Mestre das Artes no RS

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Uma homenagem ao talento de 25 artistas e suas obras-primas

Mestres das Artes no RS

Mestres das Artes no RS Uma homenagem ao talento de 25 artistas e suas obras-primas


Estátua do Laçador O Laçador, que representa o gaúcho em trajes típicos, teve como modelo o folclorista Paixão Côrtes. Um dos primeiros monumentos de Porto Alegre, foi inaugurado em 1958. A obra do escultor Antônio Caringi, assentada num pedestal de granito, tem 4,45 m de altura e pesa 3,8 toneladas. Foto de Luiz Eduardo Achutti

Obra de 17 m de altura por 24 m de comprimento, o Monumento aos Açorianos, do escultor Carlos Tenius, homenagea os primeiros 60 casais de portugueses que chegaram dos Açores para povoar Porto Alegre. A estrutura de aço, em linhas futuristas, agrupa figuras de corpos humanos, tendo à frente uma representação do mitológico Ícaro. A obra foi inaugurada em 1974, no dia 26 de março, aniversário da cidade.

Foto de Luiz Eduardo Achutti

Monumento aos Açorianos

Em 1991, uma votação popular escolheu o Laçador como símbolo da cidade. Em 2001, a estátua foi tombada pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural. Inicialmente estava situada na Praça do Bombeiro, Avenida Farrapos, na entrada de Porto Alegre, mas em 2007, devido à construção do Viaduto Leonel Brizola, foi transferida para o Sítio do Laçador, localizado em frente ao antigo aeroporto Salgado Filho, com uma área maior para os visitantes.



Foto de Luiz Eduardo Achutti


As meninas Alice Soares, ao lado de Alice Brueggemann, manteve o tema constante “as meninas”, líricas ou dramáticas. Ambas desenvolveram um traçado suave que deu forma às meninas de olhos atentos, meninas distraídas, apanhadas de surpresa olhando para o lado, meninas conversando, de pé, sentadas, apoiadas.

Alice Soares: Desenho II (Acervo Margs/ Fábio Del Re/VivaFoto)

Alice Brueggemann: Sem título (Acervo Margs/Fábio Del Re/VivaFoto)


Mestres das Artes no RS Uma homenagem ao talento de 25 artistas e suas obras-primas

Prefácio Paulo César Ribeiro Gomes, artista plástico, curador independente e professor na UFRGS. Mestre e doutor em Artes Visuais – Poéticas Visuais, pela UFRGS. Desenvolve pesquisa na área de Poéticas Visuais sobre arte contemporânea e arte no Rio Grande do Sul.

Fotos* Luiz Eduardo Robinson Achutti, fotógrafo, antropólogo, professor do Instituto de Artes da UFRGS, professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e membro de Phanie Centre de l'ethnologie et de l'Image - Paris.

Ilustrações dos retratos Fernando Jorge de Freitas Uberti, publicitário, ilustrador, cartunista e quadrinista. Premiado em salões de publicidade nacionais. Participou de vários salões de humor nacionais e internacionais. Publicou quadrinhos no Brasil e exterior.

Exceto: Acervo do MARGS: fotos das obras de Antônio Caringi, Bez Batti, Brito Velho, Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues, Oscar Boeira e Vasco Prado, por Fábio Del Re/VivaFoto. Acervo Museu Júlio de Castilhos: foto da obra de Manuel de Araújo Porto Alegre, por Roberto Schmitt-Prym. *


Apresentação

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A valorização do artístico

construção civil, para a Obraprima, não é feita apenas de tijolos, cimento e aço - materiais necessários à solidez das edificações. A começar pelo próprio nome, que se refere ao universo das artes plásticas, a inspiração faz parte dos insumos empregados pela empresa nos modernos e arrojados projetos que desenvolve.

Nesse contexto de valorização do artístico, os edifícios construídos pela Obraprima foram recebendo, ao longo do tempo, nomes de grandes mestres das artes plásticas, como Portinari, Di Cavalcanti, Modigliani, Miró, Kandinsky, Botticelli, Gauguin, Salvador Dalí, Vermeer, Mondrian, Goya, Rodin, Cézzane, Leonardo da Vinci, Gustav Klimt, Michelangelo, Gaudí, Velásquez, El Greco, Matisse, Rembrandt, Van Gogh, Locatelli, Degas, Renoir e Picasso. A bem da verdade, também já foram homenageados pela empresa, no batismo de prédios, célebres representantes de outras manifestações artísticas, como Mozart, Ravel, Vivaldi, Beethoven, Bach, Verdi e Tom Jobim; Cervantes e Neruda; além dos pensadores Ludwig von Mises e Frédéric Bastiat.

Foto de Luiz Eduardo Achutti

A sala de reuniões da diretoria da Obraprima, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, evidencia que a sensibilidade para as artes não é mero marketing externo. As paredes do local mostram que os seus ocupantes cultivam no seu espaço de trabalho a inclinação que os fez cunhar o slogan institucional “Construir é uma arte”.


Em uma das paredes da sala, estende-se, no formato horizontal, um quadro que alude a Frank Lloyd Wright, que antes de se tornar o arquiteto mais importante do século 20 também estudou engenharia. Uma das obras projetadas por Wright, nas décadas de 1940/50, foi o Museu Guggenheim, uma obra-prima exposta aos olhos de quem passa pela 5ª Avenida, 1071, em Nova York. Em outra parede do local, estão simetricamente alinhadas as imagens de dois novos imóveis da empresa que levam os nomes de Diego Rivera e Frida Kahlo. O casal mexicano, como se sabe, teve uma vida amorosa intensa e violentamente tumultuada. Mas lá, na homenagem da Obraprima, as referências ao casal estão harmoniosa e cuidadosamente colocadas por pessoas que acreditam que a arte é um elemento de elevação do gênero humano. Esse sentimento explica a confecção deste livro contendo um painel das artes plástica no Rio Grande do Sul através do tempo para ser o presente de aniversário dos 25 anos da Obraprima. Que os clientes, fornecedores, colaboradores e amigos da empresa o desfrutem. Porto Alegre, 2013.

A Conquista do Espaço O painel “A Conquista do Espaço”, de Aldo Locatelli, decora o Terminal de Passageiros 2 do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, desde 1953. Com 50 m², nele estão representados Ícaro, com seu sonho de voar, Leonardo da Vinci, com suas cartas de navegação, e Santos Dumont, com seu 14-Bis. O painel mostra também a fabricação e manutenção dos motores de aeronaves. Em 2011, a peça foi restaurada pela artista plástica e especialista em obras Leila Sudbrack, que já trabalhara na sua restauração em 1986 e 2000.


Índice

Foto de Luiz Eduardo Achutti

Prefácio ......................................................................................................... Manuel de Araújo Porto Alegre ........................................................... Pedro Weingärtner .................................................................................... Augusto Luiz de Freitas ........................................................................... Libindo Ferrás ........................................................................................... José Lutzenberger ...................................................................................... Oscar Boeira ................................................................................................ Leopoldo Gotuzzo ..................................................................................... Ângelo Guido .............................................................................................. João Fahrion ................................................................................................ Antônio Caringi .......................................................................................... Ado Malagoli ............................................................................................... Iberê Camargo ............................................................................................ Clubes de Gravura ..................................................................................... Carlos Scliar ................................................................................................ Danúbio Gonçalves .................................................................................. Glênio Bianchetti ...................................................................................... Glauco Rodrigues ......................................................................................

10 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 46 48 50 52 54


Vasco Prado ................................................................................................. Aldo Locatelli .............................................................................................. Alice Soares ................................................................................................. Alice Brueggemann .................................................................................. Francisco Stockinger ............................................................................... Carlos Tenius .............................................................................................. João Bez Batti .............................................................................................. Carlos Carrion de Britto Velho ............................................................. Eduardo Vieira da Cunha ...................................................................... Obraprima .................................................................................................... Fontes de Consulta .................................................................................... Ficha Técnica ..............................................................................................

56 60 62 64 66 70 72 74 76 78 80 82

Epopeia Rio-grandense, Missioneira e Farroupilha

Foto de Luiz Eduardo Achutti

O artista plástico Danúbio Gonçalves tem como ponto forte a gravura, mas a sua produção em arte monumental, com grandes painéis, também é reconhecida. Um deles é o painel Epopeia Rio-grandense, Missioneira e Farroupilha, na Praça Revolução Farroupilha, acesso da Estação Mercado do Trensurb, no Centro de Porto Alegre. A obra, composta por 555 lajotas e porcelanatos, com 16,5 m de largura e 3 m de altura, demorou seis meses para ser finalizada. A pintura dos porcelanatos foi feita manualmente. O painel, inaugurado em 2008, retrata o contexto cronológico da Revolução Farroupilha. São personagens e frases retratando as diferentes fases da guerra. É um tributo à sua própria família, pois Danúbio é trineto de Bento Gonçalves, líder da revolução que durou de 1835 a 1845.


25 Obras-Primas

Paulo Gomes

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presentamos aqui 25 obras de arte, basicamente pinturas e esculturas, representativas das artes plásticas do Rio Grande do Sul. Não é uma revisão, pois é extremamente reduzida para tanto, tampouco é uma antologia, pois para isso deveria ser precisa e objetiva na escolha dos nomes e muitos deles estão ausentes. Melhor dizer que é uma mirada panorâmica de dois séculos, ilustrados por artistas gaúchos: um passeio que se inicia em meados do século XIX e vem até os dias de hoje. É uma seleção de obras para uma publicação comemorativa, mas visando primordialmente à fruição e ao deleite. É um livro pensado para amadores, mas também útil para estudiosos e especialistas. A análise foi baseada na observação das obras, na chamada leitura das imagens, considerando suas características formais, tais como composição, desenho, cor; aspectos técnicos, como pertencimento a gêneros canônicos da arte como a paisagem, o retrato, a natureza-morta; questões históricas, como a evolução dos gêneros e a maturidade do campo. Um percurso que pode ser feito ao sabor dos gostos do leitor: pelos gêneros, enfatizando o desenvolvimento da paisagem, da sua submissão ao discurso identitário até a sua autonomia enquanto gênero pictórico; pelas características das figuras, seja naquelas identificadas dos retratos ou nas personagens anônimas das demais composições; pelas especificidades da pintura de história, o silêncio eloquente das naturezas-mortas; pela evolução e o desenvolvimento da escultura no Rio Grande do Sul; pelas sutis características das figuras, só muito sub-repticiamente perceptíveis nas personagens representadas; pela evolução do ensino das artes no Rio Grande através dos seus professores e alunos presentes nessa lista; pelas características pessoais dos artistas escolhidos; pela cronologia pura e simples e, ainda, por que não, pelas falhas que ficam evidentes na escolha quase arbitrária de artistas e obras. Múltiplas leituras. Conforme já anotamos, partimos do princípio de que essa amostragem não dá conta da riqueza e da diversidade da produção plástica e visual do Rio Grande do Sul. É também importante observar aqui que a seleção apresenta alguns aspectos importantes: primeiro, de uma evolução do gosto do público local, desde as manifestações mais arraigadas a uma estética acadêmica até a contemporaneidade; segundo, mesmo que sumariamente, apresentamos um processo de constituição de um campo específico da produção de conhecimentos que é o das artes plásticas e, finalmente, o que consideramos mais importante, apresentamos o longo e, por vezes, complexo, processo de adesão às práticas modernistas pela arte e pelos artistas do Estado, processo esse inerente ao século XX. Salientaremos como esse processo se dá de maneira indireta, perceptível nas entrelinhas das análises das obras, caracterizado pela evolução formal e temática da produção. Por que obra-prima? Escreveu Etienne Souriau que se chamava obra-prima, no antigo regime das corporações, o trabalho que apresentava um companheiro desejoso de passar à condição de mestre. Por extensão, o termo se modificou até designar toda obra de qualidade excepcional, própria a qualificar de mestre o seu autor. Em estética, ele serve tradicionalmente a uma espécie de seleção, colocando fora de comparação determinadas obras de arte consideradas como objeto de admiração e mesmo de imitação. Também se utiliza o termo para designar uma obra de um artista que alcançou plena maestria na execução de uma determinada obra e que demonstra que ele está em pleno domínio de seu ofício.

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Manuel de Araújo Porto Alegre | Selva brasileira, sem data

Paisagem em que o artista investiga a potência natural do jovem país. É uma imagem “cenográfica” (o que também corresponde a uma das atividades do múltiplo artista, que, entre outras tantas coisas foi também cenógrafo), na qual a selva parece ordenada, poderíamos mesmo dizer, domada. Não falta, entretanto, a par da acurada observação da vegetação nativa, uma visão apropriada da mata brasileira, desta feita muito mais próxima da realidade do que as anteriormente feitas por artistas europeus, principalmente os viajantes. Nesta Selva Brasileira a luz e a cor correspondem muito mais ao real local do que nas imagens filtradas por uma formação clássica, como o caso de Taunay. Também corresponde à construção de uma identidade nacional para as artes, trabalho muito mais visível na literatura do século XIX, principalmente nos poemas e romances indianistas de nossos mais notáveis escritores.

Pedro Weingärtner | Bailarinas, 1896 As bailarinas de Weingärtner, assim como os artistas que o pintor representou inúmeras vezes, não correspondem, conforme uma norma estabelecida pela velha leitura da arte do século XIX brasileiro, ao gosto frívolo dos colecionadores locais. Muito da pintura de “gênero” produzida por Weingärtner fica mais compreensível se a alinharmos a uma tendência naturalista, corrente de grande vigor na Europa no período de formação do artista. Consequência do Realismo, o Naturalismo oferece um olhar objetivo sobre a realidade, mais ocupado em descrever minuciosamente as personagens e seu entorno do que estabelecer uma narrativa. Esta é outra preocupação um tanto ociosa quando nos aproximamos de Weingärtner, tentar entender o que ele quis dizer: ele não quis dizer, ele quis mostrar e é isso o que ele faz nessas Bailarinas, ocupadas em descansar após suas atividades. A descrição cuidadosa do ambiente, do mobiliário, dos tapetes, dos inúmeros objetos e mesmo uma pintura de paisagem na parede fazem parte dessa preocupação objetiva. Não há aqui apenas o interesse do pintor em ser exímio na apresentação das pessoas e coisas, mas em ser objetivo, descrevendo friamente o que ele vê.

Augusto Luiz de Freitas | Saída da Missa, sem data Freitas é um dos casos mais interessantes de artistas produzidos pelo Rio Grande do Sul no século XIX. Com uma sólida formação europeia, na cidade do Porto, em Portugal, e complementada por estudos na Escola Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro), sua trajetória é marcada pela diversidade de gêneros praticados: retratos, paisagens e pintura de história. Sua obra ainda não foi objeto de um estudo acurado ou mesmo de uma mostra retrospectiva e isso dificulta a compreensão de seu trabalho, diverso e múltiplo, tanto em gênero quanto em filiação estilística. Essa Saída da Missa é uma cuidadosa descrição da aldeia romana de Antícoli Corrado. A obra é, provavelmente, do final do século XIX e início do XX e sua filiação estilística é coerente com a tendência naturalista da pintura europeia do período. Freitas nesta obra é minucioso e detalhista, mas com uma visão mais pictórica da narrativa visual, menos presa ao motivo do que Weingärtner. Essa mesma aldeia, que também foi o cenário de um grande número de pinturas de Weingärtner e do espanhol Mariano Barbesan Lagueruela (1864-1924), companheiro dos dois gaúchos, está aqui representada com mais preocupação em descrever o sentimento religioso do que ser antropológica, como é comum na obra dos seus outros dois companheiros.

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Libindo Ferrás | Residência Rústica, 1917 Como nossos artistas anteriores, Ferrás também teve uma formação estrangeira, tanto na Europa quanto no Rio de Janeiro. Pintor de méritos inegáveis, sua obra também é vítima de preconceitos e pouca observação. Suas paisagens, mesmo que não avancem para uma técnica contemporânea, como desejariam nossos críticos, está plenamente adequada à realidade local, tanto do ponto de vista da natureza quanto do gosto artístico. Ferrás é o artista, depois de Weingärtner, que inventa uma autoimagem local. Suas paisagens, geralmente não identificadas, mostram uma natureza e uma luminosidade típicas do sul do país, sendo cuidadosas na sua fatura e no desenho. Suas composições são tradicionais e a cor é tímida, temos que reconhecer, pois seu pensamento construtor e sua paleta ficam presos aos cânones da pintura de paisagem, mas temos que admirar seu arrojo em, fugindo do anedótico e do meramente descritivo, oferecer aos espectadores uma visão apuradíssima da paisagem sulina, muito mais em clima, reafirmamos, do que em detalhes anedóticos.

