










A edição n.º 29 da Revista TÉCNICA chega num momento de viragem para o setor cerâmico nacional. Com a apresentação do Roteiro para a Neutralidade Carbónica da Indústria Cerâmica, no âmbito do projeto Ceramic Low CO2, testemunhamos não apenas o culminar de um esforço coletivo e estratégico, mas também o início de um caminho exigente e inadiável: o da descarbonização e da sustentabilidade.
Este artigo central, que dá conta do evento final realizado em Mortágua, reflete a mobilização de empresas, especialistas, entidades públicas e privadas em torno de soluções concretas que tornam a indústria cerâmica mais resiliente, moderna e alinhada com os desafios ambientais. A criação de ferramentas como o Observatório da Descarbonização ou o Curso MOOC são sinais de um setor que pensa à escala europeia, mas atua com base na realidade nacional.
Mas a transformação não é só energética — é também digital, criativa e tecnológica. É isso que nos mostra o artigo sobre design generativo, inteligência artificial e manufatura aditiva aplicados ao desenvolvimento de produtos cerâmicos. Um campo emergente, com potencial para redefinir formas, processos e interações entre designers, fabricantes e consumidores. Neste cruzamento entre tradição e vanguarda, a cerâmica encontra novos territórios de experimentação, personalizados e sustentáveis.
A revista dá ainda voz a investigações e práticas inovadoras, como o uso de hidrogénio na cozedura cerâmica, a análise crítica do impacto da IA generativa na produtividade, a evolução do design de produto nas indústrias criativas, e a revisão do novo Regulamento dos Produtos da Construção. Artigos que, em conjunto, reforçam a missão desta publicação: partilhar conhecimento técnico e científico com impacto direto na competitividade das empresas da fileira do habitat.
Num setor que precisa de se reinventar continuamente, o CTCV e os seus parceiros assumem a responsabilidade de inspirar, formar e apoiar quem quer criar valor com inovação, sustentabilidade e visão estratégica.
Jorge Marques dos Santos Presidente do Conselho de Administração do CTCV
Editorial
Ceramic Low CO2: Indústria Cerâmica Sustentável – Roteiro de Descarbonização da Indústria Cerâmica Portuguesa –Evento Final
A aplicação do design generativo e da IA no desenvolvimento de produtos cerâmicos e a potencial integração com a manufatura aditiva
Combustão de misturas de gás natural e hidrogénio aplicadas à cozedura de cerâmica: emissões e propriedades da chama
Impacto da IA Generativa na Produtividade
A Evolução do Design de Produto e das Indústrias Criativas com a IA
O Novo Regulamento dos Produtos da Construção: RPC (UE) 2024/3110 – Desafios e Oportunidades
Minerais industriais, processamento e utilização, uma visão geral Metso
A força silenciosa da Geologia: recursos minerais entre o legado e o futuro
Minerais, Sustentabilidade e Segurança: O Equilíbrio Necessário para a Indústria de Defesa na Europa
2025 // #29 | JUNHO/JULHO | Bimestral
Propriedade, Edição e Redação
CTCV - Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro Rua Coronel Veiga Simão, 3025-307 Coimbra (T) 239 499 200 (E) comunicacao@ctcv.pt (W) www.ctcv.pt NIF: 501632174
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António Baio Dias Sofia David
Subdiretor Editor
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Coordenador
Nuno Nossa
Colaborações
Ana Carvalho, Ana Sofia Amaral, António José Ferreira da Silva, A. Mezquita, Carlos Costa, Cláudia Paiva Silva, E. Monfort, Hélio Jorge, Isabel Antunes, Inês Rondão, Jorge Costa da Silva, J. Montolio, J. Vedrí, J. Viduna, Marisa Almeida, Marta Ferreira, Miguel Mira da Silva, Milene Lopes, Pedro Frade, Penousal Machado, R. Pereira, Sandra Carvalho, Sandra Chambel, S. Ferrer, Tiago Martins, Victor Francisco, Wolfram Bernhart
Design e Arte Final
José Luís Fernandes
Capa
Projetada usando recursos da IA Gemini
Impressão
Gráfica Almondina - Progresso e Vida; Empresa Tipográfica e Jornalistica, Lda Rua da Gráfica Almondina, Zona Industrial de Torres Novas, Apartado 29, 2350-909 Torres Novas (T) 249 830 130 (E) geral@grafica-almondina.com (W) www.grafica-almondina.com
Tiragem
250 exemplares
Publicação Periódica inscrita na ERC (Entidade para a Comunicação Social) com o nº 127420
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É proibida a reprodução total ou parcial de textos sem citar a fonte. Os artigos assinados veiculam as posições dos seus autores.
Espectrómetro de fluorescência de raios-X com dispersão de comprimento de onda.
Performance excecional com baixa manutenção graças à geometria ótica invertida, única no mercado, que evita a contaminação da ampola de raios-X e dos detetores.
Isabel Antunes, Inês Rondão, Marisa Almeida, Pedro Frade, Milene Lopes, Carlos Costa, Sandra Chambel, Victor Francisco, Sandra Carvalho
Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, Coimbra
O Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) e a Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e de Cristalaria (APICER), apresentaram no dia 29 de maio, o Roteiro para a Neutralidade Carbónica da Indústria Cerâmica até 2050, no evento final do projeto CeramicLowCO2, que decorreu no Montebelo Aguieira Lake Resort & Spa, em Mortágua.
Este Roteiro constitui um documento estratégico, que traça um plano de ação claro para a descarbonização de um dos setores industriais mais relevantes e tradicionais da economia portuguesa, e é resultado de um processo alargado de diagnóstico ao setor e consulta técnica, contando com a participação de mais de 50 especialistas provenientes de diferentes áreas de conhecimento, instituições e empresas. Paralelamente ao documento, foi desenvolvido um plano de comunicação, com ações de divulgação e capacitação, para envolver os principais stakeholders do setor para a descarbonização, que incluiu: bootcamps e workshops que serviram de espaços de reflexão e de auscultação do setor, a criação do Curso para a Descarbonização da Indústria Cerâmica até 2050, a criação do Observatório para a Descarbonização para monitorização dos avanços tecnológicos do setor a nível nacional e internacional, e a realização do Concurso de Ideias para a Descarbonização da Indústria da Cerâmica destinado a gerar soluções inovadoras para a descarbonização do setor.
O evento juntou mais de 120 participantes, 28 palestrantes de diferentes quadrantes, representantes da indústria, academia, entidades públicas e privadas, que discutiram os principais desafios e oportunidades que marcam o caminho da descarbonização da Indústria Cerâmica em Portugal.
O programa do evento teve início com a intervenção de Pedro Dominguinhos, Presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, que destacou o papel decisivo da inovação e do investimento no processo de transição energética da indústria cerâmica.
A visão internacional sobre os desafios e oportunidades da transição
energética foram abordados num painel, com a intervenção do eurodeputado João Cotrim de Figueiredo que, citando os objetivos do Pacto da Indústria Limpa (Clean Industrial Deal) referiu que é necessário alinhar as políticas públicas às necessidades da indústria, abrindo caminho para o investimento, com a redução da burocracia e a correta aplicação dos fundos. Norma Franco, partner da EY, apresentou o Pacote Omnibus e o seu alinhamento com o Pacto Ecológico Verde e o Pacto de Energia Limpa.
Ainda numa perspetiva europeia, mais focada no setor da cerâmica, Renaud Batier, presidente da Cerame-Unie, alertou para os obstáculos à descarbonização do setor, como a falta de disponibilidade de energia verde a preços competitivos e a falta de acesso às redes de abastecimento, assim como a dificuldade de acesso a vários instrumentos de apoio da UE por parte do setor, composto maioritariamente por PMEs, que geram um desfasamento entre as metas atuais de descarbonização e os recursos efetivamente disponíveis para o setor, particularmente nas empresas abrangidas pelo CELE – Comércio Europeu de Licenças de Emissão. A fechar o primeiro painel, Alejan-
dra Miralles Ibáñez, da ASCER, abordou a realidade espanhola, mostrando que o setor está a avançar no caminho da descarbonização, a um ritmo lento, sendo necessário maior investimento para testar novas tecnologias e uma rede energética robusta que responda às necessidades da indústria. Mencionou as necessidades de biometano e hidrogénio para atingir as metas de 2025, nomeadamente das empresas de pavimento e revestimento em Espanha, abrangidas pelo CELE.
No contexto português, Ana Lisboa, da ADENE, apresentou as principais linhas de atuação do Roteiro da Indústria: da teoria à eficiência, salientando a importância de sensibilizar os diversos setores para a eficiência energética e o papel da ADENE como parceira na identificação de soluções para a descarbonização.
O momento central do evento, a apresentação do Roteiro para a Neutralidade Carbónica até 2050 foi conduzida por Inês Rondão, investigadora na área de Inovação & Desenvolvimento do CTCV e Marisa Almeida, responsável pela área de Ambiente e Sustentabilidade do CTCV. Foram apresentados os principais eixos estratégicos para a descarbonização, destacando-se a modernização dos processos produtivos para maior eficiência energética, a substituição progressiva dos combustíveis fósseis por gases renováveis como o biometano e o hidrogénio verde, a eletrificação de equipamentos industriais, e a integração de fontes de energia renovável. Salientou-se a valorização da biomassa, o ecodesign, a adoção de práticas de economia circular, a aplicação de tecnologias digitais, como gémeos digitais, inteligência artificial e análise de dados em tempo real, bem como a capacitação das pessoas como aceleradores da descarbonização. Destacou-se a importância das tecnologias de captura, armazenamento e utilização de dióxido de carbono (CCUS) como solução complementar à descarbonização, principalmente quando a eliminação direta das emissões não é possível, tratando-se, no entanto, de uma abordagem que requer mais investigação e investimento para poder ser adotada em larga escala.
Foram apresentadas as projeções de produção, necessidades energéticas e as emissões de GEE a curto, médio e longo prazo, até 2050, para a Indústria Cerâmica e por subsetor, assim como os resultados da análise de custos e benefícios resultantes da implementação de tecnologias, técnicas e medidas de descarbonização e trajetórias de redução de emissões de GEE com base em diferentes cenários de descarbonização, incluindo as metas impostas pela UE. Salientou-se que o caminho para a descarbonização no setor não é único, nem linear, e que exige uma revisão profunda de produtos e processos, numa abordagem caso-a-caso, tornando-os mais eficientes e sustentáveis, e flexibilidade para adotar alternativas energéticas, novos recursos e tecnologias. Destacou-se também a necessidade de colaboração entre os diferentes elementos da cadeia de valor, centros tecnológicos e de investigação, para testar, validar e escalar soluções inovadoras, partilhando conhecimento e acelerando a inovação, e a necessidade de capacitação do setor para modernizar a indústria e reforçar a competitividade.
A apresentação contou ainda com o lançamento do Curso para a Descarbonização da Indústria Cerâmica até 2050, através da apresentação de um vídeo explicativo sobre o funcionamento do curso que será realizado no formato de MOOC (Massive Open Online Course), e do Sumário Executivo do Roteiro, ambos disponíveis no website do projeto.
No final desta secção foi apresentado um vídeo com boas práticas de descarbonização na Indústria Cerâmica, com a participação de empresas de diferentes subsetores da cerâmica, fornecedores de energia renovável e de matérias-primas.
A segunda parte do evento iniciou-se com uma mesa-redonda sobre “Desafios na Implementação das tecnologias com potencial de descarbonização na Indústria Cerâmica”, que contou com a intervenção de Edgar Fernandes, do Hylab, Carlos Cardoso, da Dourogás,
3 - Mesa-redonda sobre “Desafios na Implementação das Te cnologias com Potencial de Descarbonização na Indústria Cerâmica”, com a participação de Edgar Fernandes, do Hylab, Carlos Cardoso, da Dourogás, José Queirós, da Greenvolt e Paulo Partidário, da DGEG.
José Queirós, da Greenvolt e Paulo Partidário, da DGEG, e moderação de Víctor Francisco, do CTCV. A discussão foi centrada em torno das barreiras técnicas, económicas e regulatórias, assim como das oportunidades de implementação de soluções de descarbonização como a utilização como gases renováveis, como hidrogénio e biometano, a eletrificação e outras alternativas de baixo carbono.
Em seguida foi apresentada a ideia vencedora do Concurso de Ideias para a Descarbonização da Indústria Cerâmica, com o tema “Matérias-primas Alternativas nos Processos de Descarbonização”, sobre materiais aditivados alcalinamente como alternativa sustentável ao revestimento cerâmico tradicional, propondo um geopolímero, com utilização de rejeitados de mina como alternativa aos revestimentos cerâmicos convencionais. A ideia vencedora foi apresentada pelas alunas de doutoramento do GeoBioTec, da Universidade de Aveiro, Andreia Santos e Deborah Arduin, sob orientação da investigadora Slavka Andrejkovicova e do Professor Fernando Rocha.
Na segunda mesa-redonda do evento sobre “Perspetivas do Setor para a Implementação do Ceramic Low CO2” que contou com a participação de Paulo Pires, da Ria Stone, Paulo Almeida, da Primus Ceramics, Paulo Guimarães, da SACMI Portugal, Nuno Vitorino, da Induzir e Francisco Lázaro, do INEGI, e moderação de Hermano Rodrigues, da EY, foram debatidas soluções e tecnologias com aplicação na Indústria Cerâmica com maior potencial para a sua descarbonização.
