XI Mostra de Poesia - Orides Fontela 2011

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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Xv – MOSTRA DE POESIA A poesia brasileira contemporânea

ORIDES FONTELA

Kant relido Duas coisas admiro: a dura lei cobrindo-me e o estrelado céu dentro de mim.

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DIREÇÃO GERAL: MANOEL SERQUEIRA DIRETORA PEDAGÓGICA: PROFª VERALÚCIA SERQUEIRA (SEDE) DIRETORA PEDAGÓGICA: PROFª LORENA SERQUEIRA (UNIDADE I) COORDENAÇÃO DO PROJETO: PROFª MARIA OLIVEIRA DE ABREU EQUIPE PEDAGÓGICA: CRISTIANE SALES TELLES ANTÔNIO ROCKLANE S. REBELO ALCEMIRA PEREIRA MAIA MARIA OLIVEIRA DE ABREU EQUIPE DE LÍNGUA PORTUGUESA, ARTE E LITERATURA PROFª.ALCIONE ALVES DE OLIVEIRA PROFª NEIDE F. FREITAS PROFª MARLU CORTEZ DANTAS PROF. VICTOR HUGO A. AGUILAR PROFª.CRISTIANE BALIEIRO PARTE MUSICAL: JOZUER BRANDÃO

ARTES GRÁFICA: FELIPE THIAGO

FEVEREIRO DE 2011

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A poesia brasileira contemporânea A enigmática obra de Orides fontela

“Leio minha mão livro único” IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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COROS Coros pungentes cores do crepúsculo ser perdido em vozesfragmentos arestas violação de um só silêncio lúcido IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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APRESENTAÇÃO O desenvolvimento do senso moral, crítico e estético é de enorme importância para a formação integral e sólida do indivíduo, enquanto pessoa e ser social. Essa preocupação norteia a proposta pedagógica do IDR, ao longo de 15 anos de trabalho educativo na comunidade manauara. Crianças e jovens têm acesso a diversos recursos metodológicos que lhes proporcionam uma aprendizagem integral e sólida, capaz de promover a inserção no mundo contemporâneo de forma equilibrada e não unilateral com preocupação apenas relacionada a conhecimentos técnicos e científicos. A leitura deve ser uma prática constante e muito diversificada, a fim de que o universo cultural seja ampliado de forma gradativa e prazerosa. A poesia, por suas diversas e diferentes características, é uma alternativa extremamente interessante como recurso pedagógico, pois o contato intenso com os textos poéticos possibilita a expansão da sensibilidade, da perspicácia, da reflexão e do imaginário “a poesia é uma arte que pode ser trabalhada a partir de qualquer idade, em todas as séries do ensino básico. “toda idade é idade de poesia”, assegura hélder pinheiro, que é mestre e doutor em literatura brasileira pela universidade de são paulo (usp) e pós-doutor pela universidade federal de minas gerais (ufmg). O projeto de 2011 focaliza a poeta orides fontela, tendo como objetivo propiciar aos estudantes uma aproximação com essa escritora que, apesar de ter tido uma difícil e conturbada trajetória de vida, deixou-nos um rico legado poético. Merece ser relembrada, lida e compreendida, pois orides, segundo o crítico antônio cândido “ ... Produz uma poesia diáfana,mas densa, alada e cheia de peso, onde um vocábulo como pássaro pode assumir significados da mais poderosa vitalidade, onde a pureza incontaminada do espelho pode virar signo de drama e tormento.” Ao mesmo tempo, muitos outros poetas brasileiros contemporâneos serão lidos, apreciados e seus textos poderão servir de inspiração aos nossos estudantes.Professora Maria Oliveira de Abreu

Coordenadora Pedagógica Maria de Abreu

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SUMÁRIO ORIDES FONTELA: COMENTARIOS E POEMAS .............................................................................................................. 8 POETAS COMTEMPORÂNIO ............................................................................................................................................. 12 ASTRID CABRAL ................................................................................................................................................................. 13 ADÉLIA PRADO ................................................................................................................................................................... 15 FERREIRA GULLAR ............................................................................................................................................................ 17 IVAN JUNQUEIRA ............................................................................................................................................................... 19 LEONTINO FILHO ................................................................................................................................................................ 20 MANOEL DE BARROS ...................................................................................................................................................... 21 RÉGIS BONVICINO .............................................................................................................................................................. 23 ROSEANA MURRAY . ........................................................................................................................................................ 25 MARIA ESTHER MACIEL ................................................................................................................................................... 27 HILDA HILST ........................................................................................................................................................................ 29 AFFONSO ROMANO ............................................................................................................................................................ 31 LUIZ SILVA ........................................................................................................................................................................... 33 THIAGO DE MELLO ............................................................................................................................................................ 35 MARIA DE ABREU ............................................................................................................................................................... 37 ALCIDES BUSS ..................................................................................................................................................................... 39 ROSA CLEMENT .................................................................................................................................................................. 41 LUIZ BARCELLAR ............................................................................................................................................................... 43 JORGE TUFIC ........................................................................................................................................................................ 45 CACASO................................................................................................................................................................................. 47 ANIBAL BEÇA ...................................................................................................................................................................... 49 CÉSAR LEAL ......................................................................................................................................................................... 51 JOSÉ PAULO PAES ............................................................................................................................................................. 53 MAX CARPHENTIER ........................................................................................................................................................... 55 ANNITA COSTA . ................................................................................................................................................................ 56 ARNALDO ANTUNES .......................................................................................................................................................... 57 LINDOLF BELL ..................................................................................................................................................................... 58 ANTÔNIO DE MIRANDA .................................................................................................................................................... 59 ELSON FARIAS ..................................................................................................................................................................... 61 FERNANDO PAIXÃO ........................................................................................................................................................... 63 FABRÍCIO CORSALETTI ..................................................................................................................................................... 64 NELSON CASTRO ................................................................................................................................................................ 65 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................................................... 66

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ORIDES FONTELA - Biografia Orides nasceu em 21 de abril de 1940, em São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Desde criança escrevia versos, e muito cedo começou a publicar seus poemas nos jornais da cidade. Nos anos 60, mudou-se para São Paulo e estudou filosofia na USP. Em

1969,

era

publicado

seu

primeiro

livro,

Transposição. Depois vieram Helianto (1973), Alba (1983), Rosácea (1986) e Teia (1996). Com Alba, Orides ganhou o prêmio Jabuti. Os quatro primeiros livros foram reunidos no volume Trevo, que fez parte da coleção Claro Enigma, da Editora Duas Cidades. Na França, os poemas foram publicados em dois volumes com o título Trèfle. A Cosac Naify lançou, em 2006, o volume Poesia Reunida.