Oscar Boeira | Paisagem II, 1918 Boeira foi um artista só parcialmente realizado. Seu rigoroso senso de perfeição e sua autocrítica nada indulgente o levaram a eliminar grande parte da sua produção, privando-nos de uma visão mais orgânica e ampla da sua produção. O que sobrou é, entretanto, de grande valor e importância. Essa Paisagem II (título de catálogo do MARGS), de 1918, é ainda bastante tradicional e muito próxima da paisagem de Ferrás de que falamos acima: descrição não exaustiva, mas cuidadosa, apreensão correta da luz local, desenho acurado, composição corretíssima e cores baixas. Curiosamente, isso tudo é muito pouco compatível com a obra de Eliseu Visconti, seu professor na Escola Nacional de Belas Artes. A influência de Visconti virá mais tardiamente, em paisagens futuras, bem mais arrojadas tanto em desenho quanto em composição e cores. Mas Boeira está, assim como seus contemporâneos Weingärtner e Ferrás, construindo uma visualidade local e ela deve forçosamente se adequar à construção de um gosto local pela arte e formação de seus consumidores imediatos. Boeira nesta larguíssima paisagem impõe ao seu observador uma visão em dois tempos, o que já foge do modo tradicional de organizar a pintura: temos à esquerda um amplo grupo de árvores e, à direita, um conjunto de construções. Também o segundo plano se divide em dois momentos bem distintos, no qual cada colina serve de fundo para os motivos principais. A coloração amarelada do céu e da paisagem, as longíssimas sombras projetadas e o leve enevoado da imagem nos levam a imaginar um fim de tarde típico do sul do país. Um demorado pôr do sol, que vai tingindo lentamente as coisas e nos fazendo perder sua nitidez; uma luz que vai caindo em resistência até o quase total obscurecimento e, súbito, se faz noite. É essa riqueza perceptual, mais do que seus arrojos e alinhamentos estilísticos, que faz desses paisagistas nossos primeiros grandes artistas.

José Lutzenberger | Pampa, sem data O olhar estrangeiro de Lutzenberger é o que dá às imagens do Rio Grande do Sul, sejam elas rurais ou urbanas, todo o seu sabor de novidade. Se o olhar de Weingärtner, Ferrás e Boeira estava ocupado em descrever o sentimento de percepção da paisagem local, Lutzenberger considera a paisagem um fundo cenográfico no qual ele insere suas acuradas análises de tipos e atividades. As qualidades intrínsecas do artista Lutzenberger o tornaram um dos artistas mais apreciados dentre todos os que descreveram nossa paisagem humana: desenho primoroso, cores adequadas, domínio técnico assombroso da aquarela (seu veículo mais comum) e um humor a toda prova. Se seus farroupilhas, produzidos em 1935, para a mostra do Centenário da Revolução Farroupilha, são folclóricos e evidentemente épicos (já escrevi alhures que eles me parecem fugidos de algum romance de Karl May ou de algum filme de faroeste), estes gaúchos aqui apresentados são corretíssimos, honestos e precisos, assim com a paisagem que os acolhe.

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Leopoldo Gotuzzo | A Echarpe Rosa, 1939 Gotuzzo é um artista muito mais estimado por colecionadores do que objeto de interesse de estudiosos. Lamentavelmente, pois sua obra é de uma riqueza temática ímpar e sua evolução artística é digna do maior interesse. Se suas pinturas iniciais ainda estavam presas ao bem fazer acadêmico, rapidamente sua formação europeia o empurra para uma prática contemporânea, do ponto de vista estilístico: suas pinturas da década de 1920, mormente os magníficos nus (coleções do MARGS e do Museu Leopoldo Gotuzzo), propõem uma pintura de grande qualidade, com um desenho sinuoso e com grande riqueza de cores em composições decorativas atordoantes. A Echarpe Rosa é uma tela com composição mais tradicional na sua ampla diagonal, que vai da esquerda para a direita, e com menos elementos decorativistas: é um nu, gênero canônico da arte, colocado em um ambiente acolhedor e com uma bela composição de flores amarelas em um grande vaso. O colorido é de grande requinte, predominando o azul no fundo e na poltrona, na qual a modelo esta sentada, intensificado pelo azul brilhante do vaso; as cores quentes são reservadas às flores amarelas, que iluminam o fundo baixo, e ao tom caloroso da pele da modelo, que é iluminada pela ampla mancha rosa da echarpe, que se estende da esquerda para a direita, clareando toda a base da tela. Temos nesta tela, justamente premiada, uma síntese do trabalho do artista até o momento: cores requintadas, desenho perfeito, composição equilibrada e ainda com um elemento de ineditismo dentre os nossos artistas, que é a escolha de uma bela mulata como modelo. A pele acobreada e os cabelos negros complementam sua figura de quadris amplos e seios pequenos, compondo com um rosto típico, de narinas largas, lábios cheios e cuidadosamente delineados, uma bela figura de mulher.

Ângelo Guido | Clube do Comércio, 1941. O Clube do Comércio abre, no nosso panorama, um novo modo de interpretar a paisagem local. Longe das interpretações expressivas das paisagens de Ferrás e de Boeira, Guido nos apresenta uma imagem localizável, contemporânea e urbana. São três elementos inovadores: a identificação do lugar, a aparência moderna e o foco na cidade. Guido foi um pintor de inegáveis recursos, mas com uma produção extensa e desigual: essa paisagem é uma mostra da excepcional capacidade do artista e intelectual paulista em interpretar a aparência da realidade sem ceder ao olhar meramente descritivo. O ângulo inusitado do primeiro plano, com casas baixas e com a exuberante vegetação, imersas na obscuridade, ampara o nosso olhar, que se eleva lentamente em direção ao grande maciço do Clube do Comércio, que surge iluminado ao fundo. É uma imagem impactante pela construção e, principalmente, pelo seu colorido intenso: uma intensidade conseguida com tons baixos – o rosa do prédio e o azul homogêneo do céu. Longe das paisagens fundadoras dos primeiros mestres, a imagem que Guido nos dá é plena de contemporaneidade, tanto no tema quanto na abordagem pictórica. É um caminho novo, que dará notáveis resultados nos anos vindouros, numa floração de excepcionais paisagistas que incluí artistas como Benito Castañeda, Maristany de Trias, Gastão Hoffstäeter, Carlos Alberto Petrucci, Edgar Koetz e Iberê Camargo, entre tantos outros.

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Ado Malagoli | Composição com Figura, 1949 O próprio título da obra de Malagoli já nos aponta um novo modo de pensar a pintura: composição é um termo genérico que deixa aberta as possibilidades para além da narração e da descrição pictóricas. Esta composição malagoliana nos apresenta três momentos distintos, a saber: um nu feminino reclinado, uma figura feminina montada sobre um cavalo e uma paisagem. A diversidade de elementos abre para inúmeras interpretações, mas, prioritariamente, nos apresenta um conjunto íntegro e harmônico no qual a questão da pintura é o tema central. O uso de referenciais canônicos da arte – o nu e a paisagem, associados à figura da amazona, irresistivelmente nos faz pensar nas pinturas do novecento italiano. Um clima construído a partir do estranhamento da própria composição e um cuidado superlativo com a fatura pictórica. É interessante observar que a obra de Malagoli, oriunda das experiências sociais e formalistas do Núcleo Bernardelli, vai, lentamente, se afastando das regras e abrindo espaço para construções plenas de fantasia, construídas a partir de um universo visual que não tem correspondência no real, mas, partindo deste, abre para um mundo onírico e delirante. É essa liberdade construtora que Malagoli aportará aos seus alunos no Instituto de Artes, abrindo um caminho libertário para a pintura sulina.

Aldo Locatelli | Desventura, 1952 Locatelli passou pelo universo da pintura do Rio Grande do Sul como um cometa – uma aparição fulgurante e extremamente rápida. Seu desaparecimento precoce nos deixa entrever as enormes potencialidades que sua obra poderia aportar para a pintura local. Submetido a um regime draconiano de encomendas, Locatelli teve pouco espaço para expandir-se, ficando sua obra restrita aos discursos institucionalizados do Estado, da Igreja e dos demais comitentes oficiais. Essa Desventura nos permite observar de perto a excepcional qualidade do seu desenho e da sua pintura: é uma tela enigmática e somos levados a pensá-la como um estudo para algum mural não realizado. Mas outra leitura plausível, na verdade mais uma interpretação, pode ser considerada: o que significa a desventura aqui representada? Quem é a figura monumental, de corpo modelado com um cuidado michelanesco, inserida num cenário geometrizado de perfume classicista, que esconde sua face, não se permitindo identificar? Pensemos no próprio artista, premido pelas encomendas de comitentes submissos a um regime de gosto retrógrado, submetido à prática inteiramente artesanal de metros de murais, sem possibilidade de expressão pessoal. Parece-nos plausível essa leitura, considerando o imenso talento e erudição deste italiano que pouco pode mostrar-se enquanto artista.

Alice Soares | Igrejinha, sem data Conhecida pelos seus desenhos, principalmente de figuras infantis – as meninas e os meninos –, difundidos até quase à exaustão, nos surpreende a artista Alice Soares na sua juventude criativa, pintando retratos, paisagens e naturezas-mortas e, faceta praticamente desconhecida, esculpindo com enorme competência. Alice Soares é uma das pioneiras na profissionalização das mulheres artistas no Rio Grande do Sul, juntamente com Judith Fortes, de uma geração anterior, e suas companheiras de geração, Alice Brueggemann, Christina Balbão, Leda Flores e Dorothéa Vergara, entre outras. Observar suas pinturas desse período ajuda a compreender o influxo poderoso que a paisagem tinha naquele momento. Se olharmos para trás, observando os paisagistas aqui tratados, principalmente Ângelo Guido, já moderno, mas ainda submisso às regras da representação, veremos que Alice Soares produz uma obra de linguagem plástica rigorosamente contemporânea, fundada numa figuração sintética. A economia de sua paleta, as cores esbatidas, o tratamento pictórico simplificado, a redução dos elementos gráficos e a amplidão dos recursos expressivos da sua paisagem levam-nos a ombreá-la com os melhores paisagistas daquele período, tantos locais quanto nacionais.

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Glênio Bianchetti | Sem título, 1955 As linoleogravuras de Bianchetti são as obras mais sensuais da prolífera produção dos grupos de gravura locais nos anos 1950. Sensuais no sentido de fazerem antes apelo aos sentidos do que ao intelecto. Suas gravuras, cortadas no macio linóleo, têm uma sinuosidade que contraria a rigidez das xilogravuras de Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues e Vasco Prado. Só encontraremos semelhança nos pochoirs de Carlos Scliar, com seu requintado tratamento colorístico. Essa sensação agradável é o que primeiro nos atrai na sua obra deste período, deixando que o discurso social fique, pelo menos temporariamente, num segundo plano. Bianchetti é um caso raro de talento precoce. Suas gravuras dos anos 1950, produzidas nos seus vinte e poucos anos, surpreendem pela precisão e pela expressividade. Alinhado com a militância social, sua obra avança além do discurso crítico, abrindo-se para um espaço de fruição estética sem, entretanto, abdicar da precisão documental e do detalhismo realista, características maiores do discurso plástico dos seus colegas gravadores.

João Fahrion | Retrato de Maria José Cardoso, 1956 A pintura de Fahrion sempre foi alinhada com as tendências formais das quais ele foi contemporâneo, seja no expressionismo alemão que ele viu de perto, durante sua estadia na Alemanha nos anos 1920, seja na linguagem simplificada da Art Déco, que ele praticou com total perfeição na sua obra gráfica. Sua pintura é devedora dessa última tendência, tanto no recurso à simplificação das formas, que são suavemente geometrizadas, assim como no uso de cores chapadas, numa linguagem quase gráfica. Outro fator de alinhamento com a Art Déco é o apelo ao decorativismo, que surge de modo exemplar nesse elegantíssimo retrato, com seu fundo ricamente decorado com figuras femininas, fazendo eco à forma esguia e sinuosa da bela miss, elegantemente vestida de negro. A pose de Maria José ecoa ainda na linearidade da escultura à sua direita, esguia até quase a deformação, compondo um conjunto que rompe com a imobilidade tradicional dos retratos. A obra de Fahrion é cheia de armadilhas, ocultas por trás de sua aparente facilidade, como a precisão alucinante alcançada na sua rala fatura pictórica. Exemplares nesse retrato são as texturas maravilhosamente representadas, como, por exemplo, o veludo negro do vestido, o bronze da escultura de Humberto Cozzo, e a fragilidade da revista que a modelo traz na sua mão esquerda. Um artista superior pela precisão do seu desenho, pela qualidade da sua fatura pictórica e pela atualidade do seu discurso plástico.

Iberê Camargo | Carretéis em fundo azul, 1960. Objetos de inumeráveis estudos, a obra de Iberê Camargo permite um grande número de abordagens: sua pintura, as gravuras, os desenhos, a figuração, as paisagens, a abstração etc. Esses carretéis foram produzidos no zênite de sua trajetória, no momento em que o artista investia numa figuração quase imperceptível em busca de valores pictóricos autônomos. Ficamos tentados em mostrar, nessa seleção de 25 obras-primas, suas paisagens dos anos 1940-1950, para perfilá-las com aquelas produzidas por seus pares gaúchos, mas optamos por estes carretéis, porque eles indicam um caminho ainda pouco conhecido, que é a abstração informal praticada no Rio Grande do Sul nos anos 1960. Abstração essa que deve muito ao artista de Restinga Seca, pois no início dos anos 1960, no auge de sua celebridade nacional, ele ministrou aqui uma oficina de gravura que acolheu grandes futuros nomes das artes plásticas. Os Carretéis em fundo azul é uma obra na qual podemos perceber uma rigorosa pesquisa formal e pictórica. Nela a figuração está a inteiro serviço do embate rigoroso no qual o desenho dos carretéis serve de suporte para uma densa massa de tinta que, ao mesmo tempo que elimina a relação entre a figura e o fundo, faz, da densa representação matérica, surgir as formas da pura pintura, sem subserviência ao desenho figurante, mas também sem cair na expressividade meramente sensorial da pintura abstrata informal.

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Francisco Stockinger | Guerreiro, sem data. A escultura de Stockinger investe na sintetização das formas e na economia do material. Sua escultura, no início da década de 1960, abre mão da cinzelagem e da moldagem até então praticadas por ele, investindo no corte e dobra da matéria-prima, com a agregação de alguns elementos de fundição. Essa técnica, ao mesmo tempo que exige a simplificação das formas, permite uma expressividade superlativa. Seus guerreiros, nascidos nesse período, são caracterizados pela plena adequação alcançada entre os recursos técnicos, o material utilizado e as intenções expressivas. Num momento crítico da história do país, as figuras épicas de Stockinger são ao mesmo tempo críticas e irônicas, pois, enquanto apontam para a empáfia dos militares, denunciam a fanfarronice de suas posturas antiquadas e totalitárias.

Antonio Caringi | Banhista, 1960 A capacidade de evocação da arte de Caringi é um dos seus maiores valores. Suas obras públicas, majoritariamente produzidas a partir de comandas públicas, povoam o imaginário rio-grandense desde os anos 1930, mantendo ainda uma surpreendente atualidade. Escultor tradicionalíssimo, principalmente do ponto de vista técnico, ele dominou com maestria a moldagem e o cinzelado de figuras. Do ponto de vista da linguagem, sua obra inicialmente é devedora da forte influência de Auguste Rodin, mormente na utilização de recursos expressivos dos volumes. Na medida que sua obra evolui podemos perceber algumas influências de escultores modernos, como Aristides Maillol e Arno Brecker, principalmente na simplificação dos volumes e na fatura mais lisa das formas. Essa Banhista é uma tardia retomada de alguns recursos escultóricos dos anos 1930, como a simplificação dos volumes, que potencializa a eficiência da representação. Escultura ímpar na sua produção, a Banhista tem o mesmo poder de evocação de seus monumentos, mas em outro diapasão: não mais dos valores heroicos e épicos, mas a interrogação inevitável de sua pertinência e destinação. Ao mesmo tempo que interroga os seus apreciadores no museu, seu poder é forte o bastante a ponto de inspirar uma narrativa de ficção, como o romance de Lília Sentinger Manfroi.

Alice Brueggemann | Sem título, 1964. Nesta natureza-morta exemplar, Alice Brueggemann apresenta os melhores recursos de sua arte: um desenho eficientíssimo, uma composição arrojada, com cores requintadas e um resultado inevitavelmente exemplar. Alice é outra artista que, do mesmo modo que sua homônima Soares, deixou um rico passado artístico no quase desconhecimento, caindo no gosto do público, principalmente, pelas suas suaves figuras e naturezas-mortas quase monocromáticas. A incrível potência da obra pictórica de Brueggemann pode ser percebida nesta natureza-morta de 1964, sintética a ponto de quase nos fazer esquecer suas formas, mergulhando-nos num universo colorístico de tons baixos e harmonicamente justapostos, ecoando o rigor de um Giorgio Morandi ou, mais próximo de nós, de um Jacinto Moraes. O refinamento, que se manteve em sua obra posterior, pode ser percebido aqui de modo mais evidente, tanto na simplificação das formas, como no equilíbrio assimétrico da composição, quase totalmente geométrica, dominada pelos retângulos, pelos quadrados e pelos círculos.

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Carlos Tenius | Guerreiros, 1964 Essa escultura de Carlos Tenius, também intitulada Guerreiros, como a contemporânea de Francisco Stockinger, utiliza basicamente os recursos da soldagem. Os resultados alcançados, nesta obra de início de carreira, são notáveis: densidade, dinamismo e tensão, valores plenamente adequados ao tema escolhido que, aliados ao domínio expressivo do material utilizado – o ferro – e à sua capacidade de fazer com que a matéria expresse os conteúdos almejados, serão as melhores características de sua obra futura. Formado no Instituto de Artes, sob o rigor de um professor como Fernando Corona, a obra de Tenius terá um desenvolvimento notável nas décadas de 1960 e 1970, principalmente na sua obra pública, que tem como pontos referenciais a monumentalidade e a eficiência, numa plena adequação de meios e fins, características presentes somente em artistas plenamente realizados.