As “Perspetivas de Descarbonização de outras Indústrias” foram abordadas numa mesa-redonda que contou com a participação de Beatriz Freitas, da AIVE, Ana Fernandes, da Biond, André Leitão Oliveira, da ACT Commodities, Raquel Coelho, do CATIM e Zenaida Mourão, do INESC TEC, e moderação de Hermano Rodrigues, da EY. Foram partilhados exemplos concretos e soluções inovadoras para a descarbonização em outros setores industriais, sublinhando-se que a partilha de conhecimento entre setores é essencial para alcançar a neutralidade carbónica.
No último painel do evento “O Papel da Política Pública para a Concretização dos Roteiros para a Descarbonização”, Joana Veloso, da APA, apresentou regulamentação aplicável para a descarbonização, em particular as garantias de origem para o biometano. Bruno Veloso, da ADENE, fez o alinhamento do Roteiro da Indústria com o roteiro de descarbonização do setor cerâmico, sublinhando a necessidade de uma maior proximidade das políticas públicas com as necessidades das empresas. Rodrigo Passos, do IAPMEI, encerrou o painel, apresentando os sistemas de incentivos disponíveis e apelando para que as empresas os utilizem para trilhar o caminho para a descarbonização.
O evento proporcionou, para além da apresentação oficial do Roteiro para a Neutralidade Carbónica da Indústria Cerâmica até 2050, um espaço de reflexão, debate e partilha de conhecimento, entre os principais stakeholders do setor, centrado nos desafios e oportunidades associados à transição para um modelo de baixo carbono.
A mensagem central transmitida ao longo das diferentes intervenções foi clara: a neutralidade carbónica constitui um imperativo estratégico para o setor e não pode ser adiada. Torna-se fundamental que as empresas participem ativamente na implementação de medidas concretas e progressivas para colocar o setor no caminho da neutralidade carbónica, assegurando simultaneamente a sua competitividade, resiliência e alinhamento com as exigências regulamentares e ambientais em vigor. A sessão foi encerrada pelo Presidente do Conselho de Administração do CTCV, Eng.º Jorge Marques dos Santos, com uma nota de agradecimento a todos os intervenientes no projeto e no evento, salientando a importância das sinergias geradas em todo este processo, no caminho para a descarbonização do sector da cerâmica.
Tiago Martins 1 , Hélio Jorge 2 ; Victor Francisco 2 ; Penousal Machado 1
1 Universidade de Coimbra, CISUC/LASI – Centro de Informática e Sistemas da Universidade de Coimbra, Departamento de Engenharia Informática; 2 Unidade de Inovação e Desenvolvimento, Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV)
O Design Generativo, impulsionado pelos avanços na Computação e em particular na Inteligência Artificial (IA), revolucionou várias áreas criativas. Da tipografia à moda, as abordagens generativas têm vindo a transformar a forma como os designers conceptualizam, iteram e produzem artefactos. Em vez de criar designs individuais, os designers desenvolvem um sistema computacional capaz de gerar vários designs a partir de um conceito inicial. No domínio da tipografia, um elemento essencial da comunicação visual, os algoritmos generativos podem ser utilizados para criar de forma dinâmica tipos e formas de letras, oferecendo aos designers uma ampla gama de opções para escolher. Estes algoritmos facilitam a criação de tipos de letra personalizados e adaptados a contextos ou necessidades específicas, expandindo assim os limites da criatividade tipográfica [1, 2, 3].
No design de identidades visuais, o Design Generativo tem vindo a alterar a forma como os logotipos são criados, capacitando os designers a gerar dinamicamente inúmeras iterações e permitindo-lhes explorar uma multiplicidade de possibilidades e alcançar marcas visuais inovadoras e adaptáveis [4, 5, 6]. Com este método, os designers podem explorar rapidamente inúmeros conceitos para logotipos, poupando tempo e recursos.
No campo do design de cartazes, os processos generativos têm sido utilizados para criar rapidamente e dinamicamente layouts, padrões, imagens e cores diversas, oferecendo possibilidades de design diversos e ajustados a mensagens específicas [7, 8, 9]. Os cartazes resultantes destacam-se com composições únicas e apelativas, tornando-os mais envolventes e eficazes na captação da atenção do público.
O Design Generativo tem sido explorado também na criação de capas de livros para produzir grandes variedades de capas que captam a essência do conteúdo de um livro [10, 11, 12]. Quando combinado
com a tecnologia de impressão on-demand, este método permite que cada cópia de um livro tenha uma capa distinta, aumentando o interesse do leitor e a comercialização do livro.
O impacto do Design Generativo estende-se para além dos campos do design gráfico para outros domínios, como a moda, arquitetura e design de mobiliário. Em todos esses campos, o Design Generativo está a impulsionar a criatividade, eficiência e inovação, empurrando os limites do que é possível criar.
Design Generativo de artefactos decorativos e utilitários
A aplicação de técnicas de design generativo na área da cerâmica é uma prática emergente que tem permitido a criação de designs intricados e inovadores, difíceis de obter através de métodos de design tradicionais, os quais podem então ser produzidos através de manufatura aditiva ou outras técnicas de fabricação digital. De seguida, apresentam alguns exemplos de projetos de objetos decorativos ou utilitários, quer sejam produzidos em cerâmica ou em materiais poliméricos.
O uso de técnicas de design generativo em cerâmica também possibilita a geração de formas orgânicas intrincadas, inspiradas em fenómenos naturais. O trabalho realizado pelo estúdio Nervous System é notável neste tipo de abordagem. Em particular, no trabalho Reaction Vase [13], este estúdio gerou vasos utilizando reaction diffusion, um processo que imita a interação de produtos químicos difundidos numa superfície para gerar padrões estáveis.
Adicionalmente, ao utilizar algoritmos computacionais, também é possível produzir designs inovadores influenciados por dados externos, permitindo a criação de designs dinâmicos que refletem uma ligação com o seu ambiente. No trabalho Adaptive Manufacturing [14], Sander
Wassink e Olivier van Herpt implementaram scripts de computador para capturar informação externa através de sensores e traduzir essa mesma informação em comportamentos específicos de uma impressora 3D, criando objetos que refletem o seu ambiente (Figura 1). Outro exemplo deste tipo de abordagem é apresentado por Claraval (Perpétua Pereira e Almeida, e Skopelab) através do trabalho Monastery Collection, onde uma série de jarras é gerada a partir de som e impressa em 3D de plástico para servir como protótipo para produção.
No campo das instalações de parede em cerâmica, o design generativo tem possibilitado a criação algorítmica de designs únicos, altamente personalizados e visualmente cativantes que se integram perfeitamen-
te em espaços arquitetónicos. O artista e designer Brian Peters tem produzido diferentes obras neste campo. Alguns exemplos incluem o trabalho 27 Drydock Lobby Artwork, uma instalação inspirada em estruturas moleculares e composta por células, ou blocos, hexagonais que variam no design; e o trabalho Wave Curl, outra instalação de parede composta por mais de 100 azulejos de cerâmica únicos que se transformam adquirindo complexidade na sua forma. Em todos estes projetos, foi usada a tecnologia Robocasting (RC) de cerâmica (Figura 2).
O Design Generativo pode ainda proporcionar aos utilizadores um extenso espaço de exploração. Ao permitir a manipulação interativa de parâmetros e ao proporcionar feedback em tempo real, aborda-
gens computacionais podem incentivar a criatividade e a personalização de designs. Estas abordagens convidam os utilizadores a envolverem-se ativamente na criação dos seus designs, aumentando a sensação de autoria e expressão artística. O projeto de arte generativa SimpSymm, de Christoph Bader e Dominik Kolb, utiliza um algoritmo procedimental para gerar uma ampla variedade de esculturas digitais adaptadas para impressão 3D, enquanto fornece aos utilizadores o controlo direto sobre os seus parâmetros e potencia o engajamento com o processo criativo.
Outro campo de avanço no design generativo aplicado à cerâmica é a incorporação de algoritmos de Inteligência Artificial e Aprendizagem Computacional na criação de peças. No trabalho Dio [15], o artista Ben Snell treinou um computador para se tornar um escultor, que aprendeu através da análise de esculturas clássicas e, eventualmente, começou a criar as suas próprias formas, misturando elementos de vários estilos clássicos. De forma similar, o estúdio Onformative implementou no seu trabalho AI Sculpting [16], um sistema de Inteligência Artificial que aprende a esculpir modelos 3D. Um último exemplo é a série de esculturas Psychedelic Forms [17], de Varvara Guljajeva e Mar Canet, onde os artistas aplicam Aprendizagem Computacional Profunda para gerar formas 3D únicas a partir de prompts de texto e modelos 3D, que são depois impressos em cerâmica, usando a técnica de Robocasting.
A manufatura aditiva permite a produção de modelos físicos tridimensionais a partir de um modelo virtual. Com base em desenho assistido por computador (CAD), todos os processos de manufatura aditiva, atualmente disponíveis no mercado, recorrem à deposição de material, camada sobre camada, até a obtenção de um produto tridimensional.
É conhecido que as técnicas de manufatura aditiva são hoje um instrumento indispensável ao processo moderno de desenvolvimento de produto, incluindo-se aqui o produto cerâmico. Estas técnicas começaram por ser usadas, na indústria cerâmica, no desenvolvimento de produto, estendendo-se à fase de realização de moldes, mas têm vindo, devido ao seu elevado potencial, a despertar um enorme interesse para o próprio fabrico de produtos em escala, nomeadamente produtos customizados. A utilização destas técnicas torna possível o
fabrico de peças com geometrias complexas que não são possíveis de obter através das técnicas convencionais de produção de cerâmicas. A reprodutibilidade e o controlo computorizado das características arquitetónicas destes produtos fazem com que as técnicas de manufatura aditiva apresentem inúmeras vantagens para a indústria cerâmica e justifiquem o seu potencial no fabrico de aplicações que respondam às necessidades de segmentos de mercado muito específicos [18]. Duas tecnologias a quem se coloca bastante foco na potencial aplicação a materiais cerâmicos argilosos são o Binder Jetting (Jato de Ligante) e o Robocasting.
Binder jetting é uma técnica de manufatura aditiva com base na utilização de pós que consiste na deposição de um material ligante líquido, através de uma cabeça de impressão, em camadas de pó previamente preparadas. Pode ser processado um número considerável de materiais por esta técnica, como sejam cerâmicos, polímeros, metais e compósitos [18, 19, 20]. A resolução dos modelos impressos é dependente não só do ligante e da granulometria de pó utilizada, como também da precisão da deposição das gotículas de ligante e da forma como este interage com as partículas de pó. Uma adequada escolha do ligante e a otimização do processo são os pontos-chave deste método. Tem-se explorado a utilização desta tecnologia, e dos materiais associados, em áreas diversas como a escultura de pequena e grande escala em grés e em diferentes composições argilosas, revestimentos em alumina e componentes estruturais e arquitetónicos em cimento [21, 22] (Figura 3).
Robocasting é uma técnica de base líquida dedicada à transformação de suspensão, pastas e líquidos. Esta técnica recorre a um sistema baseado num ou mais extrusores, roboticamente controlados, com os quais são depositados materiais camada sobre camada sobre uma base de construção, regra geral, à temperatura ambiente (Figura 4). Este é um processo que não requer quantidade significativa de ligantes, ceras ou termoendurecíveis e os produtos fabricados podem ser secos e sinterizados em menos de 24 horas.
Ao nível do fabrico de produto cerâmico, existem várias aplicações em fase de validação na área dos cerâmicos avançados, associadas a aplicações de desempenho técnico. Com cerâmicos argilosos, as tecnologias existentes começam a ser usadas em peças artísticas, mas ainda não como tecnologia industrial para o fabrico direto de peças.
Utilizando tecnologias completamente digitais – o design generativo e a manufatura aditiva, será possível conjugar a tecnologia, arte e criatividade de formas nunca antes aplicadas na indústria da cerâmica. É possível transcender as fronteiras do convencional na cerâmica utilitária e decorativa, redefinindo os paradigmas através de uma exploração por camadas das possibilidades que tecnologias emergentes da computação e da produção por métodos de manufatura aditiva oferecem.
A introdução de domínios emergentes da computação na fase de criação pode permitir explorar novas formas de criatividade, uma atividade que até muito recentemente era exclusiva dos seres humanos. As tecnologias destes domínios emergentes podem ainda contribuir para melhorar a eficiência e economia de tempo na fase de projeto, nomeadamente na aceleração ou automação de tarefas, como, a título de exemplo, o desenvolvimento e a utilização de algoritmos de aprendizagem automática que podem analisar grandes conjuntos de dados para identificar padrões, gerar ideias novas, sugerir formas, paletas de cores ou texturas. Por outro lado, em termos de acabamentos visuais e tácteis pode-se procurar explorar composições gráficas e paletas cromáticas, texturas tridimensionais, efeitos de luz e sombra, e até mesmo a integração de elementos não cerâmicos, desafiando as noções tradicionais de estética na cerâmica. Com esses acabamentos renovadores pode criar-se peças que possibilitem novas experiências visuais e táteis.
[1] G. M. a. D. Hofstadter, “Letter Spirit: An Architecture for Creativity in an Microdomain,” AI*IA, pp. 65-70, 1993.
[2] M. Huang, 2010.
[3] J. C. E. C. e. P. M. Tiago Martins, “Evotype: Evolutionary Type Design,” EvoMUSART, pp. 136-147, 2015.
[4] “Catalogtree,” Monadnock, 2008. [Online]. Available: https://www. catalogtree.net/monadnock. [Acedido em 20 April 2024].
