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O CULTIVO DOS FUNGOS E A COLHEITA CIENTÍFICA
Professora: Mariana Parra
Todos nós já tivemos a vivência de encontrar cogumelos em um tronco de árvore ou na grama, principalmente após muita chuva. Quantos mistérios e contos de fadas existem dos quais os cogumelos têm algum tipo de participação. Mas como eles se desenvolvem? Por que aparecem nestes lugares e por que após a chuva? São tantas perguntas que norteiam essas descobertas que as salas de aula transformaramse em verdadeiros laboratórios vivos, desenvolvendo um lugar que "A educação é um processo de corpo inteiro porque o conhecimento é fruto da ação do sujeito no mundo, mobilizada pelo desejo, possibilitada pelo corpo, guiada por processos sensoriais" (GUIMARÃES, 2018 apud TIRIBA 2010, p. 9).
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Chegaram duas caixas surpresas em cada sala de aula do 4º ano. Essas caixas de papelão continham um borrifador, um paralelepípedo de substrato, muitas perguntas, hipóteses e futuras respostas. As caixas foram abertas e exploradas, com aquele olhar científico, curioso e investigativo. Abrir esse objeto foi como disponibilizar uma tela em branco a qual cada criança colocou sua hipótese, seu conhecimento prévio, suas vivências e histórias com esse ser vivo.
Será que a umidade interfere no desenvolvimento? Será que a temperatura faz parte do crescimento desse ser vivo? Esse organismo se desenvolveria dentro da sala de aula? As duas caixas foram usadas como comparativos para responder essas perguntas. Os alunos determinaram que uma caixa receberia, todos os dias, borrifadas de água em três momentos diferentes e a outra caixa receberia a mesma quantidade de água, porém, três vezes na semana e apenas em um momento do dia.
Diante de um cenário de tanta descoberta, foi necessário planejar registros detalhados com os alunos. Colado na parede da sala, de fácil visualização, havia um documento "Controle de fornecimento de água para as caixas de fungos" o qual era preenchido de forma coletiva e monitorada pelos próprios alunos. Todo início da semana, acontecia sorteio para eleger os alunos responsáveis em anotar, monitorar e fiscalizar a quantidade de água e os registros, assim foi possível finalizar o experimento com a participação de todos. Essa coleta de dados aumentava a expectativa e a participação direta e ativa de cada criança.
As caixas abertas foram colocadas em cima da mesa do professor e também foi decidida a posição levando em consideração a luminosidade. Após apenas dois dias de experimento, esse incrível organismo começou a crescer. Os comentários dos alunos, logo pela manhã, eram contagiantes "O que são os pontos rosas? Estão crescendo…" disse um aluno, "Nunca tinha visto um cogumelo pequeno" disse outro. E durante os comentários, os alunos foram convidados pelos próprios colegas a visitar outras caixas de outras salas. Enquanto a sala tornava-se um laboratório que abrigava o crescimento de um organismo, o corredor era o veículo de divulgar e convidar os colegas para acompanhar o experimento de outras turmas. A troca aconteceu de forma espontânea e o combustível para isso era a curiosidade que a própria natureza estava estimulando nas crianças.
Segundo Lea Tiriba (2018, p. 82), "a ressignificação do processo educativo pressupõe uma reflexão sistêmica e ampla, que leve em consideração a necessidade que a criança tem de experiências sensíveis, ricas em sentidos, vínculos e descobertas". Isso ocorreu durante três semanas, com uso de lupas, os alunos acompanharam e vivenciaram o crescimento do organismo, coletando dados, discutindo e comprovando a importância dos fatores como luminosidade e umidade para seu desenvolvimento, comparando as duas caixas e percebendo resultados diferentes em cada uma delas.