Danúbio Gonçalves | Conquista Espacial, 1973 Nessa grande pintura narrativa, com vocação para o mural, a alegorização está a par da ironia e do humor, ladeadas pela denúncia da mecanização. Quase vinte anos depois das formativas alegorias de Aldo Locatelli para o Palácio Piratini, Danúbio Gonçalves investe na sua veia crítica, pondo Santos Dumont, o herói nacional da aviação, em oposição aos discursos glorificantes do poder, tão característicos do auge da ditadura militar. Num campo pictórico marcado pela densidade de elementos o artista contrapõe dois tempos: um edênico, representado pela terra, água, bodoque, banquinho, criança, adultos quase sarcásticos, nuvens, balões, borboletas e outro terrível, com um dirigível, um robô, sinais de fogo, morcegos e um astronauta. São dois momentos de um mesmo discurso social, centrado no herói nacional que medeia as passagens do puro para o ingênuo, do límpido para o poluído, de um tempo plácido para outro tormentoso. É uma pintura rica de elementos figurativos, na qual o artista se opõe à economia e à secura das suas gravuras das séries das Xarqueadas e dos Mineiros de Butiá, propondo no lugar do discurso unívoco, direto e econômico da gravura em madeira a riqueza pictórica da alegoria plena de interpretações e possibilidades.

Carlos Scliar | Cavalete com arreios e banquinho, 1976 Se Danúbio abandona a secura do discurso engajado dos anos 1950 e também seus motivos mais recorrentes, Scliar retorna ao mesmo universo com o mesmo tom, mas num registro diferente. Suas gravuras, marcadas por uma descrição quase idílica do campo gaúcho e de seus personagens, retorna nesta pintura de 1976 quase literalmente, fazendo-nos ver, através dos objetos, o mesmo universo referencial. Evidente que a inclinação pictórica, já plenamente perceptível nas obras dos anos 1950, está agora plenamente desenvolvida. Aqui a pintura está submetida a um desenho descritivo e potente, no qual a cor aparece de modo econômico e com grande refinamento. Uma pintura também caracterizada por seu pertencimento ao período no qual o artista retorna ao Sul, por ocasião das comemorações dos vinte anos do Grupo de Bagé. É o momento de retomar um tema fundamental na sua obra, mas sob outro viés: um olhar nostálgico e lírico, menos aguerrido e muito mais requintado. Mas não menos eficiente na sua capacidade evocativa: esses arreios e banquinho são muito mais eloquentes, a propósito da identidade gaúcha, que os muitos gaúchos que povoavam (e ainda povoam) a arte sul-riograndense.

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Vasco Prado | Modelo em Repouso, 1988. Assim como Bianchetti, Danúbio, Scliar, Glauco, Caringi, Tenius, Stockinger e Locatelli, Vasco Prado também se dedicou a constituir uma visualidade local marcada pelo discurso identitário do gaúcho. Mas sua atividade, marcada publicamente por seus monumentos e inúmeros personagens da mística local, investiu em uma pesquisa formal de grande densidade e valor. As formas humanas, mormente as femininas, foram objeto de inúmeras obras, tanto as modelagens em terracota e fundições em bronze assim como as figuras cinzeladas em mármore. Essa Modelo em Repouso é da fase final de sua trajetória, caracterizada pelo retorno à figuração mais tradicional. A eficiência da representação está aliada ao domínio das formas, um exercício de excelência com uma nota de sensualidade. Sentimos, ao tocar com os olhos, a opulência das formas femininas nos pesados seios, nas coxas grossas e na placidez do repouso. Uma requintada síntese de sua obra, resultante do inegável domínio alcançado após anos de continuado exercício.

Carlos Carrion de Brito Velho | Fundo Marrom, 1989 A obra de Brito Velho tem a característica distintiva de nos permitir reconhecê-la imediatamente ao primeiro olhar. Suas pinturas são povoadas de seres improváveis (não digo impossíveis, já que eles existem na pintura), incrivelmente coloridos e impassivelmente alinhados numa espécie de desfile. São tantas as interrogações que seria ocioso retomar aqui as considerações que inúmeros críticos, eu inclusive, vimos fazendo em textos ao longo dos anos. Quando enuncio que Brito tem característica distintiva estou afirmando a sua originalidade e o caráter personalíssimo de sua pintura: um universo imagético intrigante (o mínimo a considerar), a fatura impecável de suas telas e esculturas, o colorido de inegável riqueza. São pinturas praticamente sem equivalente dentre as que até aqui apresentamos, mas essa ausência de filiação formal e temática só faz aumentar seu valor e sua importância. Devemos considerar que, mais do que um discurso pictórico, trata-se de um universo poiético e poético singularmente pessoal e altamente qualificado.

Glauco Rodrigues | Segunda Missa no Brasil, 1996 A imensa riqueza da obra de Glauco Rodrigues está sintetizada nesta pintura de história: a oportunidade da crítica, a citação histórica, a carnavalização da História, a apropriação dos ícones da visualidade brasileira, a excelência formal, a riqueza pictórica, a precisão do desenho, o humor ácido, a glorificação desse impossível país no qual vivemos etc. São tantas as características da poética de Rodrigues que é impossível sintetizá-la em poucas linhas. Sobra-nos a possibilidade de olhar atentamente para essa pintura programática, feita por encomenda para a Mostra do Redescobrimento, comemorativa dos 500 anos do Descobrimento do Brasil. Nela estão presentes a precisão do olhar e o humor, sem cair na depreciação, mas enfatizando a diversidade de nossa identidade e a riqueza de nosso universo constitutivo: a missa que nos obrigou a sermos católicos, presente na apropriação da tela icônica de Vitor Meirelles; a exclusão dos indígenas, senhores e proprietários do paraíso recém-descoberto, visível na índia propositalmente fora da cena; na informalidade que nos caracteriza, mesmo nos momentos mais solenes, figurada no sujeito de calção e camiseta, à direita; a exuberância da nossa natureza, presente na vegetação e na exuberante natureza-morta de imensos cajus, evidentemente d’après Eckout e, finalmente, a intensidade de nossos sentimentos, mostrada nas cores saturadas e quase cruas empregadas pelo artista.

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João Bez Batti | Anel de Basalto Negro, 1996 A obra de Bez Batti impressiona imediatamente pelo vigor que fica evidenciado na presença impositiva do material utilizado. Suas esculturas são formas resultantes do embate do artista com o seu material. Pouco ou quase nada descritivas, menos ainda evocativas, suas formas se repetem exaustivamente, variando suas dimensões, a coloração do material e o tratamento a que ele é submetido. É um exercício de educação pela pedra, literalmente. Essa escultura ímpar só vai encontrar um equivalente nas colunas produzidas por Stockinger, nos anos 1980, nas quais o material era submetido a operações mínimas de cinzelamento para torná-lo um objeto a ser exposto. A escultura de Bez Batti é rigorosa e econômica, resultado de uma prática quase monástica. São objetos rijos e duros na sua expressão, mas que nos levam, quase irresistivelmente, a querer tocá-las, buscando nesse toque o seu calor oculto. Elas dizem muito do temperamento dos imigrantes italianos e seus descendentes, aparentemente retraídos e distantes, mas, no fundo, cuidadosos, atentos e calorosos.

Eduardo Vieira da Cunha | Sem título, 1999 Se a história da pintura local pouco indica, nos seus primórdios, para uma vocação lúdica, ela deixa, entretanto, muito evidente sua inclinação para a evocação, como pudemos ver nas obras de Weingärtner, Ferrás, Boeira e mesmo Guido e Alice Soares. A obra de Eduardo Vieira da Cunha é continuadora dessa característica, potencializada numa iconografia plena de reminiscências da infância e do universo das narrativas visuais como os quadrinhos. Se a capacidade evocativa das pinturas de Vieira da Cunha é evidente, também é notável a sua vocação lúdica. A sua pintura é profusamente povoada de elementos e prodigiosa nas cores, recursos que a densificam, mas que ficam equilibrados pela síntese da composição. A ordenação dos elementos na superfície da tela é resultado das conquistas acumuladas, desde as telas de Iberê Camargo, passando pela síntese da pintura de Alice Brueggemann e chegando à economia dos fundos das pinturas de Brito Velho. Vieira da Cunha unifica essas conquistas na sua pintura e agrega ainda outras, como o caráter lúdico (só parcialmente presente nas inquietantes figuras de Brito Velho) e a riqueza imagética de sua infância. Certamente uma infância e uma juventude formadas em um universo artístico densamente povoado e plenamente formado.

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Manuel de Araújo Porto Alegre

Um artista na sociedade imperial

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anuel de Araújo Porto Alegre foi muito mais do que um pintor de retratos da família imperial, quadros históricos e paisagens. Ele teve uma atuação fundamental nas instituições culturais do Segundo Reinado, como decorador, arquiteto, cenógrafo, poeta, teatrólogo, ensaísta e caricaturista, além de diplomata e vereador. Por ser gaúcho é o primeiro nome citado na história das artes plásticas do Rio Grande do Sul, mas não teve atuação no Estado, de onde partiu muito jovem para a Corte, no Rio de Janeiro, e não mais retornou.

Aluno do primeiro grupo que frequentou a Academia Imperial de Belas Artes, em 1826, Porto Alegre foi discípulo de Jean-Baptiste Debret (1768/1848) - da escola neoclássica francesa, quando este esteve no Rio de Janeiro com a MisRio Pardo, RS, 1806 são Artística Francesa, que chegou em 1816. Torna-se seu discípulo favorito e Lisboa, Portugal, 1879 amigo. Em 1831, acompanha o mestre em seu retorno a Paris e tem aulas com Antoine-Jean Gros (1771/1835), um dos representantes do romantismo francês. Segundo Armindo Trevisan, Porto Alegre parece ter feito uma espécie de sincretismo, associando o neoclassismo básico do primeiro mestre às influências românticas do segundo. Ainda em Paris, em 1832, Porto Alegre profere palestra sobre a arte colonial brasileira. O discurso é publicado no jornal do Institut Historique. Embora as informações sobre o evento sejam vagas, esse texto marca o surgimento da crítica de arte brasileira. Depois de estudar na Itália e viajar para Suíça, Bélgica e Inglaterra, cria juntamente com o poeta Gonçalves Magalhães e o escritor Torres Homem a revista Nitheroy, em Paris, 1836, considerada marco do romantismo literário brasileiro. Em 1837, Porto Alegre retorna para a corte brasileira, dedicando-se ao ensino artístico e à crítica de arte. Como diretor da Academia Imperial de Belas Artes (1854-1857), promove a maior reforma que a instituição sofreu durante o Império. No mesmo ano, realiza uma das primeiras caricaturas do Brasil, satirizando o jornalista conservador Justiniano José da Rocha. De seus trabalhos de pintura são destaques o retrato do Imperador D. Pedro I, da Imperatriz Dona Leopoldina, painel histórico da Academia de Medicina e o grande quadro da coroação de D. Pedro II. Em 1866, publica o poema épico Colombo, com mais de 20 mil versos. Em 1874, como Cônsul em Portugal, recebe do imperador o título de Barão de Santo Ângelo. Em suas cartas para amigos gaúchos afirmava que tinha saudades da terra e quando possível queria “escolher um canto para dar fundo”. Seu espírito inquieto não favoreceu a realização de seu desejo, vindo a falecer em Lisboa.

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Manuel de AraĂşjo Porto Alegre: Floresta Brasileira, aquarela sobre papel, acervo do Museu JĂşlio de Castilhos

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Pedro Weingärtner

Uma carreira entre dois mundos

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pintor, gravador e litógrafo Pedro Weingärtner fez a transição entre dois séculos. No Império foi bolsista de D. Pedro II; na República seu quadro Tempora Mutantur foi comprado, em 1898, pelo então presidente do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros, para decorar o Palácio do Governo. Viveu entre a Europa e Brasil e por esta experiência em dois mundos foi o primeiro pintor gaúcho a receber reconhecimento nacional e internacional.

Porto Alegre, RS, 1853 Porto Alegre, RS, 1929

Apesar da dualidade constante em sua vida, o mestre em História da Arte Carlos Scarinci entende que o desenvolvimento artístico de Weingärtner foi muito influenciado por sua formação em Porto Alegre. Antes de partir para a Alemanha, aos 24 anos, em 1878, para seu aprendizado acadêmico, sua iniciação foi com o pai, Inácio, e irmãos mais velhos, Inácio Júnior e Jacob, litógrafos profissionais.

Nas inúmeras vezes que cruzou o Atlântico e veio até o Sul, levava daqui informações que alimentariam seu trabalho desenvolvido na Itália. Posteriormente esses trabalhos eram trazidos e comercializados, mais no centro do País. Em Porto Alegre, a elite não tinha o hábito de comprar os quadros expostos em lojas. O médico e crítico de artes Olinto de Oliveira, em artigo no Correio do Povo, em 1898, comentou: “Existe certa dificuldade, por parte do público, na aquisição das interessantes telas do artista.” Sua obra pictórica culmina nas paisagens e nas cenas de gênero, mas fez também sucesso como retratista da aristocracia nacional e, principalmente, em Porto Alegre. Também tem um trabalho de grande valor e importância como desenhista e como gravador. Em 1912, em seu ateliê em Roma, sente-se inquieto, sua produção já não o satisfaz. Resolve retornar ao Rio Grande do Sul em 1913, empenhado em ampliar seus estudos regionais. Desta vez, renovar sua arte não com o colono da região serrana, mas com aspectos da paisagem e do homem da campanha gaúcha. Após seis meses de trabalho, faz uma exposição em Porto Alegre com 33 telas, quase todas novas. Em sua pintura de gênero fundou um novo e vigoroso regionalismo na arte brasileira, representando o mundo dos imigrantes, da paisagem e dos tipos e costumes do Rio Grande do Sul. O interesse por temas regionais, tratados pela ótica romântica, contudo, não encontrou o desenvolvimento que se poderia esperar nas novas gerações de artistas locais. Para a doutora em Artes Visuais Neiva Maria Bohns, a morte de Weingärtner, depois de uma vida inteiramente dedicada ao trabalho artístico, parece ter sepultado definitivamente, no Rio Grande do Sul, o interesse pelo vocabulário clássico e pela retórica do romantismo, que já não despertavam a atenção dos artistas que disputavam espaço no incipiente mercado local.

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Pedro Weingärtner: Bailarinas, 1896, óleo s/ tela 23 x 36 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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Augusto Luiz de Freitas

O gaúcho que virou romano

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ugusto Luiz de Freitas, filho de português com brasileira, iniciou com 12 anos seus estudos de desenho na Academia de Belas Artes do Porto, onde foi premiado. Em 1893, retorna ao Rio Grande do Sul e tenta se estabelecer em Porto Alegre, onde reside até 1895. Neste período busca viver de sua arte, mas tem dificuldades, fazendo bicos como ilustrador no periódico A Semana Cômica e como cenógrafo. Chega a produzir o pano de boca do palco do Theatro São Pedro.

Rio Grande, RS, 1868 Roma, Itália, 1962

Depois de economizar algum dinheiro vai para o Rio de Janeiro estudar na Escola Nacional de Belas Artes, tornando-se discípulo de Henrique Bernardelli, chileno naturalizado brasileiro com influência da arte figurativa italiana. Com muita dedicação, conquista em 1898 o prêmio da Escola para passar dois anos estudando na Itália. Acaba ficando em Roma até final de sua vida.

Em meados de 1917, em visita a Porto Alegre, aceita por algum tempo o cargo de professor na Escola de Artes. Seu ensino repercutiria favoravelmente entre os alunos, dadas às inovações que introduziu no curso, como a prática do estudo do modelo vivo, além de exposições anuais de obras dos estudantes. No entanto, as iniciativas não foram do agrado da direção conservadora da Escola. Em dezembro de 1918, Luiz de Freitas retirou-se mais uma vez da província, para viver na Itália. Desgostoso, só voltaria ao Rio Grande do Sul em duas rápidas visitas. Uma delas, em 1923, para colher elementos para as telas “O combate da ponte da Azenha” e “Chegada dos primeiros casais açorianos” - a maior obra de arte do estado, com quase sete metros de largura e seis de altura. Elas foram encomendadas pelo governador Borges de Medeiros para o recém-inaugurado Palácio Piratini. A derradeira visita, em 1925, foi para entregar os trabalhos realizados. Borges de Medeiros queria obras de grandes proporções, mas não consultou o tamanho das paredes da nova morada. Como não cabiam no Palácio, vagaram durante anos por depósitos. Inaugurado em 1935 para a exposição do centenário da Revolução Farroupilha, o atual prédio do Instituto de Educação General Flores da Cunha, na Avenida Osvaldo Aranha, era dos poucos que comportava as telas. As obras foram restauradas por Leila Sudbrack e sua equipe em 2008. Em sua extensa e brilhante carreira de pintor, Freitas produziu mais de 1.600 obras relacionadas ao naturalismo acadêmico italiano oitocentista, abordando temas de gênero e de paisagem, com diversas exposições no Brasil e outros países. Faleceu quanto tinha 94 anos.