Professora primária e bibliotecária, Orides viveu sempre em meio a grandes dificuldades. Sempre com os nervos à flor da pele, meteu-se em encrencas e provocou escândalos com seus melhores amigos.

Orides Fontela (1940-1998) morreu na mais completa miséria, aos 58 anos, num sanatório de Campos do Jordão, mesmo sendo considerada um dos nomes mais importantes da poesia brasileira contemporânea.

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“Orides Fontela fez uma poesia enigmática, cortante, que prima pela concisão, pela economia de recursos e densidade. A ela bastava dizer apenas o suficiente, deter-se no que é essencial. Difere muito da poesia minimalista ou do haikai, por exemplo, mas não raro leio seus versos como se lesse um koan”

ELEGIA Mas para que serve o pássaro? Nós o contemplamos inerte. Nós o tocamos no mágico fulgor das penas. De que serve o pássaro se desnaturado o possuímos? O que era voo e eis que é concreção letal e cor paralisada, íris silente, nítido, o que era infinito e eis que é peso e forma, verbo fixado, lúdico O que era pássaro e é o objeto: jogo de uma inocência que o contempla e revive — criança que tateia no pássaro um esquema de distâncias — mas para que serve o pássaro? O pássaro não serve. Arrítmicas brandas asas repousam.

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Orides fala sobre Orides "Entrei no dito Ginásio (e foi muita sorte), fiz meus primeiros sonetos, aprendi métrica com meu saudoso professor Francisco Pascoal e com Gonçalves Dias (A tempestade). Li, naquela época, Manuel Bandeira e Alphonsus Guimaraens, (todos os menores etc). Bem ou mal, adquiri a aura de poeta municipal e para o gosto local eu era ótima. Desde os 16 anos tive poemas publicados nos jornais da cidade (principalmente, ou exclusivamente, O Município). Tudo muito local, dia da árvore, das mães, natal. Se ficasse nisso, nisso estaria até hoje, e tudo bem. Como mudei, e atingi, senão a grande literatura, pelo menos algo de nível, digamos, estadual, algo que os paulistanos aceitassem? Esse é o primeiro problema real, e é meio misterioso até para mim..." (Orides Fontela)

ODE III Pouco é viver mas pesa como todo o ser como toda a luz como a concentração do tempo.

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A ESTRELA DA TARDE A estrela da tarde está madura e sem nenhum perfume A estrela da tarde é infecunda e altíssima Depois da estrela da tarde só há: o silêncio.

"A primeira influência literária? Foi meu pai, analfabeto e tudo. Só que, a cada noite, me contava um "caso", uma história de fadas. O enredo desses contos era basicamente o mesmo, mas as peripécias eram sempre recriadas. Lembro-me de um em que o herói, saindo dos tempos atuais, chegava a um reino mítico e... instalava a eletricidade! Tudo incrível. Parecia que meu pai ainda habitava a Idade Média e sonhava inventar o moto-contínuo. Por tal lógica, eu deveria estar procurando a quadratura do círculo: só que estou procurando a "circulação do quadrado". Mas não sou muito diferente de meu pai... Minha mãe? Bem, ela me alfabetizou, na marra - bê-a-bá e puxão de orelha. E, na cartilha, achei os primeiros poemas escritos, um tal de "já no horizonte" e o hino nacional. Também devo mencionar, como pré-história, a Rádio Nacional e os poemas caipiras? Bem, como pré-história, chega: foi a Idade da Pedra, mesmo!" (Orides Fontela)

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Fala Tudo será difícil de dizer: a palavra real nunca é suave. Tudo será duro: luz impiedosa excessiva vivência consciência demais do ser. Tudo será capaz de ferir. Será. agressivamente real. Tão real que nos despedaça. Não há piedade nos signos e nem no amor: o ser é excessivamente lúcido e a palavra é densa e nos fere.

Viagem Viajar mas não para viajar mas sem onde sem rota sem ciclo sem círculo sem finalidade possível. Viajar e nem sequer sonhar-se esta viagem.

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SORVETERIA Dia de verão qualquer no labirinto dos shoppings os homens tomam sorvete. Alguns engolem vorazes receosos de que o mormaço lhes arrebate a porção. Outros, lentos, não acertam com o creme fugaz o ritmo da fome. Morrem na fonte. Poucos os que se deleitam fruindo o açúcar e a neve sem dúvidas sobre a dádiva. Existe quem torça a cara às iguarias servidas imaginando outras raras. E quem enfeite o bocado de caldas extras, perfume de licores, nozes finas. Todos um dia qualquer terão suas taças vazias lábios imóveis, mãos frias.

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NO COLO DO ANJO

Empoleirado na torre do meu sonho um anjo resplandece. Cílios cintilantes estrelas nos olhos ele me acena com plumas e me abraça com asas. Juntos vagamos entre rastros de astros a cavalgar nuvens por planícies etéreas até que me sinto serena. É como se mudo dissera não temas véus ou névoas qualquer neblina passa. Mas eis que então fala: Não sejas cega, menina. O olhar de Deus tudo abarca. Só os homens têm pálpebras.

Astrid Cabral nasceu em Manaus no dia 25 de setembro de 1936. Integrou o Clube da Madrugada. Mora há muitos anos no Rio de Janeiro. É detentora de vários prêmios literários e participa de antologias no Brasil e no exterior. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Cantiga dos Pastores À meia noite no pasto, guardando nossas vaquinhas, um grande clarão no céu guiou-nos a esta lapinha. Achamos este Menino entre Maria e José, um menino tão formoso, precisa dizer quem é? Seu nome santo é Jesus, Filho de Deus muito amado, em sua caminha de cocho dormia bem sossegado. Adoramos o Menino nascido em tanta pobreza e lhe oferecemos presentes de nossa pobre riqueza: a nossa manta de pele, o nosso gorro de lã, nossa faquinha amolada, o nosso chá de hortelã. Os anjos cantavam hinos cheios de vivas e améns. A alegria era tão grande e nós cantamos também: Que noite bonita é esta em que a vida fica mansa, em que tudo vira festa e o mundo inteiro descansa? Esta é uma noite encantada, nunca assim aconteceu, os galos todos saudando: O Menino Jesus nasceu!

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Grande desejo Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia, sou mulher do povo, mãe de filhos, Adélia. Faço comida e como. Aos domingos bato o osso no prato pra chamar o cachorro e atiro os restos. Quando dói, grito ai. quando é bom, fico bruta, as sensibilidades sem governo. Mas tenho meus prantos, claridades atrás do meu estômago humilde e fortíssima voz pra cânticos de festa. Quando escrever o livro com o meu nome e o nome que eu vou pôr nele, vou com ele a uma igreja, a uma lápide, a um descampado, para chorar, chorar, e chorar, requintada e esquisita como uma dama.