[5] Neue, “Visit Nordyn,” 2010. [Online]. Available: https://neue.no/ work/visit-nordkyn/. [Acedido em 20 April 2024].
[6] S. a. Walsh, “Casa da Música,” 2016. [Online]. Available: https:// sagmeister.com/work/cada-da-musica. [Acedido em 20 April 2024].
[7] W. A. Center, “LUST's Posterwall for the 21st Century,” 2011.
[8] B. Müller, “Poetry on the Road 2002-2013,” 2002. [Online]. Available: Https://www.esono,com/boris/projects/poetry02/. [Acedido em 20 April 2024].
[9] J. Maeda, “Maeda@Media,” Thames & Hudson, 2000.
[10] FIELD, “GF Smith: 10,000 Digital Paintings,” 2011. [Online]. Available: https://field.io/work/10-000-digital-paintings. [Acedido em 20 April 2024].
[11] P. M. a. J. B. Pedro Cruz, “Data Book Covers,” 2010. [Online]. Available: https://cdv.dei.uc.pt/projects/data-book-covers. [Acedido em 20 April 2024].
[12] P. M. a. H. Muir, “Cover Process,” Eye, vol. 94, pp. 104-105, 2017.
[13] N. System, “Reaction Vase,” 2010. [Online]. Available: https://n-e-r-v-o-u-s.com/blog/?p=516. [Acedido em 20 April 2024].
[14] S. W. a. O. v. Herpt, “Adaptive Manufacturing,” 2014. [Online]. Available:https://oliviervanherot.com/adaptive-manufacturing/. [Acedido em 20 April 2024].
[15] B. Shell, “Dio,” 2018. [Online]. Available: http://bensnell.io/dio/. [Acedido em 20 April 2024].
[16] Onformative, “AI Sculpting,” 2022. [Online]. Available: https://onformative.com/work/ai-sculpting/. [Acedido em 20 April 2024].
[17] V. G. a. M. Canet, “Psychedelic Forms,” 2022. [Online]. Available: https://var-mar.info/psychedelic-forms/. [Acedido em 20 April 2024].
[18] Berman, “3-D Printing: The new industrial revolution,” Business Horizons, vol. 55, pp. 155-162, 2012.
[19] C. W. O. I. B. G. T. Campbell, “Could 3D Printing Change the World? Technologies, Potential, and Implications of Additivie Manufacturing,” Atlantic Council, pp. 1-16, 2011.
[20] S. V. A. B. S. Bose, “Bone tissue engineering using 3D printing,” Materials today, vol. 16, pp. 496-504, 2013.
[21] “Structural ceramics with three dimensional printing,” Three Dimensional Printing, 2013.
[22] D. Hudson, “Materials and Process Innovation for 3D Printing of Ceramics,” Centre for Fine Print Research: 3D Laboratory, University of the West of England: Arts and Humanities Research Council. [Online].
[23] F. A. C. M. a. P. M. Nuno Lourenço, “EvoFashion: Customising Fashion Through Evolution,” EvoMUSART, pp. 176-189, 2017.
[24] N. A. a. T. Anaraki, “Fashion Design Aid System with Application of Interactive Genetic Algorithms,” EvoMUSART, pp. 289-303, 2017.
[25] SPACE10, “Open Fabrication: Democrasiting Custom-Made Design,” 2019. [Online]. Available: https://space10.com/projects/open-fabrication/. [Acedido em 20 April 2024].
[26] N. V. a. A. R. Brown, “Generating Novel Furniture with Machine Learning,” EvoMUSART, pp. 401-416, 2022.
6.ª EDIÇÃO JORNADAS TÉCNICAS da
No âmbito da 6.ª edição das Jornadas Técnicas da Cerâmica, que este ano se realizam em Coimbra, um dos temas centrais é dedicado aos «Recursos Minerais - Tecnologias e Processos Industriais»
Neste encontro vamos explorar o impacto dos recursos minerais, em particular os minérios e minerais industriais, refletindo sobre as oportunidades e os desafios que surgem para as empresas portuguesas numa era de transformação e de condições geopolíticas em constante mudança, obrigando as empresas a repensar a sua atuação, reunindo entidades e líderes nesta matéria, para discutir um tema de importância crucial para a competitividade da indústria e desenvolvimento económico do país.
Junte-se a esta iniciativa e fique atento para mais novidades! 19 novembro 2025
S. Ferrer 1 , E. Monfort 1 , R. Pereira 2 , J. Viduna 2 , J. Montolio 1 , A. Mezquita 1 , J. Vedrí 1
1 Instituto de Tecnologia Cerâmica. Associação de Investigação das Indústrias Cerâmicas. Universidade Jaume I. Castellón. Castellón, Espanha; 2 Sociedade Espanhola de Carburos Metálicos. Tecnologia comercial Av de la fama, 1. Cornellà de Llobregat, Barcelona. Espanha.
Nos próximos anos, a indústria de alta temperatura terá de se adaptar aos requisitos de redução de emissões de CO2, o que exigirá grandes mudanças tecnológicas e a utilização de energias alternativas. Uma opção fundamental é a utilização do hidrogénio como combustível, uma vez que a sua combustão não gera CO2, eliminando assim as emissões atuais do processo. Este trabalho apresenta um estudo técnico (não incluindo aspetos económicos) que analisa, por um lado, a combustão teórica de misturas de hidrogénio e gás natural e, por outro, os resultados experimentais de ensaios com hidrogénio e oxigénio num queimador adaptado. Para o efeito, foi concebida uma câmara de combustão para avaliar parâmetros como a geometria e a temperatura da chama, a transferência de calor e a composição do gás. Estes resultados serão fundamentais para estudos futuros sobre a viabilidade técnica e económica da utilização do hidrogénio em fornos de cerâmica.
O sector da cerâmica consome muita energia térmica, principalmente através da combustão de gás natural, o que gera emissões significativas de CO2, um gás com efeito de estufa regulado internacionalmente pelo seu impacto nas alterações climáticas. As tecnologias atuais estão muito desenvolvidas, pelo que novas reduções de emissões exigem uma mudança profunda nos processos e nas fontes de energia.
Uma alternativa importante é a utilização do hidrogénio, especialmente o hidrogénio verde, produzido com eletricidade renovável. Este combustível pode substituir parcial ou totalmente o gás natural, gerando apenas vapor de água quando queimado, o que reduziria significativamente as emissões. No entanto, a sua aplicação industrial é ainda imatura e necessita de estudos pormenorizados sobre o
seu impacto nos processos, materiais e emissões. Este trabalho faz parte de uma série de estudos sobre a viabilidade destas soluções para descarbonizar a indústria cerâmica.
O objetivo deste trabalho é analisar os parâmetros teóricos da combustão de misturas de hidrogénio/gás natural, avaliando o seu impacto na geração e transmissão de calor, na composição do gás e no perfil da chama, com especial atenção às emissões geradas.
Os aspetos económicos ultrapassam o âmbito do presente documento e serão considerados numa fase posterior.
Estudo teórico da combustão do gás natural e do hidrogénio
Propriedades do combustível hidrogénio versus gás natural
Em função da origem das matérias-primas utilizadas, é possível distinguir entre o hidrogénio azul ou cinzento, obtido a partir de fontes fósseis, e o hidrogénio verde, obtido a partir da água, utilizando eletricidade proveniente de fontes renováveis, que é o único que faz sentido do ponto de vista da descarbonização do processo.
O hidrogénio poderia ser utilizado como combustível no sector da cerâmica em processos onde atualmente se utiliza o gás natural. A Tabela 1 apresenta as caraterísticas de ambos os gases para utilização como combustíveis.
A principal vantagem da combustão do hidrogénio em relação à combustão de combustíveis fósseis é que não tem emissões de
se
-
CO2, como se pode ver nas reacções de combustão detalhadas na Tabela 2.
No entanto, é de notar que a combustão de ar com hidrogénio pode gerar uma maior quantidade de NOx térmico, dado que tem uma temperatura de chama mais elevada (cerca de 170ºC superior), sendo este parâmetro muito crítico a partir de temperaturas da ordem dos 1400ºC. As emissões de NOx têm valores-limite de emissão nas autorizações ambientais integradas (variáveis consoante a fase do processo).
De facto, o desenvolvimento de queimadores e/ou condições de funcionamento que reduzam a formação de NOx na combustão é um dos aspectos a estudar neste projeto.
Estudo teórico da combustão de gás natural e hidrogénio com ar
A Tabela 3 e a Tabela 4 mostram os produtos da combustão do gás
5 - Poder calorífico superior e inferior por unidade de volume, índice de Wobbe e sua variação, para as distintas misturas de gás natural e hidrogénio.
natural com ar e do hidrogénio com ar, respetivamente, para diferentes razões estequiométricas ar-combustível (n).
A tabela 4 mostra que na combustão de hidrogénio com ar, a percentagem de vapor de água nos gases de combustão aumenta significativamente em comparação com os gases resultantes da combustão de gás natural, onde o valor de vapor de água para a combustão estequiométrica é de 18,53% (tabela 3).
Combustão de misturas de metano-hidrogénio com ar
Quando o hidrogénio é adicionado ao gás natural, as propriedades da mistura alteram-se significativamente. São apresentados resultados sobre a variação das propriedades energéticas de misturas com até 100% de hidrogénio em volume, calculados em condições padrão (P = 1 atm, T = 273,15 K).
A tabela 5 apresenta os valores do poder calorífico superior e inferior por unidade de volume, o índice de Wobbe e a sua variação para diferentes misturas. Este índice é fundamental para avaliar a permutabilidade dos gases combustíveis, uma vez que permite manter caraterísticas de combustão semelhantes no mesmo queimador em condições constantes.
O índice de Wobbe compara a energia fornecida por gases de com-
posição diferente. Se dois combustíveis tiverem o mesmo índice, podem ser utilizados sem modificação do queimador. Variações até 5% são aceitáveis sem ajustamento, mas diferenças maiores requerem modificações ou substituição do equipamento.
Observa-se que o poder calorífico das misturas diminui à medida que aumenta a quantidade de hidrogénio, ou seja, a energia contida por unidade de volume diminui progressivamente, uma vez que o hidrogénio tem um poder calorífico inferior por unidade de volume (quadro 1).
Por exemplo, observa-se que, em condições normais, quando a fração volumétrica de hidrogénio atinge um valor de 0,10 (10% de hidrogénio em volume na mistura), provoca uma diminuição de 7% no poder calorífico. Se esta percentagem for aumentada para 50% de hidrogénio em volume na mistura, o poder calorífico é reduzido em 35%.
No que diz respeito à permutabilidade, é de salientar que, de acordo com os valores da tabela e tomando como critério uma tolerância na variação do índice de Wobbe de 5%, a incorporação de até 20% de hidrogénio em volume no gás natural permitiria trabalhar com os mesmos queimadores e sistema de combustão. Para percentagens superiores, teriam de ser efetuadas modificações, e mesmo alterações na conceção dos queimadores.
Variação da composição do gás de combustão do forno em função da percentagem de hidrogénio na mistura
Quando se utilizam misturas de gás natural e hidrogénio, a composição do gás de combustão resultante muda significativamente. A Figura 1 mostra como a composição dos gases formados durante a combustão completa (CO2, H2O) varia para diferentes misturas de gás natural e hidrogénio.
Da observação da figura podem destacar-se os seguintes aspetos:
- Para reduzir significativamente as emissões de CO2, são necessárias
misturas com um elevado teor de hidrogénio devido ao seu baixo valor calorífico. Por exemplo, a adição de 10% de hidrogénio apenas reduz o CO2 em 2,52%. Para conseguir uma redução próxima de 50%, é necessário mais de 80 % de hidrogénio na mistura.
- Outro aspeto relevante é o aumento do vapor de H2O na câmara de combustão. As misturas ricas em hidrogénio aumentam o teor de vapor dos gases. Com 50% de hidrogénio, o aumento é de 3,27% e com 100% de hidrogénio é de 16,18%.
- Os efeitos do aumento do vapor de água sobre o produto e o refratário são difíceis de prever teoricamente, sendo necessários estudos experimentais para os avaliar.
Estudo experimental preliminar da combustão de misturas de gás natural e hidrogénio
Queimadores de hidrogénio Cleanfire® HRx
Este projeto adapta o queimador Cleanfire® HRx™ da Carburos Metálicos / Gasin para utilização com hidrogénio nos sectores da cerâmica e da frita. Originalmente concebido para a indústria do vidro (figura 2), é um queimador oxi-combustível de chama plana com até 95% de direção de oxigénio, controlo de espuma, baixas emissões de NOx e sensores para monitorização remota.
O queimador possui três pórticos: um central para iniciar a combustão e dois para direcionar o oxigénio. A sua capacidade de controlo direcional permite regular a chama em função do modo de funcionamento ("Foam Control", "Melt" ou "Split"), optimizando o comprimento, a velocidade e a luminosidade da chama.
A figura 3 mostra os diferentes modos de funcionamento do queimador HRx.
Ensaios com hidrogénio
Foram realizados testes experimentais com o queimador Cleanfire® HRx™ utilizando misturas de hidrogénio e gás natural, desde 100% de gás natural até 100% de hidrogénio, utilizando principalmente oxigénio como combustível. Para trabalhar com hidrogénio, foram feitas pequenas modificações no queimador e foram observadas as
caraterísticas da chama, como a forma e o brilho. A figura 3 mostra como a proporção de hidrogénio afeta estas propriedades.
Como mostra a figura 4, à medida que o hidrogénio aumenta, a luminosidade da chama diminui, tornando-se quase invisível a 100% H2
A sua forma também se altera: a chama encurta devido ao aumento da taxa de combustão. Este novo perfil de libertação de calor deve ser considerado para garantir uma boa transferência de calor para o produto.
