição de vantagem relativa a matérias de segurança interna e externa.8 Quanto à interferência das informações na governação, no sentido político, enquanto exercício do poder, é certo que os governantes no exercício de governação, se socorrem de numerosos elementos, incluindo as informações. Subsiste a questão de saber quais as condições de eventual domínio da atividade política sobre a produção de informações e quais as motivações de interferência das organizações de intelligencia na tomada de decisão política, a par do apuramento complexo de quais os meios e processos utilizados para essa interferência. Por outro lado, no domínio da relação entre produção de informações e segurança nacional constata-se que a definição das ameaças ao Estado e aos seus interesses não se dissocia do tipo de governo e do regime político. Nas democracias ocidentais esse referencial encontra-se constitucionalmente definido e consiste na disposição de um conjunto de informações, devidamente recortadas, valoradas e interpretadas que contribuem para a orientação da política interna ou externa, tendo em vista assegurar a coesão nacional e a liberdade e a segurança dos cidadãos. A confiança nos Serviços de Informações resulta cumulativamente do cumprimento dessa missão e da existência de instrumentos legais que permitam aferir a conformidade da ação dos Serviços de Informações, no contexto da sua eficácia e na garantia no quadro da defesa dos valores democráticos e dos fins do Estado9.

Contudo, os Serviços de Informações, contrariamente a outros domínios da organização do Estado, em que a obtenção de conhecimento é refletida na ação do próprio órgão que a produz, como por exemplo no caso das informações tático policiais, militares ou nos domínios da investigação criminal, esgotam a sua ação na produção de informações e no conhecimento do decisor político, a quem cabe a faculdade valorar, ou não, na decisão o conhecimento que foi produzido.

A análise da atividade dos serviços de informações remete para a abordagem dos conceitos de ameaças interna e externa10. Estes conceitos não se confundem com a distinção entre segurança interna e segurança externa, sendo todavia, elementos interpretativos no contexto dessa diferenciação. Com efeito, as ameaças internas consubstanciam-se em território nacional quanto à sua génese, podendo projetar-se interna ou externamente. Ao invés, as ameaças externas têm origem fora do território nacional, projetando-se no território de origem, em territórios terceiros, e ou em território nacional.

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Entende-se que o critério de distinção das ameaças interna e externa não se reconduz à mera localização dos agentes ou à plurilocalização de atos preparatórios, mas antes à esfera de execução ou potencial concretização da ameaça contra interesses internos (no âmbito da segurança interna) ou externos (dirigida contra os interesses estratégicos, no sentido do exterior às nossas fronteiras).

Relativamente às dinâmicas da securitização e à análise dos ambientes de segurança vide Williams Vaughan Nick, Critical Security Studies – an introducion, Routledge-Taylor and Francis Group, London and New York, 2010.

Aferido no âmbito da segurança pelo disposto no artigo 27.º da CRP, concatenado com os regimes jurídicos consagrados, na Lei Orgânica nº 4/2014 de 13 de Agosto, que altera a Lei Orgânica nº 4/2004 de 6 de Novembro, quinta alteração à Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa – Lei nº 30/84 de 5 de Setembro, e a Lei nº 50/ 2014 de 13 de Agosto, primeira alteração à Lei 9/2007 de 19 de Fevereiro que estabelece a orgânica do Secretário-Geral do Sistema de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e do Serviço de Informações de Segurança (SIS). 5 Sobre a actividade de produção de informações e a definição de Intelligence vide Kent, Sherman, Strategic Intelligence for American Worl Policy, Princeton: Princeton University 1949. Segundo este autor a intelligence consiste numa tipologia de informação, num processo de atividade e num modelo de organização. Acrescenta-se que a produção de informações assenta numa doutrina própria, num método e numa técnica. 6 O termo intelligence apresenta sentidos e entendimentos diferentes consoante o campo de conhecimento em que se insere: inteligências modulares na psicologia, inteligência competitiva e inteligência quanto à produção de informações. 7 A boa decisão política é aquela que é tomada com bons estudos e boa informação, sendo no entanto o crédito político aferido pela decisão e não pela informação. 4

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Neste sentido Arménio Marques Ferreira, A cultura das Informações em Portugal, in Segurança e Defesa, Dezembro de 2015, edição especial, pág. 30. Sobre as formas de controlo dos Serviços do Estado, vide Diogo Freitas do Amaral, com a participação de Maria da Glória Garcia e de Pedro Machete, Uma Introdução à Política, Bertrand Editora, Lisboa 2014, pp 154 a 158. 10 Sobre os modelos de fiscalização dos serviços de informações dos países da União Europeia destaca-se o estudo comparativo realizado pela Directorate – General For Internal Policies, Policy Department, Citizens’ Rights And Constitucional Affairs, intitulado Parliamentary Oversight Of Security And Intelligence Agencies in the European Union, Study 2011, no qual se enunciam os diferentes modelos de fiscalização dos serviços de informações dos Estados da União Europeia e os organismos responsáveis por essa tarefa, dando particular ênfase ao papel dos parlamentos nacionais e das comissões especializadas. 8

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Deste modo, pode ser considerada uma ameaça à segurança interna um facto desenvolvido a nível externo ou interno, desde que seja suscetível de ameaçar, ou pôr em causa, o Estado de direito democrático português, conforme a delimitação constitucional estabelecida, e uma ameaça à segurança externa do Estado Português qualquer facto suscetível de pôr em causa os interesses estratégicos portugueses no exterior, como por exemplo, riscos e ameaças que impendam sobre as comunidades portuguesas no estrangeiro ou ações no exterior que visem prejudicar, fora das nossas fronteiras, os interesses estratégicos nacionais. Por seu turno, o conceito de interesse nacional, alicerce da legitimação dos Serviços de Informações nos sistemas democráticos ocidentais, a par de todo o lastro histórico inerente, é preenchido pela compreensão das noções de segurança interna e externa e pela definição de opções estratégicas vertidas no conceito de segurança e defesa nacional. Apesar da necessidade de uma doutrina de segurança e defesa nacional consolidada é inquestionável que a mutação dos factores de ameaça e de risco nacionais e internacionais originam uma contínua redefinição das missões dos serviços de informações, com inegável repercussão na sua ação, norteada também por critérios de eficácia e de eficiência. Em síntese, é percetível que a análise das atividades dos serviços de informações, os seus limites e controlos, tem implícita a compreensão do conceito de Estado de direito democrático, dos fins do Estado no âmbito da segurança nacional (segurança interna e externa no contexto da atividade dos Serviços de Informações), das missões e finalidades dos serviços de informações, configuradas pelo respeito dos direitos individuais, e por normas de legitimação de procedimentos de atuação, e a consideração do processo democraticamente comunicativo com os cidadãos11. Neste sentido, o escrutínio democrático das missões, atividade e resultados alcançados pelos serviços de informações parece reclamar, em prol da transparência, a participação do Presidente da República e dos representantes políticos, com assento parlamentar. Todavia, essa participação deveria ser conjugada com a competência exclusiva da Assembleia da República na definição da organização dos serviços, nos termos do artigo 164.º, alínea q) da Constituição da República Portuguesa e do Governo, no exercício da competência de dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado, civil e militar, conforme o disposto na alínea d) do artigo 199.º da CRP e nos termos do nº 1 do artigo 15.º, da Lei Orgânica nº 4/2014 de 13 de Agosto, quinta alteração à Lei nº 30/84, de 5 de Setembro.

Atendendo à sua dimensão constitutiva, o princípio da legalidade corresponde ao exercício legítimo dos poderes públicos, isto é, conforme as leis. A fundamentação da prevalência do princípio da legalidade no exercício do poder público encontra a sua justificação na teoria dos limites aos poderes do Estado, isto é, não pode deixar de acentuar-se a intrínseca dependência do princípio da legalidade com o princípio do Estado de direito democrático, que parte da conceção do reconhecimento dos direitos fundamentais como limite à ação abusiva e arbitrária dos poderes políticos e dos órgãos da administração. Sobre a legalidade administrativa vide, Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos (reimpressão da edição de 1987), Almedina, Agosto 2003 e ainda Paulo Otero, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Edições Almedina, 2013 e do mesmo autor Legalidade e Administração Pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Coimbra, 2003.

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Esta reflexão alicerça-se na ideia de que a definição da atividade dos serviços de informações se reconduz a uma questão de Estado e não de mera administração pública. A existência de compromissos interpartidários tendo como referencial a atividade a desenvolver pelos serviços de informações e a consequente definição de planos, delimitados temporalmente, permitiriam ampliar os níveis de conhecimento e de debate público especializados sobre a importância dos serviços e corresponsabilizar as diferentes estruturas políticas quanto à estratégia de defesa dos interesses nacionais, entendidos num plano conjuntural ou estrutural. Deve somar-se a esse consenso a afetação de recursos, humanos e materiais, decalcados de um compromisso orçamental alargado e de um efetivo controlo técnico e político dos investimentos realizados, através da participação dos principais órgãos do Estado na definição do Plano de Atividades dos serviços de informações, bem como no que tange à apreciação e escrutínio do balanço das suas atividades. Atendendo, ainda, às dúvidas suscitadas pela atividade de produção de informações no que tange à sua consonância com os critérios clássicos do Estado de Direito democrático, na medida em que o combate às novas e velhas ameaças se sobrepõe, em boa medida, aos direitos liberdades e garantias. Assim, impondo-se rigorosas exigências aos Serviços de Informações relativas à vinculação da sua actividade aos interesses fundamentais do Estado, é, também, consensual que o exercício dessa atividade carece de critérios de especialidade, colhendo, por exemplo, as injunções do regime do Segredo de Estado, no que concerne aos paradigmas da relação da administração pública com os cidadãos. Impõe-se, pois, nas sociedades contemporâneas, a concordância prática desses aspetos com a natureza “meta-nacional” dos serviços de informações, que assumem uma posição “charneira”, atendendo à complexidade e transnacionalidade dos riscos e desafios à segurança nacional e para cuja resposta são convocados os sistemas de segurança, de defesa, de informações, económicos e diplomáticos.

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Da Segurança Humana às Novas Estratégias de “Compromisso Social” ANTÓNIO REBELO DE SOUSA Presidente do Conselho Consultivo do OSCOT. Professor Associado com Agregação na Universidade de Lisboa. Professor Catedrático da Universidade Lusíada.

Pretende-se alargar o conceito convencional de Estado Providência a um conceito mais abrangente de Segurança Humana, conceito esse que deverá abarcar não apenas a Segurança Económica, a Segurança Alimentar, a Segurança na Terceira Idade e a Segurança na Saúde, como também a Segurança Ambiental, a Pessoal (incluindo, naturalmente, a Física), a Comunitária e a Política. Procura-se, por outro lado, articular o conceito de Segurança Humana com a Teoria da Relatividade Económica e com a Teoria dos Três Diamantes do Bem-Estar. Finalmente, faz-se referência aos problemas sistémicos com que está confrontada a economia mundial, apresentando-se, simultâneamente, algumas saídas para a situação de ímpasse existente a nível internacional Quando se trata da análise dos processos negociais entre empregadores, gestores e empregados, importa ter em linha de conta a indispensabilidade de se definir “um quadro de relacionamento que lhes permita estabelecer compromissos que venham, de facto, a ser cumpridos”. Uma das metodologias de organização empresarial que facilita a implementação de “estratégias de compromisso” a nível macroeconómico consiste no que se convencionou designar de “tour of duty” (rotação de responsabilidades ou acumulação de experiências diversificadas a níveis distintos no mesmo grupo empresarial). Existem diferentes modalidades de “Tour of duty”, a saber: - a rotacional (padrão de rotação por postos tipificados com duração limitada); - a transformacional (atribuição de diversas funções, com missões de duração distinta, as quais devem, todavia, ser levadas até ao fim);

ter acesso a um futuro na empresa, apontando-se para uma experiência inicial de três anos de duração, fazendo, em muitos casos, sentido o funcionário em causa evoluir para a modalidade “transformacional”. Na modalidade transformacional, cada caso é negociado individualmente, associando-se a transformação da carreira profissional à transformação / evolução da própria empresa, sendo o tempo de duração variável (podendo ir de dois a cinco anos). A experiência só termina quando se completa a missão. Já no que se refere à modalidade fundacional, sendo certo que cada caso continua a ser negociado individualmente, o acordo de negócio assenta num conjunto de valores de referência, não existindo um tempo de duração pré-determinado e partindo-se do pressuposto da permanência.

- a fundacional (correspondendo, em princípio, ao último emprego da pessoa em causa, sendo uma missão para o resto da vida profissional).

Assim e a título de exemplo (em termos de metodologia de prestação de Serviços), têm vindo a apresentar bons resultados empresas que estão nos antípodas das startups” de Silicon Valley como sucede com a McDonald’s, “empresa Velha”, que, em boa verdade, oferece os mesmos produtos e o mesmo tipo de serviços há mais de um século.

Na modalidade “rotacional”, as sugestões dos trabalhadores são tidas em conta pelos centros de decisão. Pretende-se

Já a General Electric tinha por hábito rodar executivos promissores, por forma a conhecerem diversas funções, com

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níveis diferenciados de responsabilidade, a fim de ganharem experiência. A ideia-base subjacente a esta metodologia é a de os funcionários pertencentes aos “corpos ou classes intermédias” terem de realizar diversos “tours of duty “ Existe, naturalmente, uma diferença de tratamentos entre as “Middle Class” e as “Stars” no que concerne ao desempenho de funções (Vide Quadro I). QUADRO I Classes Tratamento

Stars

Middle Class

isso mesmo, mais lenta no que se refere à obtenção de objectivos de expansão da actividade produtiva e de incremento no que concerne a quotas de mercado. Também importará distinguir os investidores “risk-lovers” (e, muito em particular os “business angels risk lovers”) dos investidores convencionais, Os primeiros adoptam uma função-objectivo de maximização do lucro a curto prazo, tendo tropismo para se aliarem aos “Yuppies”, apostando na obtenção de um rápido “leverage” em relação aos activos financeiros em que apostaram,

promoções regulares

não existe, necessariamente, uma mudança

Os segundos manifestam uma clara preferência por uma função de maximização do lucro ao longo do tempo de vida esperada do projecto, sendo, em regra, aliados dos gestores convencionais.

Quem lidera o processo

os “managers”

os managers, mas com um papel pró-activo dos empregados

Já no concernente aos clientes a função objectivo consiste na maximização da utilidade, sujeita a uma restrição orçamental.

Objectivo de emprego

avanço na carreira com cumprimento de objectivos

Manutenção dos empregos, ajudando a empresa a adaptar-se às circunstâncias

Tendo em vista satisfazer esta pretensão dos clientes, a gestão empresarial tende a privilegiar o binómio qualidade / preço, pretendendo, simultaneamente, apostar na fidelização dos clientes e, em situações determinadas, numa “estratégia de cerco”.

Nível hierárquico de funções

Fonte: HOFFMAN; CASNOCHA; YEH–“The Alliance”, Harvard Business Review Press, 204, pag44.

Mas, para a compreensão dos problemas que se colocam na articulação das funções-objectivo dos “stakeholders” importa ter em conta não apenas os gestores, mas também os investidores, os clientes, os fornecedores, os consultores e o Estado1. No que se refere aos gestores importa começar por referir a nova tecnoestrutura emergente com um “perfil” “risk lover” (e, muito em particular os “yuppies”), a qual tem uma função objectivo de maximização do lucro a curto prazo, podendo, para o efeito, recorrer a alavancagem, adoptando uma estratégia de “crescimento exógeno”. Tal resulta do facto deste tipo de gestores pretender a obtenção de elevados salários e de prémios significativos no curto prazo, a par de um grande protagonismo, acompanhado de projecção social e do exercício de uma crescente influência nos centros de decisão. Os bons resultados empresariais deveriam estar associados a uma imagem de sucesso, a todos os níveis, dos responsáveis pela gestão. Com um “perfil” muito diferente teremos que considerar os gestores convencionais (“risk averters”), os quais preferem optar por uma função objectivo de maximização do lucro ao longo do tempo de vida esperada do projecto em que estão envolvidos. Os gestores convencionais não vão recorrer de forma sistemática, à alavancagem, antes preferindo a adopção de uma estratégia de crescimento endógeno, i.e., com recurso à mobilização de capitais próprios, Trata-se de uma abordagem que, em princípio, envolve menor risco, mas que se apresenta mais gradualista e, por 1

Vide, a este propósito, SOUSA, A. Rebelo in “A Economia como Acção Estratégica”, Diário de Bordo, 204, pags III e segtes.