Adélia Prado nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, no dia 13 de dezembro de 1935. Foi premiada diversas vezes e textos de sua autoria foram adaptados para o teatro. Participou de importantes eventos literários no Brasil e no exterior. Adélia costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da poesia. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Não Há vagas O preço do feijão Não cabe no poema. O preço do arroz não cabem no poema. Não cabe no poema o gás A luz o telefone A sonegação Do leite Da carne Do açúcar Do pão O preço do feijão O funcionário público Não cabe no poema Com seu salário de fome Sua vida fechada Em arquivos. Como não cabe no poema O operário Que esmerila seu dia de aço E carvão Nas oficinas escuras Porque o poema, senhores, Está fechado: “não há vagas” Só cabe no poema O homem sem estômago A mulher de nuvens A fruta sem preço O poema, senhores, não fede, nem cheira

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O açúcar O branco açúcar que adoçará meu café nesta manhã de Ipanema não foi produzido por mim nem surgiu dentro do açucareiro por milagre. Vejo-o puro e afável ao paladar como beijo de moça, água na pele, flor que se dissolve na boca. Mas este açúcar não foi feito por mim. Este açúcar veio da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia. Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco ou no Estado do Rio e tampouco o fez o dono da usina Este açúcar era cana e veio dos canaviais extensos que não nascem por acaso no regaço do vale. Em lugares distantes, onde não há hospital nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome aos 27 anos plantaram e colheram a cana que viraria açúcar. Em usinas escuras, homens de vida amarga e dura produziram este açúcar branco e puro com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

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Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira, nasceu em São Luís, Maranhão, em 10 de setembro de 1930. É poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta brasileiro, sendo um dos fundadores do neoconcretismo. Em 2002, foi indicado por professores dos EUA, Brasil e Portugal para o Prêmio Nobel de Literatura.

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Talvez o vento saiba

Talvez o vento saiba dos meus passos, das sendas que os meus pés já não abordam, das ondas cujas cristas não transbordam senão o sal que escorre dos meus braços. As sereias que ouvi não mais acordam à cálida pressão dos meus abraços, e o que a infância teceu entre sargaços as agulhas do tempo já não bordam.

Só vejo sobre a areia vagos traços de tudo o que meus olhos mal recordam e os dentes, por inúteis, não concordam sequer em mastigar como bagaços.

Talvez se lembre o vento desses laços que a dura mão de Deus fez em pedaços.

IVAN JUNQUEIRA – nasceu no Rio de Janeiro no dia 03 de novembro de 1934. Jornalista, escritor, poeta e crítico literário. Membro da Academia Brasileira de Letras e colaborador de revistas e jornais do Brasil e do exterior. Tem vasta produção literária e é detentor de muitos prêmios. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Dentro da noite, penso em ti

Volta e meia sigo rumo à ilha do amor coisas antigas que ficaram nau perdida no porto abandonado barco sem vela que persiste no desenho formado pelas águas dos rios.

Volta e meia o fluxo de imagens paira sobre as águas e sigo devorando a cauda dos sonhos retornando ao chão descontínuo da ilusória estrada do bem querer: uma outra história.

Volta e meia o amor perturba o sono descontente das estrelas e o luar embaraçado por tantos murmúrios arma a provisória tenda da paixão: o meu olhar de neblina costurado na memória tece a infância medieval do teu corpo.

É autor de vários livros de poemas. LEONTINO FILHO – nasceu em Aracati – Ceará ( 1961). Poeta e Professor de literatura Brasileira na Universidade estadual do Rio Grande do Norte. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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O FOTÓGRAFO Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei. Eu conto: Madrugada a minha aldeia estava morta. Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa. Eram quase quatro da manhã. Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina. O silêncio era um carregador? Estava carregando o bêbado. Fotografei esse carregador. Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra. Fotografei a existência dela. Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre. Por fim, eu enxerguei a Nuvem de calça. Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski seu criador. Fotografei a Nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria roupa mais justa para cobrir sua noiva. A foto saiu legal.

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O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS "Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas. Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que as dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Sou um apanhador de desperdícios: Amo os restos como as boas moscas. Queria que a minha voz tivesse um formato de canto. Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática. Só uso a palavra para compor os meus silêncios."

Manoel De Barros nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, no dia 19 de dezembro de 1916. Atualmente mora em Campo Grande, Mato Grosso. É advogado e fazendeiro, possuindo extensa obra literária. Hoje, o poeta é reconhecido nacional e internacionalmente como um dos mais originais do século e um dos mais importantes escritores do Brasil.

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Extinção O lobo-guará é manso foge diante de qualquer ameaça é solitário avesso ao dia, tímido detesta as cidades onde quase sempre é atropelado onívoro, com mandíbulas fracas come pássaros, ratos, ovos, frutas às vezes, quando está perdido, vasculha latas de lixo nas ruas engasga ao mastigar garrafas de plástico ou isopores se corta ou morre ao morder lâmpadas fluorescentes ou engolir fios elétricos morre ao lamber inseticidas ou restos de tinta ou ao engolir remédios vencidos ou seringas e agulhas descartáveis dócil, sem astúcia, é facilmente capturado e morto por traficantes de pele quando então uiva.

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"LUZ" "Luz do abajur dicionários no quarto minúsculo sobre a mesa um mapa da lua tinta seca de silêncios gêmeos e frio um prego de arame na cabeça borboletas se acenderam em mim dálias meus dedos se moviam sobre as teclas entretanto sombras antecipavam cada palavra. borboletas se acendem em mim dálias meus dedos sobre as teclas sombras precipitando entretanto palavras”

RÉGIS BONVICINO nasceu eu São Paulo, 1955. Sua produção literária é vasta e alcança territórios estrangeiros. Tem poemas traduzidos para o chinês, o inglês, o espanhol, o catalão, o dinamarquês.

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AMIGO No rumo certo do vento, amigo é nau de se chegar em lugar azul. Amigo é esquina onde o tempo para e a Terra não gira, antes paira, em doçura contínua. Oceano tramando sal, mel inventando fruta, amigo é estrela sempre no rumo certo do vento, com todas as metáforas, luzes, imagens que sua condição de estrela contém.

COMIDA DE SEREIA O que será que a sereia come em seu castelo de areia? Enquanto penteia os cabelos a panela esquenta na cozinha: será que a sereia come anêmonas, ostras, cavalos-marinhos? Ou delicados peixinhos de olhos dourados? Algas marinhas, lulas, sardinhas? Polvos, mariscos, enguias, ou será que a sereia come poesia?

