Escrever_Arte2016-2017-5ªedição

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Título: Concurso Literário Escrever com Arte, 5.ª edição, 2016/2017 Autores: AAVV © Escola Secundária Artística António Arroio e autores Ilustradores: alunos premiados, entre outros. Prefácio: Julieta Silva Capa e contracapa: Desenho de Filomena Garlito e cartaz de Nuno Santos. Organização: Julieta Silva - Biblioteca | centro de recursos educativos Data: maio 2017



escrever com arte Prémio António Arroio 5.ª edição 2016|2017

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PREFÁCIO


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ESCREVER COM ARTE

Neste ano letivo de 2016/2017, temos a honra de apresentar a 5ª edição do concurso Escrever Com Arte, um Prémio da Escola Artística António Arroio. Estes cinco anos levam-nos a fazer uma pequena reflexão sobre uma prática anual, que tem mobilizado muitos alunos da escola. Pensamos que o balanço é positivo. Mesmo que este projeto se altere na sua forma e procure renovar-se, os seus propósitos decerto que não serão muito diferentes. Continuamos a acreditar, apesar de os programas de Português deixarem cada vez menos margem ao exercício do texto criativo, que vale a pena apostarmos na valorização do pensamento expressivo, na reflexão e na construção pessoal e emocional que este tipo de texto permite desenvolver no aluno da Escola António Arroio. Finalmente, resta-nos agradecer a todos os alunos que participaram no concurso da 5ª edição, aos professores colaboradores nesta iniciativa de anos, em especial à professora Filomena Garlito, com os seus desenhos, e ao professor Nuno Santos, pelo arranjo gráfico dos cartazes e dos diplomas. Por último, à direcção da escola que nos tem apoiado desde Sempre nesta iniciativa.

Biblioteca | Centro de Recursos e Grupo de Português Lisboa, 30 de maio de 2017

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POESIA

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Ilustração de: Mariana Gusmão 12ºG

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As tuas gotas transportam a transparência invertida. Em ti carregas o ignoto. Balanceias-te como velha dança. Ao teu lado hei de peregrinar. Sem nunca te compreender. Passarás a ser meu como eu teu. Teus braços haverão de rodear a minha existência E com ela hás de prever a eminência. Distancias-te. Passas leve como uma brisa. Retornas à escuridão do rasgão do teu fosso. Peço-te. Calca a tua solidão E fá-la minha. Despe as minhas ondas de plenitude E torna-as tuas. Descalça-te das lágrimas E depura-me com o teu sal. -E eu, inconsciente, haverei de encarnar em ti. Mas tu não o retribuirás. Passarás somente. E contigo trarás os mil espelhos que carregas.

1.º PRÉMIO Mariana Gusmão 12º G

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A felicidade

Que a felicidade conquiste todos os Homens Que esta não seja de porcelana E que não desabafe ao toque Que perfaça todas as conversas E percorra todas as nações Que toda a felicidade seja a chama no pavio E que se agarre sem perfídia Que não haja pranto nem lamúria Nem suplício nem clamor Na esperança que tem a mente do criador.

2.º Prémio Sara Conduto 10º M

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Ilustração de: Maria Margarida Piedade 12º G

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Aparece

Aqui tens Um espetro; É igual a um inferno Preso no tempo em transe de velhas epifanias

O problema são os anos, os dias, as horas prometidas Tudo o que ainda falta

Ninguém entende este cansaço

Já não oiço sorrisos Tento pelo menos não sentir

A minha vida fecha os olhos Numa natureza petrificada Que se molda a um rosto Em máscara que me bebe o sangue

Pode queimar

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E a quem me mata todos os dias, Esses, Ainda respiram, Todo o seu corpo é nesse instante como o vento nos pinhais

Abafados são, do seu próprio coração.

3.º Prémio Maria Margarida Piedade 12º G

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Ilustração de: Eduarda Ales Pereira Perdigão Olivença 11º H

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Amantes de Marte

Na madrugada No silêncio que corria Por entre os cinco sentidos Entrelaçámo-nos Um no outro Cruzámos olhares, Partilhámos cheiros, Sentimos o espaço, Escutámos as melodias do ar E saboreámo-nos Um ao outro Sem pressa Com uma paixão abrasadora Que cortava indícios de dúvidas Que nós, Amantes de Marte, Pudéssemos ter.