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Augusto Luiz de Freitas: Saída da Missa, s/ data, óleo s/ tela 50 x 30 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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Libindo Ferrás

Professor de princípios rígidos

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“último lustro da centúria” - foi assim que o pesquisador e crítico literário Athos Damasceno definiu o pintor acadêmico de paisagens Libindo Ferrás, que surge pela primeira vez nas páginas do Correio do Povo, de Porto Alegre, em 1896, no texto de Olinto de Oliveira, médico e crítico de artes: “Esteve por alguns dias exposto em uma das vitrinas do bazar O Preço Fixo (onde foi criado um espaço considerado como a primeira galeria de artes plásticas de Porto Alegre) interessante quadrinho assinado L.R.F....O autor seguramente não é pintor profissional, porém o seu trabalho revela rara observação, tanto sentimento e justeza de tom e uma tal delicadeza de touche, que é com maior prazer que fazemos aqui esta referência...”

O texto de Olinto anima o jovem pintor, que volta a expor novos trabalhos, sem seguir profissionalmente a carreira artística. Muito irregular nos seus estudos, Rio de Janeiro, RJ, 1951 que ocorrem rapidamente no Rio de Janeiro e depois na Itália, seria definido como diletante por Pinto da Rocha, da Gazeta do Comércio, de Porto Alegre, na sua participação no “Salon” de 1903: “Não lhe falta talento, sobra-lhe sentimento, conhece o desenho, sabe ver, compreende bem o meio, mas não tem constância nem persistência. Hoje se dedica ao ciclismo, amanhã à música, depois se perde na matemática.” Porto Alegre, RS, 1877

Em 1908, 25 sócios assinam a ata de fundação do Instituto de Belas-Artes, em Porto Alegre. Entre eles, Libindo Ferrás que, como membro da Comissão Central, cria em 1910 a Escola de Artes, da qual se torna diretor. Assim, o inconstante amador é obrigado a levar a sério sua vocação. Pode-se dizer que sua carreira artística começa de fato neste momento. Ferrás permaneceu na direção da escola ininterruptamente até 1936. Para Athos Damasceno, Libindo foi um dos melhores paisagistas do Rio Grande do Sul em seu tempo, “embora sua obra, muito dócil aos cânones acadêmicos, se ressinta visivelmente de originalidade e ímpeto criador”. A jornalista Suzana Gastal complementa: “Enquanto Porto Alegre vivia no ínicio do século XX momentos de modernidade nas imagens produzidas pela fotografia e pelo cinema, na Escola de Artes, Libindo Ferrás imprime princípios rigorosos, oriundos da tradição acadêmica europeia do século 19, quer como diretor, quer como professor de Desenho Geométrico, Perspectiva e Sombras e Anatomia Artística.” O fundamento constante do ensino artístico porto-alegrense nesses tempos foi a orientação rigidamente acadêmica de Libindo Ferrás, conforme o mestre em História da Arte Carlos Scarinci. No entanto, em 1936, o Instituto de Belas Artes passou a integrar a Universidade de Porto Alegre e em 1939 teve seu currículo consideravelmente ampliado e reformado.

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Libindo Ferrás: Residência Rústica, 1917, óleo s/ tela73 x 112 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Ângelo – Instituto de Artes - UFRGS

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José Lutzenberger

Pinceladas com humor e ironia

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om um olhar forasteiro, Joseph Franz Seraph Lutzenberger desvela tipos populares, de pés no chão, conversando nas calçadas de uma Porto Alegre dos anos 1920/30. Desenhos em bico de pena e aquarelas mostram operários, policiais, lavadeiras com saco de roupa na cabeça, mendigos, meninos maltrapilhos ao lado de casais bem arrumados. A professora de História da PUCRS Maria Lucia Bastos Kern salienta que até os anos 1930 as pinturas dos artistas locais eram descritivas, quase documentais, sem expressividade.

Altöetting, Alemanha, 1882 Porto Alegre, RS, 1951

Para o professor doutor em Artes Visuais Paulo Gomes, a obra de Lutzenberger é uma espécie de crônica de sua vivência, através da observação atenta, amorosa, precisa, irônica muitas vezes, quase sarcástica em vários momentos, mas sempre documental como uma crônica. “Isto se multiplica por toda a sua obra, independentemente da segmentação que possamos dar a ela.”

Também os hábitos gauchescos, até então desconhecidos para ele, o empolgavam. Estudou e observou a vida campeira do nosso Estado, desenhando a bico de pena com requintado sabor decorativo, dezenas de flagrantes cotidianos de gaúcho, colonos e caixeiros viajantes. Sua vinda para Porto Alegre é consequência da derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e as rigorosas cláusulas do Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919. Inclusive, ele serve na França durante a guerra e produz um precioso conjunto de documentos visuais. Após o conflito, a crise econômica afeta profundamente a vida dos Lutzenberger, na Baviera. É assim então que em 1920, aos 38 anos, transfere-se para a capital gaúcha com um contrato de trabalho por um período determinado de cinco anos. Acabou ficando porque se enamorou pela cidade. Formando-se engenheiro-arquiteto, em Munique em 1906, passou de imediato a desenvolver intensa atividade na sua área, primeiro na Europa e depois no Rio Grande do Sul. Prédios históricos, como o Palácio do Comércio e a Igreja São José, em Porto Alegre, foram projetados por ele. “Nas artes plásticas ele não era de vanguarda, seguia o que gostava, não fazia para vender ou para agradar alguém. Era um dos seus hobbies. Ou desenhava ou lia muito”, revelou sua filha Rose Maria Lutzenberger. O trabalho como artista plástico foi ser plenamente reconhecido depois de sua morte. Em vida, fez carreira como arquiteto. Em 1926, casa-se com Emma Kroeff, natural de Hamburgo Velho, com quem tem duas filhas, Maria Madalena e Rose Maria, e um filho, José Antônio, engenheiro-agrônomo que se tornou um conhecido ecologista. A partir de 1938, dedica-se, também, à vida acadêmica na UFRGS, como professor de Geometria Descritiva, Perspectiva e Sombras.

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José Lutzenberger: Pampa, s/ data, aquarela s/ papel19 x 25 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Ângelo – Instituto de Artes - UFRGS

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Oscar Boeira

Impressionista dos Pampas

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esenhista e pintor, Oscar Boeira fez parte da primeira geração de artistas gaúchos da segunda metade do século XIX, Para a professora de Artes Plásticas Marilene Pieta, com a abertura do 1º Salão de Outono, maio de 1925, Oscar Boeira deu novos rumos à pintura gaúcha. O crítico Ângelo Guido, no Correio do Povo de 4 de outubro de 1943, asseverou: “Se um marco divisório entre o academismo minucioso do mestre Pedro Weingärnter e a fase moderna da pintura no Rio Grande do Sul se pode indicar, esse acha-se na pintura de Oscar Boeira”.

De temperamento esquivo, perfeccionista, nunca realizou uma exposição individual e, em vida, vendeu somente um quadro - Manhã de Bruma, um óleo sobre tela de 1918. A obra foi escolhida e adquirida pessoalmente pelo então Porto Alegre, RS, 1883 governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas. “Deixou-se viver e morrer Porto Alegre, RS, 1943 em Porto Alegre, insatisfeito, a exigir sempre mais de si”, define Marilene Pieta. Dono de uma autocrítica feroz, Boeira distribuiu boa parte do que produziu. Desinteressado pela fama, pouco se preocupou em exibir o que sobrara – cerca de 60 telas. O escultor Vasco Prado disse numa entrevista na década de 1980 que ao iniciar a carreira, 40 anos antes, não havia galerias, não havia nada. “Tive dificuldade em aprender: comecei como autodidata, pegando livros e ouvindo conselhos do velho Oscar Boeira, que me deu uma mão muito grande.” Boeira fez sua formação na Academia Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, tendo sido aluno do italiano Eliseu Visconti, artista nas vertentes Simbolista e Impressionista, estilos em que é reconhecido como um dos maiores mestres da arte brasileira. Por isso, sua exaltação da luz e da paisagem, tornando-se o melhor representante gaúcho do movimento Impressionista. Para Marilene Pieta, “um impressionismo, digamos, pampeano, com paineiras, várzeas, manhãs de bruma, bois no capão.” A convite do professor e pintor Libindo Ferrás, lecionou no então Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul, onde atuou com grande dedicação, embora sem remuneração, de 1914 a 1917. O reconhecimento e a consagração de Boeira só acontecem no Salão de Outono de 1925 que, se não significou uma abertura de Porto Alegre para as ideias modernas, foi pelo menos um balanço da situação artística gaúcha e permitiu um começo de questionamento de suas vinculações com a arte do restante do país.

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Oscar Boeira: Paisagem II, 1918, óleo sobre tela 47x97. Acervo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli -MARGS. (Transferência da Biblioteca Pública do Estado)

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Leopoldo Gotuzzo

O nu desenhado com naturalidade

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a segunda metade do século XIX, a sociedade gaúcha se renova. Porto Alegre exibe um ar de modernidade, longe da aparência colonial dos anos anteriores. A década de 1870 foi o período em que Pelotas teve o maior número de prédios erguidos. Esse período é marcado pelo final da Guerra do Paraguai, que significou para o Brasil a conservação de suas posses. Esta mudança reflete-se também no surgimento dos primeiros artistas plásticos gaúchos. Entre eles, Leopoldo Gotuzzo, que inicia sua formação artística em Pelotas em torno de 1900, com o pintor italiano que fez estudos artísticos na Academia de Belas Artes, em Roma, Frederico Trebbi (1837/1928). Casado com uma gaúcha, Trebbi abre um ateliê e curso de desenho e pintura em Pelotas, excercendo expressiva e benéfica influência no ambiente artístico local.

Pelotas, RS, 1887

Por essa época, Leopoldo ajudava o pai, Caetano Gotuzzo, dono do Hotel Aliança, em Pelotas, e sonhava estudar pintura em Paris. Como bom italiano, Caetano realizou o sonho do filho em 1909, mas trocando Paris por Roma, onde Leopoldo foi aprendiz do retratista francês Joseph Noel Sylvestre (1847-1926). Em 1914, envia quadros para o Salão Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Entre 1917 e 1918 vive em Paris, regressa ao Brasil em 1919 e realiza diversas exposições individuais. De volta à Europa em 1927, expõe em Lisboa, Porto, Algarve, Sevilha, Bretanha e Paris, retornando ao Brasil em 1930.

Rio de Janeiro, RJ, 1983

Ele passou a morar no Rio de Janeiro e visitava o Rio Grande do Sul eventualmente. Os ares da então capital, segundo o pintor e crítico de arte Ângelo Guido, davam à sua pintura liberdade de expressão e plasticidade, sem cair nos excessos do modernismo. A escolha do seu quadro A Baiana pelo Brazilian Information Bureau, mantido nos Estados Unidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio do Brasil, para participar da exposição na Grand Central Galleries, em 1941, na cidade de Nova York, foi exatamente para apoiar obras de arte brasileiras que mostravam aspectos culturais distintivos, ou seja, característicos, porém, sem ênfase retórica nacionalista. Entre os temas que elegeu para suas pinturas destacam-se a figura humana e o nu feminino em particular; as paisagens, as naturezas-mortas e as flores. Tecnicamente, notabilizou-se pelo domínio do desenho, pelo tratamento da cor e da luz, pelo equilíbrio da composição. Entre suas características, “o desenho firme, o colorido e sua variedade, o detalhe pouco elaborado e sujeito ao todo, as pinceladas soltas, espontâneas, os temas tratados com facilidade”, define a professora da Universidade Federal de Pelotas Luciana Renck Reis. Após sua morte aos 96 anos, a UFPel recebe sua coleção de quadros e desenhos, legados em testamento. Em 1986, é inaugurado o Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo na universidade.

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Leopoldo Gotuzzo: A Echarpe Rosa, 1939, óleo s/ tela 92 x 73 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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Ângelo Guido

Um pintor com olhar crítico

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primeira vez que Ângelo Guido esteve em Porto Alegre foi na primavera de 1925 para proferir uma palestra no Clube Jocotó sobre o Modernismo, que no Brasil tem como marco simbólico a Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, em 1922. Ele estava inserido em um grupo de intelectuais que procurava novos caminhos para a arte no Brasil dos anos 1920. Apesar de não se considerar um modernista, pesquisava as raízes nacionais. Naquele momento, nas artes plásticas em Porto Alegre predominava os cânones estéticos clássicos.

Cremona, Itália, 1893 Pelotas, RS, 1969

Profundo conhecedor da História da Arte e de Estética, Guido fazia críticas severas ao Modernismo, tanto o europeu quanto o brasileiro, e afirmava que o Brasil importara a casca das vanguardas estrangeiras sem imprimir identidade própria alguma ao movimento. Esse comportamento, característico do movimento modernista, para ele, não refletia a alma brasileira, o nosso ritmo e nosso ambiente, mas o nosso espírito de imitação.

Apesar de considerar fraca a estética modernista, Guido simpatizava com sua ânsia de brasilidade e intenção libertadora. E é essa mesma ânsia que o leva a pesquisar os motivos regionais de Norte a Sul do Brasil. No ano de 1926, vai a Curitiba, Belém e Manaus. Em 1927, organiza, em São Paulo, a primeira exposição de motivos amazônicos e, em 1928, traz essa exposição a Porto Alegre, assim como realiza uma conferência sobre lendas e mitos do Amazonas. Naquele ano, transfere-se em definitivo para a capital gaúcha. Ele começa a escrever no Diário de Notícias e a participar ativamente de saraus com grupos de intelectuais. Para a professora do Instituto de Letras e Artes, da UFPel/RS, Úrsula Rosa da Silva, a presença da crítica de Ângelo Guido na imprensa gaúcha passa a ser o marco diferencial, pois, de todos os críticos atuantes no Estado, ele é o único naquele momento que possuía formação na área das artes plásticas e exercia, simultaneamente, a atividade de pintor e detinha conhecimento em história da arte e filosofia. Não admitia a pintura como mera reprodução fotográfica da realidade, pois o artista, a seu ver, deveria ter liberdade de interpretação para “exprimir beleza”. Suas pinturas de paisagens tinham como referência o impressionismo. Esse italiano de Cremona, que se tornou um dos nomes mais importantes da arte no Rio Grande do Sul, chegou a São Paulo com a família em 1895, com dois anos de idade. Nos anos 1900, frequenta o Liceu de Artes e Ofícios da capital paulista, onde estuda e trabalha com o seu conterrâneo, César Alexandre Formenti (1874/1944). Também foi crítico musical e de artes plásticas no jornal A Tribuna, de Santos, de 1914 a 1922.

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Ângelo Guido: Clube do Comércio, 1941, óleo sobre tela 50 x 60 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Ângelo – Instituto de Artes - UFRGS

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João Fahrion

Sensibilidade para o universo da mulher

E

m janeiro de 1929 é impresso o primeiro número da Revista do Globo, sob a direção de Mansueto Bernardi, logo substituído pelo escritor Erico Verissimo. Intelectuais e artistas gaúchos ganham um novo espaço para a divulgação de seus trabalhos nesta publicação que atravessou quatro décadas ditando padrões de comportamento. João Fahrion foi por muito tempo o principal capista e ilustrador da Revista do Globo, respondendo pelo maior número de capas entre 1929 e 1939. Das 267 capas daquele período, 48 foram dele.

Porto Alegre, RS, 1898 Porto Alegre, RS, 1970

Segundo a professora Paula Ramos, do Instituto de Artes da UFRGS, é possível perceber o quanto eram inovadoras as capas da Revista do Globo quando comparadas à produção em pintura em Porto Alegre no período. “Enquanto a pintura era marcada por uma tendência regionalista e naturalista, focada na representação da paisagem rural e idealizada, as imagens veiculadas pelo magazine primavam por figuras soltas, pelo uso não realista da cor e por deformações expressivas e geométricas, o que, inegavelmente, consistia numa renovação em termos de visualidade local.”

Os retratos de Fahrion registram a condição feminina em uma sociedade conservadora através de uma mulher ao mesmo tempo sensual e contida. A crítica de arte e historiadora Maria Amélia Bulhões observa que o artista tinha a preferência pelo retrato feminino e maestria em compô-lo. Para o mestre em História da Arte Carlos Scarinci, além das alegorias fantasiosas sobre o tema do feminismo, o melhor da produção de Fahrion deve ser procurado nas ilustrações que a partir de 1929 produz especialmente para as edições da Globo: livros infantis, como A Ilha do Tesouro, de Stevenson; para edições especiais, como Noite na Taverna e Marcário, de Álvares de Azevedo; e capas e desenhos para a Revista do Globo e outras edições. Fahrion produziu poucas litografias, mas com qualidade. Sua iniciação realizou-se na Alemanha, de onde trouxe várias peças que já anunciavam a excelência do desenhista e do gravador futuro. Em 1939, no 1º Salão do Instituto de Belas Artes, apresenta Três Máscaras e Serenidade, esta última de grande apuro técnico, considerada por Scarinci como uma das principais obras criativas nesta linguagem plástica produzida no Rio Grande do Sul. Sua obra-prima em lito é Modinha, premiada com medalha de prata no Salão Nacional de Belas Artes, em 1944. Em 1934, o Instituto de Belas Artes integra-se à Universidade de Porto Alegre. Com a renovação do corpo docente, Fahrion passa a lecionar desenho e pintura em 1937. Como professor, sua atuação foi marcante, impulsionando a formação de muitos artistas.