A título exemplificativo, a aposta numa Banca Universal, que procura responder a uma grande diversidade de necessidades, passa, também, em certos casos, pela implementação de uma “estratégia de cerco”. Um Banco que conceda crédito para aquisição de casa para habitação própria, que financia as obras da casa, que proporciona o cartão de crédito, que soluciona o problema da obtenção de uma carteira diversificada de seguros (através da seguradora do “Grupo”) e que permita a obtenção de um “leasing” viabilizador do acesso a uma viatura é, manifestamente, uma entidade que adopta uma “estratégia de cerco” do cliente. Já no que se refere aos fornecedores, convirá salientar que a respectiva função - objectivo consiste na maximização das vendas (maximização dos “inputs”) e na obtenção de uma crescente fidelização da empresa. Esta última, para além de se preocupar com o binómio qualidade - preço (com negociação das condições de pagamento tidas como as mais favoráveis), procurará sempre estar em posição de diversificar a proveniência dos “inputs”, mantendo graus de liberdade em termos de “escolhas alternativas”. Os trabalhadores têm como função - objectivo a maximização do salário (conjunto de salário directo e indirecto), a valorização profissional e a obtenção de “know-how”. Na perspectiva da empresa, importará não apenas apostar na valorização profissional do trabalhador como, também, na sua produtividade crescente e na sua lealdade à entidade patronal. Os consultores não tendem tanto a associar o seu sucesso pessoal ao sucesso da empresa, apostando, no essencial, na maximização da remuneração auferida, na qualidade dos contactos proporcionados e na obtenção de “know-how”, enquanto que as empresas procuram maximizar a rendibilidade do investimento realizado na consultadoria e minimizar o grau de dependência do consultor

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Quanto ao Estado, a sua função - objectivo reconduz-se, no essencial, à maximização das receitas fiscais e, em alguns casos (dependendo da orientação política do Governo), ao controle estratégico de sectores tidos como “de interesse nacional” (de acordo com uma concepção mais “intervencionista” do Estado na economia). Já na perspectiva das empresas, importará minimizar os “custos fiscais” (a partir do que se convencionou designar de “planeamento fiscal”), bem como os “custos da burocracia”. Na gestão empresarial procura-se, por conseguinte, atender a este conjunto diversificado de funções - objectivos, pretendendo-se manter uma situação de equilíbrio minimamente estável e, por conseguinte, evitando-se situações de ruptura. Mas, passando de uma perspectiva micro para uma perspectiva macro, atendendo-se à Teoria dos Três Diamantes do Bem-Estar e a um conceito mais amplo do que o de Estado Providência, a saber o de Segurança Humana (que deve estar subjacente à ideia de “compromisso global”), importa, desde já, tecer algumas considerações sobre a importância estratégica da economia para que se torne possível atingir o desiderato de maximização do que se entende por Segurança Humana. Ao abordar a problemática da Segurança Humana convirá estabelecer uma ligação com a Teoria da Relatividade Económica, com a Teoria dos Três Diamantes do Bem-estar e bem assim com os problemas sistémicos com que se defronta, presentemente, a economia mundial.

A segurança económica tem a ver com o rendimento básico de que usufruem os indivíduos e as suas respectivas famílias, enquanto que a segurança alimentar aparece ligada ao acesso à alimentação básica e a segurança na saúde à protecção contra a doença e a adopção de estilos de vida indesejáveis, numa perspectiva de qualidade existencial (ver Quadro III). A segurança ambiental tem sido associada à protecção contra a poluição e o que se convencionou designar de “aquecimento global” (embora faça mais sentido falar-se em eficiência energética), enquanto que a segurança pessoal aparece ligada à ideia de protecção contra a violência física. A segurança comunitária significa o respeito por um conjunto de valores (que, também, resultam do que se convencionou designar de tradição), com destaque para os Direitos e Liberdades Fundamentais dos Cidadãos. Já a segurança tradicional está ligada à capacidade efectiva de o Estado se defender de ameaças externas e, neste capítulo, teríamos que saber distinguir os conceitos de “soft” e de “hard defence. QUADRO III HUMAN SECURITY

Procurar-se-á apresentar ainda que sinteticamente, o conjunto de desafios com que nos confrontamos no futuro, com destaque para a IV Revolução Industrial e de Serviços e para o papel do SBT - Sector de Bens Transaccionáveis e do SBNT - Sector de Bens Não Transaccionáveis. Quando se fala em Segurança Humana estamos, necessariamente, a falar em segurança económica, em segurança alimentar, em segurança na saúde, em segurança ambiental, em segurança pessoal, em segurança política, em segurança comunitária e em segurança tradicional (Quadro II). QUADRO II HUMAN SECURITY

Fonte: Apresentação do autor nas Conferências do Estoril em 2013

Todos estes diferentes níveis de análise estão relacionadas com a Teoria da Relatividade Económica e Com a Teoria dos Três Diamantes do Bem-Estar. A Teoria da Relatividade Económica questiona o princípio da racionalidade na explicação dos fenómenos económicos, princípio esse que assenta, fundamentalmente, em dois pressupostos que não se verificam, a saber: o de que os agentes económicos são, todos eles, instruídos e o de que os agentes económicos estão plenamente informados sobre as alternativas existentes. Logo, a Teoria da Relatividade Económica leva-nos a pensar que a maior parte das decisões dos agentes económicos tem que ver com um comportamento de imitação (comportamento FTL - “Follow the leader”), atribuindo-se uma grande relevância aos factores psicológicos.

Fonte: Apresentação do autor nas Conferências do Estoril em 2013

Todos os diferentes níveis de análise supra-mencionados têm influência no nível de Bem-Estar e, por conseguinte, nos índices de desenvolvimento humano.

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Segurança & Defesa

Mais, a Teoria da Relatividade Económica assenta no princípio da comparatividade, de acordo com o qual o nível de Bem-Estar de um qualquer indivíduo A é função do nível de Bem-Estar dos membros da comunidade em que se integra, o que nos conduz à Teoria dos Três Diamantes do Bem-Estar.


A Teoria dos Três Diamantes do Bem-Estar relaciona o Novo Diamante Macroeconómico (NDM) com o Novo Diamante Empresarial (NDE) e com o Diamante da Relatividade Económica (DRE) - (Quadro IV).

QUADRO V THE THREE WELFARE DIAMONDS

O Novo Diamante Macroeconómico propõe-se contribuir para a implementação de uma internacionalização de sucesso e os factores a considerar deverão ser a Confiança, a Investigação, a Modernização, as Parcerias Estratégicas, a Formação / Educação e o Investimento, sendo certo que o lapidador deste diamante é o Estado. O objectivo central do Novo Diamante Empresarial é o de uma competição bem sucedida e os factores a ter em conta deverão ser uma boa organização empresarial, uma adequada selecção de produtos e uma boa segmentação de mercados, a pesquisa e o desenvolvimento (R&D), a capacidade de adaptação às condições locais, uma metodologia consistente de implantação e boas parcerias estratégicas. O lapidador é o empresário.

Fonte: Apresentação do autor nas Conferências do Estoril em 2013

QUADRO VI THE THREE WELFARE DAMONDS

Quanto ao diamante da Relatividade Económica, o principal objectivo a atingir é o Bem-Estar, sendo os factores condicionantes o Padrão de Desenvolvimento, a Dinâmica Desenvolvimentista, a Good Governance, as Estruturas Participativas, a Mobilidade Social e as Infraestruturas de Enquadramento Social. QUADRO IV THE THREE WELFARE DAMONDS Fonte: Apresentação do autor nas Conferências do Estoril em 2013

QUADRO VII THE THREE WELFARE DAMONDS CDF - COMPREENSIVE DEVELOPMENT FRAMEWORK

Fonte: Apresentação do autor nas Conferências do Estoril em 2013

Note-se que o Padrão de Desenvolvimento depende do NDM e que a Dinâmica Desenvolvimentista depende do NDE e que o lapidador do Diamante da Relatividade Económica é o Cidadão, que intervém através do voto. Deste modo, existe um triângulo virtuoso que liga Estado - Cidadão - Empresário, sendo certo que esta abordagem conduz-nos a novos índices de Desenvolvimento Humano Integrados, tais como o IDH-D (índice de Desenvolvimento Humano - Dinâmico) - Quadro V - e o IDH-DS (índice de Desenvolvimento Humano - Dinâmico e Sustentado) Quadro VI. Em boa verdade, afigura-se, ainda, possível considerar a relação entre os Três Diamantes do Bem-Estar e a nova abordagem integrada e integradora de política de Cooperação, a saber a abordagem CDF - Comprehensive Development Framework (Quadro VII).

Fonte: Apresentação do autor nas Conferências do Estoril em 2013

Importa, agora, sublinhar que estamos confrontados com alguns problemas sistémicos ao nível da economia mundial. Houve, de facto, uma mudança, ao longo dos últimos quinze anos, no que se refere à sensibilidade do mercado de trabalho à Lei de OKUN, constatando-se uma deslocação das Curvas de Philips nos países do centro industrializado para a direita, com aumento da Natural Rate of Unemployment, sendo certo que esta tendência não pode ser invertida só a partir da canalização de investimento para o SBT.

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Por outro lado, existe, hoje em dia, um novo síndroma malthusiano. Ao longo dos últimos anos, registou-se um aumento quase exponencial dos padrões de consumo nos Intermediate Countries (NEE). Mas, com a desaceleração do crescimento ocorrida nos países desenvolvidos, será sempre muito difícil para os NEE manter ritmos de expansão da actividade produtiva muito elevados, sendo, até, previsível que se venha a registar uma desaceleração do crescimento económico. Uma evolução deste tipo irá, também, conduzir a uma desaceleração do processo de transferência de mão-de-obra do sector tradicional para o moderno, pondo em causa as expectativas existentes nesses países de evolução dos padrões de vida.

Em primeiro lugar, acredito numa IV Revolução Industrial e de Serviços, baseada em dois sectores estratégicos: a Saúde e a Energia. Acredito num processo tendente a um salto qualitativo (em termos tecnológicos) no Sector da Saúde que permita um aumento significativo da esperança de vida à nascença, bem como uma evolução positiva nos preços dos medicamentos, dos equipamentos médicos e da própria prestação de serviços no sector em causa, contribuindo para a criação de novas oportunidades de investimento. QUADRO VIII OPPORTUNITIES AND PROBLEMS

Dessa “quebra de expectativas” poderão resultar, potencialmente, graves problemas sociais nos países intermédios, bem como nos periféricos. E, ainda, existe um terceiro problema, o qual tem que ver com o papel do Estado - de que já falámos - no futuro. A este propósito, convirá sublinhar que se apresenta possível conceber uma Curva de Laffer que procure explicar a relação entre o Estado e o nível de Bem-Estar Social- Fig. 1. Todavia, a sobredita curva de Laffer deverá apresentar-se diferente para países desenvolvidos e para países com grau de desenvolvimento intermédio. FIGURA I THE ROLE OF THE STATE (A NEW LAFFER’S CURVE)

Fonte: Apresentação do autor nas Conferências do Estoril em 2013

Acredito, ainda, que o progresso tecnológico no sector da energia venha a permitir uma redução substancial nos custos marginais de produção, em múltiplos sectores de actividade produtiva. Já existe o bom exemplo dos avanços ocorridos com o “shale gas” nos EUA, bem como na adopção de novas técnicas de extracção do petróleo.

Fonte: Apresentação do autor nas Conferências do Estoril em 2013

Tal significa que cada economia deverá sempre representar um caso particular devendo, por conseguinte, atender-se ao grau específico de desenvolvimento em que se encontra, bem como à cultura (ou culturas) dominante e ao conjunto de estruturas sociais e políticas existentes. Mas, sendo verdade que a economia mundial está confrontada com problemas sistémicos (vide Quadro VIII), existirão, porventura, soluções para os mesmos? Sou dos que acreditam na possibilidade de encontrarmos algumas soluções.

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Segurança & Defesa

Se admitirmos, ainda, uma evolução para um novo conceito de intervenção do Estado na economia, baseado nos princípios da flexibilidade, da mobilidade e da eficiência, tendo em conta, simultaneamente, as contribuições positivas da abordagem Keynesiana no que concerne às políticas monetárias e financeiras e sem esquecer o respeito pelo princípio da subordinação do poder económico ao poder político, democraticamente constituído, então, nesse caso, podemos encarar o futuro com moderado optimismo (Vide Quadro IX). Acresce ao que se disse que, também, acredito numa crescente intervenção das instituições supranacionais, em termos de supervisão e da ajuda externa, bem como na implementação de modelos de desenvolvimento “a duas velocidades”. Tal significa que não só se apresenta importante dar prioridade ao SBT, como concretizar programas de investimento orientados para o sector doméstico das economias (SBNT), tendo em vista a redução das taxas de desemprego e a atenuação dos desequilíbrios sectoriais, regionais e sociais.


QUADRO IX

Dir-se-á que se trata de uma tendência compreensível.

SOLUTIONS

Mas, importará, em qualquer circunstância, ter presente que só se tornará viável evitar um conflito internacional generalizado se as economias ocidentais mais relevantes compreenderem a indispensabilidade de se implementar uma estratégia articulada de “hard defence” que complete as opções, entretanto, concretizadas no domínio da “soft defence”. As restrições orçamentais terão, forçosamente, que comportar um adequado equilíbrio entre “soft defence” e “hard defence”. Em síntese, vivemos um período em que o Mundo se confronta com problemas complexos.

Fonte: Apresentação do autor nas Conferências do Estoril em 2013

Finalmente e no que concerne à Segurança Tradicional, importa reconhecer que existe, hoje em dia, uma certa tendência para se privilegiar estratégias de “soft defence” o que, aliás, decorre das restrições orçamentais com que se confrontam as economias mais evoluídas.

Mas, a complexificação da problemática deverá servir de incentivo à criatividade, procurando-se antecipar “cenários” futuros, encontrar novas soluções e acreditando-se sempre na relevância de uma visão estratégica assente na ideia de que o ideal de quem prevê e de quem intervém no presente, tentando minimizar riscos e contribuir para novos patamares existenciais, é agir como se fosse eterno, embora descobrindo, inevitavelmente, um dia que se enganou.

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A Segurança Ambiental: uma perspetiva económica JORGE RIO CARDOSO Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Quadro Superior do Banco de Portugal.

A questão da segurança ambiental O problema da segurança ambiental que se tem vindo a agudizar, sobretudo nas últimas três décadas, é consequência da explosão demográfica e dos padrões de consumo que têm prevalecido principalmente nos países desenvolvidos. As consequências deste modelo são, em resumo, as seguintes: • Sobre-exploração de recursos naturais (renováveis e não renováveis); • Destruição de habitats sensíveis, de forma direta (cortes de floresta tropical, por exemplo), ou de forma indireta (poluição de meios — água, solo, ar — que, por sua vez, destruíram determinadas espécies); • Alterações globais (sobretudo o aumento da temperatura); • Desertificação de determinadas zonas fazendo aumentar o chamado stress humano que, como motivações diversas, conduz à guerra, à destruição e, pior que tudo isto, à pobreza. Todos estes problemas têm trazido um outro: o do êxodo dos países do Sul para os do Norte. Os países mais desenvolvidos e, em particular a Europa, vêem-se confrontados com o problema da imigração ilegal e com a chamada crise dos refugiados. Pode, por isso, falar-se de uma crise do ambiente ou, dito de outra forma, falta de segurança ambiental. Esta falta de segurança tem uma especificidade própria e encarna várias dimensões, a saber: • Dimensão planetária (exemplo das alterações climáticas ou das chuvas ácidas); • Dimensão de irreversibilidade (extinção de espécies e de biodiversidade); • Dimensão de aceleração cumulativa; • Dimensão de descontrolo crescente.

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Segurança & Defesa

Esta falta de segurança ambiental tem trazido para o debate a questão de quais os limites que devem ser colocados ao crescimento económico. A este propósito, determinadas formas de contabilidade nacional tradicionais (PIB ou PNB, por exemplo) têm sido contestadas por não terem em devida conta todos os serviços prestados pelo ambiente. De facto, aspetos como a degradação do ambiente, a poluição, ou a, já referida, perda de biodiversidade, por exemplo, não são, nos métodos tradicionais, contabilizados.

O problema As considerações ambientais, em sentido lato, são, por isso, nos dias de hoje um fator de preocupação crescente, não só da opinião pública, mas, também, de todos os agentes económicos à escala planetárias. Num contexto em que a globalização tem procurado evitar todos os entraves ao comércio — sobretudo por via dos esforços no seio do GATT/ OMC — o desrespeito por regras de proteção do ambiente em determinadas áreas do mundo pode ser encarado como concorrência desleal. De facto, se numa região A a produção é feita à custa do ambiente, não havendo a preocupação de utilização de tecnologias menos poluentes, ou se não existe a obrigatoriedade de tratamento de resíduos ou efluentes, esta área experimentará menores custos do que outra, região B, ambientalmente mais responsável.