MENÇÃO HONROSA Eduarda Ales Pereira Perdigão Olivrnça 11º H

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Ilustração de: Célia Howell 10ºO

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A cobra

Tento dar-te felicidade e tu em troca das minhas tentativas ignoras como cartas não lidas.

Tu não entendes a minha língua e eu não sei se entendo a tua.

Já tenho receio de te escrever mas não consigo evitar por isso substituí todas as palavras por algo que tu achas absurdo.

Entretanto amarrotas o papel e ficas como um cão raivoso. Não sei se devo lutar com a espada ou se devo defender-me com o escudo.

É nessas alturas que sou como uma estátua. Tu começas a queimar as cartas e de cão passas a cobra.

Mas eu vou continuar a tentar,

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pois sei que és mais que essa víbora. Posso já só ter meia fé mas o teu veneno é mais fraco.

MENÇÃO HONROSA Célia Howell 10º O

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NARRATIVA

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A Viagem O que se faz quando nos sentimos cinzentos? Quando, olhando à nossa volta, sobressai apenas aquilo que não nos fascina. Nostálgica de uma vida colorida, de linhas preenchidas. Saudades do fascínio do brilho eterno do mundo. Será que a sua visão perdeu brilho? Quando é que tudo se esvaziou, quando o notou ou muito antes? É que, para as almas famintas, o cinzento dos dias, das palavras, das ações, corrói. A compaixão pelo mundo e pelos seres nele presentes transforma-se numa indiferença, num leve desconforto. Numa comichão não localizável. A vida como uma enumeração de acontecimentos iguais. Ah! E as cores contrastantes dos mistérios do futuro. Tão vertiginoso. Um novo começo no amanhã. Cheio de possibilidades, de obstáculos. Tão brilhante por vezes, tão baço por outras. Prevemo-lo convergindo o passado com o presente, incapazes de fugir às surpresas que oferece. Mas porque é que o presente, o encontro do nostálgico passado com o idílico futuro, tão abrupto e tão lento, se parece sempre com uma pausa lenta e entediante entre ambos, quando na verdade é o único momento que é verdadeiramente nosso? Pelo menos, é o que as suas feições refletidas na janela preta do metro lhe dizem. Olhando à sua volta, vê tantas vidas a acontecerem ao mesmo tempo que a sua, a dúvida sobre qual pesará mais nos pensamentos das fugazes figuras que passam à sua frente como segundos: a nostalgia do passado, o tédio do presente ou a esperança do futuro. Observa o senhor que traz consigo no pulso duas pulseiras de hospital distintas, uma senhora que corre vigorosamente para apanhar o metro, o rapaz anormalmente alto que enverga um equipamento do Benfica, quase de certeza jogador de basquete, pensa ela. Sente, de repente, empatia pela saúde do senhor, empatia perante a ansiedade da senhora, e esperança pela glória do rapaz.

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E o cinzento é momentaneamente substituído pelas cores das vidas alheias. Dura pouco, ao aproximar-se da sua própria vida, recordando-

lhe as suas próprias feições cansadas da impotência e do tédio de não ser capaz de agarrar o seu próprio presente. Sabe-o mutável e sabe que cada segundo que passa se perde para sempre. Mas então porque não é capaz de o sentir, de o viver?! O reflexo das suas feições é substituído pelos tons fortes do laranja. Chegou à sua paragem. Chegou ao presente.

1º PRÉMIO Beatriz Pires de Sousa Machado 12º F

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Ilustração de: Maria Inês Vales 10º M

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A Aldeia da Hortências Duas Ruivas Gostar do chiar das carruagens do metro, do leve sopro aquando da sua paragem, do recomeço do motor da máquina, parece descabido combinado com o amor incondicional pelo silêncio e pelo som da chuva a cair contra as portadas das janelas. Acreditem que o espírito citadino pode condizer com a criatividade que flui quando se passeia pelo campo. As gémeas Salomé e Íris Ventura, com as suas faces sardentas, encaracolados cabelos flamejantes, olhos penetrantes da cor dos pinheiros, desde cedo passeiam por entre as margaças e evitam pisar nas silvas.

