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As finanças na vocação familiar

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Coração jovem

Coração jovem

No artigo da Coluna EFV deste mês iremos perceber o que têm a ver as finanças com a Vocação Familiar. Para contextualizar nossa reflexão precisamos levar em consideração dois aspectos fundamentais: um teológico-eclesial e outro socioeconômico. Estamos vivendo mais um Ano Vocacional no Brasil, cujo tema é “Vocação: Graça e Missão”, com o lema “Corações ardentes, pés a caminho”, inspirado no Evangelho de Lucas, a história dos discípulos da cidade de Emaús que voltando pra casa tristes e abatidos pela morte do mestre em Jerusalém, foram surpreendidos no caminho por um estrangeiro que fez o percurso com eles, p erguntou e se interessou sobre o que eles estavam vivendo, como interpretavam aqueles acontecimentos, e aos poucos foi lhes explicando o que as Escrituras diziam sobre o Messias/ Cristo (cf Lc 24,32-33). Chegando perto da casa os discípulos convidaram este andarilho a permanecer ali porque já era tarde e a noite estava chegando. O homem do caminho permaneceu ali e durante o jantar ao dar graças à Deus pelo pão, pela vida e pelo caminho partilhado, aqueles homens tristes e desanimados reconheceram que era Jesus que estava partindo o pão. Ali estava o Mestre que fez o caminho junto com eles. E, diziam um para o outro: “Não ardia nosso coração quando no caminho ele nos explicava as Escrituras”? Então, eles se colocaram a caminho (em missão) para anunciar o encontro com o Ressuscitado que fez o caminho com eles, sentou-se à mesa e partiu o pão (vida nova).

“SE FIZERDES ISSO E PRATICARDES, FELIZES SEREIS”

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“Se fizerdes isso e praticardes, felizes sereis” (Jo 13,17), disse Jesus após lavar os pés de seus discípulos e pedir para que façam o mesmo entre si. De maneira muito sábia, a Igreja diz que a vocação à vida familiar é um chamado a viver na “comunidade de vida e amor”, igreja doméstica, escola da misericórdia, célula mater (mãe/ vital) da sociedade. Sendo assim, nas famílias temos a oportunidade de experimentar desde já as primícias do Reino de Deus, a presença de Deus, na alegria, na partilha, solidariedade, justiça, respeito, igualdade entre os membros, generosidade, no perdão, reconciliação e gratuidade. Ali, no culto familiar, que têm suas fontes na Tradição judaico-cristã (reforma e movimento deuteronômico), as pessoas experimentam a liberdade dos filhos de Deus, e estão incluídos nesta dinâmica os estrangeiros, as viúvas e órfãos, isto é, os mais vulneráveis. Todos necessitam serem acolhidos, servidos. Nisso consiste a perfeita alegria, no serviço mútuo, para que não haja necessitados entre nós. Este é o projeto de nação –família de famílias para a Tradição do Antigo Israel, que posteriormente será elevada até às últimas consequências com Jesus de Nazaré em sua pregação e instauração do Reino de Deus, do qual os apóstolos são testemunhas (cf. At 4,34).

Desta compreensão mais profunda e originária da Vocação, o chamado a sermos Povo de Deus, conjunto de famílias, comunidade de fé, pertencentes e habilitados pela força do Espírito Santo a sermos Família de Deus, as famílias reais, com suas luzes e sombras, alegrias e tristezas, limites e possibilidades, precisam aprender a lidar com as situações reais de seus contextos. Isso requer da Igreja um acompanhando cordial, humilde, em vista de uma integração, fruto de um contínuo diálogo e discernimento comunitário (cf. Amoris Lætitia, sobre o Amor na Família, capítulo VIII, 2016).

“O DINHEIRO DEVE SERVIR E NÃO GOVERNAR”

“O dinheiro deve servir e não governar” (EG, nº 58) talvez esse seja um princípio basilar para que, na vocação familiar, as finanças comecem a ter o valor devido: o serviço/servir. Neste ponto é que os dois temas se tocam, Finanças e Vocação, e ambos dizem respeito a esta dimensão humana e cristã que é o serviço. Certamente, em ambos os temas em questão, para enxergá-los e vivê-los sob a ótica do serviço, requer de nós uma conversão sincera, que pode ser chamada de ressignificação, ou reforma, isto é, mudar a forma de tratar as finanças e a vocação.

Por vezes ao falar de vocação automaticamente, no senso comum, pensamos em padre e freira. Porém, este é um tema muito mais amplo que não exclui estas duas vocações específicas, mas também não o resume. Tal qual as finanças, não se refere única e exclusivamente ao mercado financeiro, bolsa de valores, investimentos e siglas difíceis de entender, é algo mais amplo e ao mesmo tempo simples que deve estar à serviço da vida e não ao contrário.