Não foram detetados efeitos de degradação na câmara de combustão ou pontos quentes no bloco do queimador durante os ensaios.
Os resultados deste estudo mostram que a substituição do gás na-
tural pelo hidrogénio implicará a adaptação e/ou substituição de queimadores ou equipamentos existentes, dadas as caraterísticas especiais do hidrogénio.
Por conseguinte, os trabalhos futuros deverão:
- Investir no desenvolvimento de novos queimadores de hidrogénio com a dimensão e a potência necessárias no sector da cerâmica.
- Trabalhar para minimizar a formação de NOx durante a combustão de hidrogénio com ar.
- Estudar a sua adaptação às caraterísticas do processo. Será necessário realizar um estudo aprofundado para conhecer o comportamento dos materiais cerâmicos processados, bem como dos materiais de construção do forno, quando o gás natural é substituído pelo hidrogénio, com a nova atmosfera gerada no forno.
- Preste especial atenção à qualidade do produto final, uma vez que a cozedura de azulejos de cerâmica é fortemente influenciada pela forma e pelas caraterísticas das chamas.
- Analisar os efeitos do aumento da quantidade de vapor de água gerado na combustão, que a priori são difíceis de prever.
Este trabalho faz parte das atividades desenvolvidas no âmbito do projeto "Estudo experimental a nível laboratorial-piloto da cozedura de materiais cerâmicos utilizando o hidrogénio como combustível (HIDROKER)", financiado pela Generalitat Valenciana através do Instituto Valenciano de Competitividade Empresarial (IVACE).
- Roteiro do Hidrogénio: um compromisso com o hidrogénio renovável". Ministério para a Transição Ecológica e o Desafio Demográfico (MITECO). outubro de 2020. (ES)
- Ferrer, S., 2016. Análise energética e exergética do processo de cozedura de composições cerâmicas. Tese de doutoramento. Universitat Jaume I. Castellón.
- Hortal, M.; Barrera, A. L.. Hidrogénio: fundamentos de um futuro equilibrado. Diaz Santos. 2012.
Jorge Costa da Silva 1 , Miguel Mira da Silva 2
A IA Generativa gerou grandes expectativas, especialmente desde o lançamento do ChatGPT pela OpenAI em novembro de 2022. Neste artigo, exploramos o impacto da IA Generativa na produtividade. Embora muitos acreditem que iremos experimentar um aumento extraordinário na produtividade, outros são mais cautelosos, salientando que existem problemas que é preciso resolver, tais como alucinações, preconceitos e importantes questões éticas e regulatórias.
Neste contexto, realizámos uma revisão sistemática da literatura de artigos científicos para responder às seguintes questões de investigação: quais as aplicações onde a IA Generativa pode ter impacto na produtividade; quais os benefícios, riscos e desafios da IA Generativa; e quais as ferramentas que estão a ser usadas.
Esta revisão está atualmente submetida em inglês numa revista científica internacional para publicação. Neste resumo em português apresentamos apenas as respostas às quatro questões de investigação.
As aplicações de IA mencionadas na literatura foram identificadas e as mais citadas são:
• Escrita: É a aplicação mais frequente, que inclui dois subtipos principais. Um é a sumarização de conteúdo, relevante em sectores como serviços financeiros, cuidados de saúde e pesquisa em Economia. O outro subtipo é a elaboração de rascunhos (citada por 8 autores), que se pode aplicar, por exemplo, a artigos científicos ou às comunicações no local de trabalho.
• Pesquisa de informação: Trata-se da segunda aplicação mais referida. Abrange diversos casos de uso, como clarificação de conceitos, procura de informações sobre saúde mental ou localização de referências em Medicina.
• Programação: Refere-se à escrita e depuração de código. É útil em vários domínios e inclui tarefas-chave como a geração de código para construção de ferramentas visuais ou aceleração da visualização de dados, e a depuração de código utilizada por programadores profissionais e por outras profissões.
• Análise de dados: Abrange atividades como a análise de grandes volumes de dados para aferir a segurança nas transações e as avaliações de crédito no setor financeiro, ou a exploração de dados analíticos na gestão de recursos humanos.
• Tomada de decisão: Utilizada em diferentes contextos, como apoio a decisões em genética clínica ou na avaliação automática da gravidade de AVC.
• Brainstorming: A IA Gerativa, por exemplo, pode ser usada para criar um ponto de partida na elaboração de artigos científicos ou em marketing.
• Aprendizagem: A IA Generativa pode ajudar na aprendizagem de programação ou na melhoria do conhecimento de trabalhadores da hotelaria.
Para além das referidas, outras aplicações incluem análise de texto, tradução, automatização, personalização, artefactos visuais, gestão de conhecimento, planeamento, agendamento, gestão de tarefas, matemática, gestão de e-mail e transcrição.
Os benefícios mais citados do uso de ferramentas de IA Generativa são:
• Menos tempo gasto: Exemplos incluem um aumento médio de 149% na produtividade de programadores, uma redução de 40% no tempo de conclusão de tarefas de escrita e um aumento de 25% na produtividade na indústria artística.
• Precisão: Observou-se uma precisão elevada em cálculos farmacocinéticos, em tarefas de auditoria e consultoria e na redução de erros em relatórios de radiologia.
• Melhor qualidade: Um exemplo é em marketing, onde o conteúdo gerado por IA Generativa superou o conteúdo humano em rankings de pesquisa, resultando em maior visibilidade online.
• Permite focar em atividades de valor acrescentado: Este benefício foi referido em 8 artigos. Um desses artigos insere-se no contexto de um laboratório de investigação em Química. Outro refere que a
IA Generativa pode proporcionar mais tempo aos revisores para que possam fazer análises mais aprofundadas aos estudos académicos.
• Melhor comunicação: A IA Generativa pode permitir uma comunicação mais precisa e inequívoca, bem como respostas imparciais em contexto empresarial.
• Ajuda na tomada de decisão: Seis estudos referiram este benefício. Um deles foca-se na capacidade da IA Generativa de analisar dados financeiros. Outro, no âmbito da gestão de recursos humanos, menciona a possibilidade de se dar um melhor apoio aos funcionários graças aos dados analíticos obtidos.
Os riscos e desafios mais citados incluem:
• Desinformação e alucinações: Foram encontrados erros em informações importantes em análises bibliométricas e erros factuais frequentes em estudos empíricos. A confiança é uma preocupação central neste contexto, e as alucinações podem ser muito difíceis ou impossíveis de eliminar.
• Vieses: Os vieses presentes nos dados de treino podem ser refletidos e até amplificados nas respostas da AI Generativa. É relevante na gestão de conhecimento e em outras áreas.
• Divulgação de dados privados: As ferramentas de IA Generativa podem armazenar dados do utilizador e incluí-los em conjuntos de dados de treino, sendo uma consideração muito relevante, especialmente em setores como cuidados de saúde.
• Qualidade insuficiente das respostas: As respostas podem ser superficiais em domínios específicos, repetitivas, vagas, irrelevantes, com falta de elaboração crítica, baixa qualidade de escrita, sem sentido ou inadequadas, e enganosas.
• Necessidade de supervisão: Os erros e alucinações da IA Generativa exigem que os utilizadores verifiquem as respostas para tarefas não triviais, levantando dúvidas sobre a utilidade destas ferramentas, devido ao tempo de verificação e ao risco de erros não detetados. Existe, por isso, um compromisso entre o tempo poupado pelas ferramentas e o tempo que exigem para a verificação dos resultados.
• Dependência excessiva: Uma dependência ou confiança excessiva nas ferramentas de IA deve ser considerada, pois pode reduzir a capacidade de pensamento crítico ou a criatividade. Um excesso de confiança no seu uso pode diminuir a qualidade do trabalho ou do discernimento profissional.
• Necessidade de prompting cuidadoso: Refere-se à sensibilidade das ferramentas de IA Generativa à entrada (prompt) fornecida pelo utilizador. A necessidade de um prompting cuidadoso, a atenção que
isso requer, o seu papel fundamental e como afeta a qualidade das respostas são mencionados em diversos estudos.
As ferramentas de IA Generativa mencionadas na literatura são:
• ChatGPT: Lançado pela OpenAI em novembro de 2022.
• Bard: Do Google, lançado em 2023 e agora chamado Gemini.
• GitHub Copilot: Uma ferramenta para programadores da Microsoft, lançada em junho de 2021.
• Bing: Um motor de busca da Microsoft que agora inclui funcionalidade de IA Generativa.
• DALL-E: Da OpenAI, gera imagens a partir de comandos de texto.
• Midjourney: Uma ferramenta de arte generativa.
Outras ferramentas incluem Claude, LlaMA, Gemini, PaLM, Stable Diffusion, Microsoft Copilot, ferramentas personalizadas, LaMDA, BERT e muitas outras.
Este resumo apresentou os resultados da revisão sistemática da literatura em relação às aplicações da IA Generativa, os benefícios que podem ser alcançados, os riscos e desafios que introduz, e as ferramentas que estão a ser utilizadas. A análise revela que a avaliação do impacto da IA Generativa na produtividade é complexa, sendo o resultado combinado dos benefícios e dos riscos/desafios para cada aplicação específica.
Ana Carvalho Responsável do Lufapo Hub, Coimbra
A inteligência artificial (IA) tem-se tornado numa das forças mais transformadoras dos últimos anos, afetando uma variedade de indústrias, com particular destaque para o design de produto e para as indústrias criativas. A sua capacidade de processar grandes volumes de dados, identificar padrões complexos e aprender de forma autónoma tem possibilitado avanços significativos, alterando os métodos tradicionais de criação, inovação e personalização. Basta ver as temáticas apresentadas no Web Summit 2024 para perceber que hoje tudo converge para a IA! Na realidade, a evolução da IA pode de facto impulsionar a inovação nesses campos, melhorando a eficiência, a personalização, a descarbonização e a sustentabilidade, não descurando os desafios éticos e técnicos.
O design de produto é um processo complexo que envolve várias etapas, desde a fase da pesquisa inicial e brainstorming até às fases de prototipagem e fabricação. A IA pode otimizar cada uma dessas fases, oferecendo ferramentas que auxiliam os designers e criadores a tomar decisões mais informadas, eficientes e descarbonizadas/sustentáveis. Tendo em conta que os softwares de design alimentados por IA podem mesmo realizar tarefas repetitivas, nomeadamente, o ajuste das formas, cores e texturas, além de sugerir automaticamente alterações com base em feedbacks dos utilizadores ou em dados de produção e artigos científicos.
Por exemplo, algoritmos de machine learning podem analisar grandes quantidades de dados sobre as preferências do consumidor, tendências de mercado, eficiência energética e pegada ecológica e até mesmo o histórico de feedbacks sobre produtos similares. Com essas informações, a IA pode sugerir opções de design mais adequados às necessidades do mercado aliados com a descarbonização, reduzindo o tempo de desenvolvimento e os custos com testes de protótipos.
A personalização tem sido um dos principais motores da inovação no design de produto, com consumidores cada vez mais exigentes que procuram artigos que atendam às suas necessidades individuais.
A IA permite que os designers criem soluções mais personalizadas por meio da análise de dados comportamentais, preferências e até mesmo sentimentos dos usuários. Há plataformas de IA, como a computação afetiva que permitem que os produtos sejam ajustados automaticamente para que se alinhem melhor ao estado emocional e psicológico dos consumidores.
Por exemplo, empresas como Nike e Adidas têm usado a IA para criar calçado personalizado, onde a impressão digital dos pés ou os hábitos de atividade física do usuário são analisados para criar um design único que otimize o conforto e o desempenho.
Facilmente se percebe que se podem desenvolver ferramentas de IA aplicadas a criar por exemplo novas peças cerâmicas utilitárias, novos pavimentos e revestimentos completamente personalizados aos perfis individuais de cada consumidor! Será a personalização também uma tendência do sector da cerâmica?
Como exemplo de Modelação 3D temos o Blender ou o Rhino 3D: softwares de modelação 3D melhorados por IA que podem ajudar na criação e visualização de formas cerâmicas complexas antes do início da criação propriamente dita.
O uso da IA também está também a mudar a maneira como os próprios protótipos são desenvolvidos. Tradicionalmente, a criação de protótipos físicos envolve custos altos e um longo período de iteração. No entanto, ferramentas de IA, combinadas com tecnologias como impressão 3D e realidade aumentada (AR), permitem simulações mais rápidas e precisas, tanto no aspeto físico quanto na interação do usuário com o produto. Ou seja, a IA pode prever como se irão comportar diferentes designs de produto em contextos reais e sugerir ajustes cruzando com as questões de sustentabilidade e descarbonização dos processos, tornando o processo de prototipagem mais eficiente e menos demorado.
As indústrias criativas têm sido profundamente impactadas pela inteligência artificial que está a criar novas formas de expressão artística e simultaneamente novas oportunidades de negócio.
Desde logo, a IA tem mostrado grande potencial na geração de conteúdos criativos, desde imagens, vídeos até músicas e textos. Ferramentas como o DeepArt, Picsart e o Runway ML permitem que os criadores utilizem redes neurais para gerar novas obras de arte, realizar edições automatizadas e até criar conteúdos originais que seriam inimagináveis sem a assistência da IA.
No campo da cerâmica por exemplo, algoritmos de Geração de imagens como o Midjourney, DALL-E, Artbreeder: ferramentas alimentadas por IA podem gerar imagens inspiradoras com base em descrições. Os artistas cerâmicos usam-nas para visualizar desenhos, padrões ou texturas para o seu trabalho.