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PARTIDA Hoje arrumo as flores em cima da mesa as frutas na memória quero um dia bem simples alguma luz pousada na superfície da água hoje chamo para mim amorosas palavras que vivam um dia perto do meu coração que corram pela casa com sua mistura de mel e espanto alguém parte com um ruído seco alguém sempre está partindo

CAIXINHA MÁGICA Fabrico uma caixa mágica para guardar o que não cabe em nenhum lugar: a minha sombra em dias de muito sol, o amarelo que sobra do girassol, um suspiro de beija-flor, invisíveis lágrimas de amor. Fabrico a caixa com vento, palavras e desequilíbrio, e para fechá-la com tudo o que leva dentro, basta uma gota de tempo. O que é que você quer esconder na minha caixa?

ROSEANA MURRAY – nasceu no Rio de Janeiro em 1950. Graduou-se em Literatura e Língua Francesa em 1973 pela UNIVERSIDADE DE NANCY – FRANÇA. Tem mais de 60 livros publicados e é considerada uma das mais importantes escritoras contemporâneas com obras dedicadas ao público infantil e jovem.

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AULA DE DESENHO Estou lá onde me invento e me faço: De giz é meu traço. De aço, o papel. Esboço uma face a régua e compasso: É falsa. Desfaço o que fiz. Retraço o retrato. Evoco o abstrato Faço da sombra minha raiz. Farta de mim, afasto-me e constato: na arte ou na vida, em carne, osso, lápis ou giz onde estou não é sempre e o que sou é por um triz.

ELEGIA Há um vestígio mineral na sua ausência: algo que sem estar ainda fica: fatia de cristal que não se vê e brilha: solidez em transparência elegância de pedra, luz do que é perda e não. Há um vestígio musical na sua ausência: algo que é sigilo e ressonância: sintonia de cristais sílabas de sim no silêncio do som e do aqui.

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PACTO Daquele que amo quero o nome, a fome e a memória. Quero o agora. O dentro e o fora, o passado e o futuro. Quero tudo: o que falta e o que sobra o óbvio e o absurdo.

PAISAGEM COM FRUTAS

Duas pêras sobre a mesa esperam a tua fome. O dia é verde e o vento tem cores provisórias.

Sobre o muro um pássaro mudo de olhar escuro perscruta a tua sombra

Ele sabe que ninguém sabe em que azul ocultas teu absurdo.

MARIA ESTHER MACIEL – nasceu em Patos de Minas – Minas Gerais, em 01 de fevereiro de 1963. Poeta, ensaísta e ficcionista, a escritora é também professora de Literatura Comparada da Faculdade de Letras da Universidade de Minas Gerais. Doutora em Literatura Comparada com Pós-Doutorado em cinema pela Universidade de Londres. Seu projeto atual, com bolsa de produtividade pelo CNPq, intitula-se: “Zooliteratura brasileira: animais, animalidade e os limites do humano.

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Poemas aos Homens do nosso tempo Amada vida, minha morte demora. Dizer que coisa ao homem, Propor que viagem? Reis, ministros E todos vós, políticos, Que palavra além de ouro e treva Fica em vossos ouvidos? Além de vossa RAPACIDADE O que sabeis Da alma dos homens? Ouro, conquista, lucro, logro E os nossos ossos E o sangue das gentes E a vida dos homens Entre os vossos dentes.

Ao teu encontro, Homem do meu tempo, E à espera de que tu prevaleças À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras, Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros, Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa. As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei Minha própria rudeza e o difícil de antes, Aparências, o amor dilacerado dos homens Meu próprio amor que é o teu O mistério dos rios, da terra, da semente. Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu Compaixão e ternura e paz na Terra Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.

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Dez chamamentos ao amigo

Se te pareço noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo Entendo que sou terra. Há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento.

HILDA HILST – nasceu em Jaú, cidade de São Paulo, em 21 de abril de 1930. Publicou várias obras e obteve importantes prêmios literários. Faleceu em Campinas (SP) no dia o4 de fevereiro de 2004. Hilda é reconhecida, quase pela unanimidade da crítica brasileira ,como uma de nossas principais autoras, sendo considerada uma das mais importantes vozes da Língua Portuguesa do século XX.

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A PRIMEIRA VEZ QUE ENTENDI

A primeira vez que entendi do mundo alguma coisa foi quando na infância cortei o rabo de uma lagartixa e ele continuou mexendo.

De lá pra cá fui percebendo que as coisas permanecem vivas e tortas que o amor não acaba assim que é difícil extirpar o mal pela raiz.

A segunda vez que entendi do mundo alguma coisa foi quando na adolescência me arrancaram do lado esquerdo três certezas e eu tive que seguir em frente.

De lá pra cá aprendi a achar no escuro o rumo e sou capaz de decifrar mensagens seja nas nuvens ou no grafite de qualquer muro.

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Balada dos Casais

Os casais são tão iguais, por isto se casam e anunciam nos jornais. Os casais são tão iguais, por isto se beijam fazem filhos, se separam prometendo não se casarem jamais.

Os casais são tão iguais, que além de trocar fraldas, tirar fotos, acabam se tornando avós e pais.

Os casais são tão iguais, que se amam e se insultam e se matam na realidade e nos filmes policiais.

Os casais são tão iguais, que embora jurem um ao outro amor eterno sempre querem mais.

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AFFONSO ROMANO DE SANT ´ANNA – nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, no dia 27 de março de 1937. Poeta, professor graduado em Letras, lecionou em várias universidades do Brasil e do exterior. Tem uma vasta obra literária e escreve também para jornais. 33


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A PALAVRA NEGRO A palavra negro tem sua história e segredo veias do São Francisco prantos do Amazonas e um mistério Atlântico A palavra negro tem grito de estrelas ao longe sons sob as retinas de tambores que embalam as meninas dos olhos A palavra negro tem chaga tem chega! tem ondas fortesuaves nas praias do apego nas praias do aconchego A palavra negro que muitos não gostam tem gosto de sol que nasce A palavra negro tem sua história e segredo sagrado desejo dos doces voos da vida o trágico entrelaçado e a mágica d'alegria

A palavra negro tem sua história e segredo e a cura do medo do nosso país A palavra negro tem o sumo tem o solo a raiz.

IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

LUIZ SILVA (CUTI) – nasceu em Ourinhos, São Paulo e vive na capital paulista. Mestre em Teoria da Literatura e Doutor em Literatura Brasileira pelo Instituto de Estudos da Linguagem – Unicamp. Foi um dos fundadores e membro do Quilombhoje – Literatura, de 1983 a 1994. É um dos criadores e mantenedores da série Cadernos Negros.