O substrato da caixa surpresa, que no início escondia os fungos, após essas semanas, apresentou-se ocupado por fungos shimeji salmão e tanto cresceram que foi necessário realizar a colheita. Sentados em roda, com muitas falas, os alunos retiravam os cogumelos e junto uma observação detalhada de estruturas antes não visualizadas. As mãos percorriam partes do fungo, avaliando sua textura, coloração, cheiro, simetria e os olhos se atentaram a detalhes antes não visualizados. Os alunos exploraram o fungo externamente e era tanto o desejo em conhecer mais que solicitaram uma fissura no cogumelo, para entender como era a parte interna.
Sentados no chão da sala, em grupos pequenos, os alunos com suas lupas investigaram e desenharam os detalhes do shimeji e muitos comentários foram relatados "não sabia que era assim embaixo do chapéu do fungo", "parece uma borracha a parte de fora e a parte de dentro tem muitos fiozinhos".

Todas as etapas do método científico foram realizadas durante este experimento, como a observação investigativa, o levantamento de hipóteses, o experimento, a coleta de dados e a conclusão. Em todos os momentos houve muita participação coletiva, o olhar e mãos das crianças e por trás de cada registro um cientista descobrindo o mundo dos fungos, confirmando a competência geral estabelecida na BNCC (BRASIL, 2018) "Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas".
Os termos mais técnicos se tornaram rotina nas aulas, acompanhando o crescimento desse organismo e participando de todas as etapas, os alunos compreenderam na prática que fungos são pluricelulares, que dependem de umidade e lugares quentes para se desenvolverem, não conseguem produzir seu próprio alimento já que o substrato veio preparado com os nutrientes necessários e que algumas espécies são comestíveis e outras podem ser venenosas.
Em paralelo a esta prática, os alunos levaram o conhecimento e o olhar científico para além das paredes da escola e alcançaram a rotina e a casa. Durante o bimestre, alguns alunos trouxeram fungos de decomposição e fungos comestíveis, a fim de mostrar o quanto observava esse ser vivo e a participação deste organismos no dia a dia. Cascas de frutas, palmitos em conserva, bandeja de shimeji/shitake/paris, são alguns exemplos do que as crianças traziam de casa a fim de compor a aula.


Como foram alguns materiais, era importante todas as salas perceberem e reconhecerem que o lado cientista estava dentro de cada um, portanto foi montado o "Mural do cientista" no corredor das salas dos 4º ano. O mural continha o nome do aluno, a série, o pensamento que o moveu a coletar e o material. Cada coleta ficava por uma semana, assim todos os alunos da comunidade escolar conseguiam visualizar e entender o cientista por trás de cada amostra.
"Eu vi a laranja em casa e fiquei na dúvida se ela estava em decomposição ou batida, trouxe para observarmos" (L., aluno do 4ºA);
"Estava viajando em São Roque e como vimos fungos na aula de ciências, falei para meu pai comprar a bandeja, para trazer na aula e mostrar aos amigos "(D., aluno do 4ºC).
"A cada quinze dias tem uma feira perto de casa e lá vende cogumelos, aí minha mãe comprou e eu pedi para trazer um para mostrar para os amigos" (A. , aluna do 4ºC).
"Olha o fungo macroscópico que achei!! Mas não pegue na mão, não sei se é venenosa"(L., 4ºA).
"Minha avó ganhou um pote com muitos palmitos e dividiu com meus pais, ai fui abrir e vi um palmito com essa cor, ele está em decomposição, são fungos" (J.,aluna do 4ºC).
A realização do "Mural do cientistas" e nossa prática com fungos shimeji salmão despertou o lado cientista, investigativo e explorador e segundo WORSAWORTH (apud LOUV, 2018, p.203) "Deixe a natureza ser sua professora."
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
LOUV, Richard. A última criança na natureza. 1º edição. São Paulo. 2016. Aquariana.
TIRIBA, Lea. Desemparedamento da infância: a escola como lugar de encontro com a natureza. Criança e natureza. Instituto Alana. Rio de Janeiro, julho de 2018. 2ª edição. Disponível em: https://criancaenatureza.org. br/wp-content/uploads/2018/08/Desemparedamento_infancia.pdf Acesso em 19 out. 2022.
Tiriba, Lea. Crianças da natureza. ANAIS DO I SEMINÁRIO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO –Perspectivas Atuais Belo Horizonte, novembro de 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/ dezembro-2010-%20pdf/7161-2-9-artigo-mec-criancas-natureza-lea-tiriba/file. Acesso em: 19 out. 2022.