O Dumping Ambiental Um determinado produtor do país A ao não ser obrigado a internalizar custos está, no fundo, a passar custos privados para custos sociais, ou seja, custos que deveriam ser por si suportados — e repercutidos nos preços — são transferidos para a sociedade que os suportará sob a forma de poluição. Se este mesmo produtor estiver envolvido no comércio internacional como exportador estará, naturalmente, a suportar custos inferiores aos seus concorrentes externos. Poderemos concluir que estamos perante uma situação de Dumping Ambiental, ou seja, haverá como que uma expor-


tação de desemprego do país A para os que cumprem as normas ambientais mais rigorosas. Este problema acabado de descrever para um país é válido à escala global basicamente por dois motivos: - As áreas que não seguem normas protetoras do ambiente experimentam, como se viu, menos custos e, por esta via, distorcem a concorrência mundial. Situações como esta podem, inclusive, incentivar a deslocalização da atividade produtiva de empresas multinacionais para áreas em que as leis ambientais são mais permissivas; - O ambiente, ou os problemas a ele associados, ultrapassam as fronteiras geográficas dos países sendo, como tal, problemas globais (efeito de estufa com sobreaquecimento do planeta ou chuvas ácidas, por exemplo). Daqui resulta uma proposição muito importante e que tem sido interiorizada progressivamente pela comunidade internacional: tendo os problemas ambientais por dimensão a escala planetária exigem soluções também elas globais.

irrigação foram construídos e geridos por serviços governamentais, pagando os utilizadores apenas uma pequena parte do custo que, por vezes, não chega para a manutenção dos próprios sistemas (Tsur e Zemel, 1997). Devido a esta situação o Banco Mundial tem alertado para os efeitos adversos desta prática indiscriminada no ambiente: salinização dos campos, poluição da água para outros usos e danificação de habitats sensíveis (Umali, 1993, citado por BM, 1997). No entanto, verifica-se na grande maioria dos recursos naturais, devido às suas características, nomeadamente de bem público, a tendência para que se subestime o seu valor e, portanto, para que estejam sujeitos a uma deficiente afetação por parte do mercado. De facto, entre as condições necessárias para uma eficiente afetação de recursos por parte do mercado, incluem-se as seguintes premissas (Perman et al, 1996, com adaptações): • Um limite, em termos de valor de mercado, é a existência de mercados para todos os bens e serviços; • Todos os mercados são competitivos;

Razões para uma abordagem Económica do Ambiente A fundamentação para uma abordagem económica dos problemas do ambiente pode ser resumida nos seguintes tópicos (Santos e Antunes, 1999B): a. O ambiente é cada vez mais um recurso escasso; b. Com determinados recursos ambientais (ar, biodiversidade ou determinados serviços prestados pelos ecossistemas aquáticos, por exemplo), quer passem ou não pelo mercado, verificam-se falhas de mercado. Estas são consequência do facto de determinados agentes passarem custos privados para sociais criando na sociedade externalidades negativas; c. A política de ambiente pode, através de instrumentos (taxas, por hipótese), fazer com que os agentes internalizem as externalidades referidas no ponto anterior.

• Ausência de externalidades; • Todos os bens e serviços são privados (não existência de bens públicos); • Direitos de propriedade atribuídos; • Informação perfeita; • Todos os produtores e consumidores têm por objetivo maximizar o lucro e a utilidade, respetivamente; • Os custos médios de longo prazo são não decrescentes; • Os custos de transação são nulos; • Todas as funções relevantes satisfazem as condições de convexidade. Dado que muitas destas premissas não se verificam no caso das variáveis ambientais e, portanto, a intervenção e regulação do mercado será uma condição para o seu bom funcionamento (Turner et al, 1993).

A ausência, no passado, de uma análise económica relativa ao ambiente — e à sua consequente segurança — é, para muitos autores e organizações internacionais, a grande responsável pelo atual estado de degradação dos recursos naturais. Na realidade, várias instituições como o Banco Mundial ou a própria União Europeia têm vindo de forma progressiva a sugerir a aplicação de abordagens económicas para a resolução dos problemas dos recursos naturais (BM, 1997 ou CE, 2000).

A aplicação de instrumento de Política de Ambiente

O Banco Mundial tem condenado a existência de subsídios nos inptus agrícolas e, mais especificamente, na água. Tais práticas, para além de terem como consequência a delapidação de riqueza, provocam distorções nas decisões de investimento e geram poluição (Fredriksson, 1997). Assim, a redução de subsídios é, neste sentido, uma política de duplo ganho: aumenta-se a eficiência económica e reduzem-se os efeitos de deterioração no ambiente.

De acordo com a Agência Europeia de Ambiente (AEA), a aplicação de taxas pode originar progressos em quatro áreas-chave (AEA, 1996):

Os subsídios à irrigação, por exemplo, têm tido também um efeito perverso, quer nos países em vias de desenvolvimento, quer nos industrializados. Muitos dos sistemas de

Por tudo o que é dito, a aplicação de instrumentos de política de ambiente é, assim, um mecanismo que tem por objetivo alterar o comportamento dos agentes económicos na sua relação com o ambiente (Todaro, 1994; Schlegelmilch, 1998; Santos e Antunes, 1998).

- Ambiente; - Inovação e competitividades; - Emprego; - Sistema fiscal.

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As reformas fiscais verdes ou ecológicas O argumento do duplo dividendo é geralmente associado à implementação de reformas fiscais ecológicas. A ideia base é a de que ao taxar os recursos naturais, os mesmos vão-se tornar mais caros e, por isso, menos usados, porquanto o factor produtivo trabalho se torna relativamente mais barato. Por outro lado, as receitas fiscais retiradas das taxas sobre os recursos naturais poderiam servir para desagravar os impostos (diretos) sobre o trabalho e, desta forma, minorar o problema do desemprego (AEA, 1996; Santos e Antunes, 1999). No entanto, este argumento tem vindo a ser contestado empiricamente em vários estudos, como os efetuados por Bovenberg e Goulder (1998) ou Parry e Oates (2000), este último citado por Parry e Bento (2000). O ponto básico reside no facto deste argumento ignorar o aumento nos preços dos fatores de produção - e por esta via da inflação e negligenciar os efeitos adversos de desencorajamento do investimento e do consequente declínio na oferta de trabalho (Bovenberg e Ploeg, 1998). A existência de externalidades e a consequente necessidade de intervir nos mercados tem suscitado um intenso debate na literatura. As soluções económicas propostas variam entre esquemas mais intervencionistas, como o proposto por Pigou (1932), de um sistema de taxas aos poluidores e subsídios aos lesados, e os que propugnam uma definição clara de direitos de propriedade que propicie acordos negociados entre as partes envolvidas (Coase, 1960; Demsetz, 1967). O objetivo da aplicação de uma taxa Pigouviana é fazer refletir no preço final de um determinado recurso, os respetivos custos ambientais (Cornes e Sandler, 1996). No entanto, o mesmo estudo de Pigou observa que qualquer intervenção tem custos que devem ser tidos em conta antes da decisão de actuar. Trata-se, pois, de assegurar que, à partida os benefícios esperados da atuação sejam superiores aos custos inerentes ao processo de intervenção: custos administrativos, de enforcement e de desemprego. Coase (1960) defendeu que a solução mais eficiente para o controlo dos danos de poluição seria, precisamente, através de um processo de negociação entre poluidor e a vítima da poluição. Argumentava que a simples atribuição de direitos de propriedade seria suficiente para corrigir falhas de mercado causadas pela poluição. O Teorema de Coase estabelece que a livre negociação entre os agentes pode conduzir a uma solução eficiente de controlo de poluição, independentemente dos detentores dos direitos de propriedade à partida., desde que os custos de transação sejam nulos. Todavia (e é essa a sua grande limitação) o teorema assenta em determinados pressupostos, nem sempre verificáveis na prática (Kolstad, 2010), a saber: • Informação perfeita; • Consumidores e produtores não têm influência sobre os preços (price takers); • Não existem custos de negociação e de transação; • Não existem efeitos de rendimento ou de riqueza;

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Segurança & Defesa

• O objetivo do consumidor é maximizar a sua utilidade e o do produtor maximizar o seu lucro. Sendo de facto possível, teoricamente, atingir uma solução eficiente do ponto de vista económico e sendo o mercado a resolver o problema, sem necessidade de intervenção de uma Autoridade, nem sempre é praticável. As principais críticas ao teorema baseiam-se nas hipóteses dos agentes falsearem a informação, das negociações envolverem custos e de ser muitas vezes difícil identificar as partes envolvidas (Lopes, 1996). Por outro lado, a atribuição de direitos de propriedade nem sempre é fácil. Por vezes, existem limitações decorrentes das leis ou dos próprios costumes e tradições das comunidades em causa (Callan e Thomas, 2000). Uma outra forma de solução, proposta por Dales (1968), reside na criação de mercados artificiais para as externalidades. Por exemplo, a poluição do ar ou da água poder ser controlada através de Direitos Transacionáveis de Emissão (DTE), permitindo a cada direito uma determinada carga poluente. Trata-se de uma solução de mercado – embora criada a partir de uma solução de comando e controlo relativa ao nível aceitável das descargas — que promove a eficiência económica sem necessidade de uma intervenção direta das Autoridades, sendo o nível de preço dado pelo próprio mercado (Mcgartland e Oates, 1985). No entanto, alguns autores chamam a atenção para a necessidade de evitar comportamentos especulativos, por parte de alguns agentes que desvirtuem a natureza do próprio mercado (Edwards-Jones et al, 2000). Servem os argumentos acabados de expor para tirar uma ilação em relação ao campo das relações internacionais: a Crise de Ambiente e a segurança do mesmo, sendo global, só poderá ser minimizada com uma negociação a nível planetário envolvendo, certamente, outras condicionantes, como por exemplo, o problema da pobreza.

O Problema da Competitividade A questão das exigências diferenciadas das políticas ambientais nacionais coloca o problema da eventual perda de competitividade das unidades de produção dos países com políticas mais restritivas. Será que, pelo facto de um país ter uma política de exigência ambiental, poderá prejudicar as suas empresas no capítulo do comércio internacional? Uma parte do setor empresarial, bem como algumas das suas associações, tem visto as novas exigências ambientais não tanto como uma ameaça, mas antes como uma oportunidade de vantagem competitiva a prazo (Bhargava e Welford, 1996 ou WBCSD, 1999). O conceito de eco-eficiência, que tem vindo a ganhar adeptos, é encarado como uma via para aumentar a competitividade, com benefícios ambientais. Consiste, resumidamente, numa filosofia de gestão que encoraja as empresas a utilizarem os recursos com mais eficiência, a serem mais inovadoras e ambientalmente responsáveis (Blumberg et al, 1996 ou OCDE, 1999). Assim, considera-se que a forma de actuação das empresas industriais perante a legislação ambiental, deverá ser a de seguir uma estratégia pró-ativa de procura da Excelência Ambiental (WBCSD, 2008). Existem várias motivações para que assim seja:


• As restrições futuras, em matéria de ambiente, serão cada vez mais exigentes;

A perspetiva da União Europeia

• A certificação ambiental é um requisito para qualquer empresa que se queira afirmar no mercado;

A política comunitária de ambiente, vista esta pelos princípios estabelecidos em várias Diretivas-chave sobre o tema, tem trazido alguns princípios que são relevantes em termos de segurança ambiental.

• Pressão da opinião pública; • Pressão dos pares e dos clientes ou fornecedores que já cumprem a legislação; Obrigação de divulgar informação (aplicação pela Autoridade de instrumentos de informação). De facto, como referem Porter e Van der Linde (1995), uma política de ambiente mais restritiva pode melhorar a competitividade porque os custos do cumprimento podem ser mais que compensados por inovações que produzem benefícios competitivos por elas próprias ou que permitem às empresas ganhar um primeiro impulso de vantagem em tecnologias que têm um potencial de mercado no futuro. Em alguns sectores de atividade, a boa qualidade ambiental atrai empresas competitivas, podendo aumentar as oportunidades de negócio e de parceiros, o que contribui positivamente para a competitividade geral da economia (Santos e Antunes, 1999).

Que solução para uma melhor segurança ambiental? Têm sido várias as soluções apresentadas, quer por organizações internacionais, quer pela comunidade científica, quer, ainda, por movimentos de defesa do ambiente. De entre elas cabe aqui citar a solução apresentada pela chamada Escola da Economia Ecológica a qual se tem baseado em normas de gestão sustentável das sociedades. Esses princípios foram descritos na Conferência de Lisboa e são os seguintes (Costanza, et al, 1998 e Costanza, 2009)1: - Princípio da responsabilidade, que diz que todo o agente económico que utiliza um recurso natural deve ser responsabilizado pelos danos que possa causar; - Princípio do ajustamento das escalas (Scale-matching) que afirma que se deve escolher a melhor escala a que se devem resolver os problemas; - Princípio da precaução que enuncia que em caso de não existirem provas científicas de que dada ação não traz malefícios para o Ambiente, a mesma não deverá ter lugar. Ou seja, em caso de dúvida o ónus da prova está do lado do poluidor; - Princípio da gestão adaptativa que releva que a gestão deve ser feita “passo-a-passo” analisando os resultados das ações e corrigindo-as de acordo com os resultados; - Princípio da afetação dos custos totais que diz que todos os custos devem ser devidamente identificados e calculados, assim, como, a quem deverão ser imputados; - Princípio da participação que afirma que em condições que envolvam o Ambiente, os agentes devem participar em todas as fases da política, ou seja, desde a sua conceção, até à implementação e avaliação de resultados. 1

Estes princípios são conhecidos na literatura por Lisbon Principles of Sustentainsble Governance.

Alguns destes princípios estão mesmo consagrados no Tratado da União: - Princípio da Responsabilização que diz que todos os agentes económicos são responsáveis pelas consequências para terceiros do uso que façam dos recursos naturais, devendo responder pelos resultados que daí advenham, nomeadamente, ressarcir a sociedade do prejuízo que causaram (veja-se, a este propósito, Canotilho, 1998); este princípio tem proximidade ao conhecido Princípio do Poluidor-Pagador que visa atuar antes dos danos no ambiente terem ocorrido e, portanto, antes de haver vítimas. É, assim, um princípio que se destina a corrigir externalidades. De facto, é dado ao poluidor potencial a escolha entre deixar de poluir ou então suportar um custo económico em favor do Estado que, por sua vez, afetará as verbas a ações de proteção do ambiente. Os poluidores confrontam-se com dois tipos de custos: o de evitar a poluição versus pagamento de uma taxa. A análise económica tem aqui um papel importante na definição do valor da taxa a um nível adequado de modo a incentivar o a correção dos danos ambientais (OECD, 1992); - Princípio da prevenção que tenta através de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) prevenir efeitos adversos sobre os recursos naturais de determinados projetos. Tem por base a ideia de que é economicamente mais barato prevenir uma situação de poluição do que reparar essa mesma situação, a posteriori. Este princípio tem como consequência que seja dada particular atenção às fontes de poluição (veja-se, de novo, Canotilho, 1998); - Princípio da Correção, que procura preferencialmente na fonte responder a três questões: quem, onde e quando polui. Tenta, por isso, pesquisar as origens da poluição com vista à sua eliminação (Aragão, 1997); - Princípio da Integração baseia-se no facto de qualquer atividade económica ou humana dever estar em consonância com os objetivos e a segurança do ambiente. Assim, uma das consequências da consagração deste dever de integração das considerações ambientais na definição das demais políticas — v.g. agrícola, industrial ou turística— é tornar obrigatória a aplicação de todos os princípios ambientais. Por força deste princípio é possível fiscalizar a legalidade de uma medida adotada no âmbito de qualquer política, à luz da sua conformidade com os princípios da política de ambiente e sancionar o seu desrespeito. Pelo que acabámos de descrever, pode afirmar-se que o Ambiente goza, a nível de União Europeia, de uma proteção ímpar, quando comparada com outras realidades internacionais.

Conclusões e perspetivas futuras Na primeira década e meia do século XXI começa-se a delinear uma nova forma de encarar o ambiente e a sua segurança a vários níveis, nomeadamente com o contributo da economia e de todos os seus instrumentos. Neste sentido

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podem enunciar-se algumas sugestões que, com grande probabilidade, marcarão a melhoria da segurança ambiental nos próximos anos:

• Há necessidade de uma colaboração global e regional para complementar as medidas tomadas no âmbito nacional e regional;

• Existindo uma grande relação entre o desenvolvimento económico e o meio ambiente, não podem estas duas áreas serem consideradas em separado;

• Aproveitar o que de melhor tem o setor privado. Aqui reforça-se a necessidade de acarinhar as empresas privadas descobrindo novos meios de utilizar capitais ao serviço do ambiente. Por exemplo, as normas ISO 14.000 que conferem certificados às empresas que cumprem as normas do bom desempenho ambiental;

• Há necessidade de que todas as políticas, nomeadamente a económica, sejam adequadas e entrem em linha de conta com o meio ambiente; • O ataque aos problemas ambientais passa necessariamente pela redução da pobreza. De resto, esta tem sido a prioridade de muitos organismos internacionais, nomeadamente do Banco Mundial; • Os preços de mercado devem incorporar os valores ambientais;

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• Chamar os cidadãos à participação. As populações locais vivem os problemas ambientais e a sua eventual falta de segurança. Assim, todos os programas que sejam delineados devem, previamente, ser do conhecimento destas populações. As políticas devem, cada vez mais, ser vistas na lógica dos beneficiários e desenvolvidas com eles e não impostas numa tradicional lógica de oferta de políticas públicas.


Terrorismo, Terrorismos JOSÉ MANUEL ANES Professor Auxiliar na Universidade Lusíada de Lisboa e na Universidade Lusíada do Porto. Director da revista “Segurança e Defesa” desde a sua fundação em 2006.

Introdução A vaga de atentados terroristas a que o mundo assiste e sofre, sobretudo, a partir de Setembro de 2001, com a afirmação da Al-Qaida e mais intensamente ainda a partir de 2014, com a criação e desenvolvimento do autoproclamado Estado Islâmico, centra-se na expressão político-religiosa da ideologia do islamismo radical salafista e jihadista. Uma vez passada a vaga de atentados laicos – sobretudo de extrema esquerda e de extrema direita – o terrorismo religioso, particularmente o que se reclama das franjas radicais e violentas do islamismo, domina hoje a cena internacional e constitui uma ameaça transnacional de monta.

