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A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA INFANTIL PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DAS CRIANÇAS
Do Infantil 2
Se há algo de bastante importância no Colégio é a qualidade do tempo de exposição à literatura aos seus alunos desde muito pequenos, oportunizando campos de experiências com obras que ampliem a percepção de mundo e de si mesma.
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Pensar em qualidade de tempo não diz respeito apenas ao tempo cronológico, ao longo dos dias, compreende também as especificidades do momento da leitura, o antes, o durante e o depois. O antes porque diz respeito à escolha das obras, que considera o autor, a forma com que ele brinca com as palavras que possibilitam a fruição por parte do leitor (ainda que apenas com os ouvidos), a ilustração (traçados, pintura, texturas e tons); o durante que compreende a maneira e a intimidade com que se lê obra para a criança com ritmos, expressões verbais e faciais, afinal, as crianças pequenas também leem o corpo dos adultos muito mais do que se pensa; o depois, quando se entende que a criança pode conversar, manusear e brincar com as palavras ou com o corpo que imagina e imita, enfim, um processo cíclico do qual a reflexão, sobre a experiência que se pode proporcionar à criança, é constante.
Marianne Wolf, neurocientista que estuda os efeitos da literatura na formação da mente do indivíduo ao longo da vida do sujeito, diz que a leitura proporciona ao cérebro um funcionamento além daquilo que ele foi programado e que a "aquisição do letramento é uma das façanhas epigenéticas mais importantes do Homo sapiens” (WOLF, 2019, p. 19).
A pesquisadora defende o contato com a leitura ao longo da vida e que isso deve ocorrer desde muito cedo, em crianças pequenas, trazendo ganhos e conquistas para diferentes áreas do conhecimento: oralidade, construção de pensamento, percepção e compreensão de diferentes pontos de vistas, relações sociais e até mesmo autoconhecimento sobre emoções, sentimentos e modos de agir. Ainda, segundo a autora, a leitura promove ao cérebro circuitos cada vez mais elaborados a depender dos estímulos ofertados pelo ambiente em que se está inserido.
1. Ler com os ouvidos: entendemos que as crianças pequenas são leitoras, ainda que não o façam com autonomia por naquele momento não dominarem o código alfabético. As crianças leem com os ouvidos, pois são os adultos que traduzem em palavras, ritmos e entonação aquilo que está escrito. As crianças leem com os ouvidos porque existe um leitor experiente que lhe permite conhecer além daquilo que ela possa fazer por si mesma.
2. Letramento: Habilidade adquirida pelo sujeito, seja criança ou adulto, que mobiliza os conhecimentos de leitura e escrita em contextos sociais distintos.
O Colégio entende que as habilidades relacionadas à compreensão também são construídas por meio da leitura, ainda que os indivíduos não o façam sozinhos e necessitem de uma ajuda-ajustada , ou seja, que alguém leia e ajude-a na identificação do texto por meio das palavras verbais. A rotina das crianças do Infantil 2 é constituída por elementos que buscam aguçar o pensamento e a reflexão das crianças em relação ao mundo, às pessoas que nele habitam, ao espaço, ao tempo, aos elementos naturais e materiais convencionais e não convencionais.
Os diversos contextos de literatura infantil, vividos na escola, contribuem para a construção de repertório por parte da criança possibilitando que sua fala e seus modos de agir sejam cada vez mais elaborados e cheios de significados e pensamentos, menos imitativos e mais deliberativos e intencionais.
"O búfalo que só queria viver abraçado", de Thaís Laham Morello, autora sorocabana, foi a primeira grande obra explorada com as crianças, por meio da qual puderam conhecer os sentimentos do pequeno búfalo ao se separar de sua mãe. Sábia foi a mamãe búfala que lhe deu uma pedrinha para amarrar em seu pescoço a fim de que sentisse a presença e o amor dela por ele. Uma verdadeira poesia que vai ao encontro do período de acolhimento da criança ao ambiente da escola, da transição da mãe para a "tia", momento em que todos vivem uma adaptação e buscam um conforto e segurança nas relações e construção de vínculos. Por meio de seus estudos, Wolf (2019), afirma que a leitura contribui para o desenvolvimento da empatia, do respeito às diferenças e da capacidade de tolerância.