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VEM CANTANDO noite e chuva apresso-me nos passos um medo branco prepara o bote na minha sombra pés encharcados atolo-me na lembrança dos alagados as sandálias soltam gemidos que recordam choro de crianças nos casebres que se despencam de morros noite e chuva meu guarda-chuva ameaça guardar-me da vida dos outros um impulso no sangue me joga tonto na lama e dou de cara com bêbados e prostitutas umedeço-me e esfrio no pavor vivido por meu avô e continuo .................................................. vem cantando cantigas em nagô entrecortadas de espirros em quimbundo tem colares de contas que encerram necessidade e anseio chacoalhando num ritmo o futuro caminhadas do meu povo em suas tranças no cabelo e uma estrela de alegria insistindo no sorriso doce riso de gerúndio minha história vem molhada e me procura... com as dores tão antigas titubeia me incendeia num abraço o tempo descontraído escancarado o espaço

IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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O animal da floresta De madeira lilás (ninguém me crê) se fez meu coração. Espécie escassa de cedro, pela cor e porque abriga em seu âmago a morte que o ameaça. Madeira dói?, pergunta quem me vê os braços verdes, os olhos cheios de asas. Por mim responde a luz do amanhecer que recobre de escamas esmaltadas as águas densas que me deram raça e cantam nas raízes do meu ser. No crepúsculo estou da ribanceira entre as estrelas e o chão que me abençoa as nervuras. Já não faz mal que doa meu bravo coração de água e madeira.

IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Flor de açucena Quando acariciei o teu dorso, campo de trigo dourado, minha mão ficou pequena como uma flor de açucena que delicada desmaia sob o peso do orvalho. Mas meu coração cresceu e cantou como um menino deslumbrado pelo brilho estrelado dos teus olhos

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THIAGO DE MELLO – nasceu em Barreirinha, no coração do Amazonas, no dia 30 de março de 1926. Abandonou o Curso de Medicina e dedicou-se à poesia. É conhecido internacionalmente por sua luta em prol dos direitos humanos, pela ecologia e pela paz mundial. Tem obras traduzidas para vários idiomas e recebeu inúmeros prêmios. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Sem E no fim de tudo A morte O olhar mudo No extremo do caminho Eu sozinha Ai que medo Ai que frio Só o pio da coruja O delírio do vento

No chão úmido e macio Abandonada para sempre Sempre Eu que fui gente Me separo do cálido sol Caliente Das montanhas Eterno tema dos desenhos da infância

Deixo fora as estrelas delirantes Tão bonitas e distantes Viro alma, talvez errante fantasma? Ectoplasma, miasma Nunca mais Plácido Domingo O vinho com os amigos Nem meus gritos, palavrões Os pequenos delitos sem redenção Só o frio O vazio A Solidão IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Confissão

Penso em ti porque foi contigo que abri meu peito e sem medo deixei que todos os pássaros se libertassem

Penso em ti porque ao teu lado vivi todas as estações e todas me embriagaram

Penso em ti hoje Amanhã pensarei em ti e sempre por todos os séculos dos séculos amém

IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

MARIA DE ABREU – nasceu em Bragança Paulista, São Paulo, em 1950. Graduada em Letras e Especialista em Psicopedagogia, dedica-se ao magistério e a eventos culturais relacionados à Literatura. Escreve poesia, contos e crônicas. 39


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DE LER E ANDAR Há dias em que há mais sentido nas ruas do que nos livros. Nesses dias se deve de casa sair e, dentro de si, caminhar à escuta da vida. Há dias, porém, em que mais sentido há nos livros. É preciso, então, trancar-se em leituras e, numa entrega de sonho, misturar-se ao mundo.

IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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UM DIA NO CAMPO Hoje, no campo, meu dia foi um dia. Eu fui eu. O corpo foi o corpo. A nuvem foi a nuvem. O vento foi o vento. A planta foi a planta. O riacho foi riacho A palavra foi palavra. O pássaro foi pássaro. Hoje tudo foi tudo e a vida viveu.

CONTEMPLAÇÃO DO AMOR Entre o concreto e o céu está o traço, o braço de nosso voo. Voo de luz que nos transpõe e leva-nos ao universo dos universos. Em cada janela deparamo-nos, mistos de carne e infinito, cimento e eternidade. E na planta que semeia o verde, na ave que semeia o êxtase, aprendemos a chegar no ponto em que estamos.

IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

ALCIDES BUSS – nasceu em Salete, Santa Catarina, em 1948. É professor de Teoria Literária na Universidade de Santa Catarina. Segundo CLÁUDIO MILLER, Alcides Buss é poeta, animador e agitador literário, editor e dirigente cultural, com uma atuação marcante na cena contemporânea brasileira nas últimas décadas, sempre em favor da palavra poética. Sua produção poética é vasta e inúmeros os prêmios recebidos. 41


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Viagem de Avião A armadura de músculos sob minha fantasia de penas não basta para enfrentar o vôo. Penso na firmeza da águia na tarde sob a névoa, ou na calma da passagem do falcão sobre os penhascos.

Levo pelas nuvens a obediência do pássaro domado que lança com os olhos seu apelo. Tento preservar sob o lençol o que resta de minha resistência mas devolvo nas bandejas as migalhas de minha coragem.

Excessos de sons ao redor sempre parecem ameaçadores e balanços dessa gaiola sem grades só dilatam a turbulência na qual meu coração sem asas tão bem se especializa.

IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Casa Urbana Não é um sonho de casa essa casa de madeira com teto triangular a destoar dos traçados projetados pelos donos de prédios retangulosos. É apenas uma casa com suas cercas de estacas a cercar a terra fértil, guardando plantas e bichos e também alguns meninos com as costelas à vista. Sim é só uma casinha da gente de antigamente gente que por ser teimosa, só vai fazer sua trouxa e finalmente ir embora no dia em que o deus quiser. É casa bem brasileira e com certeza, cabocla na batalha dos tijolos ganhando tempo no jogo se transformando em passado se transformando em um sonho.

ROSA CLEMENT – nasceu em Manaus, Amazonas, em 1954. Trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, com informação tecnológica .É poeta, haicaísta e tradutora.

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O Poeta Veste-se Com seu paletó de brumas e suas calças de pedra, vai o poeta. E sobre a cambraia fina da camisa de neblina, o arco-íris em gravata vai atado em nó singelo. (Um plátano, sobre a prata da água tranqüila do lago, se debruça só por vê-lo). Ele leva sobre os ombros a cachoeira do lago (cachecol à moda russa) levemente debruada de um fino raio de sol. Vai o poeta a caminhar pelas serras. (pelos montes friorentos mal se espreguiça a manhã) com seu pullover cinzento (feito com lã das colinas) com seus sapatos de musgo (camurça verde dos muros) com seu chapéu de abas largas (grande cumulus escuro). Mas algo ainda lhe falta Para a elegância completa: Súbito pára, se curva, num gesto sóbrio e perfeito, um breve floco de nuvens colhe e prende na lapela.