Dois Viajantes A emigração desliga-nos do que é nosso, das raízes. As esporádicas visitas à terra natal vão-se desvanecendo até se extinguirem completamente numa tarde de outono, quando já não há parentes, não há amigos, já se perderam tradições e costumes. Lucas e Vera nasceram em França, viviam em Nice com os pais, emigrantes portugueses, entretanto também Vera se tresmalhou da família, estando atualmente a estudar em Paris. Regressam todos os anos a Portugal para matar saudades da família e do sussurrar das ribeiras da aldeia.

Um Devorador de Livros Se Marco deve a alguém o seu gosto pela leitura, é ao seu avô que, mesmo sendo analfabeto, sempre contara as mais maravilhosas histórias e que, no dia em que Marco aprendeu a ler, lhe pediu que lesse as histórias dos livros, que até aí estavam forrados de pó na biblioteca.

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O avô morreu um ano antes do incêndio que varreu todas as almas ligadas à botânica da aldeia das hortênsias e encheu de angústia outras tantas. Também não teria, certamente, aguentado o desgosto de ver a sua terra feita em cinzas. Partiu, deixando para trás o bichinho dos livros no espírito de Marco. Ensinou-lhe umas quantas lições de vida, preciosas, e deixou outras tantas heranças que não se compram no mercado da vila.

Um Paz de Alma O simples pensamento de ser confrontado com o desaparecimento de algo que nos é querido, que nos completa, é assustador por si só. Depois do incêndio que lavrou os vastos pinhais, Tomás perdeu uma parte do seu todo. Um todo que se fragmentou ainda mais quando, no ano seguinte, o seu pai o abandonou, a si e à sua mãe, Diana. O inconformismo que tomou, então, conta do seu espírito levou-o a encontrar refúgio nas ondas do mar de Peniche. É agora, quatro anos depois do incêndio, que Tomás regressa, de muito má vontade, à aldeia e às amizades que deixou para trás.

Uma tarde A Aldeia das Hortênsias, onde se nota uma tremenda falta de Hortênsias, onde os cabos de alta tensão marcam trilhos no céu, está lá, no mesmo sítio de sempre, à espera que estes seis jovens venham matar saudades. Saudades da família, mas também saudades de um estado de espírito que os abandona assim que pisam terras lisboetas. Chegam sempre por volta das quatro horas de uma qualquer tarde lá para meados de junho. Reúnem-se na eira Cimeira, entre as ervasdaninhas que teimam em crescer pelo meio das lajes para personificar o abandono. Nunca têm grandes conversas na tarde em que se reencontram. Salomé só se foca na leve brisa que abana os pinheiros ao seu redor, Íris

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absorve com grande cuidado o ambiente que a rodeia, Lucas e Vera sentem-se verdadeiramente portugueses, Marco está certamente a ler e Tomás… A raiva que Tomás sentia dissipara-se com a mesma rapidez com que o tomou assim que os velhos amigos lhe acenaram com uma sinceridade tal que sentiu que só tinha passado uma semana desde a última vez que se encontraram. Ficam ali, embrenhados nos seus pensamentos, assaltados de vez em quando por uma pontada mais forte de nostalgia. São interrompidos por um berro (que se ouviu e ecoou pelo casal todo): − Venham jantar, rapaziada, qu’isto já não são horas de s’andar na rua. E assim termina uma conferência muito silenciosa, onde não se conversou, mas onde subtilmente se partilharam memórias e experiências. Depois do jantar e nos dias que se seguirão, já se fala pelos cotovelos, joga-se às cartas, fazem-se apostas com pedrinhas e vivem-se aventuras. Começam outras férias de Verão.