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João Fahrion: Retrato de Maria José Cardoso, 1956, óleo s/ tela105 x 95 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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Antônio Caringi

O artista engajado

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“Laçador”, “O Farrapo”, “O Posteiro”, “O Capataz”, “O Índio Charrua”, “O Negrinho do Pastoreio”, “O Colono”, os monumentos ao Expedicionário, ao Soldado Farroupilha e ao Imigrante e a estátua equestre de Bento Gonçalves são as mostras mais visíveis da prolífera obra do escultor Antônio Caringi. Pelotense do início do século XX, com formação artística desenvolvida na Academia de Belas Artes de Munique, Alemanha, em plena Segunda Guerra Mundial, teve por mestres Herman Hahn, Hans Stangl e Arno Breker – por sua vez seguidores de Adolfo Hildebrand, que buscou avançar da mera reprodução naturalista então vigente, resgatando a ideia da arte a serviço da consciência e da intuição.

Entre os mentores do gaúcho, circulavam as influências de Rodin, Despiau e Maillol, por sua vez assimiladas em obras como “O Velho”, de 1934, em “Auto-retrato”, de Pelotas, RS, 1981 1942, em “O Colono”, de 1958, e em “Mãe preta”, sem registro de data. Ausente do Brasil e, portanto, afastado dos movimentos nacionais nas décadas de 1920 e 1930, Caringi retornou em 1941 e criou em Pelotas o curso de Escultura da Escola de Belas Artes. Vivia o país, então, o momento histórico ainda decorrente da Revolução de 1930 e de sua consequência, o Estado Novo, com seu projeto de identidade nacional que buscou tutelar as manifestações culturais, estimulando as convergentes e reprimindo as divergentes. “Pleno de discursos ideologicamente engajados”, na avaliação do mestre em Poéticas Visuais Paulo Gomes, Caringi “encontrou no Brasil um lugar fértil para desenvolver seu trabalho”. Pelotas, RS, 1905

Era época de exaltação do “brasileirismo” o que, na escultura, levou à representação de tipos como o bandeirante paulista e o peão de estância gaúcho - e ambos, soldados ou revolucionários reproduzidos conforme os padrões estéticos ideais de virilidade para os homens e de beleza e maternidade para as mulheres. O escultor pelotense encontrou ao retornar para o Brasil, portanto, o clima adequado à prática do aprendizado alemão. Por meio de concursos públicos que venceu, foi espalhando esculturas de heróis pátrios pelas cidades brasileiras – especialmente as gaúchas – como as do Almirante Saldanha da Gama, Carlos Gomes, Coronel Pedro Osório, Getúlio Vargas e Silveira Martins. De indiscutível qualidade plástica, a obra de Caringi evidencia o apuro acadêmico de sua formação alemã e execução impecável em qualquer que tenha sido o material escolhido por ele – a começar pelas maquetes em gesso e a sequência no produto final, em bronze e em pedra granítica. Ainda que se tenha consagrado como uma espécie de escultor oficial dos períodos em que Getúlio Vargas governou o Brasil, o artista deixou um legado importante para a cultura brasileira e as gerações artísticas que o sucederam.

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Ant么nio Caringi: Banhista, 1960, Bronze 87,5 x 21 x 18. Acervo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli - MARGS

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Ado Malagoli

O organizador

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Rio Grande do Sul deve ao paulista Ado Malagoli a organização de suas práticas artísticas, nas palavras de duas de suas principais representantes – as Alices Brueggemann e Soares. Chegado a Porto Alegre no início da década de 1950, a convite do conterrâneo Ângelo Guido, para dar aulas no Instituto de Belas Artes, Malagoli já era um pintor maduro, tendo passado pela orientação de Francisco Rebolo, pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e pela Escola Nacional de Belas Artes – já no Rio de Janeiro. Nesta, foi acumulando prêmios, entre os quais o que o levou para os Estados Unidos entre 1943 e 1946.

Araraquara, SP, 1906 Porto Alegre, RS, 1994

Foi com essa bagagem e a convivência com artistas como Volpi, Mário Zanini, Edson Motta, João José Rescalla e Bustamante Sá que o paulista desembarcou na capital gaúcha em 1952. Antes, ao retornar ao Brasil consagrado pelo absoluto sucesso de exposição individual em Nova York, já dirigia suas atenções para o aprofundamento do estudo da História da Arte, tanto como aluno nos Estados Unidos quanto como professor na Associação Brasileira de Belas Artes (ABBA), na Associação Brasileira de Desenho (ABD), no Rio de Janeiro, além de Juiz de Fora (MG).

Guido e Malagoli se conheceram e estreitaram relações no ambiente acadêmico, dando naturalidade ao convite do primeiro para que o outro se transferisse ao Rio Grande do Sul. Dessa parceria, estendida ainda a Fernando Corona, começou a surgir o sistema de artes no Rio Grande do Sul, como reconhecido pelas Alices. Tal protagonismo levou Malagoli, primeiro à direção do próprio Instituto e, em 1954, à Direção de Artes da Divisão de Cultura da Secretaria Estadual de Educação. Nessa condição, defendeu a criação de um museu de arte, como os que já existiam, então, em São Paulo e no Rio de Janeiro. O Museu de Arte do Rio Grande do Sul foi instituído em 27 de julho de 1954 e instalado três anos depois, provisoriamente, no Theatro São Pedro. Malagoli foi seu primeiro diretor, cargo em que permaneceu até 1959. Ao lado dessa importância histórica para as artes plásticas do Rio Grande do Sul, o paulista também estendeu seu talento e seus conhecimentos a outras regiões do Brasil - via exposições individuais e coletivas realizadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Minas Gerais – e ao exterior - especialmente Argentina, França e Estados Unidos. Sua trajetória foi reconhecida com a conquista de diversas medalhas, destacando-se a Menção Honrosa na Exposição Internacional da Fundação Guggenheim de 1956, patrocinada pela Unesco. O Rio Grande do Sul reconheceu em vida sua importância cultural, concedendo-lhe o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal em 1982 – ano em que comemorou seis décadas de vida artística - e homenageando-o no octogésimo aniversário, em 1986. O artista também teve sua obra celebrada postumamente com a mostra “Ado Malagoli – Tradição e Modernidade”, no MARGS, em 2004. Atualmente, o museu que fundou tem o seu nome.

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Ado Malagoli: Composição com Figura, 1949, óleo s/ tela 58 x 69 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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42 Foto de Luiz Eduardo Achutti


Um escorpião pronto para ferroar

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berê Camargo, um dos grandes nomes da arte brasileira do século XX, sempre foi um rebelde, definindo-se como um escorpião trepado numa pedra com o ferrão para cima. Ele acreditava no poder transformador da arte para a humanidade. Ao pintar, suas mãos brandiam vários pincéis ao mesmo tempo, que investiam em direção à tela numa explosão de grandes massas de tinta. Certa vez, explicou: “Eu pinto porque a vida dói”. Ao longo de sua carreira, Iberê propôs ao espectador um verdadeiro jogo de esconde-esconde com as massas de tintas em que as figuras se encaixam em obras figurativas e abstratas. Numa primeira impressão as telas parecem pesadas, quase escuras. Subitamente, nota-se um turbilhão de cores emergindo, lutando para aparecer e, finalmente, exibindo-se em todo o esplendor. O artista era um trabalhador obsessivo que pintava durante dias inteiros e, às vezes, adentrava as noites. Maria Coussirat Camargo, sua esposa, muitas vezes o retirou do ateliê e o carregou para a cama durante a madrugada. Não raro, ele sentia terríveis dores nas costas. “No ato criador, sou arrastado por impulsos que se desencadeiam como vendavais vindos não sei de onde. Vislumbro e persigo miragens interiores, que jamais consigo reconhecer na face da obra criada”, revelou Iberê. Ele desenvolveu um estilo próprio que influencia várias gerações. Passou à História como um dos grandes nomes do expressionismo figurativo da arte brasileira de todos os tempos. Para o curador Paulo Reis, Iberê é um dos poucos artistas modernos brasileiros que se pode considerar uma unanimidade. “Um artista alheio ao mundo das artes, preso somente à sua ética artística, recluso na solidão do seu ateliê, diante de suas obras, buscava as razões de pô-las no mundo.” Pintou furiosamente até o último momento e deixou uma obra final: Solidão. “Iberê nos deixou um enigma” disse o crítico carioca Ronaldo Brito ao olhar o quadro. Talvez aquelas três lúgubres mulheres sejam as Parcas – as deusas que determinavam o curso da vida humana decidindo questões como nascer e morrer. No dia 2 de agosto de 1994, uma semana antes de falecer, acamado, concedeu uma polêmica entrevista à imprensa, investindo contra o que chamava a mediocridade do Brasil, “um castelo habitado por mendigos”, atacou os ditames dos marchands e identificou só bugigangas na arte brasileira dos anos 1990.”. E emendou: “Eu pinto, escrevo, gravo, faço tudo com o mesmo amor porque vou fundo na minha verdade”. O professor do Instituto de Artes da UFRGS Gilmar Carneiro entende que, melancólico frente à condição de finitude do homem, o artista buscou restituir por meio do ato criador um pouco da dignidade humana.

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Iberê Camargo

Ciclista da vida que andou contra o vento

A

utor de uma obra extensa, que inclui pinturas, desenhos, guaches e gravuras, Iberê Camargo nasceu em Restinga Seca, região central do Rio Grande do Sul. Chegou a Porto Alegre aos 20 anos, já com o desejo de ser artista. Na década de 1940, encontrava-se em fase de formação, quando recebeu bolsa do governo do Estado para estudar na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, que abandonou, por discordar de sua orientação acadêmica. Iniciou então um curso livre, ministrado por Alberto Guignard. Conheceu e estabeleceu relações com artistas como Cândido Portinari, Frank Schaeffer e o gravador Hans Steiner.

Restinga Seca, RS, 1914

Na fase de paisagens e naturezas-mortas, é importante também a temporada de Iberê na Europa entre 1948 e 1950, quando estudou com nomes como Giorgio de Chirico (1888-1978), na Itália, e André Lhote (1885-1962), na França.

Porto Alegre, RS , 1994

Em 1958, começou a inserir carretéis nas suas pinturas, os únicos brinquedos de que dispunha na infância e que, posteriormente, originariam uma das séries mais conhecidas de sua produção. Nos anos 1960 e 70, a série Carretéis dissolveu-se aos poucos em imagens cada vez mais abstratas. Iberê adensou as camadas de tintas e simplificou os traços em busca do abstracionismo. Em 1980, a tragédia de ter tirado a vida de um homem num incidente de rua na cidade do Rio de Janeiro mudou sua vida. Foi absolvido com a tese de legítima defesa, mas em razão do caso retornou a Porto Alegre. Começou a pintar personagens solitários, sombrios e disformes. Iberê anotava aspectos da vida cotidiana, priorizando a produção de serigrafias. Em 1985, iniciou a série Manequins da Rua da Praia, figuras inertes que simulam a vida. O artista desenvolve a conhecida série Suíte Manequins, 10 gravuras elaboradas em 1986. Essas obras tingem-se de cores, chegando a congregar 12 em uma mesma gravura. Em 1987, produz um número significativo de litografias, nas quais retrata personagens do Parque da Redenção, em Porto Alegre. Em 1988, seguindo os trabalhos com esses personagens, Iberê começa a dar destaque para as pinturas de uma de suas séries mais conhecidas: Ciclistas. “Sempre me senti um ciclista da vida que anda contra o vento”, revelou poucos meses antes de falecer. As Idiotas disseminam-se nas suas obras a partir de 1991. Figuras remoídas de dor, mulheres sentadas que aguardam, desfiguradas, uma resposta. Na verdade, Iberê estava representando o seu próprio momento de final de vida. Em 1992, começou a produzir as obras da série Tudo te é falso e inútil, frase sugerida pelo professor de História da Arte Ronaldo Brito, retirada de uma poesia de Fernando Pessoa. Iberê morreu de câncer no pulmão em 9 de agosto de 1994.

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Iberê Camargo: Carretéis em fundo azul, 1960, óleo sobre tela 61,4x 99,6. Acervo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli – MARGS. (Aquisição)

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Clube de Gravura

Contribuição artística, política e ideológica

A gravura moderna ganha força no Rio Grande Sul por uma série de fatos históricos que começam nos anos 1940, como o fim da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo no Brasil, a Constituição de 1946 e a legalização do Partido Comunista. Entre os fatores regionais estão a influência da Editora Globo com a Revista do Globo e seus ilustradores. Neste contexto histórico surgem o Grupo de Bagé, em 1948, embrião do Clube de Gravura de Porto Alegre (1950) - chamado Clube dos Amigos da Gravura - e do Clube de Gravura de Bagé (1951), hoje reconhecidos nacionalmente pela importante contribuição artística, atuação política e ideológica e estimuladores do surgimento de vários clubes semelhantes no Brasil e América do Sul. Os artistas que participaram do movimento e que ficaram para a história das artes plásticas são Glênio Bianchetti, Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues, Vasco Prado e Carlos Scliar. Eles eram críticos em relação à arte abstrata e às primeiras bienais de São Paulo e suas importações estéticas, em contraposição a uma arte autenticamente nacional. De uma forma ou de outra, eles entraram em contato em seus estudos com o trabalho dos iniciadores da gravura moderna no Brasil, como Carlos Oswald, Oswaldo Goeldi, com influência do expressionismo alemão, o lituano Lasar Segall, que chegou ao Brasil com uma sólida formação como gravador, e o paulista Lívio Abramo, que utilizou a gravura nos anos 1930 para fazer crítica social. Mesmo não participando diretamente dos clubes, também é importante citar o gaúcho Iberê Camargo. A forte influência expressionista na gravura do Rio Grande do Sul vem da ação de Carlos Scliar e Iberê Camargo, artistas maiores na arte brasileira. A adesão ao Realismo Socialista se dá pela militância de praticamente todos no Partido Comunista. A influência foi do gravador mexicano Leopoldo Mendes, criador do Taller Grafica Popular, no México. Scliar e Vasco entram em contato com ele em 1948, em Wroclaw, na Polônia, por ocasião do Congresso Mundial de Intelectuais em Defesa da Paz e depois novamente em Paris. Esta é a origem dos clubes de gravura no RS. Segundo o professor e mestre em História da Arte Carlos Scarinci, as proposições estéticas do Clube de Gravura de Porto Alegre, especialmente quando enunciou sua disposição de lutar por uma arte nacional, padeceu do autoritarismo dogmático das esquerdas brasileiras, transformando a proposta numa palavra de ordem. No entanto, reconhece que promoveu um intenso intercâmbio com outros centros do país e mesmo do estrangeiro, que serviu para romper o isolamento cultural sulino. Em 1956, após seis anos de intensa atuação, acontece o encerramento das atividades dos clubes. Em entrevista ao jornal Correio do Povo, em 1960, Iberê Camargo disse que muito se trabalhou no Clube de Gravura, cuja produção, no seu entender, não alcançou o plano universal: “Foi um tardio regionalismo documentário”.

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Em 1952 ocorreu a 1ª Exposição de Gravuras Gaúchas na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, contemplando o trabalho de todos os artistas participantes dos Clubes de Gravura de Porto Alegre e de Bagé.

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Carlos Scliar

Pincel contestador, inquieto e preciso

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esde garoto o artista plástico Carlos Scliar foi inquieto, curioso, o que levaria este filho de imigrantes judeus a tornar-se um cidadão do mundo, questionador das injustiças sociais através da arte. Aos 11 anos, ele já colaborava com cadernos juvenis e infantis dos jornais Diário de Notícias e Correio do Povo. Ainda adolescente, em 1935, com 15 anos, seus trabalhos tiveram destaque na Exposição Centenário Farroupilha, em Porto Alegre, onde vivia desde pequeno. Com apenas 18 anos tornou-se um dos sócios fundadores da Associação Francisco Lisboa (1938), que surgia como uma alternativa ao sistema oficial de ensino do Instituto de Artes da UFRGS, mas não muito bem aceita pelos colegas pelo fato de realizar uma pintura que fugia aos padrões acadêmicos.

Santa Maria, RS, 1920

Em 1940, já morando em São Paulo, participa da Família Artística Paulista, que também era um movimento de contestação aos acadêmicos e provoca um intercâmbio para incentivar a modernização artística no Sul. Neste período conhece o húngaro Arpad Szenes e a portuguesa Maria Helena Vieira da Silva, que em 1940 desembarcam no Brasil fugindo da Segunda Guerra. O casal de artistas plásticos consagrados deixa marcas importantes em nomes que mais tarde viriam a ter grande relevância na cena artística nacional, como o próprio Carlos Scliar.