O Terrorismo e suas expressões O terrorismo é uma táctica que pretende provocar o terror, o pânico, a falta de confiança de uma população nas suas autoridades (como defende o Prof. Adriano Moreira) e a eventual paralisia total ou parcial de uma comunidade através de acções violentas e letais cujo alvo principal, mas não exclusivo, é a população civil não combatente, através de um número considerável de mortos e feridos nelas causados, mas ao mesmo tempo ou separadamente, a destruição de infraestruturas críticas.

Tipos de terrorismo Há vários tipos de terrorismo – v. g. anarquista, de extrema esquerda, de extrema direita, de Estado, ecologista, islamista – mas salientaremos as duas grandes categorias:

a) terrorismo laico É mais seletivo nos alvos, atingindo na maior parte dos casos os elementos do chamado aparelho de Estado (v.g. polícias, militares, magistrados, políticos) mas, por vezes, também atinge a população, não apenas como “danos colaterais” mas intencionalmente fazendo sequestros e/ou provocando mortes. Nesta categoria inclui-se o chamado Terrorismo de Estado. Por vezes este terrorismo laico deno-

mina‑se de político, mas político também é o terrorismo religioso; a diferença entre ambos situa‑ se na ideologia motivadora que determina, em geral, uma maior discriminação e selectividade de alvos por parte do terrorismo laico.

b) terrorismo religioso – terrorismo islamista É mais indiscriminado que o anterior procurando atingir sobretudo a população civil, provocando o pânico dentro e fora dela. Pode ter expressão em quase todas as religiões: islão, cristianismo, judaísmo, hinduísmo, budismo, sikhismo e, também, seitas religiosas, sendo actualmente o terrorismo islamista o que prevalece sobre todos os outros no que diz respeito à violência e à letalidade. É evidente em muitos casos uma dimensão apocalíptica que o terrorismo religioso assume – ex. os atentados contra as Torres Gémeas de Nova Iorque em Setembro de 2001, mas antes deles, por exemplo, o atentado com gás Sarin em 1995, contra o metropolitano de Tóquio realizado pela seita esotérica Verdade Suprema. Neste particular, deve dizer-se que alguns especialistas consideram o islamismo salafista e jihadista como uma seita do islão. O terrorista religioso pretende exercer a justiça divina, considerando ‑se um braço armado dela e nesse sentido todos são culpados, pobres ou ricos, pois pertencem a um universo cultural e religioso “inimigo”, são “infiéis” no dizer desses radicais ou maus religiosos. As recompensas são motivadoras, como no caso do terrorismo suicida – cada vez mais frequente – em que o “mártir” acredita que uma vez morto no atentado irá logo para o Céu para junto de Allah e rodeado de virgens; no entanto, a certeza do reconhecimento do seu martírio pela comunidade radical e a recompensa financeira que muitas vezes é dada à família também são factores motivadores. Desenvolvamos um pouco mais este tema, pois, actualmente, este tipo de terrorismo é o mais frequente a nível global. Como refere Jonathan R. White, no seu já clássico livro de texto (Jonathan R. White, Terrorism – 2002 update, 4th ed., Wadsworth/ Thompson, Belmont, CA, USA, 2003, p. 10; as traduções são nossas), a definição de “terrorismo” parece ser um bom ponto de partida para um estudo acerca da natureza “terrorismo” e, em particular, do “terrorismo religioso” – de que nos ocuparemos neste capítulo. Segundo

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apenas de matar – com mandato divino – o inimigo no campo de batalha clássico, mas de atingir todos fora dele, mesmo que sejam civis inocentes, incluindo mulheres e crianças. É importante recordar que este tipo de terrorismo – o “religioso” – é o dominante na última década e cada vez mais crescente, como referiu premonitoriamente Gus Martin (Understanding Terrorism, California State University, 2003, p. 389): O terrorismo motivado pela religião tornou ‑se um problema global. O terrorismo religioso (…) cresceu de modo a desafiar a estabilidade política nacional e internacional durante os anos 90 e no começo dos anos 2000. A frequência dos ataques sectários e as suas vítimas cresceram rapidamente durante este período. (…) A violência religiosa continuará a ser um aspecto central do terrorismo do século XXI.(…) Contrariamente às acções relativamente cirúrgicas dos esquerdistas seculares dos anos anteriores, os terroristas religiosos provaram ser particularmente mortíferos (…) Esta espécie de letalidade tornou‑se um elemento central do terrorismo religioso internacional. Veremos adiante outras consequências desta perspectiva, mas saliente-se, desde já, duas características deste (novo/ velho) tipo de terrorismo: a matança indiscriminada de vítimas – mas com alvos discriminados – e a não inocência das vítimas (na sua perspectiva).

Alex Schmidt, o terrorismo é um método de combate em que as vítimas servem de alvos simbólicos. Os actores violentos são capazes de produzir um estado crónico de medo ao utilizar a violência para além do campo do comportamento normativo. Isto produz uma audiência para além da vítima imediata e resulta numa mudança das atitudes e acções do público. Esta definição geral serve tanto para o “terrorismo laico” como para o “terrorismo religioso”. No entanto, no caso do Terrorismo Religioso a dimensão simbólica acentua ‑se, devido à força dos símbolos religiosos, ao mesmo tempo que, devido ao “mandato divino” de que os terroristas religiosos se sentem investidos e à dimensão cósmica da luta entre o Bem e o Mal incarnada na luta entre os “fiéis” e os “infiéis”, diminuem ou mesmo desaparecem as limitações sociais da violência. Tudo isto se deve ao facto de neste tipo de terrorismo se considerar o mundo como um campo de batalha entre as forças da luz e das trevas, pelo que o inimigo tem de ser totalmente destruído. Um dos grandes especialistas de terrorismo, Bruce Hoffman, - provavelmente o maior deles todos, da Universidade de Georgetown e da Rand Corporation – entende que os “terroristas religiosos” encaram o matar como um acto sacramental que pode santificar o terrorista e que eles matam indiscriminadamente porque estão a matar os inimigos de Deus (Bruce Hoffman, Inside Terrorism, Columbia University Press, N.Y., 2006, 3.ª ed. revista e aumentada), isto é, os “infiéis”. Essa matança “indiscriminada” coloca o terrorismo religioso no nível máximo de violência religiosa, já que não se trata

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Os actos de terrorismo religioso são actos, não apenas de destruição, mas também de derramamento de sangue, executados com intensidade e acentuando o carácter extremo e “selvagem” da violência dramática, de modo a desencadear o medo, o desespero, o horror e o pânico (quanto mais generalizado melhor), através da arbitrariedade dos atentados conjugada com a escolha de alvos simbólicos. Trata‑se daquilo a que Mark Juergensmeyer denominou de “violência demonstrativa” que pretende ter, para além da destruição e da morte, um significado simbólico, e impactos secundários e estratégicos. Segundo este mesmo autor, estes “acontecimentos dramáticos” têm de ser analisados em temos de símbolo, de mito e de ritual. Tal como os rituais religiosos públicos que parecem, ou pretendem, imitar (tal como também os teatros de rua), os actos de terrorismo religioso são, para Mark Juergensmeyer, uma ”performance”, isto é, um espectáculo público destinado a ter um enorme impacto emocional nas diversas audiências que pretendem atingir (adversas ou não). Neste sentido, eles são, ao mesmo tempo, acontecimentos de “performance” – pois querem fazer um discurso simbólico – e actos “performativos” – pois querem mudar as coisas. Por seu lado, ainda segundo Juergensmeyer, as vítimas dos actos de terrorismo são tratadas simbolicamente – em virtude da ideologia religiosa legitimadora desses actos – como animais ou seres corruptos e desprezíveis, vítimas expiatórias (cf. R. Girard), pois são arbitrárias e recolhem a unanimidade violenta e reforçam os laços da comunidade que apoia esses actos. Além disso, o “palco” (o lugar), o tempo (determinados aniversários) e, por vezes, o alvo humano, são escolhidos de modo a ter um significado simbólico. O terrorismo é uma “linguagem para ser noticiada”, sem a qual ele perde a sua dimensão, ou a dimensão pretendida, não porque precise de publicidade (para atrair adeptos ou membros, dessa maneira), mas porque necessita de generalizar o choque, o terror e o pânico. Para os terroristas religiosos, eles estão participando numa “guerra


cósmica” (M. Juergensmeyer), um confronto entre as forças do Bem e do Mal que exige o martírio e o sacrifício dos seus actores. A religião é um meio privilegiado como agente de honra – que vinga a dignidade (religiosa, política, social, nacional, económica, etc.) e afirma a identidade, passando simbolicamente da humilhação à afirmação identitária absoluta, sagrada (cf. o “eu sagrado chamânico” de Jacob Pandian, Culture, religion and the sacred self, 1991) – e também de legitimação da resistência, da luta, da guerra – que é “tremenda e fascinante” (R. Otto). Como refere Benjamin Beit ‑Hallahmi, no seu artigo The return of martyrdom: Honour, death and Immortality (in Religious Fundamentalism and Political Extremism, Leonard Weinberg, Ami Pedahzur eds., Frank Cass, London, 2004, p. 26 e 23), “se a honra é mais importante que a vida, ela inspirará a violência e o auto ‑sacrifício”, “(isto é) o martírio justificado por um sistema de crenças religioso (assente na) imortalidade (pelo que) “a morte violenta sacralizada atinge (assim) um significado cósmico”. Como e quando é que uma confrontação é caracterizada como sendo uma “guerra cósmica”? 1) quando a luta é concebida como uma defesa da identidade e da dignidade básicas de todo um universo, de toda uma religião (p. ex.: da Umma), quer no que diz respeito à vida, quer no que diz respeito à cultura, religiosa e particular. 2) quando, pelo facto de haver dificuldades em conceber a vitória no plano da realidade, se desloca a luta para um plano meta‑ físico, onde se verifica uma sacralização dessa luta, cujas possibilidades de vitória estão agora nas mãos de Deus; é então preciso criar actos que elevem a luta ao nível da guerra cósmica, sacralizando‑ a, designando-os como a “guerra santa”, ou a jihad, no caso islâmico. Aqui se inclui, o auto ‑sacrifício, o martírio suicida, o suicídio terrorista – de que trataremos no seguinte e último capítulo, pois, neste contexto, não só a violência é legitimada pela sacralização da luta, como também a morte é sempre heróica e conduz a uma transformação da derrota em vitória. O martírio é a morte mais honrosa num quadro religioso (num quadro das ideólogas seculares modernas, o herói morre pela Paria, pelo Povo, pela República, mas não adquire, apesar do esforço de sacralização dos Estados laicos, a dimensão sagrada do mártir). Também queremos referir aqui, para além da dimensão individual, a dimensão psicológica social da “lógica da violência religiosa” (M. Juergensmeyer) e chamar a atenção para as pertinentes observações realizadas por John Mack (referido por Selengut) o qual ao estudar a psicologia da violência de grupos vitimizados – grupos e movimentos que acreditam eles próprios serem vítimas reais ou potenciais de perseguição, discriminação e humilhação – e cuja dor e sofrimento são de tal dimensão que eles desencadeiam uma canalização da frustração e da raiva sobre os inimigos do grupo, o qual se vê a si próprio como totalmente puro e isento de culpa. Esta “guerra como terapia” vai revitalizar e dar energia ao grupo e aos seus membros, dando‑ lhes um sentimento de poder (o symbolic empowerment, referido por M. Juergensmeyer) e de visibilidade. De facto, a violência – e a linguagem da violência – é experimentada como uma força libertadora que restaura a honra, a dignidade, o orgulho e o respeito por si próprios, não apenas dos indivíduos, mas de todo o grupo social.

Terrorismo islamista Veremos agora quais os fundamentos doutrinários do terrorismo de raíz islâmica, denominado mais propriamente de “islamista radical”, para não o associar a todo o Islão (com os seus 1.300 milhões de crentes), que, no seu fundamento e etimologia, é uma religião de paz (salam) – como todas as outras religiões, embora todas elas contenham apelos à violência, como já vimos nos capítulos anteriores. Esta vaga tão intensa, espectacular e dramática de terrorismo que tem atingido não só os países e interesses ocidentais (com particular destaque para um dos mais poderosos, os E.U.A, mas incluindo, também, países como a França, Inglaterra, Espanha) e os próprios países islâmicos (de Marrocos à Indonésia) e mesmo não ocidentais e não islâmicos (como a Índia). Essa vaga iniciou-se começou com os atentados de Beirute, em 1983, contra interesses e posições norte ‑ americanas e francesas – perpetrados de forma “pioneira” (no que diz respeito ao terrorismo suicida de raiz religiosa) pelo Hezbolah, seguidos dos atentados contra o Metro de Paris (1995), de Bali (2002) e de Casablanca (2003), entre outros exemplos, até chegar ao “apocalíptico” atentado de 11 de Setembro nos EUA (dirigido contra as Torres Gémeas, que já tinham sido alvo de um atentado em 1993, e contra o Pentágono). Podemos, nesta senda, referir, ainda, os mais recentes atentados de Madrid (11 de Março de 2004), de Londres (7 de Julho de 2005) e de Bombaim (12 de Julho de 2006). Trata-se de uma vaga de atentados terroristas que se caracterizam pelo preenchimento de agendas locais, realizados por organizações nacionais (embora com solidariedades internacionais), como seja o caso da libanesa Hezbolah (organização xiita apoiada pelo Irão e pela Síria) ou das organizações palestinianas Hamas e Jihad Islâmica, ou, por assumirem, uma outra vertente, de carácter global. Apenas nos debruçaremos sobre o chamado “terrorismo global”, pois a este se encontra associada uma ideologia de um grande fervor religioso – assente num plano de dominação política global. De facto, este terrorismo religioso de raiz islâmica, melhor dizendo, este terrorismo “islamista” radical, atinge a sua maior expressão destrutiva e mediática com a operacionalidade eficaz da Jihad global, federada e inspirada pela “Al Qaeda al Jihad” (“a Base da Jihad”), dirigida por Osama Bin Laden e por Al Zawahiri, e, embora, tendo uma doutrina cultural e religiosa com raízes profundas em certo Islão, apresenta algumas inovações. A “AL Qaeda al Jihad” constituída a partir de 1984, no Afeganistão e “baptizada” com o seu nome actual em 1988, o seu líder, Bin Laden teve, para tal, o apoio do seu “primeiro mentor” (cf. Abdel Bari Atwan, The Secret History of al‑ Qa’da, SAQI, London, 2006, p. 44), o palestiano Abdulah Azzam. Este indíviduo foi responsável pelo ramo palestiniano dos Irmãos Muçulmanos, que era (entre outras razões, pelo receio da fitna, ou discórdia, no seio do Islão) um defensor da “jihad” tradicional, defensiva – posição que lhe terá causado a morte, em face da discórdia de opositores que defendiam uma “jihad” ofensiva. A Jihad (luta) divide ‑se em “jihad” maior – uma luta interior, ou seja, o esforço de melhoria espiritual e religiosa do fiel, que a tal é obrigado – e “jihad” menor – a luta exterior contra um inimigo do Islão, que em princípio é apenas defensiva, mas que pode ser também ofensiva, perante as versões mais radicais do “islamismo”. Os textos corânicos

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são por vezes contraditórios, sustentando as duas posições. Assim, por um lado, podemos ler no Corão (Sura II, vers. 186) uma sustentação da primeira perspectiva: “Combatei no caminho de Deus os que vos combatem, mas não sejais os agressores. Deus não ama os agressores”. No entanto, mais à frente, podemos encontrar um trecho que parece abrir portas para a segunda perspectiva (ao mesmo tempo que incentiva a conversão dos “idólatras”): “Matai os idólatras em todo o lado onde os encontrardes, fazei ‑os prisioneiros…; mas se eles se converterem…então deixai ‑os tranquilos, pois Deus é indulgente e misericordioso” (Sura IX, vers. 5). Uma grande disputa – com alguma “discórdia”, fitna – verificou ‑se nos últimos decénios entre os que partidários da “jihad” defensiva (contra os que ocupam “terra do Islão”, como os soviéticos no Afeganistão e os Israelitas na Palestina) e os da “jihad” ofensiva (contra os “infiéis”, sejam eles “cruzados” ou “sionistas”), mas também entre os que consideram que a “jihad” deve ser realizada contra o “inimigo próximo” (os “apóstatas”, os maus dirigentes dos países árabes e islâmicos e os maus muçulmanos) e os que defendem que ela deve atingir apenas o “inimigo longínquo” (o Ocidente, particularmente os EUA e seus aliados) – de notar que o maior receio da fitna reside precisamente nesta última oposição, devido às consequências divisionistas que pode acarretar a “jihad” contra o “inimigo próximo”. Mas não é só a ideologia do “jihadismo” que fundamenta a acção extremista do “islamismo” radical pois, se é verdade que é ela que fundamenta a acção violenta, também não é menos a verdade que doutrinas como a da reconstituição do Califado (o império muçulmano, o último dos quais foi o otomano, que terminou nos anos 30 do século XX) e da “umma” – a comunidade original dos crentes – são indirectamente inspiradoras da violência e da guerra. Note-se que, nos dias de hoje, existe um ressurgimento de antigas doutrinas islâmicas rigoristas e fundamentalistas, nem todas violentos nas suas manifestações, mas que apresentam um caldo de cultura favorável a todas a perspectivas e, logo, à violência mais extremista. Trata‑ se do “salafismo”, do “wahabismo” e da doutrina da “nova jahilyia”. O “salafismo” – o caminho dos “antepassados” ou “antigos” (salaf) – é uma doutrina de revivificação religiosa que se desenvolveu em finais do século XIX e que está intimamente