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Variações Sobre Um Prólogo

Nos longes da infância paro; há uma inscrição sobre o muro: Frauta clara, arroio escuro, Frauta escura, arroio claro. E esse cavalo capenga? E esse espelho espedaçado? E a cabra? E o velho soldado? E essa casa solarenga? Tudo volta do monturo da memória em rebuliço. Mas tudo volta tão puro!... E, mais puro que tudo isso, essa anárquica inscrição feita no muro a carvão. São temas recomeçados na minha vária canção. LUIZ BACELLAR – nasceu em Manaus, no dia 04 de setembro de 1928. É um dos mais significativos escritores do Amazonas e do Brasil. Sua obra constrói-se sobre o plano da memória. Também exerceu o jornalismo e destacou-se no processo de renovação da literatura regional. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Calendário Calendário vida, ainda se fosse possível compreender esses códigos gravados na cripta dos teus avessos. Então as palavras já nasceriam feitas, a lã não teria seus pastores, nem os pastores seus montes, nem as montanhas suas grutas de rapina, nem o chão da terra os rastros da serpente. Nem os maus seriam chamados para mudar o caminho da história; nem os bons haveria porque a bondade e o martírio jamais se banham nem se repetem nas águas do mesmo rio.

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Da infância

Fui deixando cair as petecas que guardavam meus peixes. Fui vendo escapar as moedas que niquelavam os domingos. Fui perdendo meus dentes-de-leite e o gesto de fazer borboletas. Entretanto, ainda estou a caminho daqueles garranchos de chão. Qualquer coisa que entala de branco e machuca sem voz.

Búzios Por que se fala tanto na solidão dos relógios? Ainda mais solitários são os búzios, que guardam nas aurículas de cálcio os estigmas da terra os rumores do caos. E assumem a contagem regressiva do éter e do granito. JORGE TUFIC – nasceu em Sena Madureira, Acre, no dia 13 de agosto de 1930. Poeta e jornalista, é autor da letra do HINO DO AMAZONAS, contemplado que foi com o primeiro lugar em concurso nacional promovido pelo Governo do Estado. Além das obras publicadas, também escreve para vários órgãos de imprensa. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Dentro de mim mora um anjo Quem me vê assim cantando Não sabe nada de mim Dentro de mim mora um anjo Que tem a boca pintada Que tem as unhas pintadas Que tem as asas pintadas Que passa horas à fio No espelho do toucador Dentro de mim mora um anjo Que me sufoca de amor Dentro de mim mora um anjo Montado sobre um cavalo Que ele sangra de espora Ele é meu lado de dentro Eu sou seu lado de fora Quem me vê assim cantando Não sabe nada de mim Dentro de mim mora um anjo Que arrasta suas medalhas E que batuca pandeiro Que me prendeu em seus laços Mas que é meu prisioneiro Acho que é colombina Acho que é bailarina Acho que é brasileiro Quem me vê assim cantando Não sabe nada de mim

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história natural

Meu filho agora ainda não completou três anos. O rosto dele é bonito e os seus olhos repõem muita coisa da mãe dele e um pouco de minha mãe. Sem alfabeto o sangue relata as formas de relatar: a carne desdobra a carne mas penso: que memória me pensará? Vejo meu filho respirando e absurdamente imagino como será a América Latina no futuro.

IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

CACASO (Antônio Carlos de Brito) – nasceu no dia 13 de março de 1944, em Uberaba, Minas Gerais. Professor de Literatura na PUC – RJ , foi colaborador de revistas e jornais. Poeta em tempo integral, ensaísta, letrista, desenhista, principal articulador e teórico da poesia marginal. Faleceu no Rio de janeiro em 27 de dezembro de 1987. 49


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O Gato O gato aparece à noite com seu esquivo silêncio de passos bem calculados num jogo de paciência as garras bem recolhidas na concha de suas patas O gato passeia a noite com seu manto de togado como se fosse um juiz de presas resignadas a sua sentença de sombras seu apetite de gula

O gato varre essa noite facho de suas vassouras vermelhas de olhos ariscos e alcança nessa limpeza o movimento mais presto o guincho mais desouvido

Mais que perfeito no bote (tal qual Mistoffelees de Eliot) do pulo que nunca ensina tombam baratas besouros peixes de aquário catitas ao paladar sibarita

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Nada à noite falta ao gato nem a presteza no salto nem a elegância completa do seu traje de veludo para o baile dos telhados roçando as fêmeas no cio

O gato é ato em seu salto e a noite luz do seu palco: ribalta luciferina lunária ária da lua na réstia de seus dois gozos é felix feliz felino

Guardei a sétima estrofe para o canto do mistério das sete vidas do gato e seu tapete aziago nas noites de sexta-feira há provas do seu estrago.

ANIBAL BEÇA – nasceu em Manaus a 13 de setembro de 1946 e faleceu a 25 de agosto de 2009. Foi jornalista, poeta, músico, teatrólogo. Recebeu vários prêmios e venceu inúmeros festivais de MPB em todo o Brasil.

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Minha águia

ó Não Não quero Não quero perder Não quero perder contato Não quero perder contato com Não quero perder contato com a Não quero perder contato com a minha Não quero perder contato com a minha Águia ó não quero perder contato com a minha Águia ! S SS SSS Sinto que ela voou para céus tão altos onde se encontra agora ? Que mãos lhe afagam as plumas depois de meu último abraço de meu último beijo de minha última c a r í c i a ? ?? ???

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Os dois semestres do Jaguaribe

Eis o Jaguaribe, rio elegante, limpo e seco, de janeiro à junho é água, de julho a dezembro, areia.

É rio de muita força e muito orgulho nas águas, quando seco, é belo e manso; cheio é feio e temerário.

Corre entre campos antigos, entre móquens, molungus, alvas roças de algodão, gado açoreano e zebu.

Em janeiro suas águas têm um brilho de metal, mas em abril esse brilho já começa a enferrujar,

todo em ferrugem vestido, em meio o rio é vermelho, finda junho e ele penetra em seu semestre de areia.

CÉSAR LEAL – escritor, poeta e crítico literário, nasceu, a 20 de março de 1924, em Saboeiro, Ceará. Também é bacharel em Direito e professor de Literatura. Autor de vários livros, já foi premiado inúmeras vezes. É crítico literário do Diário de Pernambuco. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Lisboa: aventuras

tomei um expresso cheguei de foguete subi num bonde desci de um elétrico pedi cafezinho serviram-me uma bica quis comprar meias só vendiam peúgas fui dar à descarga disparei um autoclisma gritei "ó cara!" responderam-me "ó pá!" positivamente as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá

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Convite Poesia é brincar com palavras como se brinca com bola, papagaio, pião.

Só que bola, papagaio,pião de tanto brincar se gastam.

