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DO CAMPO PARA A ACADEMIA DE LETRAS.

Geraldo Rodrigues da Costa, o Geraldinho do Engenho, nasceu no Engenho do Ribeiro, distrito da cidade de Bom Despacho, no Centro-Oeste mineiro. A história e a tradição secular do povoado vêm dos primórdios da colonização brasileira. No século XVIII, o português Gonçalves de Lima tomou posse da sesmaria situada na margem esquerda do rio Picão, denominando-a Bom Jardim do Picão, pela biodiversidade e pela exuberante beleza da mata virgem que cobria toda a extensão do rio da nascente, nas imediações do povoado da Garça, à sua desembocadura no rio Pará, no município de Martinho Campos.

Geraldinho foi sericultor, suinicultor, agricultor e atuou na pecuária leiteira, atividade tocada atualmente por seu filho, seu sucessor na fazenda. É um dos mais antigos associados da COOPERBOM (Cooperativa Agropecuária de Bom Despacho), na qual a matrícula é n° 0487. A partir de 1980, montou uma venda de secos e molhados no Engenho do Ribeiro, que se transformou em um pequeno supermercado. Seu primeiro livro, “Gavetas da mente”, foi editado em 2003, aos 46 anos.

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Ele escreveu mais 11 livros e participou de dez coletâneas, constituintes do projeto editorial denominado “Gandavos”.

HISTÓRIA:

“Nasci no alto de uma colina de terra branca, entre dois córregos de água pura e cristalina protegidos por arvoredos, numa casinha amarrada de cipó e barreado de chão batido, cheirando a reboco de estrume de vaca misturado a terra de formigueiro. Os primeiros acordes musicais que chegaram aos meus ouvidos foram orquestrados pela natureza. O cântico dos passarinhos, o leve toque da brisa roçando a relva verdejante e a sinfonia do carro de boi entoando seu canto dolente no meio da mata.

Com imensa saudade, recordo-me de minha mãe, à noite, na casinha do monjolo, peneirando fubá de milho-branco, chamado ‘cara de velho’. Eu, pingando de sono, iluminava para ela com lamparina a querosene, ouvindo aquele delicioso xuá-xuá da água cachoeirando-se da bica e sentindo os respingos, através das frestas da parede de varões, borrifando meu rosto. Do céu, divinamente estrelado, vez ou outra uma estrela cadente despencava, riscando o breu da noite em nossa direção.

Da infância à juventude, no Buriti do Jorge, na fazenda de meu avô, Guilhermino Rodrigues, local denominado Sesmaria, as lembranças mais agradáveis, apesar das dificuldades, das mãos calejadas, da tiração de leite a unha seca, do frio cortante nos brejais, dos pés descalços ou enfiados em alpargata de couro cru. As botinas gomeiras, só fui calçá-las aos 12 anos. Viviam mais atreladas pelo cadarço, penduradas nos ombros, que encalcadas nos pés, acostumados a andar livres. Foi assim a minha infância: dividida entre o trabalho, a escola e as brincadeiras.

Da adolescência à juventude, a rotina foi só trabalho, ordenhando, plantando e carpindo roça ou tombando a terra com arado de boi nas épocas da preparação para o plantio. Ah, se eu pudesse voltar à roda do tempo e reviver tudo aquilo! Aquele recanto era meu paraíso encantado.

Na época de seca, era hora da moagem da cana na fabricação de rapaduras. A lida era feita de madrugada. Um engenho pequeno, puxado por um cavalo, mais tarde substituído por um maior, puxado por junta de bois. Frio era aquele que Deus mandava. Eu, calçado de alpargatas, vestido com uma blusinha de flanela, calça curta, tangendo os bois e batendo queixo, enquanto a geada ia estendendo seu lençol branco nas várzeas que margeavam o rio Picão.

Ao concluir o primário, troquei o material escolar pelo cabo das ferramentas rudimentares, com as quais, sem abandonar o hábito da leitura, lavrei a terra durante mais da metade da minha existência. Caminhei por trilhas estreitas, às vezes tortuosas, entre espinhos, mas sempre com muita fé, espelhado no exemplo e na dignidade de meus saudosos e adoráveis pais, José e América.

Agradeço aos amigos, à minha família, especialmente à minha companheira, Amarildes, esposa, amiga, mãe de meus quatro filhos, razão de todas as razões da minha vida.”

Aos 78 anos, o decano da Academia Bom-Despachense de Letras, cheio de energia e inspiração, diz ainda ter fôlego para muitos livros.

Saberes Do V Guilhermino

• “Ao subirmos uma estrada arenosa, vincada de rastros de carros de bois, nos deparamos com inúmeros filhotes de sapos, centenas deles, subindo a estrada em direção à parte mais alta do cerrado. Vô Guilhermino explicou: ‘É sinal de chuvas contínuas nos próximos três meses. Os sapinhos procuram lugares altos e seguros para fugir das cheias dos brejais. Nas secas, já adultos, retornam para procriar’.”

• “Ninhos de pássaros de hábitos aquáticos feitos rente à lâmina d’água do rio são sinais de pouca chuva (não ocorrerão enchentes).”

• “Quando aparece um grande halo em volta do sol, é sinal de chuva mansa e copiosa pelos três dias seguintes (o fenômeno ocorre devido à evaporação do excesso de umidade).”

• “Em picadas de animais peçonhentos, deve-se colocar pedra feita de chifre de veado-galheiro embebida no leite para sugar o veneno.”

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