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associada a uma das antigas escolas jurídicas do Islão, a mais rigorista, e também ao “wahabismo” saudita – fundado por Ibn Abd ad Wahab (1703‑1791) – o qual assenta na absoluta declaração da unicidade divina – de facto, no primeiro dos 5 pilares do Islão, só há um Deus e esse Deus é Allah, e Maomé o seu Profeta –, com a recusa do princípio da intercessão dos santos (presente no sufismo, esoterismo místico do Islão, e também em algumas formas do Islão popular) e a consequente proibição de orar junto aos túmulos dos mesmos. O “wahabismo” defende um Islão estrito e puritano (presente, por exemplo, através da importação cultural saudita, nos taliban do Afeganistão que proíbem a música e a poesia) que condena como infiéis os muçulmanos que não seguem a sua concepção religiosa e cultural (por exemplo os mongóis) e condenam os xiitas como heréticos. Outra conceção que se encontra presente no fundamentalismo islamista, e que alimenta as suas manifestações mais violentas, é a da “nova jahilyia”. A jahilyia é o tempo das “trevas”, da “ignorância” e dos “idólatras” que existia no tempo em que o Profeta começou a sua pregação junto dos povos da Arábia que seguiam as antigas religiões – as religiões “pagãs” autóctones. O grande cultor da doutrina da jahilyia foi Ibn Taymyia (1263‑1328), expoente máximo da escola jurídica sunita mais rigorosa, a do “hanbalismo” e que, ainda hoje, serve de modelo aos fundamentalistas islâmicos mais estritos, os quais consideram ser o mundo de hoje uma “nova jahilyia”, uma nova época de ignorância, de trevas e de idolatria. Assim o afirmaram o indiano Abu Ala Maududi (1903‑1979) e também o egípcio Sayid Qutb (1906‑1966), para os quais a “nova barbárie” é, entre outras coisas, uma sociedade em que as leis de Deus (a sharia, que mais do que código legal, é um código de vida) são substituídas pelas leis dos homens, votadas em parlamentos (mais ou menos) democráticos. Haveria aqui, pois, lugar para uma discussão acerca do chamado “choque das civilizações” (de acordo com a noção de Samuel Huntington) ao qual poderia associar-se uma determinada concepção estrita, fundamentalista e, por vezes radical, do Islão – que defende a indissolúvel ligação entre a Religião e o Estado, com rejeição do laicismo ocidental e da designada civilização ocidental.


Adrian Hutchinson Entrevista conduzida por Guilherme Azevedo

A polícia metropolitana de Londres implementou recentemente o maior projeto a nível mundial de Body Worn Cameras (câmaras de uso corporal). O uso desta tecnologia tem-se revelado apropriado para as patrulhas já que para além do efeito óbvio de melhor registro de ocorrências através do uso do áudio e vídeo, vários estudos apontam para uma melhoria comportamental quer dos cidadãos quer dos agentes que as usam. As consequências são uma maior proximidade da polícia e cidadãos, menos confrontos, menos queixas contra agentes policiais e em geral uma melhor imagem, de maior transparência das polícias. A propósito do congresso de polícia em Berlim o mês passado tivemos a oportunidade de entrevistar Adrian Hutchinson, Superintendente do MPS (Serviços de Polícia Metropolitana de Londres) que lidera o projecto de BWV (câmaras de utilização corporal) É um dos oficiais mais experientes ao Serviço da Polícia Metropolitana. Além disso, ele é o especialista número um do London Met relativamente aos sistemas de vídeo corporal: o superintendente Adrian Hutchinson tem, ao longo de 27 anos, trabalhado no serviço policial - actualmente como “líder da tecnologia móvel da Polícia”. Hutchinson trabalhou cinco anos como Chefe de Delegação de Borough, em Olympic Borough, uma área com uma das maiores taxas de criminalidade na Grã-Bretanha. Durante este tempo, ele criou um projecto premiado anti-gang. O resultado impressionante foi a segunda maior redução da violência juvenil no Reino Unido. Hutchinson esteve fortemente envolvido no processo de testes para a introdução de câmaras de vídeo de utilização corporal. Agora, ele é o líder do projecto para a implementação das câmaras de utilização corporal. Actualmente, estão no terreno 7.000 câmaras no Met, e o objectivo é de cerca de 22.000 BWC para a Grande Londres.

A aquisição de câmaras, por si só, faz sentido? É importante que a aquisição não se concentre apenas nas câmaras. Do meu ponto de vista, um projecto isolado de câmaras de vídeo corporais não se justifica. As câmaras de vídeo de utilização corporal devem ser sempre vistas no contexto de uma solução completa de sistema, para um processamento eficiente de provas. Portanto, um sistema de gestão de dados potente é indispensável. As aquisições devem procurar a integração de serviços que cubram o processo de extremo a extremo - não apenas a parte da câmara.

Adrian Hutchinson

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Acha o ecrã frontal indispensável? Nunca tivemos uma posição de defesa de câmaras sem ecrã. Contudo, com a nossa vastas experiência do piloto, eu posso dizer: não há absolutamente nenhuma prova de que um ecrã frontal tem um efeito positivo no comportamento de um infractor durante um controlo. Não vemos absolutamente nenhum benefício prático no ecrã. Do nosso ponto de vista, um ecrã adicional é apenas um elemento que pode correr mal. Um ecrã é apenas um pedaço de vidro que pode ser partido. Nós não queremos perturbar os nossos oficiais com este perigo ou frivolidades desnecessárias. Queremos que eles se sintam confiantes com os seus equipamentos, especialmente em situações críticas.

A luz vermelha é um aviso útil? Para nós, a luz vermelha intermitente é uma indicação perfeita para a utilização da câmara. É amplamente compreendido como um sinal para “gravação” em todo o mundo. Isto é essencial em situações de comunicação difícil devido a problemas de linguagem ou comoção.

No entanto, as câmaras de vídeo são fundamentais...

Temos também mais responsabilidades para com os cidadãos que pagam impostos: planejando adquirir 22.000 câmaras para a Grande Londres, temos de ter a certeza de que obtemos uma boa relação qualidade/preço e equipamento duradouro. Isso também inclui uma estratégia de compras para maiores unidades. Nós centralizamos a aquisição através de unidades policiais segmentadas responsáveis. Assim, somos uma organização de compras mais influente, podemos negociar melhores preços e obter uma participação mais forte no desenvolvimento de futuras soluções de sistemas para as nossas necessidades individuais. Além disso, a aquisição de uma solução de câmara só é bem-sucedida quando os operacionais e os profissionais de tecnologia cooperam. A experiência do trabalho policial quotidiano e da experiência tecnológica tem de ser combinada para encontrar a melhor solução. Todo o processo é baseado na responsabilidade que sentimos em relação aos nossos oficiais operacionais: eles têm o direito de usar uma solução que responda aos requisitos dos desafios das suas operações policiais. Isso inclui um modelo pensado com unidades de controlo confiáveis e​​ sem futilidades.

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De acordo com a nossa experiência, o público aceita e congratula-se com utilização de câmaras de vídeo corporais. Não há dúvida de que têm um efeito de inversão de escalada sobre os infractores - sobretudo em situações onde os infractores ou espectadores se agrupam. Por exemplo, teria sido muito útil usar esse efeito quando eu estava a trabalhar no projecto anti-gang em Olympic Borough. É um cenário habitual, os nossos oficiais serem cercados por grupos agressivos, uma vez que se começam a dirigir-se a um de seus membros. Mas os criminosos não gostam de ser gravados em vídeo. A nossa experiência com câmaras mostra: uma vez que os oficiais começam a gravar, a multidão instantaneamente dispersa-se. No passado, os nossos oficiais eram frequentemente os únicos que não gravaram as cenas, enquanto as outras pessoas envolvidas estavam a gravar com seus telefones móveis.

Como é que vê o Congresso Europeu de Polícia? Na minha opinião, participar no Congresso Europeu de Polícia em Berlim é uma grande oportunidade, para a transferência internacional de conhecimentos. O serviço de polícia tem de ser considerado como uma operação internacional e colegas devem trocar suas opiniões. Nós vemos muitas semelhanças entre o serviço de polícia alemão e britânico. Partilhar conhecimento com colegas alemães poderia ajudar ambos a lucrar com a experiência um do outro, evitar desvantagens e acelerar a implementação de novas tecnologias úteis.


Segurança e economia MÁRIO CALDEIRA DIAS Director da Faculdade de Economia e Ciências Empresariais da Universidade Lusíada de Lisboa.

ADRIANO MOREIRA

1. Delimitação conceptual O conceito de segurança é habitualmente definido como a situação a que se chega procurando evitar ou prevenir riscos, incertezas, danos, perdas…, ou seja um conjunto de efeitos, com diversas origens, considerados negativos para pessoas, famílias, organizações, sectores, regiões, países e conjuntos mais ou menos alargados de países. Também, habitualmente, a segurança é caracterizada de forma mais concreta e “consignada”, como: segurança física, segurança alimentar, segurança social, segurança pública, segurança laboral, segurança financeira, segurança económica… Na conjugação de segurança com a economia (leia-se actividade económica) poderíamos encarar duas vertentes: por um lado, a da segurança na actividade económica e, por outro lado, a da segurança que a existência e o desenvolvimento da actividade económica provocam, ou deveriam provocar nos vários níveis acima referidos que vão desde o indivíduo até à sociedade como um todo. Não iremos fazer essa distinção porque a economia é uma parte fundamental da vida em sociedade e aquilo que é a segurança da actividade económica é também a segurança de todos nós.

2. O Estado e mercado Os mecanismos de mercado, devido à sua natureza auto regulada, poderiam atribuir-lhe uma capacidade autónoma para resolver os seus próprios desequilíbrios prescindindo de outros critérios que não o da utilização tão eficiente, tanto quanto possível, dos recursos. A maximização dessa eficiência é o ponto de equilíbrio desejável. Ausência de alma do mercado exclui a sensibilidade a problemas de outra natureza (Samuelson; Nordhaus, 2011) havendo autores que consideram a sociologia económica como mais apetrechada para tratar temas que envolvam o funcionamento da economia no contexto social e institucional em que se desenrolam e no qual está “embebido” (Swedberg, 2003). O mercado desempenha três funções: informa, regula e distribui ou afecta recursos. O pressuposto do equilíbrio é óbvio nos clássicos desde que não haja entraves.

Os modelos Keynesianos explicam o desequilíbrio (Sousa, A.R. 2012) e colocam o Estado a intervir no desempenho das três funções, essencialmente nas duas últimas – regulação e afectação de recursos. As preocupações do Estado face ao mercado acabam por se sintetizar em três dimensões: a estabilidade, a equidade e a eficiência que consubstanciam falhas de mercado quando olhadas numa perspectiva mais alargada. O mercado pode provocar desequilíbrios, tornar mais desigual e conduzir à ineficiência (Neves, J. C., 1992).

2.1 Estabilidade A instabilidade liga-se essencialmente ao desemprego e inflação (Nellis, Parker, 2004). Qualquer deles pode provocar enormes danos sociais. A inflação opera como um imposto indirecto diminuindo, na proporção inversa, os níveis de bem-estar. Redistribui a riqueza entre os que podem repercutir o aumento dos preços e os que não o podem fazer, pelo que pode conduzir ao empobrecimento. Em casos extremos, como a hiperinflação, desorganiza a economia até ao ponto da sua paralisia e de convulsões sociais subsequentes. A inflação moderada (até aos 5%) funciona como um incentivo dinamizador da economia e do investimento. De outro ponto de vista, a deflação constitui-se como um risco muito elevado se se transformar no afundamento da actividade económica (Krugman, 2009). O desemprego é o maior dos danos sociais na medida em que constitui, bem assim como o rendimento que deixa de gerar, a principal via de inserção social secundária (Giddens,2004). Os danos abrangem: a quebra de produto, segundo a Lei de Okun, a histerese do desemprego de longa duração segundo a qual a probabilidade de continuar desempregado é tanto maior quanto há mais tempo se está desempregado e os efeitos sociais negativos (Nellis, Parker, 2004). Esses efeitos podem incluir o endividamento, a toxicodependência, o divórcio, a doença e, por fim, a exclusão, o maior dos males sociais. O objectivo do pleno emprego suportado pelo crescimento económico continua a ser, apesar de longínquo, o referencial máximo da política económica. Não implica que os recursos humanos sejam utilizados a 100%, mas apenas que qualquer pessoa possa encontrar um emprego razoavelmente adequado

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dade e o próprio mercado dos prejuízos que o seu funcionamento lhe acarretaria porque os desvios de concorrência resultam da própria lógica autofágica do mercado (Ferreira, 2004). A quebra de eficiência conduz a que os produtos sejam vendidos em quantidades menores a preços mais elevados. Segundo o teorema de Harberger o objectivo da maximização da receita marginal conduz, no monopólio, ao desperdício de mais-valia que não é utilizada por ninguém. As regras da concorrência sempre tiveram uma prioridade alta logo na C.E.E. porque são a essência do Mercado Único e da sua sobrevivência. Sem elas não existiria a União Europeia tal como a conhecemos.

3. As falhas do mercado As falhas mais típicas do mercado podem ser encontradas na informação assimétrica, na impossibilidade de produção de bens públicos e nas externalidades (interessam-nos apenas as negativas). Estas falhas exigem a intervenção do Estado para minimizar os seus efeitos negativos sobre a economia e sobre a sociedade Samuelson, Nordhaus, 2011).

em termos de qualificações e rendimentos num espaço de tempo relativamente curto. No pleno emprego encontra-se a maior harmonia possível entre as necessidades sociais e as restrições económicas Dias, 2010).

2.2 A equidade A justiça social começa na distribuição primária do rendimento e completa-se com a distribuição secundária que incluiu, sobretudo, as políticas públicas desenvolvidas no âmbito do Estado Providência (EP) a que voltaremos posteriormente (Giddens, 2004). “O trade-off” essencial na relação entre a sociedade e a economia reside exactamente na relação equidade VS eficiência que trataremos no próximo ponto. Um peso excessivo das regras económicas corre o risco de infligir fortes danos à integração social e um excesso de direitos sociais pode comprometer a eficiência e a competitividade da economia. O ponto de compromisso é difícil de encontrar, embora as práticas responsáveis de concertação social possam amenizar este conflito ou até contribuir para que os opostos se reforçarem mutuamente (Dias, 2005).

2.3 A eficiência A eficiência seria o produto natural do funcionamento do mercado que por esta via chegaria ao óptimo económico, que se traduziria na maximização do bem-estar dos consumidores (Samuelson, Norhaus, 2011). No ponto do lucro zero (inclui remuneração e retorno do investimento dos empresários) toda a mais-valia gerada se transforma no bem-estar dos consumidores (Neves, 1992). A máxima eficiência transforma-se na máxima utilidade. Contudo as práticas colusivas (acordos, alinhamento de comportamentos e orientações de associações patronais), o abuso de posição dominante, as fusões e aquisições e a concorrência desleal minam o princípio da concorrência “perfeita” ou mesmo da chamada “workable competition” de J.M.Clark (Samuelson, Nordhaus, 2011). Paradoxalmente as regras da concorrência patrocinadas pelo Estado defendem a socie-

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A assimetria da informação contraria a transparência do mercado e implica com a concorrência e com a maximização do interesse dos produtores e consumidores. Considera-se esta questão tratada no ponto anterior.

3.1 A produção de bens públicos O mercado não produz os bens públicos que são absolutamente essenciais para a vida em sociedade (Santos, 2012). São bens como a segurança pública, a defesa nacional, a escolaridade obrigatória e gratuita, o acesso gratuito a cuidados de saúde, a iluminação pública, as vias de comunicação gratuitas…que preencham os critérios da não exclusão e não rivalidade. Ora, os mercados oferecem bens e serviços em troca de uma receita o que não se aplica aos bens públicos que têm que ser financiados por impostos. Alguns bens de clube podem ter algumas características relacionadas com o interesse público como acontece em muitas das organizações privadas da Economia Social (ES) financiadas, em muitos casos, pelo Estado. São bens congestionáveis sujeitos, por vezes a pagamentos parciais e de acordo com o rendimento. Existem ainda os bens económicos de interesse geral (SEIG) que apesar de se configurarem como bens de mercado incorporam uma carga de interesse colectivo óbvia. É o caso dos transportes públicos, da distribuição de água, gás e electricidade, das telecomunicações, hospitais, os portos e aeroportos. Não são bens puros de mercado porque estão, por normas sujeitos a contractos de concessão, a parcerias público-privadas ou a reguladores que zelam pela conformidade da natureza destes bens e serviços com os direitos e deveres dos operadores (Confraria, J.,2007) Mesmo assim a segurança da operação não estará completamente garantida devido a fenómenos como a captura do regulador e a desvios de interpretação das cláusulas contractuais (vejam--se conflitos jurídicos assumidos pela Galp, EDP ou Pharol, entre outros). Existem outras formas mais sofisticadas como o aumento artificial dos custos financiados ou dos preços e a selecção dos utentes mais “rentáveis” quando seria de supor que um melhor produto ou serviço e a geração de mais-valias deveria resultar apenas do aumento do aumento da eficiência e da organização da produção.