2º PRÉMIO Maria Inês Vales 10º M

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A Arte de Rebobinar Caminhava em terra árida entre ruínas. Parei em frente de uma delas “Aqui está!” pensei. Com o meu dedo indicador desenhei um círculo no ar no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Com isto fiz o tempo recuar. De súbito, ouvi passos, atrás de mim, surgiram cinco pessoas e uma delas transportava uma criança ferida. Recuaram até um cemitério que se situava atrás dos destroços. A quantidade de cruzes espetadas na terra era avassaladora. Começaram a desenterrar corpos. Para minha surpresa, a maioria dos cadáveres eram crianças de várias idades. Como o passado dita, colocaram os corpos novamente entre os destroços, incluindo a criança que chorava. Ao enterrá-la, com os fragmentos de paredes e tectos, o silêncio permaneceu. As pessoas tinham desaparecido sem eu dar conta. “Tenho quase a certeza de que isto deve ser uma escola” pensei. Senteime em frente da escola destruída e esperei. Minutos recuaram e a poeira assente no chão transformou-se em fumo leve. Conforme o tempo recuava, o fumo adensava-se cada vez mais. Um cheiro intenso a enxofre pairava no ar. Num ápice, tudo em meu redor se incendiou. Por momentos, pensei ter entrado no território de Hades, mas rapidamente o fogo afastou-se, levando consigo o fumo que trouxera a esta terra. A labareda amaldiçoada diminuiu e fragmentos metálicos cobriram-na, criando o molde de um míssil. Este voltou aos céus. Com o seu desaparecimento, a escola voltou ao que era antes - um edifício de dois andares com umas quantas janelas. As sirenes invertidas ecoavam pela vila inteira. Gritos ressoavam dentro da escola e, através das janelas, vi vultos que recuavam em massa. A confusão acalmou, os gritos eram agora risadas. Curioso, entrei pela porta principal. Com mais um truque de dedos fiz o tempo parar. Apenas o meu respirar se propagava no silêncio temporal. Virei à direita num corredor, as portas estavam abertas, deixando jorrar a luz do dia,

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fazendo a poeira brilhar num tom dourado. Cada porta dava para um camarote decorado de tons azuis ou rosa e com alguns peluches no chão. Fui envolvido por esperanças de vidas novas e sonhos inocentes. Amaldiçoado fosse o ódio, a inveja e a ganância! Quando acabei de explorar todos os quartos e divisões, não encontrei nenhuma sala de aula. “Será que isto...” - É um orfanato. – Respondeu alguém atrás de mim. Num piscar de olhos, o presente substituiu o passado. Os destroços voltaram e um adolescente jazia a olhar para mim com olhos de rancor. Apercebi-me que era a criança que fora desenterrada naquele dia. - Eu vi o que fizeste... eu tentei falar com eles, mas não ouviam. Porque não consegui mudar o passado? Porque é que não ajudaste? Naquele dia parti sem dizer nada, mas agora digo-vos, herdeiros do presente, uma vez que o caos é colhido da guerra, não podemos mudar o passado, só poderemos rebobinar para lembrar.

3º PRÉMIO Ricardo Encarnação 12º J

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O Escritor sem Voz Henrique fechou a porta atrás de si com a sua calma habitual. Aquela porta não era uma qualquer, muito pelo contrário. Era a porta da sua casa, o seu ninho da solidão que tanto amava. Para o jovem, um segundo exposto ao ar fresco e à luz solar que não passassem pelas portagens que eram os seus cortinados amarelecidos era uma tortura. Mas não havia qualquer tipo de problema. Henrique era um escritor e escritores querem-se misteriosos! A sua afeição pela escrita era a única coisa que inspirava nele algum tipo de orgulho próprio e era, então, com ela que desculpava a sua inadaptação social. O jovem preparava-se para cumprir a sua rotina diária de escrita. Sim, realmente, quem precisava de inspiração quando se tinha a rotina e a monotonia? Uma vez sentado no seu trono de escritor, debruçou os seus dedos delgados sobre as gastas teclas da sua máquina de escrever, onde já mal se viam as letras, e produziu uma sinfonia de baques ruidosos que fazia estremecer as pequenas molduras que adornavam a sua sala. A sua insistência em datilografar virou-se, finalmente, contra ele – a fita da máquina de escrever acabou. Ora que chatice que aquilo era! Procurou e procurou mas não achou uma sobresselente. Talvez ainda pudesse ir à loja na esquina da sua rua… Mas arriscar cruzar-se com alguém era demasiado… A única palavra que lhe surgiu na mente foi “aterrador”, pelo que preferiu deixar a frase aberta e a pairar. Henrique acabou por abrir a sua cama pela primeira vez em algum tempo, deixando a sua pobre poltrona com ciúmes e com uma certa melancolia por ir passar a noite sozinha. A manhã instalou-se no seu quarto, inevitável como de costume. Henrique sentiu-se mais rabugento que o habitual, mas mesmo assim apto a escrever. Foi apressado comprar a fita para a sua máquina à loja na esquina – queria aproveitar a manhã enquanto não havia muitas pessoas lá fora.