Estas inovações estão a democratizar a produção de conteúdos, permitindo que qualquer pessoa, mesmo sem capacidades técnicas avançadas, consiga criar materiais criativos de grande qualidade e complexidade. No entanto, todo este manancial de criação também levanta muitas questões sobre a originalidade e a autoria, áreas que, provavelmente, precisam de ser regulamentadas para garantir o uso ético da IA.
Começa a ser consensual, e isso percecionou-se no Web Summit 2024, que a IA está a emergir fundamentalmente como uma ferramenta de colaboração, ajudando os profissionais criativos a aperfeiçoar e afinar o seu trabalho, sugerindo ajustes e alternativas para melhorar o produto final, tendo em consideração, nomeadamente, os dados que permitam assegurar maior descarbonização dos processos, algo que nem sempre os criativos consideram. Por exemplo, assistentes criativos em design gráfico, como o Canva, usam IA para sugerir layouts, paletas de cores e tipografias de acordo com o estilo do projeto. Da mesma forma, no campo da loiça utilitária, IA pode sugerir coleções baseadas em tendências emergentes e preferências de consumidores, criando coleções que se alinham melhor ao mercado.
A IA também tem sido fundamental na melhoria da experiência do usuário (UX). Com a utilização de algoritmos preditivos, é possível criar experiências mais personalizadas e interativas, ajustadas ao comportamento e preferências do consumidor em tempo real. A IA é capaz de analisar dados de interações passadas e prever as escolhas
dos consumidores, ajustando o conteúdo e as interfaces para uma experiência mais fluida e envolvente.
A IA pode de facto otimizar o processo criativo, permitindo que os profissionais se concentrem nas partes mais artísticas do trabalho enquanto que a “máquina” lida com as tarefas mais operacionais. Essa colaboração pode aumentar a produtividade e a inovação, criando novas formas de fazer arte e design.
Contudo, embora a IA ofereça inúmeras vantagens para o design de produto e para as indústrias criativas, também surgem desafios e questões éticas que não podem ser ignorados. O uso de IA para a criação de designs e conteúdo pode levantar questões sobre direitos de autor e a potencial tão falada perda de empregos. Além disso, a dependência de algoritmos pode gerar uma tendência de ao invés de aumentar, reduzir a diversidade criativa, caso as soluções de IA se baseiem apenas em grandes volumes de dados de comportamento predominante, negligenciando por exemplo as vozes e os estilos alternativos e menos populares ou divulgados no mundo web.
No caso da indústria cerâmica, a IA pode ser uma ferramenta muito potente de apoio, melhorando a eficiência e automação do design e dos processos produtivos, trazendo, contudo, alguns desafios, tais como a tendência de uma personalização excessiva do produto em função do consumidor o que pode trazer novos conceitos para a industrialização do sector.
• https://www.ceramicreview.com/articles/clay-meets-code/
• Shneiderman, B. (2020). Human-Centered AI: A New Approach for Creating Trustworthy Intelligent Systems. Springer.
• McCormick, J. (2022). AI in Design: The Impact of Artificial Intelligence on Product Development. Design Science Review.
• Brynjolfsson, E., & McAfee, A. (2017). The Second Machine Age: Work, Progress, and Prosperity in a Time of Brilliant Technologies. W. W. Norton & Company.
• Elgammal, A., Liu, B., Elhoseiny, M., & Mazzone, M. (2017). CAN: Creative Adversarial Networks, Generating" Art" by Learning About Styles and Deviating from Style Norms. arXiv preprint arXiv:1706.07068.
• Cörvers, F. (2019). The Role of Artificial Intelligence in Creative Industries. Journal of Creative Technologies, 6(2), 121-135.
Ana Sofia Amaral, Marta Ferreira, Marisa Almeida
Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, Coimbra
O novo Regulamento dos Produtos da Construção (RPC) – Regulamento (EU) 2024/3110 foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia no dia 18 de dezembro de 2024.
Entrou em vigor parcial no dia 7 de janeiro de 2025 e, a partir de 8 de janeiro de 2026, estará em vigor o novo Regulamento. No entanto, tendo em conta as alterações que introduz, o período de coexistência com o Regulamento 305/2011 poderá estender-se, no limite, até 2032.
A análise e aplicação do Regulamento 305/2011 levou à constatação de algumas lacunas, nomeadamente:
- Processo de normalização com fraco desempenho,
- Disposições pouco claras e incoerência com outra legislação da UE,
- Fraca fiscalização do mercado,
- Abordagem incompleta das necessidades regulamentares dos Estados-Membros,
- Ausência de uma abordagem consistente relativa à segurança dos produtos.
Para colmatar estas carências e introduzir temas emergentes aos quais a União Europeia pretende dar destaque, foi elaborado o Regulamento 2024/3110 que, na essência, visa orientar a economia para uma vertente cada vez mais verde e circular.
No novo regulamento mantém-se o propósito de harmonizar regras para comercialização de produtos de construção na UE, facilitar a livre circulação de produtos num mercado único, com informação e características uniformizadas, a par da abordagem do desempenho dos produtos da construção em termos de sustentabilidade.
Como principais alterações introduzidas pelo regulamento podem destacar-se a digitalização e a sustentabilidade, com a introdução de requisitos ambientais obrigatórios para os produtos de construção.
O foco do regulamento anterior era principalmente no desempenho técnico; o novo RPC obriga os fabricantes a avaliar e declarar os requisitos ambientais, funcionais e de segurança aplicáveis aos produtos de construção.
Salienta-se a introdução do Sistema 3+ (Controlo da avaliação da sustentabilidade ambiental pelo organismo notificado) nos sistemas de avaliação e verificação. O Sistema 3+ vai ser transversal para todos os produtos, independentemente da sua função na obra. Todos os produtos, de acordo com os requisitos da sua participação na obra, tinham já um sistema de avaliação e verificação (Sistema, 1, 1+, 2+,3 e 4), que agora existirá em paralelo com o sistema 3+, para avaliação do desempenho/sustentabilidade ambiental, que pressupõe a intervenção de um organismo notificado.
Alinhado com a economia circular, a perspetiva da sustentabilidade ambiental no novo regulamento visa promover a transição para processos produtivos mais ecológicos e a utilização mais eficiente dos recursos naturais, com base no ciclo de vida dos produtos, dando enfoque à reutilização e remanufatura e fomentando a redução de resíduos no setor. Trata-se, portanto, de dirigir as ações para os objetivos globais de redução do impacte ambiental dos produtos de construção, de promoção da circularidade e da eficiência energética e da conceção de obras que constituam exemplos de sustentabilidade.
O novo regulamento vem alavancar a transição digital do setor da construção, de forma a potenciar a competitividade do setor. Pretende-se que a informação seja estruturada, baseada em normas abertas e desenvolvida num formato interoperável, isto é, transferível através de um sistema aberto de intercâmbio de dados sem dependência do vendedor, de forma que a comunicação permita a leitura de informações de todas as proveniências.
Um dos marcos basilares da digitalização é o Passaporte Digital de Produto (PDP), uma ferramenta de identidade digital que visa disponibilizar e facilitar a partilha de informações sobre o produto (ex: desempenho técnico, materiais e sua origem, atividades de reparação, capacidades de reciclagem, impactes ambientais ao longo do ciclo de vida). O artigo 76º do RPC 2024/3110 refere ainda que o PDP deve incluir a declaração de desempenho e conformidade, informação sobre impacte ambiental do ciclo de vida do produto (alterações climáticas, eutrofização, acidificação, etc. e rotulagem em matéria de sustentabi-
lidade ambiental) e elementos técnicos sobre segurança, (instruções de utilização, informações de segurança, higiene e saúde, etc).
O PDP visa promover a transparência para fabricantes e consumidores, melhorar a gestão de informação complexa e facilitar a rastreabilidade dos produtos ao longo da cadeia de valor. A estrutura do PDP ainda não está definitivamente decidida; para o seu conhecimento aguarda-se a adoção de um ato delegado, previsivelmente publicado em meados de 2026. Dezoito meses após a publicação deste ato delegado, a existência do PDP passa a ser obrigatória. O aparecimento do PDP vai ser um elemento dinamizador da digitalização do setor e será o mote para uma transição digital mais ampla, alinhada com outras iniciativas da UE de desmaterialização da documentação. A introdução do PDP vai necessitar do desenvolvimento e atualização de soluções digitais nas empresas, de forma a adaptar a sua gestão de armazenamento e partilha de dados, para garantir o cumprimento dos requisitos de disponibilização de informação. Paralelamente, a digitalização vai abrir novas oportunidades de melhorar a eficácia operacional.
Com a digitalização pretende-se a construção de uma base de dados alargada, que seja depositária de toda a informação contida nos PDP e que permita determinar o desempenho técnico e ambiental das obras de construção que utilizem esses produtos.
Atualmente, metodologias digitais emergentes no setor da construção como o Building Information Modeling (BIM), muito usadas por prescritores e construtores, já potenciam as vantagens da interoperabilidade e um caminho para que o paradigma da transformação se concretize.
O Regulamento (EU) 2024/3110 traz alterações para as declarações de desempenho, introduzidas pelo regulamento 305/2011, cuja designação passa a ser declaração de desempenho e conformidade e devem ser redigidas de acordo com modelo apresentado no anexo V do novo regulamento.
Além da informação sobre a origem, fabricante, utilização prevista e desempenho técnico, a nova declaração de desempenho e conformidade passa a conter “o desempenho do produto em matéria de sustentabilidade ambiental ao longo do seu ciclo de vida no que respeita às características ambientais predeterminadas no anexo II” – Artigo 15º ponto 2.
A introdução das características essenciais ambientais vai ser efetuada faseadamente, de acordo com a calendarização prevista no artigo anteriormente referido, cujos limites principais apontam para 2026, 2030 e 2032. No entanto, esta previsão poderá sofrer ajustes, pois está condicionada à publicação das normas harmonizadas dos produtos.
3.1. Cronograma geral de implementação do novo RPC
Está planeada a revisão das normas harmonizadas para garantir o seu alinhamento com o novo regulamento durante um período alargado (ver figura 2) e a sua atualização deve incluir:
- Articulação com avanços tecnológicos e melhores técnicas disponíveis,
- Maior adaptabilidade às necessidades do mercado,
- Papel mais ativo da Comissão Europeia,
- Introdução das características ambientais (consistentes com a EN 15804 – Environmental Product Declarations e as cPCR –complementary Product Category Rules).
As categorias de impactes ambientais predeterminadas, relacionadas com a avaliação do ciclo de vida de um produto, são apresentadas no anexo II do RPC 2024/3110 e são as seguintes:
a) Efeitos das alterações climáticas — total;
b) Efeitos das alterações climáticas — combustíveis fósseis;
c) Efeitos das alterações climáticas — biogénicos;
d) Efeitos das alterações climáticas — uso do solo e alterações do uso do solo;
e) Destruição da camada de ozono;
f) Potencial de acidificação;
g) Eutrofização da água doce;
h) Eutrofização da água marinha;
i) Eutrofização terrestre;
j) Ozono fotoquímico;
k) Empobrecimento abiótico — minerais, metais;
l) Empobrecimento abiótico — combustíveis fósseis;
m) Utilização da água;
n) Partículas em suspensão;
o) Radiações ionizantes — saúde humana;
p) Ecotoxicidade — água doce;
q) Toxicidade humana — cancerígena;
r) Toxicidade humana — não cancerígena;
s) Impactos relacionados com a utilização dos solos.
Estas categorias de impacte ambiental coincidem já com as previstas nas Regras da Categoria de Produto previstas na EN 15804+A2+
AC/2021, que servem de base à elaboração da Declaração Ambiental de Produto (DAP), assegurando assim a transparência na avaliação do desempenho ambiental dos produtos ao longo do seu ciclo de vida (figura 3). Esta ferramenta DAP tem sido muito solicitada para a avaliação de ciclo de vida de um produto, bem como utilizada para quantificar o desempenho integrado no respetivo edifício ou obra de construção. Adicionalmente a DAP possui uma série de indicadores de energia renovável, não renovável, resíduos, material secundário incorporado, entre outros de forma a quantificar estes indicadores, promovendo e potenciando a economia circular e mais sustentável.
Adicionalmente, a Comissão promoveu a constituição de vários grupos Acquis para desenvolver o trabalho de revisão das normas harmonizadas e o seu objetivo é também desenvolver uma estrutura técnica da documentação que garanta a consistência da mesma entre produtos e materiais. Em paralelo, foi analisada a lista de famílias de produtos constante do anexo VII e foi estabelecida para os produ-
tos uma priorização para a revisão e atualização das respetivas normas harmonizadas, de acordo com a sua função na obra e as suas interações. Neste momento já se encontram em processo de revisão as normas dos que foram considerados os 10 produtos prioritários, estando as restantes 26 famílias a aguardar a sua vez.
Tendo em conta a dimensão financeira das aquisições públicas dos Estados-Membros, o regulamento estabelece que os procedimentos de contratação pública devem considerar e incluir critérios de sustentabilidade na seleção de fornecedores. O Regulamento refere contratos públicos ecológicos (Artigo 83º) e pretende ter impacto na decisão para contratação pública com base em requisitos mínimos obrigatórios de sustentabilidade ambiental para os produtos da construção, estabelecidos em atos delegados aplicáveis aos contratos públicos, e que podem assumir a forma de especificações técnicas, critérios de seleção, condições de execução dos contratos ou critérios de adjudicação. O novo regulamento vem assim promover práticas mais sustentáveis em projetos públicos e influenciar todo o mercado de construção.