3.2 As externalidades negativas Acontecem quando a sociedade ou alguns dos seus elementos são prejudicados por uma externalização de custos das organizações sem por elas serem ressarcidos (Samuelson, Nordhaus, 2011). A poluição ambiental é a externalização mais conhecida, mas pode haver outras como a imagem do país, a fraude fiscal, outras acções ilegais ou criminosas, a adulteração de produtos ou serviços por motivos de maximização do lucro, o esgotamento dos recursos, a ruína dos outros produtores ligada ao fenómeno do poderio da compra (Ferreira, 2004), - é o caso das grandes superfícies comerciais que, simultaneamente encarecem os produtos, degradam a sua qualidade e empobrecem os fornecedores) … A propósito da questão ambiental, esta representa-se como uma das vertentes da sustentabilidade sistémica das nossas sociedades e do seu desenvolvimento na medida em que constitui uma vulnerabilidade absoluta no médio e longo prazos. A outra vertente encontra-se na responsabilidade social das organizações de acordo com a qual as organizações e, em particular, as empresas têm que conduzir a sua actividade no respeito por valores sociais mais abrangentes do que a simples procura do lucro (Vinha, 2003). Sem as duas vertentes acima referidas caminhar-se-á para a entropia sistémica e para o desaparecimento das organizações por inaptidão às exigências fundamentais do contexto em que se movem. A RSO tem vertentes internas e externas às empresas e abrangem domínios como as condições e organização do trabalho, a política de recrutamento, o investimento em capital humano, as relações com o mercado incluindo fornecedores e clientes, a qualidade do produto e a dimensão ambiental, entre outros e que se agrupam em responsabilidades económicas, legais, éticas e discricionárias. Estas preocupações, que se podem encontrar em Malthus quando escreveu, em 1798, o Ensaio sobre o Princípio da População e o seu Efeito no Desenvolvimento Futuro das Sociedades, são assumidas a partir de 1972 com a Conferência de Estocolmo – Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Humano (Santos, 2005). Posteriormente esta evolução foi-se concretizando em cimeiras com a periodicidade de 5 anos.

3.3 A equidade A relação entre a equidade e a eficiência constitui o “trade-off” fundamental entre a economia e a sociedade e é bem actual se repararmos nos efeitos da actual fase de liberalismo que num capitalismo triunfante vai, em nome da eficiência, impondo as regras de mercado a todas as dimensões da sociedade. Fala-se em pessoas competitivas. Ora, o mercado entregue a si próprio gera a concentração de rendimento nas pessoas mais preparadas profissionalmente, nas empresas, regiões e países mais competitivas, para além disso cria desemprego e pobreza mesmo nos que trabalham. O desequilíbrio no “trade-off” acima referido pode produzir uma elevada instabilidade social se as condições de vida se degradam ou uma perda de competitividade da economia se as condições de concorrência forem muito prejudicadas (Comissão Europeia, 1993). De acordo com os princípios clássicos a ameaça do desemprego não existiria se todos estivessem disponíveis para trabalhar pelo salário de equilíbrio. Não se refere, habitualmente, que o salário de equilíbrio pode ser inferior ao

mínimo de subsistência, o que é inaceitável face aos princípios sociais e políticos que regem as nossas sociedades. A equidade, enquanto objectivo das políticas públicas, para além de dimensões mais latas, assenta na correcção da distribuição primária através de impostos progressivos e na distribuição secundária de transferências unilaterais do Estado para particulares (Mozzicafredo, 1997). As correcções na distribuição do rendimento são importantes. Contudo, as grandes ameaças ou contingências derivadas da relação com o mercado são outras: o desemprego, a doença e a velhice. Estas três contingências são as maiores ameaças para quem trabalha, contrariadas pelas políticas públicas e subsídios e pelas pensões. É aquilo a que alguns sociólogos chamam a “desmercadorização” da força de trabalho (hoje em dia em refluxo) e que estão na base dos sistemas de segurança social e constituindo uma preocupação fundamental na construção dos Estados Providência (EP).

4. A Segurança Social 4.1 As formas de distribuição Ao longo da história, as diversas sociedades, desde as primitivas até às actuais adoptaram várias formas de distribuição ou redistribuição do rendimento que contribuíram e contribuem para diminuir as ameaças em diferentes graus. São as diferentes formas de conduzir tal processo que condicionam o essencial da relação entre a sociedade, a economia e as instituições (Vinha, 2003) (Swedberg, 2003)). Não assentam numa vocação inata (a do mercado) para a racionalidade eficiente na utilização de recursos, como propôs Adam Smith e todos os clássicos, na medida em que existem exemplos históricos diferentes e também porque historicamente o homem olhou para a economia enquanto parte dos seus desígnios sociais. Nesta óptica, o mercado, a primeira das formas de distribuição, resultaria das condições concretas criadas a partir do sec. XVI (Granovetter,2003). O modo de distribuição assente na solidariedade, também próprias das sociedades primitivas organizadas na base de uma solidariedade mecânica, é extensível a outras formas de solidariedade compatíveis com todas as acções conduzidas na base de valores e complementaridades altruístas bem atuais como o voluntariado, as formas de organização comunitária, cooperativa ou associativa e, que de um modo geral, fazem apelo a um sentimento de entrega e promoção do bem-estar comum ou colectivo. Aliás, toda a economia social pode ser envolta e caracterizada pela palavra solidariedade, que constitui o seu verdadeiro fundamento e razão de ser, assente e veiculada, de forma organizada, nas diversas instituições que compõem a referida economia social: associações, fundações, mutualidades e cooperativas ou, grosso modo, o 3º sector (Nunes, 2001). O modo de distribuição denominado por redistribuição implica instituições dotadas de um poder centralizador que possa operar a recolha dos recursos, o seu controlo e a sua redistribuição acautelando a possibilidade da sua reprodução no futuro. Ao contrário da regulação solidária baseada no princípio da simetria, a redistribuição exige centralidade e hierarquia já presente nos impérios Egípcio e Maia, mas também no feudalismo, nos sistemas de planificação central e ainda nos actuais sistemas de segurança social inerentes aos Estados Providência (Vinha, 2003)), nos quais,

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os direitos de cidadania são financiados através de formas coercivas e universais de recolha, não de bens em espécie, mas de meios financeiros que permitam a correcção de assimetrias e o estabelecimento de um dos mais relevantes dos conflitos/compromissos: - eficiência VS equidade (Mozzicafredo,1997)), a verdadeira essência da natureza das economias mistas (Samuelson, Nordhaus, 2011) ou estados do bem-estar ou dos Estados Providência. Ora, a parte mais substancial da economia social só existe como consequência das políticas sociais financiadas pelos sistemas de segurança social e por outros sistemas de apoio social à educação, à saúde, ao emprego e à formação profissional, também decorrentes da mesma lógica de sistema redistributivo (Pereirinha, 2004).

4.2 Os direitos sociais Ao longo de vários séculos foram-se constituindo os direitos jurídicos e os direitos políticos que nas nossas sociedades são direitos incontornáveis. É a partir dos anos 50 que começam a tomar forma os direitos sociais ou direitos de cidadania a partir da obra de Thomas Stanley Marshall “Citizenship and Social Class de 1951” (Esping-Andersen,1988) e da aplicação das políticas económicas keynesianas de sustentação da procura agregada através da elevação da produtividade e dos níveis de emprego e rendimento. Estes direitos são de 2ª ordem porque dependem da existência de recursos. Não escapam à regra de ferro da economia que estabelece que o somatório dos recursos aplicados tem que ser menor ou igual dos que os recursos existentes a não ser que recorra ao endividamento e caindo na alçada das restrições orçamentais Inter temporais (Burda, 2011). Que o digam os níveis de endividamento dos países mais generosos na concessão destes direitos. A crise económica ameaça e põe em causa os direitos que erradamente se consideram, por vezes, adquiridos. Contudo, constata-se a sua extrema rigidez na sua diminuição o que justifica a dificuldade de cortes na despesa pública.

4.3 A Segurança Social Os princípios base radicam no Report on Social Insurance and Allied Services de 1942, de William Beveridge, que apontava para as preocupações fundamentais do desemprego da doença e da velhice. Numa selecção dos princípios fundamentais do sistema de Segurança Social, apontaríamos os seguintes (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro republicada na Lei nº 13 – A/2013 de 30/12 ): • Princípio da universalidade: consiste no acesso a todas as pessoas à protecção social assegurada pelo sistema, nos termos definidos por lei. Claro que o princípio da universalidade também se aplica a todas as organizações e trabalhadores na perspectiva do seu financiamento, nos termos da lei. • Princípio da igualdade: consiste na não discriminação dos beneficiários, designadamente em razão do sexo e da nacionalidade, sem prejuízo, quanto a esta, de condições de residência e de reciprocidade. • Princípio da coesão Inter geracional: implica um ajustado equilíbrio e equidade geracionais na assunção das responsabilidades do sistema. Aplica-se sobretudo ao sistema de pensões e ao risco de velhice. • Princípio da solidariedade: consiste na responsabilidade colectiva das pessoas entre si na realização das fina-

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lidades do sistema e envolve o concurso do Estado no seu financiamento. É também o princípio básico da economia social – ajudar os outros sem uma contrapartida. • Princípio da equidade social: consiste no tratamento igual de situações iguais e no tratamento diferenciado de situações desiguais. • Princípio da subsidiariedade: assenta no reconhecimento do papel essencial das pessoas, das famílias e de outras instituições não públicas na prossecução dos objectivos da Segurança Social, designadamente no desenvolvimento da acção social. Este princípio pode ser considerado a base da expansão da economia social que cresceu à sombra dos direitos sociais em conjugação com o princípio da complementaridade. • Princípio do primado da responsabilidade pública: consiste no dever do Estado de criar as condições necessárias à efectivação do direito à Segurança Social e de organizar, coordenar e subsidiar (com base nas cotizações e impostos) o sistema de Segurança Social. Este sistema é um sistema público de redistribuição assente na centralização do poder político no Estado. • Princípio da complementaridade: consiste na articulação das várias formas de protecção social públicas, sociais, cooperativas, mutualistas e privadas com o objectivo de melhorar a cobertura das situações abrangidas e promover a partilha das responsabilidades nos diferentes patamares da protecção social. A segurança social em Portugal, ainda de acordo com Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro republicada na Lei nº 13 – A/2013 de 30/12, subdividiu-se em regimes especializados. Ainda segundo a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro republicada na Lei nº 13 – A/2013 de 30/12, o subsistema previdencial visa garantir, assente no princípio da solidariedade, de base profissional, prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho e integra as seguintes eventualidades: doença; maternidade, paternidade e adopção; desemprego; acidentes de trabalho e doenças profissionais; invalidez; velhice e morte. O subsistema de solidariedade encontra-se centrado na erradicação da pobreza e exclusão. O subsistema de acção social orienta-se para a vulnerabilidade económica e social de determinados grupos sociais desfavorecidos. Os objectivos da acção social são: serviços e equipamentos sociais; programas de combate à pobreza, disfunção, marginalização e exclusão sociais; prestações pecuniárias e prestações em espécie. Curiosamente o sistema, no seu todo, designa-se por Sistema de Protecção Social de Cidadania, o que o transforma numa componente do Estado Providência.

5. A Economia Social (ES) Uma grande parte dos riscos e perdas sociais resultantes de falhas do Estado (capacidade redistributiva, de acção social e de criação de emprego) e do mercado (desigualdade e desemprego) são contrariados pela existência da ES. São organizações racionais que se orientam para a consecução de valores sociais. Os recursos económicos são indispensáveis mas subordinados aos referidos valores. Nasceu


da inspiração cristã de apoiar os mais desfavorecidos ou da perspectiva socializante de procura de uma forma alternativa de estar na economia. É constituída pelas cooperativas, fundações, mutualidades, associações, misericórdias e IPSS que intervêm em áreas como a velhice, a educação, a saúde e a acção social directa. Apesar da necessária autonomia consubstanciada em objectivos próprios, são financiadas pelas políticas sociais do Estado segundo o princípio da subsidiariedade, i. e., fazem o que o Estado não faria ou não faria tão bem (Dias, 2005) (Nunes e outros, 2001). A ES adquire maior importância em épocas de crise que chega até ao desemprego e à incapacidade para satisfazer necessidades básicas: alimentação, roupa, rendas de casa, energia, saúde, educação dos filhos…. Serve utentes, e não os clientes, na medida em que satisfaz procuras não necessariamente solventes e não prossegue fins lucrativos. Os seus recursos não são apropriáveis porque pertencem às próprias organizações, ou seja, aos seus utentes. Isto faz com o conceito de sustentabilidade seja o apropriado (não o de viabilidade própria das empresas) e que significa que a organização deve perdurar enquanto os seus serviços forem necessários. Aos recursos devem resultar não de receitas de mercado mas das mais variadas origens possíveis (subsídios, donativos, peditórios ou receitas relacionadas com os utentes) (Namorado e outros, 2014) . Ao contrário do que se poderia pensar os temas da eficiência têm aqui uma particular relevância porque se traduz numa capacidade acrescida de contribuir para o bem comum e de cada um dos utentes e, assim, minimizar riscos e perdas individuais e sociais (Dias, 2005). Uma parte substancial da ES cresceu e desenvolveu-se sob o chapéu das políticas sociais que fazem parte integrante do EP (Mozzicafredo, 1997).

6. O Estado Providência (EP) A Economia Social é um vector importante do EP, sobretudo no domínio da acção social, mas não esgota as suas atribuições e valências. Este preocupa-se, tal como a segurança social ou a ES com os riscos sociais inerentes ao funcionamento da economia e da própria sociedade e à incerteza que eles provocam. Também incluem a dimensão da inclusão social mais recente e configurando um novo direito – o direito de integração que exige mais do que a simples distribuição de recursos (Pereirinha 2004). Por fim, o EP tem uma forte acção redistributiva primária (na fonte) ou secundária através de transferências unilaterais ou em espécie horizontal, ao longo da vida ou entre gerações (Pereirinha, 2004). Estas 3 dimensões também poderiam ser vistas na perspectiva da “desmercadorização”, da coesão social e da libertação do risco (Silva, 1997). O EP ao longo da sua evolução dotou-se de um forte dispositivo de políticas sociais que utilizaram as metodologias das políticas económicas fundadas pela teorias Keynesianas e pela obra de Ian Tinbergen no seu livro de 1951 – Techniques Modernes de la Politique Économique, para além de outros que lhe sucederam. Este dispositivo de intervenção ocorre por três razões principais (Silva, P.A., 1997): as desigualdades provocadas pelo processo de industrialização, o crescimento da burocracia, que vê na aplicação das políticas a fonte do seu estatuto e a

própria necessidade da economia mercado acautelar o seu futuro a longo prazo. Contudo, julgo que não poderemos esquecer, adicionalmente, o contexto de guerra fria e uma base teórica que garantia, a partir das políticas públicas, o pleno emprego e a prosperidade generalizada. Ora com crescimento económico e da produtividade a gestão política e económica da sociedade torna-se mais fácil, o clima de incerteza e conflito diminuem e as políticas sociais tornam-se possíveis na medida em que sempre foram necessárias. Nem toda a Europa seguiu a mesma evolução do EP (Esping, Andersen, 1998). Os países nórdicos construíram EP que procuram o melhor para todos tendo, mesmo na crise actual, salvaguardando os aspectos essenciais após algumas adaptações restritivas. Países como a França, a Áustria, a Alemanha e outros prosseguiram um modelo continental ou conservador assente nos privilégios de grupos com a função pública, as forças armadas e outros que funcionassem como bases de suporte políticos do Estado. Os países anglo-saxónicos construíram EP mais liberais nos quais as necessidades sociais dos ricos são asseguradas pelo mercado restando o sector público para os mais pobres. Nestes países a própria ES recebe a designação de Non Profit Organizations e onde no Sul da Europa se vêm vantagens nestes países encontram-se desvantagens (Weisbrod, B., A., 1988). Discute-se se haverá um modelo de EP do Sul da Europa (Silva, 1997). A existir apresenta características dos outros e algumas especificidades como sejam o elevado nº de pensionistas, a incipiência dos serviços públicos com vocação social originária da escassa margem de manobra financeira e de capacidade organizativa e o peso da ES de inspiração religiosa embora, também como uma componente civil mais anémica. Os EP ou Estados Sociais ou Estados do Bem Estar Social têm grandes dificuldades em desempenhar o seu papel em épocas de desemprego elevado que é o seu maior inimigo. Sem crescimento e com desemprego as transferências avolumam-se, as contribuições e impostos caem e a possibilidade de conduzir políticas anti cíclicas diminui. A forma de tornear este problema foi o recurso a um endividamento muito elevado que, mais tarde ou mais cedo, se pode traduzir ou por dificuldades de financiamento e juros elevados ou em severas políticas de austeridade que desembocam nas situações e riscos que as políticas sociais procuravam evitar – desemprego de muito longa duração e respectiva histerese e todas as suas consequências sociais, pobreza e exclusão.

