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CIÊNCIA EM RELAÇÃO: QUANDO BIOLOGIA, FÍSICA E LÍNGUA PORTUGUESA SE ENCONTRAM.

"Minha preocupação é que, especialmente com a proximidade do fim do milênio, a pseudociência e a superstição parecerão mais sedutoras a cada novo ano, o canto de sereia do irracional mais sonoro e atraente".

(Carl Sagan, "O mundo assombrado pelos demônios”)

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A compreensão do método científico é parte fundamental do letramento científico proposto para nossos alunos do Ensino Médio. Tal compreensão passa pela análise que o pensamento científico, tal qual método, propõe a formalização de passos ou etapas para a estruturação da descrição de um dado fenômeno, seja ele de cunho natural ou social. Tais etapas não apresentam caráter monolítico: podem ser arquitetadas de acordo com a natureza do fenômeno observado. Devem, contudo, seguir um rigor formal para a compreensão daquilo que está sendo analisado e ser pautadas em premissas e pressupostos logicamente encadeados.

Estabeleceu-se então, historicamente, uma proposta de divisão: observação do fenômeno, construção de hipóteses, validação ou refutação das hipóteses e a construção de campos teóricos. O sequenciamento proposto deve ser respeitado para que haja encadeamento lógico entre as partes e os métodos de inferência e dedução devem ser utilizados como marcadores lógicos. Nota-se, então, que a base do pensamento científico é a observação de fenômenos e qualquer processo de análise científica parte desse pressuposto.

O processo da construção do conhecimento científico, sendo necessário para a consolidação de um processo verificável entre os sentidos, razão e a linguagem, passou a ser cada vez mais formalizado e espaços como os laboratórios começaram a ganhar mais importância. A palavra laboratório deriva do latim laborare que significa trabalho ou simplesmente um local para trabalho. Portanto, locais definidos como laboratórios eram levados com seriedade e atividades como a pesquisa científica se atrelavam ao trabalho de milhares de indivíduos. A partir da utilização dos laboratórios, a ciência começou a ganhar cada vez mais espaço no âmbito profissional em nossa sociedade. qual os conteúdos estão imersos e promovendo a possibilidade de observação de fenômenos para posterior registro em relatório. O eixo "ciências-linguagem" é um dos pilares que sustentam o projeto pedagógico do Ensino Médio não apenas pelo corpo docente pesquisador, formado por especialistas, mestres e doutores, mas, principalmente, pela prática cotidiana pautada na lógica, no raciocínio e nas múltiplas possibilidades que a prática científica - sempre apoiada em fatos, evidências, dados, historicidade - permite estabelecer.

Entretanto, é importante ressaltar que os laboratórios podem ser extremamente diferentes do que tradicionalmente pensamos, como aqueles que possuem várias vidrarias, equipamentos sofisticados e cientistas exóticos com um jaleco no corpo. Um campo aberto pode ser considerado um laboratório para um meteorologista, geólogo e um biólogo, desde que tenha a função de ser um espaço para pesquisa e trabalho. Além disso, associamos laboratórios às Ciências da Natureza, como Biologia, Química e Física, mas podemos, encontrar espaços laboratoriais até mesmo na área da Educação, como a sala de aula em si.

Nesse contexto, a integração entre as áreas é vislumbrada pela possibilidade de agir cientificamente nas produções escritas, já que o texto é lógico e dialógico, é tese, antítese e síntese, é afirmação e refutação, assim como as ciências de forma geral. A produção de conhecimento científico, inclusive, é, em grande medida, registrada e difundida por meio de artigos científicos, resumos, resenhas e relatórios. Assim, integrar laboratório e redação foi a decisão mais acertada para que nossa mentalidade, enquanto cientistas que atuam na Educação Básica, seja lida como ação e não apenas como discurso ou currículo.

Essa integração, além de desenvolver as metodologias do trabalho científico, foi também um meio para trabalhar com a expressão linguística presente nos textos de divulgação do campo em questão, indicando o panorama mais amplo no

Com isso em mente, o alinhamento entre as áreas foi o primeiro passo para o desenvolvimento do projeto: biologia, representada pelo ex-aluno, estudante de Biologia e responsável pelos laboratórios do Colégio Davi Gutierres; Física, representada pelo professor Eric Pizzini; e Língua Portuguesa, representada pela professora Mônica Martinez. De forma integrada, decidimos o melhor gênero para a prática - o relatório - tendo em vista que a base descritiva deste texto permite a mobilização de funções da linguagem para o registro e a análise de experimentos específicos. Na sequência, selecionamos os experimentos de base qualitativa e quantitativa a serem desenvolvidos no laboratório de ciências: os primeiros, apoiados nos conhecimentos de Biologia da 2ª série do Ensino Médio, e o segundo, com base em um experimento de física realizado ao vivo para os alunos da mesma série mencionada. Por fim, definimos as etapas para a realização do projeto.

