Revista Hebraica - Fevereiro 2014

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GRUPO DE JUDEUS RUSSOS – ENTRE ELES VÁRIOS ESCRITORES – EM CONSTANTINOPLA, NA TURQUIA, POUCO ANTES DE EMBARCAR PARA A ENTÃO PALESTINA

A noite dos poetas mortos EM 12 DE AGOSTO DE 1952, TREZE ILUSTRES JUDEUS SOVIÉTICOS FORAM EXECUTADOS POR ESPIONAGEM, NACIONALISMO BURGUÊS, “FALTA DE VERDADEIRO ESPÍRITO SOVIÉTICO” E TRAIÇÃO, AÍ INCLUÍDO UM PLANO PARA ENTREGAR A CRIMEIA AOS “IMPERIALISTAS NORTE-AMERICANOS E SIONISTAS”

N

este grupo de condenados estavam escritores famosos, como Peretz Markish, Dovid Bergelson e Itsik Fefer – e, por isso, a data é anualmente celebrada como a “Noite dos Poetas Mortos”, embora entre os mortos também houvesse um ator, um ex-vice-chanceler, um cientista e um general. O décimo quarto réu morreu no período dos quatro anos de cárcere do grupo na temida prisão de Lubianka, em Moscou. O décimo quinto foi condenado ao exílio.

O verdadeiro calvário de prisões, torturas e julgamentos ocorreu em segredo, na época, mas, segundo testemunhos que se tornaram acessíveis na década de 1990, consta que até mesmo os próprios juízes pareciam incomodados com as acusações. Sabe-se que naquele período de quatro anos somente um réu não confessou ser culpado de algumas acusações, mas nas audiências finais se retrataram, e um deles enfrentou os inquisidores chamando-os de Torquemada. Os judeus depositavam muitas esperanças na revolução bolchevique, e no período imediatamente posterior ao triunfo da revolução, a URSS apoiou instituições judaicas, o teatro ídiche e escolas de teatro. A cultura ídiche floresceu, principalmente o teatro e a literatura. No início da década de 1930, foi instituído o Plano Quinquenal para industrializar o império soviético e salvar a agricultura. Como pouco disso foi alcançado, promoveu-se o Grande Expurgo em que as vítimas eram os inimigos do regime, reais ou imaginários, principalmente os poloneses e os judeus. Por isso, ao longo dos anos 1930, as instituições judaicas encolheram; novas regras, de preferência não explícitas, controlavam o que poderia ser escrito e de que forma; a grafia das palavras em ídiche foi alterada para apagar vestígios das raízes hebraicas, da religião ou da nacionalidade. Aos primeiros tiros da Segunda Guerra, boa parte dos escritores judeus começou a desaparecer, e assim também os atores que simplesmente não apareciam para ensaiar e ninguém se atrevia a perguntar por quê. Já antes da invasão nazista, na primavera de 1941, houve algum alívio interno para os judeus, com o Comitê Antifascista Judaico transformado em um braço ativo da propaganda do governo e da angariação internacional de fundos contra a sanha hitlerista. Depois da guerra, Stalin era celebrado como o grande vitorioso da derrota nazista e isso serviu para mascarar o revigorado terror que se instalou na União Soviética. Embora tenha sido um dos primeiros a reconhecer o novo Estado de

Um bê-a-bá da literatura ídiche Chaim Baider passou as duas últimas décadas de vida reunindo migalhas de informações a respeito dos escritores, músicos, pintores, atores e professores soviéticos silenciados. Ao morrer, em 2003, o legado de Baider foi um arquivo monumental guardado no Museu do Holocausto em Washington. A partir daí, duas figuras importantes da cultura ídiche contemporânea – o editor da Forward, Boris Sandler, e o professor Gennady Estraich – extraíram das anotações de Baider as biografias de mais de quatro centenas de escritores, matéria-prima do Leksikon fun Yidishe Shrayber in Ratn-Farband (“Dicionário Biográfico de Escritores Ídiche da União Soviética”), publicado pelo Congresso de Cultura Judaica, com a ajuda do Museu do Holocausto e da viúva e do filho de Baider.

O léxico relaciona os perfis com datas de nascimento e morte (quando conhecidas), títulos e descrições de obras, e, ocasionalmente, uma foto. A obra cita escritores famosos, e muitos que viveram pouco para desfrutar de reputação. Segundo o editor associado da Forward e folclorista Itzik Gottesman, essas vidas individuais produzem juntas uma noção de totalidade. Elas fornecem informações suficientes para indicar padrões, como as ondas de mortes, e a ironia de que, na década de 1920, Markish, Bergelson e outros abandonaram carreiras promissoras em Berlim e voltaram para casa para servir aos ideais da revolução. Este livro também espera que alguém se interesse em traduzi-lo para o português e publicar no Brasil.

Israel, em 1948, este evento foi pretexto, primeiro para atacar, e depois, denunciar os judeus. Coincidentemente, naquele ano os poetas mortos se tornaram os mais ilustres hóspedes da prisão de Lubianka, e no ano seguinte, 1949, o julgamento de fachada conhecido como a “Conspiração dos Médicos”. Aparentemente, a morte de Stalin, em 1953, impediu a total extinção da vida judaica na URSS. Fora da União Soviética pouco se sabia do que ocorria no interior das suas fronteiras, e corresponder-se com familiares na Ucrânia, por exemplo, significava expô-los ao perigo. Além disso, a informação oficial era geralmente mentirosa. Conta-se uma história curiosa a respeito do escritor Itsik Fefer e reveladora do processo de desaparecimento a que foi

DA ESQUERDA PARA A DIREITA, PERETZ MARKISH, ITSIK FEFFER, LEYB KVITKO, DOVID HOSHTEYN E DOVID BERGELSON

submetido. Fefer era presidente do Comitê Antifascista Judaico e, nessa condição, durante a guerra visitou os Estados Unidos e conheceu o cantor afroamericano Paul Robeson, um dos mais notáveis baixos de que se tem notícia e sabidamente simpatizante da União Soviética, o que lhe custou represálias do governo americano. Em 1949, Robeson viajou à Rússia e pediu para ver Fefer, que estava magro, maltratado e há meses não via a luz do sol. As autoridades enrolaram Robeson e, enquanto isso, submeteram Fefer a um regime de engorda, deram-lhe vários banhos, desinfetaram-no e vestiram-no de acordo. A sala onde os dois homens se encontraram tinha escutas e, por isso, Fefer falava aos sussurros fazendo sinais com a mão de que estava com a garganta cortada. O fato de muito mais tarde Robeson contar essa história indica ter entendido o que Fefer tentou lhe dizer. Na época, porém, nada comentou a respeito. Fefer voltou para morrer em Lubianka. Em silêncio, como se nunca tivessem existido, os judeus da União Soviética foram “sepultados sem nome, sem número e sem um ‘aqui jaz’”, escreveu o poeta Chaim Baider.

Ao longo dos anos 1930, as instituições judaicas encolheram; novas regras, de preferência não explícitas, controlavam o que poderia ser escrito e de que forma; a grafia das palavras em ídiche foi alterada para apagar vestígios das raízes hebraicas, da religião ou da nacionalidade


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