Revista Nó Na Palavra 2018

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Eu não acredito em milagres então para mim aquela criança não tinha jeito, insistia para os dois que deviam levar o bebê para a roda, mas os pais queriam muito ficar com o neném. Meses depois, o bebê nasceu. Eu já havia conversado muito com ambos pais mas eles tinham muita fé. Passaram-se dali alguns dias e os próprios Cândido e Clara começaram a perceber que não eram possíveis as condições de cuidar do recém-nascido, então falei com Candinho,

-Cândido, você não pode ficar com seu filho, você já percebeu que é impossível ele sobreviver nessa situação! Aproveite que Clara dorme e leve César para a roda. -Mônica, pensei bem e acho que infelizmente terei que levá-lo, infelizmente. Naquela mesma noite chuvosa, o pai chorando, partiu com seu filho no colo em direção à Roda dos enjeitados, a instituição mais temida para todos os pais pobres, até mais temida para eles, do que a própria escravidão. Naquela noite fui me deitar e lembro exatamente daquela noite e até mesmo do pesadelo que tive, me recordo como se fosse ontem, sonhei que acordava em um lugar escuro e frio e havia uma praga corroendo todo alimento e dinheiro que tínhamos guardado. Não acordei mesmo com o terrível sonho, só fui devem ser escravizadas. Não fui muito longe, parei para comer um pão amanhecido na padaria do Seu Malaquias, perguntei a ele. -Malaquias, sabe o que aconteceu com essa escrava, Arminda? Ele me respondeu. -Olha Mônica não estou muito informado mas sei que acharam ela, queria ser o sortudo que ganhou os cem mil réis. Suspirei, agradeci e fui embora sem voltar no assunto, mas mal sabia eu o que eu esperaria quando chegasse em casa. Entrei na casa e fiquei chocada, Clara estava sentada no sofá amamentando o bebê. Quase tive uma parada cardíaca, logo Candinho veio me contar a história. -Mônica, Mônica! Você não sabe o que aconteceu. Estava indo em direção a Roda com César no colo e quando estava chegando bem perto, avistei de longe a escrava fugida, Arminda. Sai correndo pois sabia que o único jeito de salvar a criança era capturando a escrava. Rapidamente deixei César na farmácia do Seu Juca sem dar explicações e comecei, cautelosamente a descer a rua que estava Arminda.

-Mônica, Mônica! Você não sabe o que aconteceu. Estava indo em direção a Roda com César no colo e quando estava chegando bem perto, avistei de longe a escrava fugida, Arminda. Sai correndo pois sabia que o único jeito de salvar a criança era capturando a escrava. Rapidamente deixei César na farmácia do Seu Juca sem dar explicações e comecei, cautelosamente a descer a rua que estava Arminda. Fui cuidadoso para ela não me perceber e então quando estava bem próximo dela joguei minha corda e amarrei a escrava. Ela lutou muito contra mim e implorava para não levá-la a seu dono, mas quando estava muito perto da casa de seu chefe ela me contou que estava grávida, fiquei com várias coisas passando pela minha cabeça naquele momento mas pensei, é uma vida pela outra. Quando cheguei na casa de seu dono depois de muita briga, Arminda abortou. Foi uma das cenas mais horrorosas que eu já vi. Peguei os cem mil réis e sai em direção a farmácia. Peguei César e não deu outra, voltei para casa para falar com Clara. Viu Mônica, Ele existe, Deus existe! ei para casa para falar com Clara. Viu Mônica, Ele existe, Deus existe! Não sabia dizer o que passava pela minha cabeça naquele momento, estava chocada, fiquei quieta, sabia que aquele dinheiro não iria nos salvar, com uma parte do dinheiro alugamos uma casa, foi bom mas dali a um mês já estávamos novamente na mesma miséria e dessa vez alimentando mais um, um menino que bagunçava tudo pois seus pais não tinham tempo de lhe dar educação, um menino que era desrespeitoso, roubava e agora estamos aturando essa criatura devido uma escrava fugida e talvez em uma miséria pior que ela e como eu digo, milagres não existem até porque estaríamos em lugar melhor, assim como o filho de Arminda. Nem todas as crianças vingam.

E é assim que minha ingrata avó Mônica, contava minha história para todos, ela não merecia mais estar aqui mesmo. Hoje já trabalho e reverti minha situação, e todos os dias agradeço a meu pai por ter acreditado em mim e em minha mãe por ter me educado só guardo rancor à avó Mônica e como dizia ela realmente nem todas crianças vingam, até mesmo eu não tive chance de me vingar dela.


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