A primeira etapa, nas aulas de Redação, foi apresentar a importância e os limites do conhecimento científico em tempos de crise por meio de uma coletânea de textos que possibilitam a leitura crítica e acadêmica. Reflexões de Zygmunt Bauman, Manuel Castells, Isaac Asimov e Carl Sagan, o dono da epígrafe deste texto, permitiram a contextualização inicial do projeto científicolinguístico. Um dos pontos de destaque foi a discussão sobre uma reflexão de Sagan na qual afirma que o acesso tecnológico não pode ser controlado pelas preferências políticas ou morais de uma minoria auto-nomeada. O medo do autor é que a ignorância nascida do controle tecnológico seja sutil o suficiente para ser utilizada como uma forma de ampliação da desigualdade social.

Com a contextualização temática inicial, o gênero foi apresentado a partir da análise linguística de relatórios reais, que circulam nos laboratórios da Educação Básica e Superior. Os gêneros, como sabemos, são uma unidade relativamente estável, por isso é importante compreender a esfera de circulação do relatório, a situação de produção, o tipo de interlocução e linguagem, bem como os termos técnicos presentes nesse tipo de produção. O relatório, em específico, é um gênero sustentado pela exposição, síntese e discussão de questões relativas à produção do conhecimento cuja linguagem obedece a norma padrão da língua portuguesa, com uso de verbos flexionados no pretérito, marcadores coesivos, uso de sentido denotativo, tendendo à impessoalidade na elaboração de enunciados claros, objetivos e precisos. Os tópicos presentes nos relatórios podem variar de acordo com a intencionalidade pedagógica dos docentes, por isso decidimos selecionar as seguintes categorias de registro: objetivos (descrição da finalidade do trabalho); materiais e métodos (descrição dos itens utilizados no experimento, como foram utilizados e da metodologia de análise); resultados (descrição das etapas do procedimento e os respectivos resultados); e discussão.

Após a contextualização temática e introdução ao gênero, os alunos adentraram na primeira produção textual. O responsável pelos laboratórios filmou em conjunto com o Marketing três experimentos: um sobre a morfologia de cobras, outro sobre microrganismos chamados Euglenas e por último a análise da taxa fotossintética de uma planta aquática chamada Elodea, todos atrelados a área de Biologia.

Aleatoriamente, cada sala assistiu apenas um vídeo dos experimentos realizados em sala de aula. A partir do vídeo mostrado, os alunos produziram um relatório individual a partir do experimento realizado, descrevendo etapas como os materiais e métodos utilizados até a discussão dos fenômenos que aconteceram, levantando hipóteses plausíveis sobre o por que foram obtidos determinados resultados.

A produção deixou claro como o raciocínio científico dos alunos foi estimulado, em razão desta atividade não circundar uma única resposta como em provas objetivas, mas se aproximar de como a ciência é construída de fato, com a produção de hipóteses sólidas a partir do que foi primeiramente observado.

Sempre pautados na prática e na observação, em um segundo momento, os alunos foram levados para o espaço do laboratório, e confrontados com um experimento físico real: o uso de polias e máquinas simples para a realização de trabalhos. Munidos da observação e de um roteiro básico, sem a intervenção do docente, os alunos trabalharam em grupos realizando descrições dos fenômenos observados, comparações de unidades, análise de medidas, levantamento e posterior validação ou refutação das hipóteses.

Trabalhando paralelamente, na interface entre conhecimentos, os alunos preencheram o roteiro com os cálculos apresentados e realizaram a escrita de um relatório científico pautado nas aulas de redação, podendo dialogar entre os pares para a escrita e produção do texto científico. Neste momento, eles vivenciaram de maneira nítida a construção do conhecimento acadêmico: ao contrapor experiência e texto, medidas numéricas e a escrita e hipóteses e a argumentação textual, ficou claro que uma área de conhecimento se ampara, complementa a outra, e que a simbiose entre a observação empírica física com a lógica discursiva textual não apenas se mostrou uma poderosa ferramenta pedagógica, mas também, um lugar de construção do letramento científico e discursivo dos nossos alunos.

O horizonte no qual vislumbramos uma sociedade mais científica e que opera por marcadores lógicos se estabelece neste lugar: o conhecimento acadêmico científico nasce na interface entre as áreas do conhecimento, do paralelismos de discursos argumentativos, dos operadores lógicos que estão presentes em todas as áreas do conhecimento e, principalmente, da não vulgarização do conhecimento acadêmico, limitando-o e simplificando-o a métodos de simples memorização ignorando o real sentido da construção de bases argumentativas sólida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Rio de Janeiro: Record, 2020.

SAGAN, Carl. O mundo assombrado por demônios.

São Paulo: Cia das Letras, 2012.

ZYGMUNT, B. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2019.

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