Outra área de intervenção alargada do novo regulamento é a vigilância do mercado. O regulamento 2024/3110 vai permitir uma fiscalização mais rigorosa dos produtos (em articulação com o Regulamento (UE) 2019/1020 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à fiscalização do mercado e à conformidade dos produtos. Complementarmente, estabelece o reforço de poderes para as autoridades competentes, sanções mais severas para não conformidade dos produtos, melhor proteção do consumidor (com a
criação do portal de reclamações) e maior cooperação entre Estados-membros da EU, nomeadamente através dos Grupos ADCO.
Por fim, a publicação do novo regulamento está em linha com metas e objetivos estratégicos da União Europeia. O Regulamento 2024/3110 é coerente e aparece integrado com outra legislação e políticas da União Europeia, nomeadamente o Regulamento do Ecodesign para Produtos Sustentáveis, o Pacto Ecológico Europeu, a Diretiva de Eficiência Energética e o Plano de Economia Circular, entre outros.
Regulamento (UE) 2024/3110 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de novembro de 2024 – Regulamento dos Produtos da Construção.
Capítulo I – Disposições Gerais (Artigo 10.º)
Capítulo II – Procedimentos, Declarações e Marcações (Artigo 15.º)
Capítulo III – Direitos e Deveres dos Operadores Económicos (Artigo 22.º)
Capítulo VII – Fiscalização do Mercado e Procedimentos de Salvaguarda (Artigos 63.º a 68.º)
Capítulo X – Passaporte Digital de Produto (Artigos 75.º a 80º.)
Capítulo XII – Incentivos e Contratos Públicos (Artigo 63.º)
Anexos II, III, V, VII e IX.
Regulamento (UE) 2024/1781 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de junho de 2024 – Regulamento da conceção ecológica dos produtos sustentáveis.
EN 15804+A2.
EN 15804:2012+A2:2019+AC Sustentabilidade das obras de construção – Declarações ambientais de produtos – Regras de base para as categorias de produtos de construção.
NP ISO 14025 Rótulos e declarações ambientais – Declarações ambientais Tipo III – Princípios e procedimentos.
Almeida, Marisa (2019). Desempenho ambiental de produtos no sector cerâmico em Portugal. Tese de doutoramento. Universidade de Aveiro.
Almeida, M.I., Dias, A.C., Demertzi, M., Arroja, L., 2016b. Environmental profile of ceramic tiles and their potential for improvement. J. Clean. Prod. 131, 583–593. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.04.131
Declaração Ambiental de Produto (DAP)
- Fator-Chave de Sustentabilidade – YouTube - https://www.youtube. com/watch?v=hpysho6nj68
Wolfram Bernhart Metso
Os minerais industriais são, de acordo com a definição (1, 2), classificados como um grupo de minerais de valor económico que não são fontes de metais, combustível ou pedras preciosas. Os minerais industriais e os produtos produzidos a partir dos "minérios" desempenham um papel essencial numa vasta área da indústria e na vida e atividade humanas diárias. Uma seleção exemplar de minerais industriais amplamente utilizados e dos seus produtos inclui fosfatos, calcário, carbonato de cálcio, argilas, dolomite, magnesite, potassa, bentonite, diatomite, caulino, quartzo, feldspato, mica, talco, espatoflúor, barita, minerais/metais de terras raras, lítio.
A utilização de minerais industriais e dos seus produtos nas diversas aplicações raramente é claramente visível, mas é essencial para produzir materiais de construção, cerâmica, detergentes, eletrónica, filtração, vidro, medicamentos e dispositivos médicos, tintas, papel e plásticos e muitos outros produtos industriais e domésticos.
A utilização generalizada das modernas tecnologias de comunicação na vida quotidiana não teria sido possível sem os minerais industriais e o desenvolvimento dos produtos que representam a base dos componentes essenciais utilizados. A atual transição energética dos combustíveis fósseis para recursos energéticos sustentáveis aumentou significativamente a procura de lítio produzido a partir de minerais de lítio como o espoduménio e a zinnwaldite, bem como de salmouras. A necessidade de minerais de terras raras para assegurar o aprovisionamento energético da eletrificação em rápido desenvolvimento da vida quotidiana e dos sistemas de transportes públicos e individuais.
Mais de 60 produtos estão resumidos no grupo dos minerais e rochas industriais. A produção anual de minerais industriais na União Europeia é de 180 milhões de toneladas, gerando uma contribuição de 14 mil milhões de euros para a economia europeia.
Muitos dos minerais industriais são utilizados na sua forma bruta, tal como aparecem nos depósitos de minerais industriais. A qualidade dos minerais industriais extraídos de depósitos e mesmo de secções dos depósitos pode variar significativamente devido aos processos de formação do minério durante a geração dos depósitos de minério/mineral. A indústria que utiliza minerais industriais exige especifi-
cações rigorosas que se baseiam numa vasta gama de propriedades físicas e químicas dos produtos. Muitas vezes são exigidas propriedades únicas dos produtos minerais industriais utilizados para aplicações especiais.
Para satisfazer estas exigências de especificações rigorosas e para melhorar a funcionalidade dos produtos minerais nas diferentes aplicações, a utilização de toda a gama de tecnologias de processamento de minerais, incluindo a trituração, a pré-concentração, a moagem (húmida e seca), as técnicas de separação, incluindo a separação por gravidade, a separação magnética, a separação eletrostática, a flotação, a desidratação, a secagem, a hidrometalurgia, bem como as tecnologias de moagem específicas, como a micronização e/ou a delaminação, são utilizadas para remover impurezas e/ou componentes que têm o potencial de influenciar negativamente as propriedades do material ou as funcionalidades exigidas nas várias aplicações industriais.
Algumas das aplicações e exemplos das correspondentes vias de processamento para um número selecionado de minerais industriais são exemplificadas para o carbonato de cálcio, o espatoflúor, o talco, a mica, o caulino, o quartzo e o feldspato.
2.1. Carbonato de cálcio
Os carbonatos de cálcio são utilizados na sua forma natural ou transformados em produtos de cal por calcinação. Os carbonatos de cálcio oferecem uma vasta gama de aplicabilidade em muitos produtos industriais. Os principais sectores industriais em que o carbonato de cálcio, na sua forma natural, é utilizado são a indústria da pasta de papel e do papel, a indústria da construção com massas, tintas, enchimentos, a indústria dos polímeros em que os pós finos são utilizados como enchimentos funcionais, em bens de consumo como aditivo em produtos farmacêuticos, cosméticos, alimentos e como aditivo em diferentes aplicações ambientais, como o tratamento de águas, a agricultura, o tratamento de águas residuais e a silvicultura.
A principal aplicação da cal, a forma calcinada do carbonato de cálcio, é utilizada no processo de fabrico de aço, na proteção do ambiente, nos processos de dessulfuração de gases e na produção de materiais de construção. A partir da cal, são fabricados produtos de carbonato de cálcio precipitado que são utilizados na indústria da pasta e do papel.
As vias de processamento selecionadas dependem da qualidade do "minério", da variabilidade da mineralogia no corpo do "minério" e da gama de produtos a fabricar. Podem ser definidas três vias principais do processo:
• Processamento a seco utilizando tecnologias convencionais de trituração e moagem a seco. Nos circuitos de britagem, o uso de HPGR (rolos de moagem de alta pressão) oferece uma alternativa energeticamente eficiente para preparar a alimentação do moinho de bolas primário. Para aumentar a qualidade da alimentação do processo de beneficiação, estão disponíveis sistemas de triagem baseados em sensores, muitas vezes integrados no sistema de trituração. Para a moagem a seco, são utiliza-
dos moinhos de bolas de tambor normalizados que funcionam em circuitos fechados com classificadores de ar dinâmicos. Para produtos finos, estão disponíveis moinhos de bolas agitados com maior eficiência energética como fase de moagem secundária em combinação com moinhos de bolas normais.
• As vias de processamento por via húmida são utilizadas se a qualidade do produto exigir uma melhoria através da rejeição de minerais que influenciam negativamente a brancura ou a funcionalidade do produto final. Para lamas utilizadas na indústria da pasta de papel e do papel, a moagem (ultra)fina utilizando a tecnologia de moagem por agitação representa um passo normal do processo.
• O processo de produção da cal inclui a trituração e a crivagem, a calcinação do produto da trituração (10 - 63 mm). Produção de PCC (Carbonato de Cálcio Precipitado) A cal queimada é hidratada em hidróxido de cálcio por hidratação, seguida de precipitação de carbonato de cálcio artificial por injeção de dióxido de carbono em tanques de reatores.
O talco é um silicato de magnésio hidratado e um representante do grupo dos filossilicatos. A dureza do talco é 1 de acordo com a escala de dureza de Mohs e pertence ao grupo dos minerais naturalmente hidrofóbicos. Os principais produtores de talco estão situados na China, o maior produtor mundial de talco, na Índia, nos EUA e na Europa. No Paquistão e no Afeganistão são exploradas minas subterrâneas de pequena dimensão, a partir das quais é produzido talco bruto de elevada pureza (granulado) por seleção manual. As operações de extração a céu aberto em grande escala atingem produções de minério de algumas centenas de milhares de toneladas por ano. Cerca de 300 - 400 kt por ano de produtos de talco são utilizados na indústria europeia do papel para controlo do pitch, revestimento de papel e enchimento, onde substituiu o caulino. O talco serve como carga funcional em polímeros/plásticos, em tintas, cerâmicas, massas e cosméticos. A transformação do minério de talco é efetuada predominantemente por trituração, moagem e micronização. Para aumentar as qualidades do talco do minério de talco, a pré-concentração do talco através de técnicas de triagem baseadas em sensores alcançou uma importância significativa. Para produzir concentrados de talco de elevada pureza para aplicações de elevado desempenho em polímeros e plásticos, o talco, que é mais fino entre a ganga, é melhorado por flotação.
Mica é o termo geral utilizado para os aluminossilicatos que pertencem ao grupo dos filossilicatos. Os representantes mais importantes do grupo das micas utilizadas em aplicações industriais são a moscovite, a biotite, a flogopite e a vermiculite. Nas operações de extração mineira, a mica em folha e a mica em flocos são recuperadas. O mercado da mica em folha é muito pequeno, os custos de extração, impulsionados por um elevado grau de trabalho manual, são extremamente elevados. A produção de mica em folha é, por conseguinte, predominantemente produzida na Índia. A mica em flocos é recuperada em operações a céu aberto, onde são extraídos pegmatitos meteorizados. O processamento de minérios de mica é efetuado por via seca, utilizando moinhos de martelos e moinhos de energia fluida. Para aplicações de elevado desempenho, a mica é melhorada através de flotação e/ou separação por gravidade. A mica moída a seco é utilizada em tintas, em pigmentos de efeito, em varetas de soldadura, como aditivo redutor de ruído, como absorvente de vibrações e retardador de chama. A mica utilizada em aplicações de elevado desempenho é tratada em processos de moagem húmida, onde se consegue uma delaminação superior que melhora significativamente
Rotas de processamento para a transformação de mica
as propriedades mecânicas dos produtos. A mica moída a húmido é utilizada em tintas, polímeros/plásticos, vedantes, cosméticos e revestimentos em pó.
A caulinite é um aluminossilicato hidratado e pertence ao grupo dos filossilicatos. A caulinite é formada pela alteração de rochas magmáticas e metamórficas que são enriquecidas com aluminossilicatos, tais como feldspato e micas. O caulino ocorre naturalmente como um mineral branco. O caulino é predominantemente extraído, em operações a céu aberto, de depósitos sedimentares ou de coberturas meteorológicas de formações rochosas magmáticas ou metamórficas. O caulino é um mineral macio, de grão fino e caracterizado por uma estrutura plana. As principais aplicações do caulino são as tintas, os pigmentos, os revestimentos para papel e as cargas funcionais em polímeros/plásticos. As vias de processamento para produzir caulino são o processamento a seco para aplicações na indústria refratária e cerâmica e o processamento a húmido para a produção de aditivos para tintas, pigmentos de efeito, revestimento de papel e cargas funcionais em polímeros/plásticos. As etapas do processamento por via húmida incluem a desoxidação, a lavagem, a delaminação, o desarenamento em separadores de decantação impedida, a classificação por etapas em baterias de hidrociclones equipadas com ciclones de diâmetros decrescentes, necessários para atingir os pontos de corte decrescentes necessários para separar o caulino dos minerais de ganga que, devido à sua maior resistência à meteorização, estão concentrados na fração mais grosseira da alimentação do ciclone. Para aumentar o brilho e reduzir o índice amarelo, a separação magnética de alto gradiente é aplicada para reduzir as impurezas paramagnéticas, como hematita, limonita e goethita. A flotação é aplicada para reduzir a quantidade de minerais de Ti, como o Anatase, que estão presentes em depósitos sedimentares. A lixiviação ácida em condi-
ções químicas redutoras ou o branqueamento oxidativo são aplicados para aumentar o brilho do produto final. A desidratação é efetuada por espessamento e filtração com filtros de pressão. A secagem é efetuada em secadores térmicos.
A fluorite, também conhecida pelo nome comum de espatoflúor, pertence, de acordo com o sistema de classificação química estrutural dos minerais, ao grupo dos halogenetos. A utilização predominante do espatoflúor pode ser associada a 3 sectores industriais principais:
• Indústria química aprox. 40 - 48% do consumo mundial total
• Fundição primária de alumina aprox. 15 - 19% do consumo mundial total
• Fluxo nos processos de fabrico de aço aprox. 33 - 35% do consumo mundial total
Além disso, o espatoflúor é utilizado no fabrico de cimento, cerâmica, esmalte, vidro e revestimentos de varas de soldadura.