7. Conclusão Outros riscos ou ameaças poderiam ser referidos como, por exemplo, os acidentes de trabalho, determinados tipos de greves com efeitos críticos no funcionamento normal da economia e da sociedade, a generalidade dos custos de contexto (Tavares, L. V. et alt., 2002), alguns dos quais já referidos. Junte-se só, adicionalmente, a carga e instabilidade fiscais, o nível de qualificações, o funcionamento da Administração Pública, o sistema de justiça, a dificuldade histórica de equilibrar as contas do Estado e o peso do serviço da dívida, talvez o maior garrote, ou risco, que pesa sobre o nosso futuro colectivo.

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Segurança e Demografia TERESA FERREIRA RODRIGUES Professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

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Predomina uma visão pessimista sobre a ligação entre população e segurança e alguma tendência para securitizar alguns dos seus vetores, designadamente o das migrações. Será esta a postura correta? Podem as dinâmicas da população representar uma ameaça à segurança global ou constituir uma mais-valia para essa mesma segurança? Este texto procura destacar as principais questões e incertezas que os ritmos diferenciados de crescimento e características estruturais da população do mundo colocam aos equilíbrios atuais e futuros do sistema internacional: 1. apresentam-se os contornos da relação complexa entre populações e segurança; 2. discute-se a relação entre dinâmicas e carateristicas demográficas e contexto de segurança; 3. debate-se a forma como os diferentes atores tentam gerir as assimetrias que caracterizam esse binómio numa ótica prospetiva.

Populações e segurança: fatores de contexto1 Os estudos demográficos devem ser olhados como uma área de interesse fundamental dos estudos de segurança e como um instrumento de apoio à decisão política. Informações em matéria de volumes de população, características etárias, equilíbrios de género e distribuição geográfica permitem detetar e prevenir fatores de risco de (in)segurança, mas exigem também o conhecimento da conjuntura especifica a que se reportam. Sabemos qual será, como será, onde estará e quais as características da população mundial hoje e nas próximas décadas. Mas quando passamos à análise de tipo regional ou local (aquela em que é correto situar qualquer reflexão sobre esta matéria) é impossível garantir o modo como as alterações esperadas poderão representar uma mais-valia ou um constrangimento em termos de segurança. De que populações falamos, que ameaças, o que é a segurança global, de que modo e em que moldes estes vetores interagem e se podem relacionar? Poderá o vetor demográ1

Este texto reproduz em parte o capítulo 12 da obra Ameaças e Riscos Transnacionais no novo Mundo Global (coord. J. Vieira BORGES e Teresa RODRIGUES). Lisboa, Esfera dos Livros

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fico representar um fator de instabilidade e tornar-se uma ameaça? Para quem e sempre, ou apenas em determinado contexto, uma vez reunido um conjunto de características demográficas e não demográficas? Será correta a tendência de acentuar os fatores potencialmente negativos impostos pelas assimetrias e características diversas das dinâmicas populacionais, esquecendo as janelas de oportunidade que essas mesmas dinâmicas podem constituir quando nos reportamos a casos concretos? Com o fim da Guerra Fria despontam novas ameaças à segurança global e reforça-se a ideia de que a população pode criar situações de insegurança, sobretudo em contextos marcados por sustentabilidade reduzida, acentuadas disparidades económicas, migrações irregulares, tensões sociais ou étnicas, sistemas políticos frágeis2. Enquanto nas regiões com maiores níveis de desenvolvimento humano a principal preocupação reside no impacto negativo do envelhecimento das estruturas etárias, nos restantes as preocupações principais são a pandemia de HIV/SIDA e o ritmo de aumento demográfico3. Este último aumenta a pressão sobre os recursos disponíveis num contexto de alterações climáticas (de que é causa e consequência) e pode, em situações extremas, criar tensões e conflitos dentro e fora das fronteiras políticas, com vista a garantir o acesso a recursos vitais (água, alimentos, energia)4. No interface com a segurança, a população deve ser vista como um modelo em constante mutação, onde cada variáGOLDSTONE, J.A. - Demography and Security: Security Implications of Global Population Changes, 2007-2050. Research Paper No 2009-07. George Mason University. [Consultado em: 20 junho 2012]. Disponível em: http://papers.ssrn. com./sol3/papers.cmf?abstract_id=1449145pp.3-4 3 UN – World Economic and Social Survey 2009. Promoting Development, Saving the Planet. DESA, 2009 [Consultado em: 20 setembro 2013]. Disponível em: http://www.un.org/en/development/desa/policy/wess/wess_archive/2009wess. pdf 4 SCIUBBA, J. - The Future Faces of War. Population and National Security, Oxford: Praeger, 2011 2


vel (fecundidade, mortalidade e migrações) são causa e consequência das condições políticas, económicas, culturais e identitárias vigentes em determinado contexto. A sua dinâmica permite compreender o potencial inerente a um Estado ou região, representa um recurso de poder e de segurança e atua como um indicador e potencial multiplicador. As disparidades de crescimento populacional num contexto de desigualdades económicas e diferenças culturais agravam a instabilidade económica e financeira e potenciam riscos e ameaças, de que os fluxos migratórios não controlados, o crime organizado, o tráfico de seres humanos ou o terrorismo são exemplo5. Por seu turno, as características das estruturas etárias aumentam ou reduzem a probabilidade de conflito, a instabilidade social, o dinamismo económico e condicionam a vontade de afirmação de um Estado, povo ou etnia, as tentativas de expansionismo, o conflito étnico, o radicalismo, terrorismo, fundamentalismo religioso, degradação ambiental. A população mundial quadruplicou durante o século XX, passando de 1,6 a 6,1 mil milhões e em 2016 atingiram-se os 7,4 mil milhões6. Pese embora a prevista redução do ritmo de crescimento, estima-se até 2030 um aumento de um milhar de milhões, mais de 70% dos quais serão asiáticos e africanos7. As atuais percentagens de jovens, adultos e idosos de cada região de cada população determinam futuros desiguais e a descida dos níveis de fecundidade nas regiões onde ainda são elevados será o fator determinante na redução prevista dos ritmos de crescimento médio mundial. Neste mundo em constante mutação o conhecimento do vetor demográfico importa para uma análise efetiva das ameaças. Cumpre avaliar as implicações em termos de segurança que decorrem 1) do volume de população, da estrutura etária, distribuição geográfica, composição étnica; e 2) das alterações na relação entre os fatores identificados em 1), designadamente em termos de saldos migratórios, ritmos de crescimento e mudanças na estrutura etária e na composição e equilíbrio entre sexos. O modelo de transição demográfica8 (Figura 1) pode ser a chave para compreender as questões de segurança demográfica e parece também ele um dado adquirido em termos de progressão. A confirmar-se a inevitabilidade desta teoria9 trata-se de saber gerir a passagem gradual de todas as sociedades de um ciclo de vida curto e instável, com muitos jovens e poucos idosos (fase 1), para um ciclo de vida longo e estável, com poucos jovens e cada vez mais idosos (fase 4). Em 2004 Cincotta et al. comparou dados da UNDP e da Uppsala Conflict Data Project e avançou com o conceito de “soft landing”, que utilizou para avaliar probabilidades diferenciais em termos de conflitualidade. O autor considera que a recorrência dos conflitos decresce a par da descida dos níveis de fecundidade e da transição para uma econoRODRIGUES, T. - «Population dynamics. Demography matters» In Globalization and Internation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 38-41 6 PRB - World Population Data sheet, 2016 [Consultado em: 17 janeiro 2016]. Disponível em: http://www.prb.org/Publications/Datasheets/2016/2016-word-population-data-sheet.aspx 7 MÜNZ, R. - «Demography and Migration: An Outlook for the 21st Century». MPI Policy Brief, Nº 4, September, 2013.3 8 O Modelo de Transição Demográfica é uma teoria explicativa da dinâmica populacional e divide-se em quatro ou cinco fases, consoante os autores, correspondendo as fases 2 e 3 aos momentos de maior crescimento (HENRIQUES, F., RODRIGUES, T. - «O século XX: a transição». In A População Portuguesa. Das longas permanências à conquista da modernidade. Porto: Afrontamento, 2009. 417 – 567). 9 CINCOTTA, R., ENGELMAN R., ANASTASION, D. - The Security Demographic: Population and Civil Conflict after the Cold War, 2003 5

mia de mercado (veja-se a Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia, Singapura e Malásia). Assim, os países que hoje se encontram nas fases 2 e 3 (como o Iraque, o Paquistão e a Nigéria) têm maior probabilidade de conflito interno, mas poderão ver este risco reduzir-se quando avançarem no processo de transição demográfica10. Figura 1

As fases do modelo de transição demográfica

Fonte: Roser, M., Ortiz-Ospina, E. – ‘World Population Growth’. [Consultado em: 15 janeiro 2017]. Disponível em: https://ourworldindata.org/world-population-growth/

Já a Europa, que se encontra em transição para a fase 5, tem dado mostras de preocupação com as implicações de segurança decorrentes do generalizado envelhecimento das estruturas etárias e do aumento da percentagem de população residente não europeia. Simultaneamente, as Nações Unidas têm tentado combater as causas das migrações forçadas pela escassez alimentar e a pobreza, que parecem aumentar as probabilidades de conflito11. Assim, as assimetrias de crescimento populacional e a globalização do envelhecimento e das migrações constituem os três grandes pontos de incerteza fundamental no link demografia e segurança. Todos decorrem do processo de evolução da transição demográfica e são eles os três fatores de contexto em termos do sistema de segurança global.

As leis da geopolítica demográfica As dinâmicas demográficas são aceleradores de mudança, o que não significa que devam ser consideradas ameaças12. À medida que as sociedades passam de uma para outra fase de transição demográfica, a demografia pode ser usada como uma ferramenta que permite monitorizar as transformações sociais e ajuda a antecipar modelos económicos, políticos e de segurança. Mas não devemos perder de vista que a população não é um vetor determinante para a mudança social ou política, nem mesmo quando o afluxo de refugiados e de migrantes ilegais alteram as caracteristicas de partida do país de acolhimento e as suas perspectivas de prosperidade e paz.

CINCOTTA, R. – The Next Steps for Environment, Population and Security. Demographic Security Comes of Age, ECSP Report, Issue 10, 2004: 1 11 UN-Habitat – The Challenge of Slums: Global Report on Human Setlements 2003 [Consultado em: 20 maio 2015]. Disponível em: http://www.unhabitat.org/ pmss/listItemDetails.aspx?publicationID=1156 12 Passamos de um acelerador de mudança à ameaça (capacidade x intenção) quando ocorrem choques demográficos (ameaças difusas), de que são exemplo os episódios de criminalidade transnacional organizada, a proliferação de armas de destruição massiva, a pirataria ou as ciberameaças. 10

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Figura 2

Jogo de Espelhos. As leis da geopolítica demográfica

FONTE: Rodrigues, T., “Choques Demográficos”. Ameaças e Riscos Transnacionais no novo Mundo Global. Lisboa: Esfera dos Livros, pp.255-282

Em 2010 o Atlas des Populations13 elencava nove leis da geopolítica demográfica que resumem os vetores decisivos na determinação do potencial papel e peso dos universos políticos: cinco são macrodemográficas, com relevância em termos de hard power (volume, composição étnica, estrutura etária e por sexos); as restantes importam em termos microdemográficos e de soft power (migrações, cultura e identidade, comunidades e diásporas). A estes fatores cumpre acrescentar outras esferas de contexto, como o ambiente natural (localização, topografia, clima, riquezas naturais), o sistema económico (estatuto no sistema económico global, liderança ou dependência), o sistema político (democracia ou ditadura, estabilidade ou vulnerabilidade) (Figura 2). A relação ambígua e polivalente entre as duas partes da equação demografia-segurança pode ganhar objetividade se a olharmos em prismas distintos, embora não estanques: 1. de dentro para dentro: o modo como as dinâmicas e características de composição etária, por sexos e origem étnica influenciam a identidade, coesão e estabilidade interna de uma sociedade (ex. desequilíbrio entre sexos, assimetrias de crescimento entre grupos religiosos ou étnicos, várias línguas oficiais…); 2. de fora para dentro: o modo como uma sociedade é influenciada na sua composição, características e perceções de segurança pelo contexto exógeno, porque não existem universos populacionais fechados (ex. migrações e/ou refugiados, dificuldade na criação de uma sociedade em mosaico, escassez de recursos); 13

DURAND, A. - Atlas des Populations, Diplomatie, nº44 mai-juin 2010

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3. de dentro para fora: o modo como as dinâmicas e características de composição etária, por sexos e origem da sociedade determinam o poder de influência de dada sociedade (hard e soft power) no sistema internacional (ex: declínio dos p. ocidentais causado pela redução do potencial humano; o centro do mundo multipolar desliza para os BRICS; os países da fase 3 tornam-se polos hegemónicos regionais e serão no futuro lideres (Indonésia, Nigéria, Turquia, Vetname). As duas primeiras determinam as probalidades de estabilidade ou conflito, na dupla asserção de paz e coesão dentro das fronteiras políticas (não necessariamente estatais. A última remete para os (re)equilíbrios do sistema internacional suscitados pelo modo como cada universo populacional consegue gerir e ser reconhecido ”fora de portas” nos forae internacionais. Vejamos.

De dentro para dentro, de fora para dentro. Estabilidade ou conflito - As teorizações clássicas sobre o poder do Estado convergem ao considerarem o fator populacional como elemento central da imagem interna e externa da sua força relativa. A demografia influencia três dos seus objetivos principais: 1) a projeção do poder no sistema internacional anárquico; 2) a proteção da soberania e dos interesses nacionais; e 3) a garantia de acesso da população aos recursos disponíveis. Da capacidade de gerar o equilíbrio demográfico e de preservar a coesão nacional depende, em larga medida, o sucesso na redução das vulnerabilidades naturais e a implementação de uma estratégia sustentável de segurança e de defesa.


No passado a população constituía um elemento para aferir o poder de um Estado ou região. A questão era pouco complexa, já que todas as sociedades cresciam moderadamente, apresentavam uma estrutura etária idêntica (muitas crianças, poucos idosos) e a produção económica tinha como unidade predominante o agregado familiar e a agricultura. Hoje a questão deixou de poder ser vista assim e nas sociedades atuais e do futuro são sobretudo as características dos recursos humanos (em termos de sexo, idade, competências e educação) que determinam a importância que assume a demografia no quadro de segurança. O volume e características da população podem ser entendidos como elementos de soft e hard power e podem desencadear riscos reais e/ou percecionados de insegurança14. É certo que existe uma vantagem de partida para as grandes populações, já que um país pequeno, mesmo que muito desenvolvido, terá maior dificuldade em se impor no sistema internacional. Mas a avaliação das ameaças globais e os exercícios de cenarização não devem esquecer as implicações de segurança que decorrem das características e tendências de vetores tão distintos como a repartição da população por idades, o crescimento desigual de grupos étnicos e sociais, o nível de densidade dos bairros clandestinos, a pobreza rural e urbana. Um estudo efetuado em 201315 valida a importância da demografia como preditor de bem-estar e de estabilidade das sociedades com base na evolução do peso relativo de jovens e idosos em quatro grupos de países, relacionando-as com a sucessão de conjunturas politicas. O exercício permitiu identificar oito aspetos de indole demográfica que parecem associados com instabilidade política ou conflito: proporções elevadas de jovens em idade ativa (15-29 anos); acentuado crescimento urbano; carência de solo e/ou água; níveis elevados de mortalidade na população ativa; assimetrias de crescimento entre grupos étnicos e religiosos; migrações, envelhecimento e redução de efetivos; mais homens que mulheres na população. Porém, todos estes aspetos podem gerar oportunidades. Alguns exemplos: quando os empregos são escassos, a existência de muitos adultos jovens pode fomentar o descontentamento e a tensão social e politica. Cientes deste facto, os responsáveis politicos respondem de formas tradicionais, esquecendo que a criação de emprego direcionado para as necessidades específicas da região poderia originar o aumento das receitas de imposto sobre o trabalho. O mesmo pressuposto liga o aumento dos bairros clandestinos à subida dos níveis de criminalidade urbana, esquecendo que algum investimento em infraestruturas bastaria para mitigar ou resolver o problema. Já em 2004 Cincotta16 concluira que os países mais jovens apresentavam mais episódios de guerra civil e de mobilização e recrutamento para organizações extremistas, as quais 14

SOFFER, A. (2008) The Connection between Demography and National and International Security – The Case of the EU. National Security and the Future 1-2 (9). Disponível em: http://www.nsf-journal.hr/issues/v9_n1_2/pdf/003%20

oferecem uma identidade que os jovens não encontram na sociedade. Quase todos os países a viverem conflitos intensos possuem populações muito jovens (como o Iraque, Afeganistão, Sudão, a Siria), mas muitos daqueles que no passado experimentaram este tipo de situação evoluíram de seguida para outras configurações etárias e são hoje estáveis (Vietname, por exemplo). Este facto traz alguma esperança sobre a evolução da conflitualidade de dentro para dentro. Acresce a esta imagem os imputs migratórios e o modo como a crescente permeabilidade das sociedades contemporâneas altera o perfil étnico e religioso das sociedades atuais. A construção de uma identidade em mosaico nem sempre é fácil e envolve alguma tensão acrescida de fora para dentro (migrantes, refugiados). O enriquecimento económico, humano e cultural que a globalização das migrações permite nem sempre é fácil para quem chega e para quem vê chegar17. Também não devemos cair no erro de securitizar a questão dos refugiados, porque, e tal como sucede com a esmagadora maioria dos imigrantes, o seu objetivo prioritário é o de sobreviver sem deportação. A presença de refugiados em determinado país não cria riscos de segurança elevados (vejam-se os libaneses na Jordânia ou na Siria) e o maior desafio coloca-se nos moldes em que são recebidos nos países de acolhimento18.