É no Infantil 2 que as crianças têm a oportunidade de ter o seu próprio livro de literatura e, a cada folhear de página, acompanhar a leitura feita pela professora, e "consumindo-o" segundo as possibilidades da faixa etária. Wolf (2019) defende o contato da criança com o livro impresso para que ela possa manuseá-lo o quanto for necessário e, assim, se apropriar de habilidades de um leitor literário (folhear as páginas coordenando movimentos de mãos/dedos, fazer a leitura e interpretação das imagens, fazer antecipações sobre o contexto do capítulo, etc). Para a pesquisadora, a leitura por meio do livro impresso, feita por um adulto, cria campos de aprendizagens que dizem respeito à ampliação de vocabulário; a gramática das histórias; do ritmo da pronúncia das palavras e das rimas; das formas visuais das letras e seus padrões nas palavras escritas, conhecimentos mediados pelo colo, afetividade e tom de voz, fatores importantes para o desenvolvimento emocional da criança.
Para as crianças a leitura do livro impresso não tem a ver apenas com o cérebro, mas com o corpo todo, uma vez que elas veem, cheiram, ouvem, tocam e isso contribui para que nela se fixem melhor as conexões multissensoriais e linguísticas, o que não ocorre com os dispositivos digitais. Wolf (2019) diz que a afetividade e as memórias da infância se conectam aos pensamentos e as palavras dão sentido à cognição.
"Baleia na banheira", de Susanne Strasser, foi a segunda obra "consumida" pelas crianças do Infantil 2, um conto de repetição cuja estrutura textual possui uma sequência recorrente e que se repete ao longo da história, característica bastante apreciada pelas crianças. Dona Baleia, personagem principal da história, convidou, ao longo dos dias, as crianças do Infantil 2 para viverem explorações sensoriais, cujas testagens passavam pela ação do corpo no contato com materiais de texturas e temperaturas diferentes.
Foi também pela maturidade das crianças que, em Baleia na banheira, pode-se observar que os diálogos estabelecidos entre elas estavam abastecidos de palavras novas e as brincadeiras traziam elementos do enredo do livro.
As crianças foram crescendo… e já era possível vê-las organizando momentos de leitura entre elas. Liam reproduzindo alguma ação observada do comportamento do adulto e se baseiam nas ilustrações para construírem e reconstruírem suas narrativas, que se misturavam à lembrança do texto original, lido pela professora, às novas interpretações feitas.
Wolf (2019) diz que a criança vive, dos 0 aos 5 anos, um período crucial e que nós, adultos, devemos refletir e nos conscientizar sobre os estímulos oportunizados a elas pois, é nessa fase que aprendem a ler e a pensar de maneira que lançam os fundamentos para o resto de suas vidas.
O último e não menos importante livro explorado e "consumido" pelas crianças do Infantil 2 foi "Casamento do passarinho", de Hendrick Jonas, cuja obra despertou nas crianças a curiosidade de saber como os passarinhos "conversam"e se comunicam uns com os outros. Ainda envoltos em um pensamento sincrético, as crianças buscavam interpretar e relacionar as ações dos pássaros às suas experiências de vida, assim diziam que o passarinho chorava "unhé", quando bebê e, conforme crescia, chorava "uhu-uhu-uhu" e que a mamãe dava "leitinho" para ele. Falaram sobre o ser "filhote", ser "pequeno" e sobre o quanto percebiam os cuidados recebidos pelos adultos que a cercavam e, a partir disso, apresentavam ideias para que o passarinho da história se sentisse bem e feliz.

Nas primeiras leituras a postura das crianças era, em sua grande maioria, de ouvintes, e, com o passar do tempo, os momentos se tornaram muito mais interativos e os pedidos recorrentes: “Tia, conta a história do passarinho”.
A cada leitura, uma nova colocação, uma reflexão, um novo som, um gesto mostrando a intensidade da importância da literatura, mesmo que aparentasse ser algo abstrato para as crianças. Várias foram as situações em que as crianças passaram a contar a história, agora para seus amigos e familiares, se colocando na postura de fala, e através de gestos, expressões faciais e de uma fala imbuída de conhecimentos e repertório, potência e leveza.
Enfim, a leitura literária das palavras evoca sentimentos e memórias daquilo que foi experienciado pelo leitor no contexto em que se está inserido e traz a possibilidade de desenvolver aprendizagens de naturezas variadas, explorando a cognição e as relações inter e intrapessoal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MEC. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018 (Disponível em: http://basenacionalcomum. mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_ site.pdf).
ONRUBIA, Javier. Ensinar: criar zonas de desenvolvimento proximal e nelas intervir. In: COLL, César e outros. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006, 6ª edição
Plano Anual Escolar. Colégio Uirapuru. 2022.
Wolf, Maryanne. O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era. São Paulo. Contexto, 2019.