As palavras não: quanto mais se brinca com elas mais novas ficam.

Como a água do rio que é água sempre nova.

Como cada dia que é sempre um novo dia.

Vamos brincar de poesia?

JOSÉ PAULO PAES – nasceu em São Paulo em 1926. Escreveu com regularidade para jornais e periódicos literários. Em 1987, dirigiu uma oficina de tradução de poesia na UNICAMP. Faleceu em 09 de outubro de 1998

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O sermão da selva (IV) Bem-aventurados os que sustam o avanço dos desertos, domando a areia e apascentando as dunas com a flauta inumerável de árvores urgentes que frutificam em paz e as cidades protegem e mitigam de chuva os caminhos de fogo. Bem-aventurados os que socorrem a fauna sacrificada e salvam da extinção cantos indispensáveis, belos saltos de cor, imponências felinas e todas as claras provisões de ternura animal que a magnífica fonte espalhara na selva. Bem-aventuradas as mãos que multiplicam o verde e os verdes movimentos do caule erguendo-se da terra, e os longos círculos de sonho em que a flor se transfigura, em que o fruto se entrega e em que as folhas resistem na úmida e dadivosa sinergia. Bem-aventurados os que cultivam e os que repartem as lendas, filhas da solidão dos remos peregrinos, das sombras que de noite andam de medo em medo as redes embalando à luz das lamparinas. Porque lenda é mensagem, e a selva sempre soube que, além de alma e matéria, o homem é sonho. Bem-aventurados todos os que antes da revelação eletrônica já se comunicavam com as plantas, já as sentiam e com elas partilhavam da luz e da emoção, e as respeitam assim nessa comunidade da selva. Bem-aventurados os que em lei, verso, vontade, na retorta, na prece e na palavra a selva defenderem e seus mistérios lerem e fundarem a sua paz na paz da selva. Porque o Reino será desses, daqueles que cumprirem o destino de Deus neste transido mundo que nos suporta enquanto o temos.

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MAX CARPHENTIER nasceu em Manaus, Amazonas, no dia 29 de abril de 1945. Bacharel em Direito, pertence ao Clube da madrugada e à Academia Amazonense de Letras.

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Poemas de Fundos para dias de chuva Quero de volta os pretextos para lavar as superfícies encardidas não acredito mais no que dão por feito os outros prefiro eu mesma laçar usuras da imperfeição viver dá nisso uma certa arrogância necessária desisto de entediar as palavras com o gesto monótono da caneta perco o medo dos abstratos e sigo dizendo vida amor solidão e catando as horas como quem rasga papéis antigos como quem verte um copo de groselha na toalha branca de linho da avó mas se ainda soubessem as libélulas enquanto tremulam no cloro se ainda soubessem os campos os morros os verdes se ainda soubessem asas que não é preciso explicar as patas que os verbos carregam suas madressilvas o relinchar dos grilos e cigarras a música de um dia sem estacas

ANNITA COSTA MALUFE - nasceu em São Paulo em 1975. É jornalista formada pela PUC – SP. Doutora em Teoria literária pela UNICAMP, com estudos sobre poesia contemporânea. Sua produção literária tem sido muito bem recebida pela crítica.

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quantos parques teriam estas perguntas sem lar (como frear a noite? ele quis saber com os olhos arregalados e desejo de azul) 57


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O Buraco do Espelho o buraco do espelho está fechado agora eu tenho que ficar aqui com um olho aberto, outro acordado no lado de lá onde eu caí

pro lado de cá não tem acesso mesmo que me chamem pelo nome mesmo que admitam meu regresso toda vez que eu vou a porta some

a janela some na parede a palavra de água se dissolve na palavra sede, a boca cede antes de falar, e não se ouve

já tentei dormir a noite inteira quatro, cinco, seis da madrugada vou ficar ali nessa cadeira uma orelha alerta, outra ligada

o buraco do espelho está fechado agora eu tenho que ficar agora fui pelo abandono abandonado aqui dentro do lado de fora. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

ARNALDO ANTUNES – nasceu em São Paulo, a 02 de setembro de 1960. É músico, poeta, compositor e artista visual. Em 1978 ingressou na USP no Curso de Linguística, mas o sucesso dos TITÃS lhe tomou todo o tempo entre shows, gravações, turnês e entrevistas. É conhecido na América do Sul por ser um dos principais compositores da música pop brasileira com influências concretistas e pós-modernas. 58


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Legado Deixarei por herança não o poema mas o corpo no poema aberto aos quatro ventos

Pois todo poema é verde e maduro, em areia movediça de angústia, solidão Onde me debato ainda que finja o contrário em busca da verdade e seu chão

Deixarei por herança não o poema Mas o corpo repartido na viagem inconclusa

Pois todo o poema maduro é um verde poema E, mesmo acabado, se estriba na inconclusão Claro, sem esquecer, o estratagema da paixão.

LINDOLF BELL – nasceu em Timbó, Santa Catarina, em 02 de novembro de 1938. Foi líder do MOVIMENTO DE CATEQUESE POÉTICA, uma iniciativa que levava a poesia às ruas por meio de recitais, permitindo que milhares de pessoas conhecessem e tivessem acesso a essa forma de arte. Faleceu em Blumenau, em 10 de dezembro de 1998.

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O JOVEM NA LIVRARIA De pé, lendo na livraria. Nas proximidades, os bondes confluindo no Tabuleiro da Baiana; marmiteiros na direção de grotões com valões a céu aberto; trens trepidando e perdendo-se nas penumbras ignotas e tristes de um desterro suburbano. De pé, lendo na livraria. La fora, analfabetos e letrados revezando-se no espaço sem solução à vista: Brasil, país do futuro! (Escuro, muro, desconjuro.) Transeuntes, ambulantes e uma elite na livraria. Senhores nos botecos, goles de café, “lotações”; ainda havia batedores de carteira, malandros, funcionários públicos (barnabés) pelos institutos de previdência. O garoto, de pé, na livraria lendo Drummond, Bandeira, vindo do bairro mais distante. Brasil, afinal, Campeão do Mundo! Sorrisos sem dentes, salário mínimo, programas de auditório, carnaval. Mundo mundo, vasto mundo, eu não me chamo Raimundo, mas Antonio, flébil, esguio, com dinheiro apenas para o pastel e o ônibus; os livros eram leitura de livraria, de pé.