Rio de Janeiro, RJ, 2001

Em1944, Scliar vai para a Itália com o 2º Escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB). A experiência resulta na produção de cerca de 700 desenhos exibidos na série “Com a FEB na Itália”. Depois da guerra, depara-se com a redemocratização pós-Vargas e inscreve-se no Partido Comunista. Em 1947, segue para Paris com a intenção de estudar pintura. Lá convive com os gaúchos Vasco Prado e Danúbio Gonçalves e importantes personalidades estrangeiras. Entre elas, o gravador mexicano Leopoldo Mendez, influência direta para a criação dos clubes de gravura de Porto Alegre e Bagé. Com o fim do Clube de Gravura de Porto Alegre vai para o Rio de Janeiro em 1958, como diretor de arte da revista Senhor - um dos mais bem sucedidos projetos gráficos da história da imprensa brasileira. A partir de 1960, consegue viver exclusivamente de sua arte, que mescla gravuras, colagens e pintura em vinil sobre tela. Scliar mantinha ateliês em Ouro Preto, Cabo Frio e Rio de Janeiro. O pintor – que é apontado como um dos pilares da arte moderna no Brasil - gostava de afirmar que o cubismo foi o movimento que mais influenciou seu estilo. Para ele, um quadro nada mais é do que uma composição geométrica, cheia de problemas. Na exposição dos seus 80 anos, em 2000, no Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, disse em entrevista: “Acho que eu represento o mundo em que vivo”,

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Carlos Scliar: Cavalete com arreios e banquinho, 1976, Vinil encerado sobre tela 55 x 75,5 cm. Acervo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli - MARGS

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Danúbio Gonçalves

Mestre de gerações

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anúbio Villamil Gonçalves - gravador, desenhista, pintor e professor - pertence à geração dos gaúchos preocupados em produzir novas pesquisas formais e difundir o modernismo no Estado entre os anos 1940 e 1950. Com 10 anos, vai morar com a irmã no Rio de Janeiro, onde fica até os 24. Faz caricaturas de artistas como Carmen Miranda e Orlando Silva para o jornal A Noite e a revista Careta. “A ironia da caricatura aparece em todo o meu trabalho”, reconhece. Estudou na Sociedade Brasileira de Belas Artes durante a década de 40, com o gravador e pintor austríaco Axl von Leskoschek e o precursor da gravura no Brasil, Carlos Oswald. Com Iberê Camargo frequentou o ateliê do artista plástico Cândido Portinari.

Bagé, RS, 1925

Em 1948, depois de passagens por Paris e Barcelona, retorna ao Rio Grande do Sul e se envolve com a criação dos clubes de gravuras. O clube reúne artistas como Carlos Scliar, Vasco Prado, Edgar Koetz, Glauco Rodrigues, GlênioBianchetti e Plinio Bernhardt, entre outros. A ideia era registrar a vida do trabalhador e popularizar a cultura brasileira. O Clube da Gravura fazia reproduções a baixo preço, com grandes tiragens, formando um público interessado em arte e produzindo ainda cartazes e ilustrações para as publicações de esquerda. Para Danúbio, os clubes de gravura foram um resgate do figurativo com tema social. Considerava que o abstrato era o oposto, uma coisa decorativa que não queria dizer nada. Os integrantes do movimento desenvolveram várias obras para mostrar de forma realista aspectos da vida rural rio-grandense. No entanto, a maioria dos trabalhos não entra nos dramas do homem do campo. As exceções são as séries “Xarqueadas” e “Mineiros de Butiá”, xilogravuras de Danúbio que mostram a matança do gado no final das Charqueadas de Bagé, nos anos 1950, e o ambiente insalubre das minas de carvão do município de Butiá. O artista foi o segundo diretor do Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre, criado em 1961. Foram 30 anos, 15 deles como diretor, formando toda uma nova geração de artistas gaúchos, em especial na técnica da litografia. Além de Atelier Livre ainda lecionou no Instituto de Artes da UFRGS. Danúbio também se destaca na produção de murais e painéis. Na Praça Revolução Farroupilha, nas imediações do Mercado Público de Porto Alegre, em 2008, inaugura o painel Epopeia Rio-grandense, Missioneira e Farroupilha, com 555 lajotas e porcelanatos em uma extensão de 16,5 m de largura por 3 m de altura.

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Danúbio Gonçalves: Conquista Espacial, 1973, acrílica sobre tela, 110 x 200 cm. Acervo Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli – MARGS.

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Glênio Bianchetti

Explorando a intensidade da cor

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lênio Alves Branco Bianchetti é outro integrante do Clube de Gravura que depois se torna marcante na arte brasileira contemporânea. Gravador, pintor, ilustrador, sempre foi um humanista e usa a arte com esse fim. O tema social já estava nos trabalhos mais antigos nos anos 1950 e, durante a década de 1980, um dos cartazes da campanha Diretas Já para a Presidência da República, nos últimos momentos da ditatura militar no Brasil, foi criado por ele. Ao longo de 60 anos de trabalho, construiu uma obra de rara coerência e consistência.

Bagé, RS, 1928

Em 1949, no Instituto de Belas Artes de Porto Alegre, foi aluno de Iberê Camargo. Na década de 1950, a produção de Bianchetti foi basicamente de xilografias e linoleogravuras, com trabalhos fortemente influenciados pelo expressionismo figurativo. “Indiretamente, o Portinari me ensinou o que hoje eu sei. Eu me inspirei muito em Portinari para aprimorar a técnica que hoje eu tenho.” Em 1951, funda, ao lado de Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves, Carlos Scliar e Vasco Prado, os clubes de Gravura de Bagé e de Porto Alegre, movimento que realiza uma produção artística de caráter social. Nos anos 1960, passa a trabalhar principalmente com pintura, litografia e gravura em metal. A partir daí, seus quadros externam a admiração do artista pelo cubismo e seu interesse pela abstração. O artista muda-se para Brasília em 1962 atendendo a um convite do professor Darcy Ribeiro. Lecionou na Universidade de Brasília (UnB), sendo responsável pela criação do Ateliê de Arte e o Setor Gráfico. Em 1965, durante o governo militar, é demitido e só readmitido na universidade em 1988. Reside até hoje em Brasília. Na década de 1970, segue na direção dos grafismos com manchas, sempre utilizando cores contrastantes. “Para mim, cor é luz, e luz é vida”, explica. Para Hugo Auler, “o amarelo de Bianchetti, como ocorre com o azul de Tarsila, escapa à vulgaridade das gamas daquela cor e, porque tem a autonomia no dar tinta às formas, tem capacidade para abusar de seu emprego em largos espaços pictoriais.” De 1996 a 1997, seus trabalhos integraram a Mostra Itinerante Grupo de Bagé, dentro do projeto Resgatando a Memória, que contempla também obras de Scliar, Glauco e Danúbio. Em 1999, o artista foi homenageado com a retrospectiva dos seus 50 anos de carreira no Palácio Itamaraty, em Brasília. Em 2004, é publicado o livro Glênio Bianchetti, de autoria de José Paulo Bertoni, e, em março de 2010, é lançado o documentário Bianchetti, dirigido por Renato Barbieri.

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Glênio Bianchetti: Sem título, 1955, linoleogravura42 x 29 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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Glauco Rodrigues

Um pintor da luz brasileira

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lauco Rodrigues, junto com Glênio Bianchetti, foi um dos fundadores do ateliê coletivo de Bagé que defendia a popularização da arte através da abordagem de temas sociais e regionais. Após uma exposição realizada em Porto Alegre em 1948, na galeria do Correio do Povo, foram chamados de “os novos de Bagé” pela imprensa local. O conterrâneo Danúbio Gonçalves, voltando a Bagé, juntou-se ao grupo que foi o embrião dos clubes de gravura de Porto Alegre e Bagé, já com a participação de Carlos Scliar e Vasco Prado.

Bagé, RS, 1929 Rio de Janeiro, RJ, 2004

A experiência de Glauco como gravurista dura até 1956. Entre 1962 e 1965, vive em Roma, quando participa da Bienal de Veneza ao lado de Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi e Frans Krajberg. Retorna ao Rio de Janeiro, onde morava desde 1959, e define-se um “gauchoca”, mistura de gaúcho e carioca. Pinta praias, mulatas, o Carnaval, uma Cidade Maravilhosa multicolorida. De 1965 até 1977, produz obras com inspirações na arte Pop, Tropicalista e Antropofágica.

Para o escritor Luis Fernando Verissimo, “ninguém como o Glauco pintava a luz brasileira, o modo como ela fica difusa e branca na praia, a alta definição que proporciona às cenas da nossa loucura, ou ilumina os contornos de mulheres e frutas. Nosso passado e nosso presente juntos sob o mesmo olhar definidor. A convivência de brasis irreconciliáveis.” Glauco nunca perdeu o contato com o seu estado de origem. Em 1975, expôs juntamente com seus parceiros Danúbio, Scliar e Bianchetti, no Salão de Atos da UFRGS, sob o título de Tradições Gaúchas. Dez anos depois, realiza aquarelas de paisagens gaúchas para a abertura e vinhetas da minissérie O Tempo e o Vento, baseada no livro de Erico Verissimo, para a TV Globo. Os trabalhos se encontram no MARGS, em Porto Alegre. Segundo Maria da Glória Bordini, doutora em Letras pela PUCRS, o convite da Globo instigava a retomada dos ideais do Clube de Gravura, mas propunha também um salto de atualização: “Impressiona, nesses textos plásticos, a amplitude espacial, a transparência das cores, a suavidade das vistas panorâmicas sem abandonar detalhamentos multicores em diversos planos.” Em 1997, produz um painel intitulado Tradição, Passado e Futuro, que marca a fase final da vida do artista. “Talvez um dos mais importantes trabalhos da fase final de Glauco Rodrigues”, afirma Luís Fernando Cirne Lima, que encomendou a obra para o escritório do Conselho de Administração da Copesul, na época em que era presidente da empresa. O painel foi doado ao governo do Estado em 2010. Glauco foi um dos grandes pintores da arte brasileira contemporânea e também mestre do desenho, gravador, ilustrador e cenógrafo, influenciando diversas vertentes artísticas.

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Glauco Rodrigues: Segunda missa no Brasil (dita a da posse de d’après Vitor Meirelles), 1996. Acrílica sobre tela 130 x 162 cm. Acervo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli – MARGS - (Doação em comodato da Brasil Connects)

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Foto de Luiz Eduardo Achutti


Epopeia Farroupilha O painel Epopeia Farroupilha, com 9 m de altura por 34 m de largura, ocupa a face do prédio da Assembleia Legislativa que fica na Rua Duque de Caxias, no Centro Histórico de Porto Alegre. O mural de alumínio anodizado é de autoria de um dos maiores artistas gaúchos, o escultor Vasco Prado. O conjunto, concluído em 1972, é composto de 10 painéis que retratam temas ligados à Guerra dos Farrapos. No centro, está um gaúcho sob o sol, vestindo chiripá e poncho, com os braços para cima. O restante apresenta variações de cargas de cavalaria e grupos de soldados farroupilhas.


Vasco Prado

O artista dos contornos e das formas

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rado Gomes da Silva, pioneiro da escultura moderna gaúcha, foi um autodidata na arte de modelar. Na época quem conhecia o ofício era o pessoal que trabalhava com estuque e moldes para casas. Foi com eles que iniciou seu aprendizado. Em 1941, constrói seu primeiro ateliê na Rua Baronesa do Gravataí, em Porto Alegre. Ali seu amigo Iberê Camargo desenvolve suas primeiras produções e experiências formais na pintura.

Uruguaiana, RS, 1914 Porto Alegre, RS, 1998

O ateliê transforma-se num ponto de encontro de intelectuais e artistas de vanguarda para produzir, discutir arte e debater sobre suas produções. Anos depois, Iberê lembrou o ateliê: “Em companhia de Vasco Prado, desenhava tipos de rua, empregadas domésticas, num galpão de madeira que ele construíra perto de casa, tão remendado como uma maloca. Apanhávamos os modelos no Sopão do Pobre. “Após, como bolsista do governo francês em 1947 e 1948, Vasco estuda em Paris com Etiènne Hajdu e Fernand Leger.

Segundo Armindo Trevisan, a obra de Vasco apresenta uma ligação com o passado artístico devido a certo apego à temática da terra e do homem gaúcho. O artista envolve-se com temas de folclore, como o legendário Negrinho do Pastoreio. Essa tendência se desenvolve na sua atividade como membro do Clube de Gravura a partir de 1950. Lendas e temas gaúchos, aspecto da vida laboriosa e mesmo temas políticos são apresentados com frequência. Libertário, não aceitou a camisa de força do Partido Comunista no Clube de Gravura. “Eles determinavam o que se devia e o que não se devia fazer. Aí é que eu comecei a me insurgir”, revelou mais tarde. Por isso, foi se afastando do Clube. Trevisan acrescenta que ao se aproximar do abstracionismo e das tendências, então em voga na Europa, desvincula-se da disciplina objetiva e historicista do Realismo Socialista e percorre os caminhos da simplificação expressionista das formas. Dava forma em pedra, bronze e cerâmica a cavalos, mulheres roliças, lembranças que guardava do pampa gaúcho. Em 1972, conclui um mural com cenas de temática gaúcha em parte da fachada da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e, em 1976, o Monumento a Tiradentes, próximo à entrada do mesmo prédio. Ele tinha um cuidado especial com os monumentos de rua. “Preocupa-me muito porque é uma coisa pública, que vai dizer algo a cada um”. Em 1998, aos 84 anos, no silêncio do Morro São Caetano, na casa-ateliê em Porto Alegre, o coração de Vasco Prado parou. Consagrado escultor, gravador, ceramista, desenhista e professor, com obras espalhadas no Brasil e no exterior.

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Vasco Prado: Modelo em repouso, 1988, bronze 45 x 83 x 43 cm. Acervo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli – MARGS. Doação das Lojas Renner.

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Aldo Locatelli

Murais para emocionar as pessoas

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mbora tenha se dedicado à pintura de cavalete, enfocando temas do cotidiano popular, naturezas-mortas e retratos, o italiano Aldo Locatelli teve especial importância para a cultura gaúcha com o muralismo. O mural, por sua essência pictórica e monumental, constitui-se como em uma obra de arte que tem por objetivo trazer à tona a emoção. Segundo ele próprio, “uma janela que o pintor abre para outros homens, para mostrar um mundo que eles não veem, mas que podem e devem sentir”.

Villa d'Almè, Itália, 1915

Desde muito cedo Locatelli interessou-se pela pintura em Villa d’Almè, sua cidade natal. Em 1937, ganha uma bolsa de estudos na Escola de Belas Artes de Roma, onde, além do aprimoramento plástico, lhe foi proporcionado um contato mais intenso e uma observação mais profunda das obras produzidas na Roma Imperial e na Renascença.

Porto Alegre, RS, 1962

Chega ao Brasil em 1948, com 33 anos, para pintar afrescos na Catedral de Pelotas, juntamente com os conterrâneos Emilio Sessa e Adolfo Gardoni, a convite do bispo Dom Antônio Zattera. Ainda em Pelotas foi convidado pela professora Marina de Morais Pires, idealizadora da Escola de Belas Artes local, para participar da fundação e lecionar na instituição. Em Caxias do Sul, pinta afrescos na igreja São Pelegrino, sua grande obra, trabalhando de 1951 a 1960 e nos 14 óleos sobre tela da Via Sacra - executadas em seu ateliê, em Porto Alegre - entre 1958 e 1960. Em 1951, muda-se para Porto Alegre junto com sua família – a esposa Mercedes e seus dois filhos gaúchos, Roberto e Cristiana. Em 1954, começa a lecionar no Instituto de Artes da UFRGS, período em que sua obra torna-se mais realista e expressionista. Ele trouxe da Itália a tradição muralista derivada de Michelangelo, em menor grau de Piero della Francesca. A influência dos futuristas italianos, como Umberto Boccioni (1882/1916), é percebida nos 18 painéis de Locatelli localizados no Salão Negrinho do Pastoreio, no Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, que descrevem a lenda mais popular do Rio Grande do Sul. A arte muralística de Locatelli, aliando interesses políticos e, igualmente, composições pictóricas, representa uma das manifestações do contexto regionalista da década de 1950 na busca de uma identidade sul-rio-grandense. Um exemplo é o mural A formação histórico-etnográfica do povo rio-grandense, localizado no Palácio Piratini e produzido entre os anos de 1951 e 1955. Para o doutor em Artes Visuais Paulo Gomes, a pintura mural do artista vem ao encontro do gosto da classe dominante local. “Uma pintura instrumento de propaganda, de linha ideológica precisa, determinada pelos seus comandatários, o Estado e a Igreja.” Locatelli faleceu prematuramente em 1962, com 47 anos, vítima de câncer.

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Aldo Locatelli: Desventura, 1952, óleo s/ tela 80 x 69 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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Alice Soares

Talentos conciliados

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em ter sido revolucionária ou inovadora - nas palavras do poeta, crítico e doutor em Estética Armindo Trevisan - Alice Soares tornou-se referência cultural no Rio Grande do Sul pelo conjunto da obra. Obra que, mais visível nos desenhos e pinturas realizados entre a infância e a maturidade, também incluiu a docência. Docência convencional, como professora pública; e artística, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - em que deu aulas no Instituto de Artes e fundou a Escolinha de Artes – e no ateliê que por décadas dividiu com a colega, amiga e xará Alice Brueggemann, na área central de Porto Alegre.