Dependendo do grau de espatoflúor do concentrado final, são comercializadas duas qualidades principais de espatoflúor:
• Acidspar: Espatoflúor >97% CaF2
• Metspar: graus de espatoflúor que variam entre 80 - 97% CaF2
A Comissão Europeia publicou a produção média anual de espatoflúor no período 2016-2020, com 6,7 milhões de toneladas... Os principais produtores de concentrados de espatoflúor são a China (50%), o México (20%) e a Mongólia (7%). 60% do consumo de espatoflúor da UE tem de ser importado.
O minério de fluorite/flúor é predominantemente extraído em operações de extração subterrânea. Os padrões de alta qualidade exigidos para o espatoflúor de grau ácido com teores de espatoflúor de >97% CaF2, a limitação dos teores de sílica a <1% e os limites baixos para poluentes como As, Hg, Pb etc. na faixa de poucos ppm exigem projetos complexos e flexíveis de processos de beneficiamento para poder reagir aos teores variáveis de alimentação e à composição mineralógica do minério. Em muitas operações, nomeadamente na extração de depósitos do tipo filão, o espatoflúor ocorre juntamente com baritina e sulfuretos como a pirite, a galena, a esfalerite, os minerais de As, o fahlore, os minerais de cobre, etc... As principais fases do processo de transformação dos minérios de espatoflúor incluem a trituração, a pré-concentração utilizando a separação por meios densos ou a triagem baseada em sensores, a moagem primária, a flotação desbastadora em vários estádios, a rebarbação, se exigida pela dimensão das partículas libertadas, a limpeza em vários estádios, o espessamento e a filtração do concentrado e dos resíduos, a secagem do concentrado de espatoflúor.
Os feldspatos são minerais de silicato de alumínio com proporções variáveis de potássio, cálcio e sódio. Os representantes dos minerais feldspáticos são a albite, o feldspato sódico, a anortite, o feldspato cálcico e os feldspatos potássicos microclina e ortoclase. As fontes de feldspato são as rochas pegmatíticas e os depósitos sedimentares. O feldspato está associado ao quartzo e à mica. Nos depósitos sedimentares, para além do feldspato, do quartzo e da mica, ocorrem minerais de óxidos como o rutilo, a ilmenite, a zircónia e vários minerais de ferro. O feldspato é utilizado na indústria do vidro e da cerâmica. A produção mundial estimada de feldspato foi registada em 27 milhões de toneladas... Os principais produtores de produtos de feldspato são a China, a Índia, o Irão e a Turquia. O quartzo produzido a partir de depósitos de feldspato é refinado em concentrados de elevada pureza. Dependendo da fonte primária, depósito de rocha dura ou depósito sedimentar, o processamento de concentrados de feldspato e quartzo difere na preparação da alimentação para o processo de separação.
Os minérios de quartzo-feldspato extraídos de depósitos pegmatíticos são triturados utilizando técnicas convencionais de trituração e crivagem. A moagem primária do minério triturado é efetuada através de moinhos de barras para minimizar a geração de lamas. A descarga do moinho é classificada utilizando crivos ultra-finos e/ /ou hidrociclones. O tamanho do topo da alimentação da secção de separação é limitado a 600 - 700 µm. Os pontos de corte dos painéis de crivos utilizados para a deslamagem são de 74 µm. Os finos são desidratados e o bolo de filtração é enviado para o depósito de rejeitos. O transbordo do crivo representa a alimentação da fase de flotação da mica. Os rejeitados da fase de flotação da mica representam a alimentação da secção de flotação dos minerais de óxido, onde são removidos os minerais que contêm ferro, como a ilmenite e a granada. Os rejeitados da fase de flotação de minerais de óxido são, se Rotas de processamento para a transformação de fluorite/fluorrespato
necessário, deslamados e enviados para a fase de flotação de feldspato. O feldspato é flotado, sendo o quartzo rejeitado para a fase de refinação do quartzo após a fase de flotação do feldspato. Na fase de refinação do quartzo, as impurezas que não foram recuperadas nas fases anteriores do processo são rejeitadas e combinadas com os resíduos resultantes das fases de deslamagem. O processamento de "minérios de feldspato", recuperados de depósitos sedimentares, segue quase a mesma rota de processo. A preparação da alimentação de flotação é realizada por depuração, atrito, seguida de classificação e deslamagem, para limpar a superfície do mineral antes e para rejeitar os lodos que teriam um impacto negativo no desempenho da flotação nas secções de flotação a jusante.
A Metso é uma empresa líder global no fornecimento de tecnologias e soluções sustentáveis voltadas para o processamento de minerais industriais. Com décadas de experiência e inovação contínua, a Metso oferece um portfólio abrangente que vai desde o desenvolvimento e fornecimento de equipamentos individuais até soluções
completas e integradas para as etapas de britagem, moagem, classificação, separação e filtragem de minerais.
No setor de minerais industriais, que inclui materiais como calcário, caulim, talco, barita, sílica, lítio, entre outros. A Metso desempenha um papel fundamental ao fornecer tecnologias avançadas que atendem às exigências específicas de pureza, granulometria e eficiência energética. As nossas soluções são projetadas para aumentar a produtividade, reduzir o consumo de energia e minimizar o impacto ambiental dos processos industriais, contribuindo assim para operações mais sustentáveis e competitivas.
Com uma forte presença global, centros de tecnologia de ponta e uma rede consolidada de serviços, a Metso combina expertise técnica e conhecimento de processos para apoiar os seus clientes em todas as fases da cadeia de valor dos minerais industriais. A empresa colabora estreitamente com os seus clientes para otimizar o desempenho das suas instalações, reduzir custos operacionais e maximizar a rentabilidade, alinhando-se às crescentes procuras por soluções sustentáveis no setor de mineração e processamento mineral.
Se gostaria de saber mais sobre as nossas soluções por favor consulte a nossa página de internet www.metso.com ou em alternativa o nosso responsável de área em Portugal, Miguel Santos miguel.santos@metso.com
Cláudia Paiva Silva
Plataforma MINERAL
Nos últimos meses, a Calçada Portuguesa foi elevada a candidata a Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO, enquanto a Calçada Madeirense se prepara para integrar o Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial. São sinais do reconhecimento de um saber-fazer ancestral, enraizado no nosso território. Tal como a cerâmica, ou azulejo ou o vidro, a calçada portuguesa é expressão viva da nossa identidade — todas criações moldadas a partir de recursos minerais extraídos do solo nacional.
Mas, enquanto celebramos este património, ecoa uma outra narrativa nos meios de comunicação: a corrida global às matérias-primas, em especial às chamadas “terras raras”. Esta nova “batalha”, muitas vezes descontextualizada ou distorcida pelos media, tem pouco de clara e muito de estratégica — marcada por jogos de influência, interesses cruzados e ambições geopolíticas centradas no controlo dos materiais que alimentam a tecnologia, a defesa e tantas outras cadeias de valor com grande importância económica e social.
Tudo isto num momento em que a transição energética é uma meta incontornável da União Europeia, mas cujos caminhos são, cada vez mais, difíceis de trilhar. A legislação e as políticas dos seus Estados-Membros sobre recursos minerais continuam a esbarrar em indefinições e bloqueios que atrasam projetos essenciais ao desenvolvimento sustentável.
Face a este panorama, impõe-se uma questão crucial: de que forma as notícias sobre a prospeção, pesquisa e exploração de recursos minerais — sejam elas diretas ou indiretas — influenciam a sua revelação e aproveitamento e, por consequência, condicionam a vida de todos nós, em Portugal?
Num contexto de incerteza sobre as políticas minerais e energéticas e forte tensão social, a resposta parece evidente: não há tempo (nem espaço) para pensar “a” Geologia. Os recursos que sustentam grande parte do nosso quotidiano — das cidades onde vivemos, à tecnologia que usamos, passando pela medicina que nos cura — continuam ausentes do debate público e da consciência coletiva.
É precisamente aqui que a Plataforma MINERAL se afirma com clareza, priorizando uma comunicação direta com a sociedade e promovendo e divulgando a importância dos recursos geológicos, como base de evolução à modernidade, de forma responsável e sustentável. Defendemos as ações prioritárias para a neutralidade carbónica, considerando o contexto legislativo nacional e europeu, e observando o impacto da cadeia de valor do setor dos recursos minerais para a transição energética.
Numa época em que tanto se discute a portugalidade, é essencial lembrar que grande parte da nossa herança cultural e artística tem raízes geológicas: a pedra natural — calcário, granito, mármore, xisto e basalto —, as argilas que produzem o barro, as areias com que se fabrica o vidro e o cristal, e os metais que forjaram civilizações. Muitos dos materiais que hoje consideramos nossos são fruto de saberes herdados de povos que por cá passaram, desde há 5000 anos, legando-nos conhecimento, técnicas e património. Paradoxalmente, sendo Portugal reconhecido como um território rico em minerais essenciais — alguns, estratégicos, segundo o CRMA europeu —, ainda não conseguimos afirmar com coragem uma política do seu aproveitamento responsável que nos tornem mais independentes e autónomos.
E aqui, uma vez mais, a Plataforma MINERAL se levanta. "Presente!" — com conhecimento, com a capacidade de informar com bases científicas com propostas para uma economia mais próspera, socialmente mais justa, mais amigável e sustentável para o ambiente e respeitadora da nossa cultura.
A missão da MINERAL é cristalina: comunicar a importância dos recursos minerais como elo entre o passado, o presente e o futuro. Promover uma literacia crítica que ligue a memória coletiva de gerações que souberam viver da terra e dos seus recursos naturais, como os minerais — com respeito, sabedoria e arte — a um novo compromisso com a sustentabilidade e a valorização do nosso território.
Em oposição a discursos fáceis ou populistas, a MINERAL aposta na informação rigorosa, clara e acessível. Porque é para todos importante — e, sobretudo, para aqueles que querem saber mais — decidir com consciência e participar no debate sobre o país que queremos para o futuro.
Essa missão traduz-se em ações concretas: mapear e divulgar o conhecimento geológico regional; integrar biodiversidade e geodiversidade, porque uma não existe sem a outra, nos discursos sobre território; dar visibilidade ao património natural, cultural e edificado; e, acima de tudo, comunicar com transparência os projetos que se pretendem realizar em Portugal — muitos dos quais têm sido injustamente travados por desinformação e receio de impopularidade.
Por isso, a MINERAL apela ao envolvimento ativo das autarquias e das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDRs). Porque esta transformação precisa de todos — do poder local ao cidadão — para que o conhecimento sobre os nossos recursos se torne um verdadeiro pilar de soberania, inovação e coesão territorial.
É também crucial o envolvimento dos decisores ao nível governamental, através dos ministérios da Economia, da Coesão Territorial e o do Ambiente, sem esquecer o Ensino Superior, a Ciência, a Investigação e a Inovação.
Infelizmente, pelas piores razões mais recentes, tem ficado por demais evidente — como se ainda não soubéssemos disso — a importância que os recursos geológicos assumem, e sempre assumiram, na economia mundial e nas relações geoestratégicas entre blocos de poder; porque não é possível haver desenvolvimento sem esses recursos, cada vez em maior variedade, dadas as exigências tecnológicas e cada vez em maior quantidade, porque a população mundial cresce a um ritmo acelerado e cada vez mais com as justas expectativas de vir a ter uma melhor qualidade de vida.
Os recursos minerais são não renováveis, como provavelmente a maioria desconhece — incluindo os responsáveis pelas grandes decisões políticas/estratégicas — pelo que urge uma racionalidade e geoética no seu aproveitamento, como apenas alguns países mais desenvolvidos sabem como fazer, para diminuir os impactos sociais e ambientais. Contudo, derivado de diferentes opiniões sociais, fortemente influenciadas por grupos mais fundamentalistas, cujos objetivos de base ainda se desconhecem, mas que se definem por ambientalistas, a exploração mineira volta a ser vista como um problema
insustentável. E isto verifica-se não apenas em países económica e politicamente mais instáveis, como também em países cujos impactos na sua soberania energética eram totalmente positivos.
Uma vez mais impõe-se a questão, não serão os europeus e, nomeadamente nós, portugueses, capazes de resolver e ultrapassar estas situações? A Mineral e os seus parceiros, estão totalmente convictos de que SIM. Através, uma vez mais, da comunicação e formação rigorosas, mas sempre visando uma maior leveza e clareza nos conceitos, para que todos os interessados possam compreender do que se fala quando se fala em recursos minerais, abordando também os seus receios. Passando de adultos às gerações mais jovens, num círculo permanente entre questões, respostas e conhecimento.
Possivelmente a melhor forma de demonstrar que o aproveitamento dos recursos minerais é factualmente positivo, é levar a que as pessoas tenham a perceção da sua realidade. Mesmo que possa haver alguma resistência, a prática revela que o facto de haver consciência da importância das cadeias de valor mineral e processos associados, é gratificante para quem participa nas várias ações e iniciativas da sua divulgação.