De dentro para fora. Os (re)equilíbrios do sistema internacional - Nas últimas décadas a agenda de segurança alargou-se, passando a incluir para os Estados e as organizações internacionais novos dilemas não-tradicionais e transnacionais, em parte decorrentes do processo de globalização. Paradoxalmente, embora esta última seja olhada como um fator impulsionador para o aparecimento ou intensificação de novos problemas, a investigação académica pouco tem examinado a relação entre a nova agenda de segurança e a economia política. No mundo atual o desafio colocado pelas ameaças de conflito está a ser profundamente transformado. O novo conceito de segurança acentua a importância da modernização socioeconómica como garantia potenciadora de segurança individual e coletiva e procura fomentar o papel da diplomacia internacional e reduzir a intervenção externa, evitando formas tradicionais de conflito entre Estados. Conceitos como os de governança global e de manutenção da paz adquirem um destaque merecido no sistema internacional, mesmo quando os seus resultados em termos de quotidiano das populações sejam pouco evidentes. Segurança externa e segurança interna tornam-se duas faces da mesma moeda, pelo que os responsáveis políticos tendem

Soffer.pdf

POPULATION ACTION INTERNATIONAL - The Shape of Things to Come. Why Population Matters to Security [Consultado em: 27 de janeiro de 2014]. Disponível em: http:// www.globalaging.org/health/world/2007/Shape.pdf. A pesquisa divide os países em quatro categorias: muito jovens (mais 67% da população com menos de 30 anos e tempo de duplicação em anos menor de 35); jovens (60-67% da população com menos de 30 anos, 35-50 anos de tempo de duplicação), em transição (45-60% abaixo dos 30 anos, 50-125 anos de tempo de duplicação) e maduro (30-45% abaixo dos 30, mais de 125 anos de tempo de duplicação). 16 CINCOTTA, R. – The Next Steps for Environment, Population and Security. Demographic Security Comes of Age, ECSP Report, Issue 10, 2004: 1. 15

REQUENA, Miguel, «International Migrations, Security and Identity» In Globalization and Internation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 51-76 18 Os exemplos conhecidos de formação de grupos armados com base em população refugiada tiveram apoio externo, como sucedeu nos anos 90 quando o Paquistão apoiou os afegãos refugiados e viabilizou o aparecimento dos talibãs. (CARRION, D. - Are Syrian refugees a security threat? Reuters, Opinions [Consultado em: 27 de setembro de 2015]. Disponível em: http://blogs.reuters. com/great-debate/2015/09/15/are-syrian-refugees-a-security-threat-to-the-middle-east/) 17

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a privilegiar a prevenção, recorrendo a modelos mais ou menos musculados. O NIC19 dá como certo o declínio dos países ocidentais, em larga medida causado pela redução do potencial humano. Até 2030 prevê a consolidação do Mundo multipolar, baseado no pilar económico, cujo centro vital desliza dos países tradicionais para os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que entram em concorrência direta com os antigos estados dominantes (Japão, Alemanha, França e Reino Unido). Na segunda linha aparecem várias potências intermédias com demografias em alta e fortes taxas de crescimento económico, chamadas a tornarem-se também pólos hegemónicos regionais com influência mundial (Colômbia, Indonésia, Nigéria, Etiópia, Turquia, Vietname). As assimetrias intra e inter-regionais agudizar-se-ão, caso não exista uma restruturação ao nível da segurança internacional e da governança mundial. As disparidades de desenvolvimento entre países e regiões, associadas aos diferenciais demográficos impulsionam a mobilidade humana. Se esta for potenciada e bem gerida poderá ajudar a resolver alguns dos dilemas demográficos que algumas regiões já enfrentam: na Europa temos uma população envelhecida e escassez de mão-de-obra, enquanto no mundo em desenvolvimento temos uma população muito jovem, incapacidade de absorção do mercado de trabalho de potenciais trabalhadores e falta de oportunidades laborais. As migrações (emigração, imigração e migrações internas) são as variáveis chave no futuro das dinâmicas demográficas, embora sejam as de maior incerteza20. Compreender os impactos políticos de fatores demográficos torna-se incontornável, porque sabemos que as mudanças serão significativas nas próximas décadas21. As disparidades de crescimento demográfico terão consequências políticas entre: (a) Estados-nação (o declínio Rússia face ao Paquistão); (b) grupos etários (a crescente proporção de jovens face aos idosos no Afeganistão); (c) relação entre residentes rurais e urbanos (urbanização no Médio Oriente); e (d) grupos étnicos ou religiosos intra Estados (hindus e muçulmanos na Índia, evangélicos e seculares nos EUA). Cada tipo de diferença está associada a desafios políticos distintos: alterações regionais no volume e estrutura populacional afetam o equilíbrio de poder central; a variação dos ratios entre grupos de idade e sexo influenciam o ritmo de crescimento económico, o desemprego, a instabilidade social; o processo de urbanização incentiva a mobilidade associada a insegurança; os diferenciais de crescimento entre grupos etno-religiosos podem potenciar episódios de violência étnica, religiosa e nacionalista, crises de identidade e desafiar a unidade dos Estados mais frágeis.

Desafios demográficos à segurança: o mundo amanhã As questões populacionais constam cada vez mais na agenda política e pela sua diversidade e originalidade exigem a ligação entre académicos e decisores. A população representa um vetor estratégico no âmbito da segurança e defesa e a Demografia, ciência social atenta às alterações do volume, da composição e da distribuição espacial da população, assume uma posição relevante para a equação do poder no quadro do sistema internacional. Demografia e política interinfluenciam-se, o que torna necessário refletir sobre o modo como os politicos percebem as questões demográficas e como as integram nas políticas nacionais. As questões demográficas não podem ser ignoradas no gizar de políticas e decisões no quadro da segurança e defesa, porque as suas variáveis permitem conhecer e estimar num futuro próximo totais e modo de distribuição dos efetivos por sexo e idade, determinando deste modo volumes de população ativa e idosa, número de eleitores, de militares, de imigrantes potenciais. Os efetivos humanos podem ser um vetor de oportunidade e estabilidade ou um risco, para si mesmos e para outros povos e sociedades. As populações nas suas diferentes vertentes (fecundidade, saldos migratórios, morbilidade e mortalidade, volume, estrutura etária, e posição em termos do modelo de transição demográfica) são um aspeto vital na formação do processo político, embora o seu impacto possa ser imediato ou remoto. A população pode ser uma janela de oportunidade ou um fator destabilizador e é necessário ter sempre em vista o impacto das suas dinâmicas e carateristicas, embora estas não desencadeiem de per si conflitualidade aberta22. As tendências demográficas influenciam a segurança humana, a estabilidade política e as hipóteses de desenvolvimento. Mais do que reconhecer a importância que pode ser atribuída aos volumes da população, importa monitorizar o modo e as direções geográficas da sua dinâmica. A relativa inércia e previsibilidade de tendências de evolução dos volumes demográficos permite adiantar cenários prospetivos com razoável grau de certeza, embora menor no caso das migrações23. Nenhuma parte do Mundo está imune aos efeitos das das alterações demográficas que terão lugar nas próximas décadas. Trata-se de gerir, sem colocar em risco a segurança global, o envelhecimento sem precedentes das populações nos países ricos e de enfrentar o ainda rápido crescimento e juventude das populações nos restantes. Além disso, todos, independentemente do seu grau de desenvolvimento, serão obrigados a lidar com o volume crescente das migrações internacionais, sejam de caracter económico ou motivadas por crises ambientais locais, instabilidade ou conflito (Figura 2)24.

GLOBAL STRATEGIC TRENDS - Out to 2040, Strategic Trends Programme, 4ªed. SWINDON: Ministry of Defence [Consultado em: 23 abril 2015] Disponível em: https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachmentdata/ file/33717/GST4_v9_Feb10.pdf 23 RODRIGUES, T.F. - «O Futuro (in)Certo das Dinâmicas Demográficas em Portugal». In Contributos para Um Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Atena, nº28. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2012. 210-1 24 GOLDSTONE, J. - «Political Demography». E-International Relations [Consultado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: https://www.e-ir.info/author/christian-leuprecht-and-jack-a-goldstone/ 22

NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL - Global Trends 2030. Alternative Worlds [Consultado em: 5 dezembro de 2013]. Disponível em: www.dni.gov/nic/ globaltrends 20 RODRIGUES, T.F. - «O Futuro (in)Certo das Dinâmicas Demográficas em Portugal». In Contributos para Um Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Atena, nº28. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2012. 211 21 GOLDSTONE, J. Political Demography: How Population Changes are Reshaping International Security and National Politics , Nova Iorque: Oxford University Press, 2011 19

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Figura 2

Vetores de índole demográfica a considerar na ligação população-segurança

Um mundo a duas velocidades

Nas regiões menos desenvolvidas os fatores de inércia demográfica provocam o aumento rápido da população, o que só é uma oportunidade a) se for acompanhado de estabilidade interna e b) caso exista capacidade endógena do Estado envolvido para rentabilizar a vantagem do número de efetivos. Nas sociedades com melhores indicadores de desenvolvimento humano o acentuado envelhecimento das estruturas etárias fá-las perder capacidade militar e força humana (hard power). Só a aposta em alianças e investimento tecnológico poderá suprir a desvantagem do número.

A globalização das migrações

Todas as regiões se tornam emissoras e recetoras de migrantes. Aumenta a percentagem de estrangeiros nas sociedades e também a variedade de nacionalidades, perfis e expectativas dos migrantes. Confrontamo-nos com migrações mais sensíveis e rápidas na sua reação a conjunturas económicas, políticas e ambientais, que geram transformações de identidade, de equilibrios de poder interno e regional e podem provocar conflitos e insegurança.

Urbanização e migrações internas assimétricas

As direções privilegiadas pelos fluxos migratórios podem reduzir a qualidade de vida em locais muito procurados e aumentar a probabilidade da ocorrência e intensidade de desastres humanitários. A pobreza está a tornar-se cada vez mais urbana. Nas cidades residem as populações mais vulneráveis e são maiores as desigualdades sociais. A escala e complexidade das comunidades urbanas exige soluções específicas para o seu desenvolvimento e segurança25. O crescimento urbano desordenado em locais de tensão social e exclusão económica aumenta o risco de episódios de violência. O anonimato é facilitado nos bairros de construção clandestina, tornando-os safe havens para ações subversivas e terrorismo.

Envelhecimento e/ ou juventude

Trata-se em alguns casos de saber o que fazer a tantos jovens e noutros que fazer com tão poucos26. A alteração da estrutura etária influencia a capacidade económica, militar e de governança. A juventude etária tende a acentuar a reivindicação social contra o poder instituído. A descida da idade média da população pode retardar o aparecimento da democracia e dificultar a estabilidade de sistemas democráticos27. Nas sociedades com muitos idosos o isolamento e vulnerabilidade fazem aumentar as situações de insegurança, real ou percecionada.

Fonte: RODRIGUES, T. - «Population dynamics. Demography matters» In Globalization and Internation Security. An overview, NOVA Publishers, Nova Iorque, 2014. 38-41

No entanto, a interligação entre demografia e segurança exige um processo contínuo de ajustamento, porque falamos de realidades dinâmicas. Dai o interesse que pode resultar da monitorização do modelo de transição demográfica. O futuro implica o redesenhar da sociedade global, garantindo a gestão sustentável entre comunidades mais envelhecidas, complexas e distintas, fluxos migratórios fáceis, rápidos e com novos perfis, necessidades em termos de progresso económico a escalas local, nacional e global e direitos e garantias. O novo conceito de segurança humana assente na dignidade do indivíduo implica uma preocupação com o nosso espaço e com o que nos rodeia. A segurança resulta sobretudo de atitudes e comportamentos proativos e preventivos. Nesta época de profundas mudanças o papel geopolítico que o vetor demográfico pode assumir revela-se incontornável28. As implicações futuras de segurança que decorBLAIR A.R. - The Challenges of the 21st Century City, Washington, DC The Wilson Center, Policy Brief, December, [Consultado em: 23 setembro 2015]. Disponível em: http://www.newsecuritybeat.org/2012/12/challenges-21st-century-city/#. UuYsTxCp3IU 26  POPULATION ACTION INTERNATIONAL, (2013) “Healthy Families, Healthy Planet Why Population Matters to Security” [Consultado em: 27 de janeiro de 2014]. Disponível em: http://populationaction.org/topics/security-and-governance/#sthash.iJJ7zoUp.dpuf 27  URDAL, H. - «Youth Bulges and Violence» In Political Demography: How Population Changes are Reshaping International Security and National Politics, New York: Oxford University Press, 2011 28 De que são exemplo as opções em matéria de fiscalidade, os padrões de voto, as tensões e conflitos étnicos e religiosos. (DIAMOND, J. - Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human Societies, New York: Oxford University Press, 2005; GOLDSTONE, J. - «Political Demography». E-International Relations [Consultado em: 20 setembro 2015]. Disponível em: http://www.e-ir.info/author/christian-leuprecht-and-jack-a-goldstone/) 25

rem das tendências demográficas vão depender da capacidade política (especialmente das instituições, governos e um conjunto crescente de atores) para gerir a mudança sem sucumbir à tentação de securitizar o vetor demográfico. A relação entre dinâmica demográfica e segurança não é unívoca e um mesmo comportamento demográfico pode ter impactos diferentes, consoante o tempo, a realidade social e o contexto político a que se reporta. A população pode criar insegurança, mas também as respostas e os volumes populacionais são insuficientes em si mesmos para fomentarem tensões sociais, mudanças políticas, disrupção económica ou conflitos. Tal sucede em grande parte porque as ameaças assumem formas difusas, surgem como resposta a alterações de vário tipo, nomeadamente ambientais, e implicam mobilidade e deslocação de populações, podendo mudar em semanas a composição humana de uma região. As dinâmicas populacionais devem ser lidas como um indicador, um recurso e um multiplicador. “Demography must be considered a major driver of politics alongside classic materialist, idealist, and institutional perspectives. Just as no credible political scientist can afford to ignore the role of economic incentives, institutions, or culture, […] political scientists cannot afford to ignore demography in seeking to understand patterns of political identities, conflict, and change”29.

KAUFMANN, E., TOFT, M. - «Introduction» In Political Demography: How Population Changes are Reshaping International Security and National Politics. New York: Oxford University Press, 2011. 3

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_Notícias Apresentação do Livro “Contextos de Segurança Análises e Perspectivas” Teve lugar, no passado dia 15 de Março, no Grémio Literário, em Lisboa, a apresentação do livro “Contextos de Segurança - Análises e Prespectivas”, com coordenação de António Rebelo de Sousa (Presidente do Conselho Consultivo do OSCOT - Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo). A obra inclui textos de Alice Feiteira, André Inácio, António Rebelo de Sousa, Helena Rego, João Alvelos, Jorge Rio Cardoso, José Manuel Anes, Mário Caldeira Dias e Teresa Ferreira Rodrigues. Foram oradores da sessão, António Pinto Marques, presidente do Grémio Literário, Jorge Bacelar Gouveia, catedrático da Universidade Nova de Lisboa, António Rebelo de Sousa e António Nunes, presidente do Conselho Directivo do OSCOT.

António Nunes e António Rebelo de Sousa

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Jorge Bacelar Gouveia


António Rebelo de Sousa, Jorge Bacelar Gouveia e António Nunes

António Nunes, António Rebelo de Sousa e António Pinto Marques

António Pinto Marques, Jorge Bacelar Gouveia, António Nunes e António Rebelo de Sousa

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Conferência “Drones e a Sociedade – Conceitos Teóricos e Práticos” A Associação Académica da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias organizou, a 22 de Março, a Conferência “Drones e Sociedade – Conceitos Teóricos e Práticos”. O evento destinou-se a congregar representantes do mundo académico, da sociedade civil, do universo empresarial e das forças de segurança na análise deste tema que, cada vez mais se encontra presente e que suscita interesse mediático e institucional.

Comandante Richard Marques - Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Portimão

Painel de oradores convidados

Dr. José Ilaco - Zénite Portugal

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias - Lisboa

Prof. Dr. Gabriel Rucha Pereira - OSCOT

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Dr. Albano Coutinho - NAV Portugal


Eng.º Filipe Duarte - I-SKYEX UAV Solutions

Prof. Dr. Manuel Damásio - Administrador da ULHT

Comandante Richard Marques - Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Portimão

Painel de oradores convidados

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias - Lisboa

Prof. Dr. André Magrinho - Licenciatura em Gestão Aeronáutica da ULHT

Painel de oradores convidados

Major Bruno Fernandes - GNR

n.º 35 ::: abril | junho 2017

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Seguranรงa & Defesa


CONTEXTOS DE SEGURANÇA ANÁLISES E PERSPECTIVAS

Coordenação António Rebelo de Sousa Autores Alice Feiteira André Inácio António Rebelo de Sousa Helena Rego João Álveolos Jorge Rio Cardoso José Manuel Anes Mário Caldeira Dias Teresa Ferreira Rodrigues



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