Como as moças da sua época, Alice Soares também foi criada para ser professora, atividade para a qual se preparou com o curso de Magistério Público e Uruguaiana, RS, 1917 que chegou a exercer nos municípios de Guaporé e Serafina Corrêa – muito Porto Alegre, RS, 2005 distantes da sua Uruguaiana natal. Mas, à diferença do que acontecia então, sua família não reprimiu seus talentos. Ela descobriu-se artista plástica na profusão de desenhos que fazia desde antes de ir para a escola, sem que essa revelação a afastasse da docência. De aluna do Instituto de Belas Artes, em Porto Alegre, diplomando-se em Pintura (1943) e Escultura (1945), passou de imediato à condição de professora de Artes, combinando, assim, as vocações que a acompanharam por toda a vida de 87 anos. Alice sempre ressaltou o apoio familiar como base para a carreira artística que construiu e que a tornou conhecida e reconhecida especialmente pelo tema predominante de sua obra: as meninas, de pescoço longo, olhos grandes, olhar introspectivo ou triste, transmitindo contida melancolia. Como repetiu em sucessivas entrevistas, essa ideia recorrente veio de sua infância, desenvolveu-se com o aprendizado e o ensino e só eventualmente foi alternada por desenhos de animais ou da natureza. Do Magistério Público às práticas artísticas, e no ensino destas, Alice Soares construiu um círculo pessoal e profissional em constante aperfeiçoamento. Nos anos 1950, buscou conhecimento em cerâmica com Wilbur Olmedo, em gravura no metal com Iberê Camargo, estudou escultura em Buenos Aires com Horacio Juárez, foi a primeira mulher a participar da 1ª Bienal de São Paulo. Em paralelo, ia realizando mostras individuais e integrando coletivas, se fazendo presente em salões – e acumulando prêmios. A temática praticamente única e a trajetória pessoal e profissional podem insinuar certo conservadorismo em Alice Soares, o que talvez tenha ofuscado o pleno reconhecimento, em vida, da qualidade de sua obra. Mas, mais uma vez recorrendo às palavras de Trevisan, deve-se destacar nela a generosidade com que compartilhou seus conhecimentos e fez aflorarem os talentos dos outros - em qualidades ainda à espera da justa apreciação.

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Alice Soares: Igrejinha, sem data , óleo s/ tela 74 x 100 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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Alice Brueggemann

Parceira a serviço da arte

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omo discípula de Ado Malagoli na pintura, de Luis Solari no desenho e na colagem e de Júlio Plaza na serigrafia, Alice Brueggemann integrou uma geração que aliou o ensino e a produção pessoal. Esse foi o seu caso, primeiro como aluna do Instituto de Belas Artes, no qual se formou em Artes Plásticas em 1943 e, a seguir, como professora na mesma instituição, então já também como desenhista do Sistema Social da Indústria (SESI/RS), cargo no qual se manteve por quase três décadas. Foi a partir de sua geração que as carreiras artísticas tornaram-se possibilidades viáveis – mais para os homens que para as mulheres, porém.

Mas as dificuldades não intimidaram essa porto-alegrense, que logrou superá-las a partir de parcerias com os colegas e em especial com uma delas: sua Porto Alegre, RS, 1917 contemporânea e xará Alice Soares, com quem fundou a Escolinha de Artes da Porto Alegre, RS, 2001 Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1960. As duas compartilharam por quatro décadas o mesmo ateliê no Centro da capital gaúcha, socializando despesas, complementando aptidões e fortalecendo uma amizade que as acompanhou por toda a vida. Nesse espaço, produziram e estimularam a produção de alunos e de talentos emergentes. Alice Brueggemann, cuja obra se manteve alinhada à arte figurativa, com predomínio de naturezas-mortas e de retratos e forte presença das cores, “aprendeu, porém, a capturar para suas pinturas e desenhos o que havia de mais misterioso no espírito moderno” – conforme a professora e crítica Neiva Bohns. Dessa absorção resultaram peças as quais a mesma fonte considera “impregnadas por uma melancolia ímpar, por uma atmosfera onírica, que, na maturidade das últimas décadas, tornou-se metafísica. Dotou suas magníficas naturezas-mortas de tamanha imaterialidade que delas parece emanar luz. Alguns de seus quadros são configurações de tal forma simbólicas que extrapolam a dimensão do visível”. Seu processo produtivo envolvia várias obras, simultaneamente, e a todas ela dedicava atenção rigorosa e requinte técnico, como registram os críticos Décio Presser e Renato Rosa, coautores do “Dicionário de Artes Plásticas do Rio Grande do Sul” (1997). Toda essa produção percorreu o Brasil e parte do mundo em sucessivas mostras e exposições, individuais e coletivas – destacando-se sua participação no Panorama da Arte Brasileira, realizado no Museu de Arte Moderna, em São Paulo, em 1980. Participativa e protagonista, chegou com naturalidade às funções representativas. Primeiramente como presidente da Associação Rio-grandense de Artes Plásticas Francisco Lisboa, no agitado ano de 1964. E, em 1986, à presidência da Associação Cultural dos Ex-Alunos do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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Alice Brueggmann s/ título, 1964, óleo s/ tela 91 x 49 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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Foto de Luiz Eduardo Achutti


Um guerreiro a ferro e fogo No ano de 1963, Xico Stockinger dirigia, com extremo dinamismo, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS). Em menos de um ano, promoveu 10 exposições. Ao mesmo tempo, ele também dirigia e ainda lecionava no Atelier Livre da prefeitura, exercia a presidência da Associação Rio-grandense de Artes Plásticas Francisco Lisboa e produzia uma coluna de arte no jornal Folha da Tarde, no qual trabalhava como chargista. Com o golpe militar, em 31 de março de 1964, acabou afastando-se da direção do Margs e do Atelier Livre. No entanto, continuava trabalhando em suas esculturas e em maio do mesmo ano realizou uma mostra individual, quando pela primeira vez foram expostos seus guerreiros em Porto Alegre. Na época, em entrevista para Enéas de Souza, no jornal Correio do Povo, disse: “O guerreiro é sempre um protesto. Não um protesto político, mas contra a condição humana.” O crítico de arte Armindo Trevisan considerou que o regional na obra do artista manifesta-se em relação à “poética do guerreiro” e à “poética da liberdade”. Os guerreiros em ferro e madeira inseriram Stockinger definitivamente na história da arte no Brasil. Em 1966, surge a série de cerca de 10 Totens, considerada entre as mais significativas do artista. Trata-se de uma variante das obras conformadas com o procedimento da madeira e ferro soldado. As peças industriais de ferro soldadas na estrutura são elementos predominantes, ao contrário dos trabalhos anteriores. Em 1968, deixa um pouco de lado a arte figurativa de guerreiros, cavalos, touros e mulheres amazonas e começa a fazer escultura abstrata em mármore. “A pedra está me levando para outro caminho, já que, pelas suas características, não me permitia fazer o que esculpia em ferro e bronze. O caminho da pedra é mais calmo e suave”, explicou. O ano de 1970 marca o início de outra série do artista: Sobreviventes, que ampliou ainda mais a carga de protesto social na sua obra. Feitos de diversos materiais como ferro, sucatas, ossos de animais e plásticos, com uma aparência repugnante. Era, conforme ele, sua resposta ao ponto a que chegou a humanidade. Em 1995, Stockinger expõe na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre, mais uma série marcante em sua trajetória, os Gabirus, “figuras feitas para chocar”, como ele mesmo explicou. Estas esculturas representavam retirantes nordestinos esculpidas em bronze e foram interpretadas como um grito contra a miséria, os “homens gabirus”.

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Xico Stockinger

O caminho áspero da rebeldia

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ranz Alexander Stockinger nasceu na Áustria em 1919 e com três anos e meio chegou a São Paulo com a família. Desde garoto achava que tinha habilidades escultóricas e vibrava quando via alguém de canivete na mão, entalhando qualquer coisa. Em 1947, já no Rio de Janeiro, ingressou no mundo da arte com aulas no ateliê do escultor Bruno Giorgi, onde aprendeu a fazer esculturas modeladas em gesso. Também trabalhou em jornais, desenhando caricaturas e charges políticas. Desde 1948, participou de exposições, salões e bienais, ganhando inúmeros prêmios.

Traun, Áustria, 1919 Porto Alegre, RS, 2009

Em 1954, aos 35 anos, mudou-se para Porto Alegre para trabalhar como chargista no jornal A Hora, pelo fato de sua esposa, Yeda de Oliveira, ser gaúcha. Não podendo fazer escultura naquele momento por falta de dinheiro, optou pela gravura. “A xilogravura é a mais simples e econômica das artes, era apenas uma questão de meter os peitos. Meti. Em três anos, fiz cento e tantas gravuras”, revelou mais tarde. No Rio já tinha convivido com Oswaldo Goeldi, um dos pais da xilogravura brasileira, e Marcelo Grassmann, outro grande gravador.

Nos anos 1960, Stockinger começou a ascensão em sua carreira e uma produção escultórica marcante. Segundo Armindo Trevisan, aos poucos ele abandona a linha sensual do francês Aristide Maillol, que seu mestre Bruno Giorgi lhe transmitira. “Envereda por um caminho áspero, marcado por uma espécie de rebeldia, inconformismo e denúncia.” Para o doutor e mestre em História, Teoria e Crítica de Arte pela UFRGS José Francisco Alves, no momento da chegada de Stockinger a Porto Alegre, a escultura no Rio Grande do Sul estava em vias de ultrapassar um período de crise. “Tratava-se de uma expressão que buscava se desligar da notável era da estatuária cujo carro-chefe no fim do ciclo foi Antônio Caringi, de modo a ingressar no universo contemporâneo da linguagem”.” Seus parceiros na produção de esculturas modernas no Sul eram Vasco Prado e Cristina Balbão. O gravador e amigo Marcelo Grassmann considera que Goeldi foi quem mais inspirou Stockinger como escultor, além de Maillol e do alemão Wilhelm Lehmbruck. Stockinger conheceu ainda nos anos 50 o escultor norte-americano Alexander Calder e, na Bienal de São Paulo, Henry Moore, que considerava “o maior escultor de todos os tempos”. Outras influências históricas foram os italianos Giovanni Pisano e Lorenzo Ghiberti e os franceses Jean-Antoine Houdon e Edgar Degas. Aos 89 anos, Stockinger continuava trabalhando em seus dois ateliês, um em sua residência no bairro Cristal e outro no bairro Vila Nova, ambos em Porto Alegre. Num domingo de Páscoa, ele morreu de parada cardíaca enquanto dormia.

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Francisco Stockinger: Guerreiro, s/ data, ferro, 80 x 15 x 10 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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Carlos Tenius

Um escultor monumental

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s porto-alegrenses e os turistas que visitam a capital gaúcha não precisam pagar ingresso para contemplar obras de arte que se espalham pela cidade, entre as quais algumas assinadas por Carlos Tenius, um dos principais escultores do Rio Grande do Sul. É o caso do Monumento aos Açorianos, em frente ao Centro Administrativo do Estado, e do monumento em homenagem a Castelo Branco, no Parque Moinhos de Vento, o Parcão. Quem sobe a Serra em busca de beleza natural também encontra trabalho do escultor: o Monumento à Integração do Cone Sul, em Canela, a caminho do Caracol, e o Monumento ao Centenário da Imigração Italiana, em Nova Milano.

No início dos anos 1960, Tenius estuda sob a orientação de Fernando Corona e se forma em escultura na Escola de Artes da UFRGS. Em seguida, é contratado como auxiliar de ensino das cadeiras de escultura e modelagem da escola. O reconhecimento vem cedo para o artista. Em 62, recebe a medalha de ouro no 19º Salão Paranaense e o título de melhor escultor nacional no 3º Salão de Curitiba. Em 1977, obtém, por concurso público, vaga de professor assistente do Instituto de Artes da UFRGS.

Porto Alegre, RS, 1939

A doutora em Artes Plásticas Mônica Zielinsky observa que a trajetória de Tenius “é povoada por vigorosos e dinâmicos personagens”, como se pode ver nos Açorianos, por exemplo.“Nem sempre figurativos, pois em alguns momentos transfiguravam-se em blocos semipartidos ou em grandes explosões de ferro soldado. Esses personagens buscavam muitas vezes a evocação de seres alados, em engenhosas estratégias do alçar voo”. Zielinsky acrescenta que, no entanto, todos eles, sozinhos ou em grupos, jamais deixaram de apresentar a marca de uma intensa força e a entrega a movimentos de conquista. Na infinita diversidade de dimensões, desde o monumental às pequenas escalas, a constância das estruturas sólidas, da coesão formal e do sábio domínio do volume. Um mundo de imagens tridimensionais no qual pautaram, constantes, signos da história, conceitos de liberdade e opressão, do confinamento e da vitória”. O coordenador do Núcleo de Documentação e Pesquisa em Arte do MARGS, José Luiz do Amaral, agrega que “nos monumentos destinados aos grandes espaços públicos”, as figuras de Tenius “nos falam de encontro, de tenacidade, de busca seja do voo, da ação ou do futuro”. O professor de História da Arte Armindo Trevisan, no livro Escultores Contemporâneos do Rio Grande do Sul (Editora da Universidade, 1983),considera que “no conjunto, a escultura de Tenius granjeia a admiração de quantos descobrem nessa arte uma possibilidade maravilhosa de se alçar o humano à categoria de um absoluto, impossível de ser ferido pela mesquinhez e egoísmo dos indivíduos. Sua beleza é a do impulso braçal, que também se redime pela generosidade e dedicação sociais”.

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Carlos Tenius: Guerreiros, 1964, ferro 50 x 30 x 17 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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João Bez Batti

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Encantador de pedras

oão Bez Batti nasce na Volta do Freitas, em Venâncio Aires. Em 1951, já na Capital, é aluno interno no Colégio Dom Bosco. Trabalha em joalheria queimando as mãos no ouro quente. Vira office-boy da casa de tecidos Salvador Leão e passa a frequentar o Instituto Técnico de Desenho.

Aos 18 anos, descobre o emprego ideal: entrega correspondência, faz triagem e acaba por trabalhar mais de 14 anos no DCT, Departamento dos Correios e Telégrafos. O horário do expediente concede tempo para desenhar. De 1958 a 1963 estuda desenho com Vasco Prado. Seus primeiros desenhos são das barcaças de frutas que chegam às docas, subindo o rio, vindas lá da sua velha Volta do Freitas. Venâncio Aires, RS, 1940

Nada, porém, demove Bez Batti de uma ideia fixa adquirida nos verdes anos, na beira do rio Taquari, onde brincava com os seixos moldados na luta das águas revoltas com a areia. Tudo o que deseja é primeiro desenhar, depois esculpir. Quando se muda para Bento Gonçalves, começa um longo aprendizado de esculpir em madeira no porão de seu vizinho carpinteiro Eduardo Gatto, que o inicia nas artes de encantar madeira. Mestre Vasco Prado lhe dá o melhor dos conselhos: “Você tem que largar o Correio para se dedicar somente à arte”. Pede demissão e passa a viver apenas da sua arte. Perto de completar 40 anos, no entanto, como um imã atávico, Bez Batti começa de novo a frequentar o rio. E reencontra ali no rio das Antas a origem do rio Taquari da sua infância e dos seixos do seu encantamento. Redescobre finalmente que o que o seduz, mesmo, é a pedra. A mais dura de todas. A que vem da lava milenar misturada dos vulcões ancestrais e que traz incrustada nela outras pedras: a pedra basalto.

E nasce assim o encantador de pedras Bez Batti, que se confessa na verdade um mero interventor, respeitando as esculturas naturais produzidas pelas águas nos últimos 100 milhões de anos: “Eu só faço algumas intervenções no seixos. Acentuo algumas formas, gravo uma flor em sua superfície, faço um polimento para realçar as suas cores, posso até escavar um vão em seu miolo, vazando-os de lado a lado, mas nunca altero a geometria natural”. O poeta Ferreira Gullar diz que a arte de Bez Batti “se revela na capacidade de reconhecer, no resultado casual, a revelação da beleza, qualquer que seja, e que vai transformando a matéria inumana do derramamento vulcânico em flor de poesia a enfeitar a nossa vida”. Outro poeta, o gaúcho Jorge Adelar Finatto, acrescenta sobre a arte do escultor: “Onde só havia rigidez mineral e o peso abissal da noite de milênios, Batti encontrou delicadeza e sentido”.

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João Bez Batti: Anel basalto negro, 1996, basalto, 32 x 37 cm. Acervo Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli - MARGS. (Doação de Ayrton e Beatriz Giovannini)

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Carlos Carrion de Britto Velho

Decifra-me e eu te devoro

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arlos Carrion de Britto Velho, desenhista, pintor, gravador, escultor e professor, desperta para a arte em Buenos Aires, para onde se muda em 1955 com a família. Flanando pela capital portenha, o menino autodidata se interessa pelo mundo das tintas, das telas, dos papéis, dos lápis e perpetra oficialmente o seu primeiro trabalho artístico aos 9 anos. Aos 19, retorna ao Brasil e se assume definitivamente pintor. No ano de 1971, inaugura a sua primeira exposição. Três anos mais tarde, estuda litografia com Danúbio Gonçalves e conquista o privilégio de fazer parte da Bienal de São Paulo. Em 1975, muda-se para Paris e aprimora o seu aprendizado em lito no famoso Atelier Desjobert.

