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TODA VEZ QUE VOCÊ PENSA EM ME ENSINAR, EU TE ENSINO MUITO MAIS

A relação entre bebês/crianças bem pequenas e adultos, nos espaços do Uirapuru Bebê.

Michele Leite - Coordenadora Pedagógica

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Cena 1:

Hugo, nosso bebê de 8 meses, engatinha pelo espaço da praça, encontra uma barraca amarela de tecido e entra. Demora ali o tempo de chegar até a parede e retornar para a porta, onde olha para a educadora que o filma e, então, volta para dentro. Nesse tempo, que dura não mais que segundos, balbucia algo, e novamente sai, agora em direção ao escorregador de madeira. O encontro com Pedro acontece de forma natural, já que ambos estão próximos ao brinquedo. Pedro está tentando, em uma postura mais ousada, subir as escadas. Hugo, ainda que não ande, fica em pé com o apoio do brinquedo e arrisca-se a subir na rampa do escorregador.

Cena 2:

Isis, nossa bebê de 9 meses, coça os olhos, deita-se no tapete do espaço de leitura e, ao perceber a presença de uma educadora, aproxima-se e encosta a cabeça em sua perna. A educadora se levanta, pega a chupeta e o paninho de dormir e, ao oferecê-lo para Isis, recebe de volta os braços esticados pedindo por colo. Já no colo, com a chupeta na boca e o paninho em mãos, Isis dá piscadas mais longas, até que vai com a educadora para a sala do soninho e, em poucos minutos, adormece em seu colo. Do colo é colocada na cama e depois disso dorme tranquilamente por aproximadamente 1 hora.

Cena 3:

Lívia, nossa bebê de 1 anos e 6 meses, acabou de passar por cima de um tronco de árvore caído no chão, Enquanto está sendo filmada pela educadora Hugo, pula o tronco com um galho pequeno nas mãos e caminha batendo com o galho nas folhas secas, o que provoca o barulho das folhas amassando. Hugo caminha até outro galho próximo, bate com o pequeno galho e sai novamente batendo nas folhas secas.

Essas 3 cenas tão distintas têm muitas coisas em comum, que dizem respeito não só à ação e ao aprendizado dos bebês, mas também à ação e o aprendizado dos adultos que com eles convivem.

Enquanto os bebês aprendem a se colocar no mundo, a desafiar suas capacidades motoras, a reconhecer as necessidades do seu corpo, os adultos aprendem sobre o tempo de cada um, sobre a expressão das linguagens dos bebês e sobre as suas capacidades motoras. Os adultos aprendem que no Berçário, segmento que acolhe a primeiríssima infância, todo e qualquer momento é educativo, e que as aprendizagens conquistadas, nesse período, são a base de tudo que acontecerá com os nossos bebês ao longo da vida.

Sabemos que os bebês se desenvolvem nos aspectos físicos, cognitivos e sociais, ainda mais dentro de um espaço educacional. Sabemos que aprenderão com as diferentes vivências que lhes serão possibilitadas no dia a dia e que, no espaço familiar, terão outras experiências que comporão as suas histórias.

Porém, no Berçário, essas experiências ganham um outro caráter. Quando um bebê mostra ao educador que pode explorar um espaço engatinhando, entrar em uma barraca, sair, entrar novamente e, então, procurar por um outro brinquedo, que já está sendo habitado por outro bebê, ele está ensinando ao adulto que o aprendizado deve passar pelo corpo, que cada movimento do engatinhar é o que permitirá que ele, depois, se arrisque a ficar em pé, mesmo que ainda não tenha o domínio do seu corpo para dar os primeiros passos. Quando esse bebê se aproxima do outro bebê e o olha, está ensinando para os adultos que as relações podem ser estabelecidas além da fala, além da troca e além do brincar junto. É nesse primeiro contato com o outro que o bebê percebe que um espaço pode ser compartilhado, embora cada um dos bebês tenha interesses diferentes.

Quando um bebê aprende que as sensações que está sentindo são sinais de que seu corpo precisa entrar em repouso, ensina para o adulto que as expressões demonstradas são dicas de que é hora do adulto cuidar do seu recolhimento e oferecer os objetos necessários para que, por si só, o bebê o encontre.