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Depois de regressar, testou a fita nova com um pequeno baque. Estranho… Não surgiu nada no papel… Tornou a produzir pancadinhas hesitantes mas sem efeito. Ficou furioso, mas sair novamente não era uma opção – inúmeros seres bípedes inundavam já a rua. Impaciente, pegou na sua nova caneta de aparo, lindíssima, e preparou-se para sentir o fluir da tinta negra no papel. E esta! Também a caneta não funcionava! Sentindo-se ultrajado com o Universo, Henrique usou todas as canetas que encontrou mas nenhuma escreveu um único ponto final, vírgula, ou mesmo um acento! Que estranha coincidência… Intrigado e desesperado, não encontrou outra maneira de resolver a situação sem recorrer a uma curta conversa com a sua vizinha Milena, uma jovem de 28 anos, pouco mais nova do que ele, que já saboreava o esplendor dos 29. Hesitante, bateu à sua porta e, quando ela a abriu, a luz em que foi mergulhado era insuportavelmente radiante. A maneira como o Sol a rodeava era poética – como se a estrela reconhecesse a sua derrota face à cascata de cabelos dourados que brilhava com tamanha intensidade. Ter pensamentos tão belos e não poder assentá-los no papel era uma tortura… Pediu então à sua bela vizinha um favor. Estendendo-lhe com timidez o seu pequeno caderno e a sua estimada caneta de aparo, pediu-lhe que anotasse o seu nome. A jovem escreveu-o rápida e um tanto desajeitadamente. Espantado, tentou repetir o feito, mas nem havia sinal das linhas frenéticas e desesperadas que tentava traçar. Deparava-se com uma situação bizarra: por alguma razão inexplicável, não conseguia escrever. A única coisa que lhe dava uma voz desvanecera-se literalmente de um dia para o outro e, sentindo-se perdido, desfez-se em lágrimas. Mas Milena, tão gentil quanto bela, imediatamente o convidou a sentar-se no seu sofá cor-de-rosa com rendinhas para conversarem um pouco. Falaram a tarde inteira e Henrique deixou a luz de Milena iluminá-lo. E tiveram inúmeras conversas semelhantes no decorrer dos meses seguintes. Henrique começou a ver a jovem com outros olhos e reconhecia nela força e

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determinação. As tentativas de restaurar a sua capacidade de escrever não foram poucas, mas não houve qualquer tipo de alteração aparente na sua “condição”. Apenas Henrique sabia, no seu íntimo, que não era o mesmo homem. E, francamente, não sentia a falta de escrever por rotina, como costumava fazer. Para se exprimir, só necessitava da presença de Milena e da sua fala. Encontrara de novo a sua voz! Que importavam escritas inúteis e vazias quando se tinha o cantar do amor? Decidiu elaborar uma carta para Milena a confessar os seus sentimentos. Encheu-se de orgulho do seu engenho poético: recortou todas páginas que alguma vez escrevera, compilando-as num primeiro testemunho escrito de uma voz que era verdadeiramente sua e terminou a carta com o seu maior tesouro – a pequena amostra da letra de Milena que lhe trouxera a confirmação da perda da sua escrita. No dia em que lhe entregou a carta, permaneceu sentado no sofá rosa, onde tanto conversavam, aguardando a sua reação. Quando se atreveu a procurar os seus olhos, encontrou dois faróis inundados que o iluminavam e que lhe responderam num olhar. Milena estendeu-lhe a sua caneta de aparo e a carta que elaborara. Seguindo um instinto, reproduziu no fundo da página a sequência de linhas que compunham a sua assinatura e viu surgir no papel o seu nome. Então, como uma cadência final, perfeita e previsível, os dois encontraram-se num beijo de lábios apaixonados como duas rosas regadas por lágrimas de felicidade.

MENÇÃO HONROSA Afonso Sucena Marcelo Grave Rodrigues 11º H

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Índice

Prefácio

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POESIA 1º Prémio

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2º Prémio

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3º Prémio

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Menção Honrosa

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Menção Honrosa

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NARRATIVA 1º Prémio

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2º Prémio

28

3º Prémio

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Menção Honrosa

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Biblioteca | centro de recursos 2016|2017


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