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O pai, barnabé; a mãe, costureira. De pé, lendo na livraria: Drummond, Cabral, Bertrand Russell, e algo mais. Um fragmento de Baudelaire, um pedaço de Aimé Cesaire, frase de Nietzsche. “-Que livros você quer levar, meu jovem?” Pensou: “nenhum”. Gostaria, mas não podia. Lá fora, tantos outros como ele. Personagens sem olhos, sem boca. Massas humanas movendo-se anônimas; bacharéis luzindo anéis. “A vida como ela é”, do Nelson Rodrigues. Vedetes de teatro de revista, Ibrahim Sued. Miss Brasil não falava inglês e já imitavam jazz e rock e a bossa-nova queria ganhar o mundo! E o garoto, de pé, na livraria. “Pode levar os livros que quiser, sem pagar”. (...) “Sim, isso mesmo, jovem, os livros que quiser: dois, dez, à vontade”. Quis correr, encabulado, assustado. “Uma pessoa viu-o lendo, e emocionou-se: (...) Um magistrado, um homem abastado.” (...) Deixou crédito aberto a seu favor...” “Machado de Assis? Jorge Amado? Menotti del Picchia? Sartre? Camus?” “O que quiser, o que consiga levar!” (...) Na estante de casa havia livros emprestados da biblioteca pública. Sorte que havia bibliotecas públicas!!! Levou para casa o J. C. de Melo Neto e a filosofia difusa de Lin Yutang. ......................................................... Outros livros seguiu adquirindo por conta própria: tantos, tantos! E ali está, de pé, na livraria, outro jovem suburbano lendo um livro!!!

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ANTÔNIO (LISBOA CARVALHO) DE MIRANDA é maranhense, nascido em 05 de agosto de 1940. Membro da Academia de Letras do Distrito federal, colaborou em muitas revistas e periódicos literários no Brasil, Argentina e Venezuela. Atualmente é Diretor da Biblioteca Nacional de Brasília. 61


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ROMANCE DA NOITE-CHUVA Tremia o trovão na terra. Talhavam a face torva gota a gota os seringais, era o deus que era raivoso e vinha nos temporais. Bramia o rumor do rio nas noites de escuro e chuvas, caía a faixa da terra, piavam surdo as corujas. Um noturno canto-pranto cortava o céu em dois meios, nosso deus vinha vestido de nós e os nossos receios. * _ Minha mãe, onde é que eu acho a lamparina da noite? _ Meu filho, ela deve estar pendurada lá no alpendre. _ Minha mãe, por que a coruja pia agora sem parar? _ Meu filho, certo que existe um defunto a amortalhar. _Quero dormir, minha mãe, dentro das trevas desta hora, mas não posso me embrulhar, o meu lençol me apavora. _ Meu filho, dorme, não chora, que o dia não custa a vir, reza as três ave-marias, muda a roupa e vai dormir. * A terra tremia toda.

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FIGURAS 1 O sol ardia no roçado, caniços secos ardiam no roçado, folhas torradas no sol do roçado. Quero falar de ti, curtas palavras quero cravar no solo claro destas pedras. 2 O verso vive nas cruzes do futuro. Agora é o mero vento das fugaces frases irreais, a voz vazia dos bichos castigados aos sons banais. 3 Nossa comida era branca, peixe frugal, favas fritas, maxixes na água e sal. 4 A macia serenidade do rio após a chuva. 5 O jardim era encharcado no fim do inverno, o verão era verde. Heras medravam nas pedras sujas, manjeronas se urdiam no pátio como cobras, risos-do-prado japanas mucuracaás papoulas rosas-pedra lama seca estalada em retângulos de cinza. ELSON FARIAS – nasceu em Roseiral, interior do Amazonas, município de Itacoatiara, no dia 11 de junho de 1936. Tem várias obras publicadas e pertence à Academia Amazonense de Letras. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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SENTIMENTO PORTUGUÊS

Atado ao crepúsculo deste vagamundo vejo mãos líquidas bater na praia inteira.

Escrevem brancas palavras de um sal agudo e triste. Dói olhar o mar de uma cadeira.

Os lábios das canoas tremulam heurísticos em contraste a navios castos sonolentos.

Só mesmo a corcunda de Adamastor persiste caída ao longe: sem esqueleto por dentro nem a mover-lhe Deus — que acaso não existe mas aparece posto neste rosto imenso.

FERNANDO PAIXÃO – nasceu na aldeia portuguesa de Beselga em 1955, mas veio ainda criança, em 1961, para o Brasil. Formou-se na Universidade de São Paulo (USP). Escreve artigos para jornais e revistas e atua na área editorial. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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história Na cidade em que nasci havia um bicho morto em cada sala mas nunca se falou a respeito os meninos cavávamos buracos nos quintais as meninas penteavam bonecas como em qualquer lugar do mundo nas salas o bicho morto apodrecia as tripas cobertas de moscas (os anos cobertos de culpas) e ninguém dizia nada mais tarde bebíamos cerveja as brincadeiras eram junto com as meninas a noite aliviava o dia das janelas o sangue podre (ninguém tocava no assunto) escorria lento e seco e a cidade fedia era já insuportável

parti à noite embora sem dúvidas chorasse

FABRÍCIO CORSALETTI – nasceu em Santo Anastácio, interior de São Paulo, em 1978. Formado em letras pela USP, é editor de poesia da revista Ácaro. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Madrepérola

Nos interlúdios de silêncio sempre me busco com o olhar em paralaxe. Comove-me a gravidez de um átomo. O centro de gravidade de todo ser em forma e conteúdo. Há um significado entre uma palavra e outra que é preciso desvendar o sentido o não aprendido o não dito digno de louvor. É preciso aprender com a concha a ouvir o canto do mar. Aprender com o gesto contido no incomum da madrepérola. É preciso devolver o encanto substantivo de cada ser. A essência que contém no fundo mais íntimo. É preciso sentir a natureza. Aprender com a ostra a transformar os resíduos em forma de beleza.

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Oriental A poesia do por-do-sol, que juntos imaginamos, está como um quadro suspenso na parede do quarto de minha memória.

No livro dos arcanos, que juntos sonhamos, está a minha e a tua vida, além do tempo quando.

Como um prisma sob a luz está o teu corpo-astro rastro, qual arco-íris de sagrados sonhos.

Tal estrela de quartzo, está a alegria do teu olhar; e no sorriso de criança o almo de tua alma e a sorte... é minha.

Contudo, a amorosidade está no teu gesto eternal; grafado em fogo na minha pele como signo oriental.

Nelson Castro, poeta e promotor cultural, atua também na área editorial em Manaus. IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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Anotações

Meada Uma trança desfaz-se: calmamente as mãos soltam os fios inutilizam o amorosamente tramado. Uma trança desfaz-se: as mãos buscam o fundo da rede inesgotável anulando a trama e a forma. Uma trança desfaz-se: as mãos buscam o fim do tempo e o início de si mesmas, antes da trama criada. As mãos destroem, procurando-se antes da trança e da memória.

IDR – XV MOSTRA DE POESIA – 2011

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