O mesmo acontece quando os bebês exploram um espaço natural. Alí não é necessário falar sobre a natureza, sobre os sons presentes ou sobre os animais que ali habitam. A única coisa a fazer é observar, garantindo certamente a seguridade de cada bebê, mas deixando-os descobrir as belezas e maravilhas que um ambiente natural pode nos ofertar, além das testagens e dos limites dos seus corpos em contato com esse ambiente.

É fato que quanto mais nos organizamos para oferecer aprendizagens para nossas crianças, mais aprendemos com suas ações, com suas descobertas, com suas tentativas de se posicionar sobre as coisas do mundo.

Muitos teóricos sustentam o nosso trabalho no Berçário, Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, Pikler, médica da família e Pediatra Húngara, Wallon, filósofo, médico e psicólogo Francês, todos compõem a nossa trajetória de estudos, de forma que consigamos, cada vez mais, aprender sobre os bebês e permitir que eles nos ensine quem são.

É na escola que a criança vive uma atmosfera emocional diferente da que vive em casa e isso propicia uma pausa para o desenvolvimento pessoal (Winnicott, 1966). Assim, o respeito pela pessoa que é e não pela pessoa que virá a ser é presente no cotidiano do berçário. Cada bebê é olhado em sua individualidade.

Para Pikler (Falk, 2021), o cuidado com as crianças deve se basear em quatro princípios, sendo que se um deles for abandonado, os outros não podem acontecer. São eles:

1. A valorização da atividade autônoma da criança;

2. A relação privilegiada com um adulto de referência;

3. A boa imagem de si;

4. Um bom estado de saúde física.

É na retroalimentação desses princípios que possibilitamos que nossos bebês se lancem para os desafios com que se deparam ao desenvolver-se: engatinhar, ficar em pé, comunicar desejos, alimentar-se sozinha. Com a saúde preservada, com os vínculos de afeto estabelecidos com o adulto, com a certeza de que é capaz de se arriscar em novos movimentos e, com a liberdade para fazê-lo, nossos bebês crescem seguros de quem são.

Wallon nos fala sobre a criança como uma pessoa completa, constituída pelas dimensões afetivas, cognitivas e sociais. Para ele, o desenvolvimento da criança se constitui no encontro, no entrelaçamento de suas condições orgânicas e de suas condições de existência cotidiana (MAHONEY, 2016, p. 14).

Quando recebemos as crianças no Berçário, assumimos o compromisso com as famílias de que o Berçário "é um espaço de afetos, segurança, conforto físico, cuidados e atenção, onde cada criança importa de verdade e pode ter a sua primeira experiência social e coletiva, para além da família, com todo o acolhimento que merece! Com um olhar individual, mesmo dentro do coletivo". Assim, o colo que envolve e os braços que abraçam não o fazem apenas pelo gostar de crianças, o fazem porque estão carregados de responsabilidade ética e entendem que cuidar do outro exige um comprometimento profissional e também pessoal, já que, dentro de todo profissional mora uma pessoa.

Ao longo das nossas vivências, descobrimos, por meio da observação constante dos nossos bebês, que há individualidade na coletividade e temos muito orgulho das nossas descobertas.

Continuaremos em busca daquilo que faz sentido na relação que estabelecemos com nossos bebês. Desejamos que esse processo de aprendizagens e descobertas nos acompanhe, não só pelo tempo da nossa atuação dentro da escola, mas pelo nosso tempo de vida na relação com todos os pares que compõem a nossa história.

Que possamos aproveitar os aprendizados incríveis que temos com os bebês e transformá-los em uma filosofia de vida, para que tenhamos orgulho do legado que não deixaremos para trás, mas levaremos em nossa história.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FALK, Judith. Educar os três primeiros anos: a experiência Pikler-Lóczy. São Paulo: Omnisciência, 2021.

MAHONEY, Abigail Alvarenga. ALMEIDA, Laurinda Ramalho. A constituição da pessoa na proposta de Henri Wallon. São Paulo: Loyola, 2016.

WINNICOTT, Donald Woods. A criança e seu mudo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1966.

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