Nas famílias brasileiras, muitas vezes, as finanças não estão a serviço, haja vista os altíssimos índices de endividamento, de divórcios, desentendimentos, desavenças, desânimos motivados pelo estresse financeiro. Há os que têm uma relação saudável com suas finanças, os que conseguem uma renda mínima para sobreviver, alguns poucos investem e são fiéis nos controles, orçamentos e planejamentos financeiros. Porém, a economia atual, tal como está constituída é fruto do individualismo que gera injustiças e consequentemente desigualdades. O Papa Francisco chama o que mantém essa economia “que mata, exclui, devasta e desumaniza” de globalização da indiferença e da cultura do descarte (cf. Evangelii Gaudium, Alegria do Evangelho, nº 52-75). Por isso, é preciso Realmar a Economia atual, reconstruir essas relações, tendo como bússola a dignidade humana e a ecologia integral.

“Portanto, as finanças devem estar à serviço da vida de qualidade que as famílias desejam viver, pois toda família sonha em viver bem, com dignidade, respeito, com o necessário e suficiente para desenvolverem suas habilidades e criatividade, para poderem sentar-se à mesa juntos e desfrutarem do pão partilhado, fruto do suor e do trabalho digno, bem remunerado, com perspectiva de futuro, com uma aposentadoria digna, com saúde para gastar energia com a convivência familiar, na interação mútua”.

Diante destas crises sociais, econômicas, ambientais, culturais e sobretudo ética, que estamos enfrentando, os cenários de incertezas, instabilidades, inseguranças provenientes de um estilo de vida consumista onde cada um busca seu próprio lucro a todo custo, passando por cima dos demais, as famílias são fortemente afetadas, e, diante de tudo isso, nosso amigo e amiga leitor pode estar se perguntando: “Como vou melhorar minha relação com as finanças”? O que fazer?

Dimens O Financeira

Na Vocação Familiar existem muitas situações que precisamos aprender a lidar, entre elas está a dimensão financeira, que é uma entre outras, não absoluta, porém transversal que toca diversas áreas da vida humana. Diante das questões financeiras vive-se ora frustrações, dívidas, brigas, confusões, desentendimentos, ora satisfação, júbilo, conquistas, realização e sucesso. Entre os altos e baixos da vida, as incertezas e instabilidades, causadas por tantos fatores internos e externos, como desemprego, baixa renda, violências financeiras (patrimoniais), inflação, juros altos, consumo compulsivo, escassez, fome, trabalho escravo, golpes financeiros, corrupção, sonegação de imposto, superendividamento, analfabetismo digital, nisso tudo estão nossas famílias buscando sua sobrevivência e uma vida de qualidade.

Como uma contribuição que possa auxiliar vocês leitores neste caminho de ressign ificação e reforma, é que mensalmente o EFV compartilha conteúdos que conduzem a uma formação humana integral, seja aqui nesta Revista Cristo Rei, ou nos podcasts que podem ser achados facilmente nas redes sociais (@edufinvida – Educação Financeira para a Vida).

Mas, de forma sintética talvez poderíamos apontar um primeiro passo para que as finanças na vocação familiar sejam bem vividas: a comunicação não violenta, isto é, ao abordarmos o tema dinheiro/finanças em casa, não partirmos de acusações mútuas, elevar a voz, ser fiscal e juiz do outro, mas se interessar, sonhar juntos, dialogar, e tudo isso nasce de uma escuta caritativa, atenta, empática às necessidades de cada membro da família.

Portanto, as finanças devem estar à serviço da vida de qualidade que as famílias desejam viver, pois toda família sonha em viver bem, com dignidade, respeito, com o necessário e suficiente para desenvolverem suas habilidades e criatividade, para poderem sentar-se à mesa juntos e desfrutarem do pão partilhado, fruto do suor e do trabalho digno, bem remunerado, com perspectiva de futuro, com uma aposentadoria digna, com saúde para gastar energia com a convivência familiar, na interação mútua. Para que tudo isso não seja mera utopia, precisamos assumir um processo de conversão pessoal, familiar, estrutural, social, cultural, econômico, eclesial, na firme esperança que o Senhor nos deu: “Eis que estarei convosco até o fim dos tempos (Mt 28,20)”, “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5) e “Vejam, estou fazendo uma coisa nova! Ela já está surgindo! Vocês não percebem”? (Is 43,19).

Lembrem-se sempre: Educação Financeira é Educação para a Vida!

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