Desta forma, somam-se vários casos, nos quais as matérias-primas, bem como o “know-how” nacional, apresentando-se cada vez mais moderno (no caso da indústria da cerâmica e do vidro), são uma mais-valia para marcas internacionais. Tanto a H&M Home, como o IKEA, ambas companhias suecas, têm colaborações com a indústria nacional de minerais industriais. No caso do IKEA, embora a empresa não especifique quais materiais são exclusivamente portugueses na sua comunicação oficial, sabe-se que Portugal é um importante centro de produção de cerâmica e que a IKEA tem fábricas e fornecedores no país — a SECLA, entretanto encerrada, foi a pioneira, sendo atualmente a Ria Stone, do Grupo Visabeira (em parceria com a Vista Alegre), e localizada em Ílhavo, a apostar no design e material para louça de mesa, produzindo cerca de 30 milhões de peças por ano. Por sua vez, cabe ao grupo Mota Ceramics Solutions extrair e trans-
formar as matérias-primas que alimentam o processo da Ria Stone. Alguns dos materiais portugueses que podem ser encontrados em produtos cerâmicos da IKEA incluem, desta forma, argilas, areias, vidro (e esmalte), extraídos e processados em Portugal.
Em termos empresariais, um dos exemplos nacionais mais notórios, é o da mina de Neves Corvo, agora propriedade da empresa sueca Boliden. Contando com 1324 trabalhadores diretos (dados da empresa), ainda envolve mais 1300 empreiteiros e cerca de 5000 postos indiretos de trabalho, dos quais 25% desse total é composto por mulheres. Com um lucro de quase 100 milhões de euros, atua de forma muito ativa com a comunidade local, em Castro Verde. A presença da mina tornou-se, não apenas parte do modo de vida desta região alentejana, mas um determinante contributo para que o concelho seja o que apresenta maior vencimento médio mensal por pessoa de todo o Portugal (2039 €, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2022).
Mas os efeitos positivos não se ficam por aqui: desde o investimento local com apoio à educação e empreendedorismo, ao inclusivo, passando pelo tecnológico, existe, principalmente todo um cuidado ambiental: 94% da água usada — um importante condicionante em projetos de mineração, principalmente se estivermos em zonas mais áridas ou em risco hidrológico, como é o caso do Alentejo —, é reutilizada após tratamento interno. A empresa também alberga um importante parque solar para autoconsumo, o que implica uma redução acentuada de emissões de CO2. E ainda apresenta uma Instalação de Rejeitados, bem como dá apoio à Reserva para a Biosfera da UNESCO.
Outro exemplo de sucesso ocorre em Aljustrel, onde a empresa Almina, tem vindo a construir uma presença e marca de confiança, contribuindo igualmente, para o desenvolvimento da região. Como tal, o surgimento de novas empresas e setores de negócio, que se estabelecem no concelho, permite fixar uma população não apenas mais jovem, como também mais qualificada. E para isto contam como fatores principais o atrativo salarial e uma maior taxa de empregabilidade (por aumento do número de postos de trabalho), criando-se condições para o crescimento de famílias. Esta estabilidade ficará
marcada como um resultado consequente da existência da mina, e que vai para além da mesma. Em dados de 2019, Aljustrel era o 2º concelho do país com maior taxa de fecundidade, sendo a mais elevada no Baixo Alentejo, apresentando uma média de filhos na ordem dos 2.1. Em primeiro lugar, encontrava-se Lisboa.
Por esta razão, deve ganhar, tanto a população nacional como os decisores políticos, uma maior consciência da importância que o setor dos recursos minerais traz às regiões e comunidades. Não sendo tudo perfeito, a verdade é que existe maior qualidade de vida, aliada a padrões igualmente elevados, maior dinamismo e atração, proporcionando um crescimento não apenas económico, mas também social e demográfico.
Será possível fazer melhor? Sem dúvida — não existe nenhuma atividade humana que não comporte riscos e não deixe impacto, mas é um trabalho que é feito todos os dias, de forma inclusiva com a população e municípios.
Importante salientar o total de exportações no setor dos recursos minerais que atingem os 1.209 milhões de euros, através do contributo da exportação de minerais metálicos, perto dos 600 milhões, bem como da exportação nacional de rochas ornamentais portuguesas, que ronda os 495 milhões de euros (DGEG, 2024).
Falamos de mármore, calcário, granito e xisto, de elevadíssima qualidade e características únicas que levam a que sejam utilizados um pouco por todo o Mundo. Em relação ao mármore, considerado como o “ouro branco”, tantas vezes selecionado como “la créme de la créme” das rochas ornamentais, a utilização de Inteligência Artificial, permite, desde já, catalogar os principais veios de interesse, pré-corte aos blocos, sendo possível, cada vez mais, aproveitar a pedra que antes era rejeitada e desvalorizada. Uma nova abordagem pensando em economia circular e apontando para a redução de desperdícios, poupança energética, digitalização de processos e uma mais eficaz reciclagem e inovação na produção de novos materiais.
Simultaneamente, a maior aposta nas novas tecnologias em território nacional, dentro do setor extrativo, que apoiam técnicas cada vez mais sustentáveis, é claramente mais visível, viável e eficiente .
Da mesma forma, a recuperação ambiental do passivo mineiro é outro dos principais e obrigatórios objetivos a nível do país. Obviamente que se reconhece o histórico ambiental, o que foi deixado para trás ao abandono. Assumiu então, o Estado Português suportar toda a remediação e recuperação ambiental das antigas áreas mineiras, resgatando não apenas os espaços físicos, devolvendo-os às populações, como salvaguardando antigas infraestruturas que têm vindo a ser reabilitadas num conceito museológico, visando uma integração entre o passado histórico e o futuro aproveitamento das nossas riquezas minerais, dentro do que de melhor se faz no setor.
E é por todas estas razões, e muitas mais que caberão noutros artigos futuros, que acreditamos que a missão da MINERAL é para todos.
Há mais de 20 anos ao serviço da indústria
Desferrização
Equipamentos para descontaminação e separação de barbotinas, vidrados, matérias-primas, reciclagem de metais, vidro, cartão, plástico, indústria alimentar e farmacêutica, etc.
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António José Ferreira da Silva
Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, Coimbra
Ao se refletir sobre a segurança e a soberania da Europa no século XXI, é obrigatório pensar-se em tecnologia avançada, digitalização e sistemas militares de última geração. Contudo, por trás dessas inovações, há um alicerce material imprescindível e que muitas vezes passa despercebido: os minerais industriais. Enquanto os debates públicos e governamentais frequentemente se focam em minerais críticos e estratégicos portadores de elementos terras-raras, cobalto, lítio, nióbio, tântalo, cobre, manganês, entre outros, essenciais para componentes eletrónicos, baterias e ligas metálicas de alto desempenho, os minerais industriais tidos como tradicionais desempenham um papel igualmente vital, porém mais discreto. Eles compõem a espinha dorsal dos materiais cerâmicos e estruturais que garantem a durabilidade, a resistência e a eficiência das instalações e dos equipamentos sociais e militares.
A emergente segurança / autonomia estratégica da Europa está fortemente ligada à disponibilidade e ao uso eficiente dos seus recursos minerais para alimentar a necessária e ambiciosa reindustrialização militar. Entre estes, os denominados minerais e rochas industriais, frequentemente vistos como comuns ou de baixo valor, desempenham um papel silencioso, mas indispensável, na cadeia e sustentabilidade da produção militar. As principais matérias-primas cerâmicas convencionais como o feldspato, o quartzo, o caulino e outras argilas especiais, os calcários, entre outros tipos de agregados, mas também a alumina (esta já no domínio dos materiais cerâmicos técnicos), integram componentes estruturais, funcionais e tecnológicos utilizados nos mais diversos materiais bélicos.
Contudo, na lógica de reforçar a sua indústria militar no contexto atual de conflitos armados no continente, no Médio Oriente e noutras geografias, é urgente uma melhoria naquela que é a cooperação entre as indústrias de extração, transformação e reciclagem de recursos minerais com aquelas responsáveis pela produção de equipamentos industriais de processo e com as que efetivamente produzem os materiais e os equipamentos necessários para aplicações militares. Exige-se assim, uma abordagem equilibrada que articule os objetivos da segurança europeia com uma gestão de esforços e recursos de uma forma sensata e responsável, energeticamente eficiente, assim como sustentável e circular, sobretudo nas dimensões ambiental e social.
Aplicações das principais matérias-primas cerâmicas tradicionais na indústria de defesa
O feldspato é amplamente utilizado na produção de materiais refratários, vidro e de outros cerâmicos técnicos com elevada resistência térmica, química e mecânica. Em contextos militares, permite o fabrico de janelas blindadas para veículos de combate e aeronaves, bem como de lentes e coberturas de sensores óticos de alta precisão que exigem transparência, durabilidade e resistência balística. É também essencial na melhoria da fusibilidade de composições cerâmicas refratárias utilizadas no revestimento interno de tubos de canhão, permitindo superior resistência ao choque térmico.
No caso do quartzo de elevada pureza, este é fundamental para a indústria eletrónica e de telecomunicações. É empregue em osciladores e ressonadores cerâmicos, componentes críticos em sistemas de navegação, radares e comunicações encriptadas. A sua estabilidade térmica e precisão garantem o funcionamento fiável de equipamentos como mísseis guiados e veículos aéreos não tripulados.
Quanto ao caulino, constitui uma matéria-prima essencial na produção de materiais cerâmicos técnicos. No domínio da defesa, é utilizado na produção de isoladores elétricos de alta resistência presentes em sistemas de radar, controlo e comunicações. Estes produtos são responsáveis por assegurar o melhor desempenho de equipamentos em ambientes hostis, com elevados níveis de vibração, temperatura e humidade.
O calcário é indispensável na produção de cimento, cal e outros materiais de construção utilizados nas infraestruturas militares como bases, abrigos e pistas. Para além da construção pesada, é também utilizado em materiais compósitos, como betões reforçados com resistência a impactos explosivos, fundamentais em zonas de risco e operações de combate. Já as areias, britas e outros agregados também desempenham um papel essencial na construção de infraestruturas militares, como pistas de aviação, fortificações, plataformas de lançamento e vias de acesso. A sua qualidade tem impacto direto na resistência estrutural e na durabilidade de obras críticas em zonas em que se anteveem operações intensivas.
Por sua vez, a alumina é um dos cerâmicos técnicos mais avançados
em uso na indústria de defesa. Embora não seja tipificada na categoria dos minerais industriais e seja de facto um produto resultante do processamento hidrometalúrgico de minérios de bauxite (mistura de minerais de óxidos de alumínio hidratados), esta matéria-prima é amplamente aplicada em revestimentos de veículos blindados como tanques e outros carros de combate, devido à sua elevada dureza e capacidade de dissipação térmica. Encontra-se também em proteções balísticas pessoais, incluindo coletes à prova de bala e capacetes, oferecendo resistência eficaz contra projéteis de alta velocidade. É um exemplo notável da evolução dos materiais cerâmicos para aplicações de elevada performance no domínio militar.
Embora discretos, os minerais industriais e as matérias-primas cerâmicas são e serão peças-chave no desempenho operacional das forças armadas europeias. Do interior de um míssil a um abrigo reforçado, estes materiais suportam funções vitais para a mobilidade, proteção, comunicações e poder ofensivo.
A importância destas matérias-primas minerais vai além da sua função puramente industrial. Muitas são extraídas e processadas em território europeu e a sua disponibilidade local reforça a autonomia estratégica do continente face a cadeias de abastecimento externas, muitas vezes frágeis ou (geo)politicamente sensíveis. No entanto, esta vantagem só será sustentável se for acompanhada por práticas de extração e transformação responsáveis, com implementação de melhorias na eficiência do uso dos recursos complementadas por sérios investimentos em atividades de planeamento, gestão e recupe-
ração ambiental, forçosamente alimentadas por políticas imediatas de incentivos à aceleração económica e que visem o fornecimento de energia mais barata, alicerçadas pela transversal desburocratização de processos de licenciamento a vários níveis.
Com a pressão crescente para tornar os setores produtivos mais compatíveis com os desígnios europeus de sustentabilidade ambiental (e também social), a indústria de defesa enfrenta o desafio de manter a resiliência operacional ao mesmo tempo que procura eficazmente reduzir a sua pegada ecológica. Neste contexto, a reutilização, substituição e reciclagem de matérias-primas minerais, a investigação em materiais e compósitos alternativos e o reforço da cadeia de valor europeia dos minerais industriais, nomeadamente os de aptidão cerâmica, tornam-se prioridades geoestratégicas para a manutenção da segurança no velho continente.
A defesa europeia não depende apenas da tecnologia de ponta ou de alianças internacionais, mas também de recursos discretos, muitas vezes ignorados no debate público. Minerais como o caulino, o feldspato e o quartzo, que Portugal dispõe e tem vindo a valorizar, são parte da base material de uma Europa mais segura e autónoma. Portanto, articular esta realidade com políticas pragmáticas é essencial e ao reconhecer o verdadeiro valor destes recursos e portanto, ao promover a sua exploração de forma responsável, a Europa dá um passo firme em direção a uma defesa mais resiliente e consciente, não só do ponto de vista social e militar, mas também ambiental, pelo que a sua valorização, controlo de origem e processamento tecnológico são fatores determinantes no reforço da autonomia europeia num contexto geopolítico que cada vez mais se antevê no domínio da incerteza.
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O Grupo MCS® é constituído por um conjunto de empresas que operam na área mineira da extração e processamento de matérias-primas cerâmicas multiminerais. Oferecendo mais do que matérias-primas e pastas cerâmicas, o Grupo MCS® está comprometido com os princípios de extração responsável e sustentável, fornecendo “Minerais para a Vida”. O nosso sucesso é construído com base na inovação, I&D e parcerias colaborativas para superar os desafios do setor.