Venâncio Aires, RS, 1940

Os dois anos que passa na Cidade Luz o inspiram para criar a sombria série Reflexões e Variações sobre a América Latina, em que todas suas personagens são pintadas com os olhos vendados e fornidas com cores tristes e microfones apontados, denunciando o auge da violência da ditadura militar no Brasil.

De volta a Porto Alegre, passa a lecionar no Atelier Livre da Prefeitura (1978 -1981) e, à medida que a ditadura arrefece, o criador entreabre os olhos das suas criaturas e suas telas adquirem cores cada vez mais alegres, profusão cromática da qual nunca mais abre mão. Mas não bastam dois olhos. Em 1981, suas figuras ganham um terceiro olho, “o da visão interior”, conforme o artista. Que nos anos seguintes ora some, ora assoma. Parte para São Paulo em 1985 e lá permanece por sete produtivos anos. Nesse meio de tempo, participa da 2ª Bienal de Havana (1986) e do projeto Extremos, exposição itinerante em 10 capitais. Volta a Porto Alegre em 1992 e apresenta a retrospectiva Realismo Mágico de Britto Velho, com obras desde 1975. No ano seguinte, é destaque especial no Projeto Presença, no Margs. Em 2011, seus seres híbridos povoam as paredes da Galeria La Photo, na capital gaúcha. Corpos partidos que assumem novas formas e sentidos, a cabeça com dedos, os olhos, com pernas,o nariz com olho, o mesmo pescoço, com duas cabeças, flor, cachorro, gente, bicho, enigmas. Olhos espreitam além-tela unos, duplos, tríplices e uma barriga com dentes sorridentes traduz o burburinho de cores e do que já foi chamado de “anatomias incômodas”. Na opinião da jornalista, crítica de arte e curadora Angélica Moraes, sua obra é “uma articulação entre a tradição da pintura e um delírio pós-pop, dotada de um imaginário singular e um caráter inovador”. Para ele próprio, Britto Velho, porém, sua arte não é nada, não antes de ser fruída por seus espectadores. “Uma obra só passa a ser arte no momento em que ganha um outro significado perante o público. Ela se recria. Sem o espectador, ela morre”.

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Carlos Carrion de Brito Velho: Fundo marrom, 1989, acrílico sobre tela 130 x 200 cm. Acervo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli – MARGS. Doação da AAMARGS.

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Eduardo Vieira da Cunha

Arte extraída da memória

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duardo Vieira da Cunha é o representante das novas gerações de artistas plásticos gaúchos entre os 25 selecionados neste livro. Nascido em 1956, em Porto Alegre, bacharelou-se em Artes Plásticas pela UFRGS, fez mestrado em Nova York e doutorado em Paris. Mas pode-se dizer que Cachoeira do Sul, onde ficava a casa dos seus avós, foi o começo e ponto referencial de sua caminhada artística.

Porto Alegre, RS, 1956

Foi no muro da casa ancestral na cidade do interior gaúcho que o menino - que perdera os pais no primeiro ano de vida em um acidente aéreo - fez os primeiros rabiscos de objetos suspensos, representação que se tornaria emblemática na sua obra, envolvendo particularmente meios de transporte. E foi no porão da mesma casa, onde o avô, fotógrafo amador, mantinha um laboratório, que ele se surpreendeu “diante do papel fotossensível aos poucos imprimindo uma forma, sensações que começaram a representar para mim um início do longo caminho da representação”.

Os negativos antigos “possuíam uma carga emocional muito grande, e aqueles sorrisos em negativo me davam um certo sentimento de paralisia. Daí até que outro passo fosse dado – a recuperação de certas imagens antigas pela revelação em positivo – foi um processo demorado”, confessa o artista no texto intitulado Múltiplas projeções no caminho da representação, que abre o livro Eduardo Vieira da Cunha, editado em 2003. A fotografia foi exercida profissionalmente em jornais. Paralelamente, estuda desenho com Alice Soares e passa a frequentar o ateliê de Ado Malagoli, amigo de seu pai, Liberato Salzano, que fora secretário da Educação do Estado. Na primeira metade da década de 1980, recebe premiações nessa categoria e é aprovado em primeiro lugar no concurso para professor do Instituto de Artes da UFRGS, onde leciona. Na segunda metade da década dos 80, cursa o MFA (masterof fine arts) do Brooklyn College, City University, em Nova York, na área de fotografia. Entretanto, descobre a pintura por intermédio do amigo Fernando Baril, pintor gaúcho que vivia na cidade. Joseph Groell, professor do Brooklin College, destaca o “universo particular e extremamente poético” do trabalho pictórico de Eduardo. Em 89, ele recebe o prêmio Bernard Shaw e, em 90, laureado com o prêmio Brooklin College Fundation, expõe individualmente na Westbeth Gallery. Retorna a Porto Alegre em 1991 e participa de várias exposições. Em 97, parte para o doutorado em Artes Plásticas na Universidade de Paris I – Panthéon – Sorbonne. O professor Jean Lancri, seu orientador, observa que Eduardo “soube fazer de um detalhe o sentido do seu trabalho. Graças a um olhar desenvolvido por meio da fotografia e, posteriormente, da pintura, mostra-nos em suas obras um trabalho de preelaboração da memória”. E acrescenta o catedrático: “É uma obra pessoal dotada de uma grande densidade, preenchida com as cores do enigma”.

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Eduardo Vieira da Cunha: Sem título, 1999, acrílica sobre tela, 145 x 110 cm. Acervo Artístico Pinacoteca Barão de Santo Angelo – Instituto de Artes - UFRGS

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Obraprima

A arte de construir

C

orria o ano de 1988 quando, em Porto Alegre, um grupo de engenheiros decidiu criar uma construtora e incorporadora. O cenário político do país era de transição para a afirmada democracia de hoje, e o panorama econômico, afetado principalmente por uma inflação descontrolada. Mesmo diante do quadro de incertezas, o desafio de fundar uma empresa foi topado. E deu certo.

Uma das primeiras preocupações do grupo foi escolher um nome que expressasse com fidelidade o trabalho que pretendia fazer na construção civil da capital gaúcha. Depois de muito debate e ajuda de gente especializada em construir marcas, chegou-se ao nome Obraprima, grafado dessa forma, numa palavra só. Dali à ideia de batizar as edificações produzidas com nomes de grandes mestres das artes - os pais das verdadeiras obras-primas - foi um pulo. Superada a fase inicial de constituição da empresa, a ordem de “mãos à obra”, dada pelo ímpeto vocacional dos integrantes do grupo, impulsionou o negócio continuamente, levando-o à posição de destaque no mercado. A trajetória de sucesso sempre esteve alicerçada na qualidade, no baixo custo, na inovação, no arrojo dos projetos, na localização dos terrenos, entre outras premissas observadas pela Obraprima nas suas construções.

Residencial Frida Kahlo

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Residencial Di Cavalcanti

Residencial Hemingway

Residencial Portinari


Ao completar 25 anos, isto é, um quarto de século, a empresa contabiliza 60 obras já entregues – uma média de 2,4 edifícios concluídos anualmente. Um balanço da trajetória, impõe agradecimentos. De modo muito especial, aos investidores que acreditam no foco do nosso trabalho. De um lado, eles, legitimamente, buscam a remuneração do seu capital. De outro, possibilitam-nos granjear credibilidade, um valor de há muito incorporado à nossa marca, à medida que as regras acordadas são cumpridas à risca. São duas faces de um círculo virtuoso. Também rendemos nossas homenagens aos colaboradores, fornecedores e clientes finais que habitam os apartamentos construídos com técnica, determinação e carinho. Sem esses parceiros nossa atuação não seria possível. E, se fosse, não teria sentido. O Brasil atual, um país melhor se comparado com o da época do nascimento da empresa, permite-nos confiar no futuro e projetar outras décadas de trabalho árduo, mas prazeroso, porque nós, da Obraprima, gostamos muito do que fazemos. Edison Berthold Diretor da Obraprima Incorporações e Construções Ltda.

Residencial Tintorreto

Residencial Gauguin

Residencial Gustav Klimt

Residencial D´Orsay

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Fontes de Consulta Livros • A emergência da arte modernista no RS - Maria Lúcia Bastos Kern. • A escultura de Antônio Caringi, conhecimento, técnica e arte, por Antonina Zulema Paixão/Pelotas: UFPel, 1988. • A escultura no Rio Grande do Sul no início do século XX: Antonio Caringi e Fernando Corona, por Heleuza Carrilho e Tuka de Almeida.

• A Gravura no Rio Grande do Sul, 1900-1980. Carlos Scarinci, Editoria Mercado Aberto, 1982. • A modernidade da pintura no Rio Grande do Sul - Marilene Burtet Pieta, Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1995. • Antônio Caringi: O escultor do Rio Grande do Sul em seu centenário – 2005 o ano de Antônio Caringi e de • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Erico Verissimo, por Rodrigues Till/Porto Alegre: Evangraf, 2005. Arte do século XIX – Luciano Migliaccio, Fundação Bienal de São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000. Artes Plásticas no Rio Grande do Sul – Athos Damasceno, Editora Globo, 1971. Artes Plásticas no Rio Grande do Sul: uma panorâmica – organizador, Paulo Gomes, Gráfica Pallotti, 2007. Dicionário de Artes Plásticas do Rio Grande do Sul, por Décio Presser e Renato Rosa/Porto Alegre, Editora da Universidade,1997. Dicionário de Pintores Brasileiros, de Walmir Ayala. Eduardo Vieira da Cunha (Edição do Autor, 2003). Enciclopédia Artes Visuais – Itaú Cultural. Escultores Contemporâneos do Rio Grande do Sul - Armindo Trevisan - Editora da Universidade, 1983. Francisco Stockinger (Xico) para professores de Educação Artística – 1999, professor e especialista em Artes Plásticas, Antônio Renato Henriques. José Lutzenberger, Cronista , Paulo Gomes - UFRGS, 2003. O Brasil nas letras de um pintor: Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879) Letícia Squeff, Editora Unicamp, 2007. O Mago das Cores: Aldo Locatelli, por Paulo Gomes e Armindo Trevisan, Editora: Marporom e CEEE, RS, 1998. Origens do Instituto de Artes da UFRGS - Instituto de Artes/UFRGS. Círio Simon, 2006. Poesia e Precisão: as aquarelas de José Lutzenberger como representação da história do cotidiano (19201951). Ângela Ravazzolo (Pós-Graduação em História). Porto Alegre: PUCRS, 2005. Pontos de evolução nas artes visuais no Rio Grande do Sul, por Círio Simon/ Porto Alegre: IEAVI, 1991. Sociedade dos Amigos do Museu Oscar Niemeyer. Matéria e cor. Percurso pictórico de Malagoli. Porto Alegre: Gráfica Pallotti, 2007. Projeto “A Caixa resgatando a memória”, por Marisa Veeck e outros/Porto Alegre: CEF, 1998. Stockinger, Vida e Obra – 2012 – José Francisco Alves, Editora MultiArt.

Material do MARGS • Boletim Informativo do MARGS, ano 1, nº 3, out/dez, 1976. A escultura em nosso meio, Fernando Corona. • Boletim Informativo do MARGS nº 23, out/dez, 1984. • Catálogo Stockinger: Os Diversos Tempos da Forma – 2011- MARGS. • Depoimentos concedidos ao MARGS por Carlos Scliar em outubro de 1994 e novembro de 1995. • Jornal da AAMARGS, nº 16, setembro de 1994. O Quadralhão, Décio Freitas. • Jornal do MARGS, nº 49, agosto de 1999 - Fragmentos de uma entrevista concedida por Stockinger, em • • • •

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• Jornal do MARGS, nº 69, junho de 2001 - Universidade Federal de Pelotas, professora Luciana Renck Reis. • Jornal do MARGS, nº 77, março de 2002, edição de Ana Maria Brambilla. • Jornal do MARGS, nº 90, julho de 2003 - Neiva Bohns, Professora da UFPEL. Impressos • Alguns Comentários sobre Pedro Weingärtner. 19&20, Paulo César Ribeiro Gomes. Rio de Janeiro, v. III, n. 3, julho 2008.

• Correio Brasiliense – por Yale Gontijo - 22/12/2010. • Correio Brasiliense – por Nahima Maciel - 08/03/2010. • Jornal da Universidade UFRGS - Edição de dezembro de 2002, número 58 - Todas as mulheres de Fahrion, • • • • • • • • • • •

por Jacira Cabral da Silveira. Jornal Extra Classe, do Simpro RS, de abril de 2004. Jornal Extra Classe – Sinpro RS de março/2008, por Naira Hofmeister. Jornal laboratório da Universidade Estadual Sudoeste da Bahia - 14/09/2007. Jornal Zero Hora, 13/08/1997 – Oscar Boeira, por Eduardo Veras. Jornal Zero Hora 09/06/2012 – por Francisco Dalcol / Documentário destaca regionalismo e engajamento social na obra de Danúbio Gonçalves. Jornal Zero Hora 14/06/2012 - Exposição “O ‘Outro’ na Pintura de Iberê Camargo” apresenta obras menos sombrias do artista. PUCRS: Jornais Correio do Povo e Zero Hora das décadas de 1940 a 2000. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, vol.30 Nº 3 Porto Alegre Set./Dec. 2008 - A substancial transformação dos ciclistas de Iberê Camargo, por Mônica Zielinsky. Revista Veja, edição 1144, 22/08/1990, “Mestre sobre rodas”. Revista Veja, edição 1282, 07/04/1993, “”O pincel espetáculo”. Revista Veja, edição 1353, 1708/1994, “A vida dói”.

Internet • Acervo Instituto de Artes da UFRGS. • Alice Brueggemann, Alice Soares / Caixa Econômica Federal/Centro Cultural Aplub - Porto Alegre, 1997. • Artigo de Ursula Rosa da Silva, professora do Instituto de Letras e Artes/ UFPel/RS - “O modernismo dos • • • • • • • • • • • • • • •

anos 20 no Rio Grande do Sul sob o olhar do crítico de arte Ângelo Guido”, 2008. Assessoria de impresa da CEF, Brasilia, 26/11/ 2004. Assessoria de Comunicação da Secretaria de Cultura do Estado do RS - 24/08/2010. Assessoria de imprensa da Câmara dos Deputados - 17/12/2010. Assessoria de imprensa da Trensurb - 18.12.2008 / Praça Revolução Farroupilha é entregue à população de Porto Alegre. Agência Brasil – Rio de Janeiro, 20/3/2004. Blog O Fazedor de Auroras. Catálogo da mostra “O Universo Gráfico de Glauco Rodrigues”, 2011, da Caixa Econômica Federal. Dissertação da mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS, Luciana da Costa de Oliveira - “O Rio Grande do Sul de Aldo Locatelli: Arte, historiografia e memória regional nos murais do Palácio Piratini. Iberê Camargo – Catálogo Raisonné – Mônica Zielinsky – Volume I. Entrevista com Iberê Camargo, por Paulo Reis, curador independente e professor convidado do curso de história da arte do Instituto de Artes da UERJ. Projeto – “Danúbio Gonçalves” – por Cassandra de Castro Assis Gonçalves, bolsista IC/FAPESP/ coordenadora: profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini de Alvarado. Site – Carlos Scliar – Vida. Site José Lutzenberger – Depoimento de Fernando Corona. Site Sul21 - 25/06/11 - Por que a Infraero não pede o tombamento do mural de Locatelli? por Núbia Silveira. ZH Digital do dia 11/12/98 – por Sandra Simon.

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Ficha Técnica Obraprima Incorporações e Construções Ltda. © Direito de Publicação Avenida Taquara, 386/11º andar CEP 90460-210 – Petrópolis – Porto Alegre - RS Fone: (51) 3331.2692 www.obraprima.com.br Projeto Editorial, Coordenação Editorial e Execução

Projeto Gráfico e Diagramação

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Jornalistas Carlos Souza - (51) 9892.6566 - smcsouza@uol.com.br Nikão Duarte - (51) 8413.8028 - lafduarte@hotmail.com Sérgio Lagranha - (51) 9955.7020 - lagranha@gmail.com

Impressão e acabamento Gráfica Contgraf

Capa Sala do Acervo Artístico da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo – Instituto de Artes - UFRGS Foto de Luiz Eduardo Achutti Agradecimentos Aos artistas contatados; professor Paulo Gomes; professor Luiz Eduardo Achutti; coordenador do setor de Acervos e Pesquisa do Margs, Raul Holtz; diretor do Margs, Gaudêncio Fidelis; Jussara Maria Stockinger; Francisco Antônio Stockinger; diretor do Museu Júlio de Castilhos, Roberto Schmitt-Prym; jornalista Eduardo Veras; publicitária Graça Craidy; Fundação Iberê Camargo; diretor da Equipe do Acervo Artístico da Prefeitura de Porto Alegre, Flávio Krawczyk.

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Mestres das artes no RS – uma homenagem ao talento de 25 artistas e suas

obras-primas. – Porto Alegre: [s. ed.] , 2012.

84 p. : il. ; 21 x 28 cm.

Edição comemorativa aos 25 anos da Obraprima Incorporações e Construções Ltda.

Inclui bibliografia.

1. Artes plásticas – Rio Grande do Sul – Brasil. 2. Artistas gaúchos.

I. Obraprima Incorporações e Construções Ltda. CDU 73(816.5)

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Catalogação na fonte: Paula Pêgas de Lima CRB 10/1229


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