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TEXTO EM FOCO: O ALINHAMENTO ENTRE O FUNDAMENTAL II E O ENSINO MÉDIO
"A arte da escrita" é uma obra de Arthur Schopenhauer (1788-1860), um dos mais importantes filósofos alemães, que entendia o mundo como uma representação formada pelos indivíduos. Em seu percurso acadêmico, o autor influenciou Freud, Nietzsche e Bergson com seu pessimismo. Nesta obra, o leitor encontra textos que trazem as mais ferinas, entusiasmadas e cômicas reflexões acerca do ofício do próprio escritor, isto é, o ato de pensar a escrita, a leitura, a avaliação de obras, o mundo erudito como um todo, integradamente.
A arte de escrever transpassa a história, atravessa os tempos e rompe barreiras. Chama-se "arte" porque supera a estrutura cartesiana, une letras, forma sílabas, estrutura palavras; "arte" porque reconstrói momentos, transmite mensagens, salva vidas; "arte" porque tira da inércia, movimenta o outro, ativa leitores, transpassa obstáculos. A arte que, no Colégio Uirapuru, manifestase na missão da escola e no currículo de todos os segmentos. De maneira pretensiosa, afirmamos a escrita como uma mediadora da cidadania, que não implica, necessariamente, vínculo escolar, exigência, nota. E, caso ela esteja vinculada à instituição, que seja feita com o desejo de emancipar.
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Infelizmente, a escrita, hoje, especialmente dentro da Educação Básica, é promovida com finalidade formalista, ou seja, direciona-se a produção textual para o mercado de trabalho e/ou para o vestibular. Contudo, muito além disso, a escrita é um norte, é um instrumento que indica a qualidade do processo educacional e humano, é um percurso alimentado por muita intencionalidade pedagógica. Escrever exige planejamento, mas não se limita a modelos. Os gêneros apresentam formatos relativamente estáveis, porém a subjetividade do estudante, as escolhas lexicais, o controle do tempo, a duração dos períodos, a pontuação, o percurso lógico singular de cada sujeito advém de muito treinamento e muita dedicação.
1. Sou um bom avaliador do meu impacto na aprendizagem dos alunos.
2. Vejo a avaliação como um fator que informa meu impacto e os próximos passos.
3. Colaboro com os colegas e alunos sobre minhas concepções de progresso e meu impacto.
4. Sou um agente de mudanças e acredito que todos os alunos podem melhorar.
5. Esforço-me para que os alunos sejam desafiados, e não apenas para que "façam o seu melhor".
6. Dou feedback e ajudo meus alunos a entendê-lo, interpretando e agindo de acordo com o feedback que recebo.
7. Envolvo-me tanto em diálogo quanto monólogo.
8. Explico aos alunos de forma clara como é o impacto bem-sucedido desde o início.
Nesse contexto desafiador, no ano de 2022, iniciamos o alinhamento textual entre o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio. Para isso, decidimos os melhores tipos e gêneros discursivos para permitir aos escritores um olhar abrangente sobre as esferas de circulação da linguagem. Além disso, trabalhamos insistentemente as propostas - alinhadas a partir da exploração primeira da leitura, pois acreditamos que toda proposta de produção de texto é, primeiramente, uma atividade de leitura - e as grades e rubricas - direcionadas para validar o contínuo textual de forma coerente e ajustada aos objetivos educacionais docentes. A parte mais desafiadora, sem dúvida, é compreender que o ato de escrever é, antes de mais nada, um momento singular dentro de uma sequência didática específica e desenhada para atender às demandas do mundo contemporâneo.
9. Construo relacionamentos e confiança para que a aprendizagem ocorra em um ambiente seguro para cometer erros e aprender com os outros.
10. Foco na aprendizagem e na linguagem da aprendizagem.
Essas exigências atravessam diferentes campos (social, cultural, político, científico, histórico) e exigem um olhar apurado sobre os tipos textuais a partir da "metáfora dos processos": o tipo descritivo é classificado como um processo fotográfico; o tipo narrativo como um processo cinematográfico; o tipo expositivo como um processo didático; o tipo injuntivo como um processo dialógico; e o tipo argumentativo como um processo jurídico. O estudo dos processos foi a primeira etapa metodológica para que o alinhamento inicial fosse possível. Com isso em mente, selecionamos os gêneros do discurso, construímos propostas e grades adequadas aos propósitos desenvolvidos em sala de aula, cuidamos do processo de correção e refletimos sobre a importância da devolutiva pós produção, esta responsável pela orientação precisa da reescrita de textos.
Todas essas etapas, felizmente, são uma constante no Ensino Médio desde 2013, mas, com os desafios impostos pela pandemia da Covid-19 e os impactos que o isolamento social causaram na formação educacional (e humana) dos sujeitos, fomos convidados a repensar nossa dinâmica metodológica para resgatar conhecimentos perdidos e para restabelecer - com a seriedade habitual - nossos ideais pedagógicos sem quebras entre os segmentos. Em 2022, para coroar uma das nossas bases mais fortes, o Ensino Fundamental II integrou-se à dinâmica descrita, agregando ao processo mais possibilidades teóricas, práticas e restaurativas. O resultado? Professoras ainda mais engajadas com o ensino e a aprendizagem dos textos, e alunos melhor preparados para os desafios da leitura, com a segurança de quem entende o planejamento textual como a chave de ouro para sair da "situação problema" das redações de forma autônoma e autoral.
Entre os nossos esforços constantes, que envolvem coordenação, docentes e discentes, o exaustivo e libertador exercício da disciplina, da lida com frustrações de diferentes ordens, e da separação entre inspiração e transpiração. Alguns dizem que escrever é inspiração. Defendemos, no entanto, que escrever é transpiração. Fernando Sabino contribui para essa defesa. Para ele, o ato de escrever é muito difícil e penoso, pois sempre que redige textos, escreve e reescreve várias vezes o mesmo texto, num processo antropofágico e dialógico. O escritor mencionou este pensamento após datilografar 1100 páginas, entre produções e reescritas, mas, por fim, aproveitar apenas 300 num dado romance. Quando discutimos a arte da escrita, nada é desperdício e tudo é importante para os processos educacionais.
Por fim, na epígrafe deste texto, uma frase de Arthur Schopenhauer, retirada da obra que introduz essa reflexão. Ela, inquestionavelmente, representa o ano de 2022 e a construção inicial do projeto que alinha, em termos textuais, os Ensinos Fundamental II e Médio: "a mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão proveitosa quanto uma modesta, mas bem ordenada", ou seja, de nada adianta a mais rica equipe docente (ou a mais rica instituição de ensino) se ela estiver desarrumada, sem direção. O que almejamos e defendemos não é a "criação da roda", com um projeto inovador e revolucionário: agimos para executar o básico de forma honesta, modesta, organizada e intencional, pois, sem dúvida, acreditamos que a educação não é um produto disponível na prateleira, mas uma prática que exige, necessariamente, dedicação, resistência e embasamento técnico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
KLINGER, D. Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica. 2. ed. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012.
MAINGUENEAU, D. Imagem de autor: não há autor sem imagem. In: Doze conceitos em análise do discurso. São Paulo: Parábola, 2010. p. 139-156.
PETIT, M. A arte de ler – ou como resistir à adversidade. São Paulo: Editora 34, 2012.
SABINO, F. Gente. Rio de Janeiro: Record, 1996.
SCHOPENHAUER, A. A arte da escrita. São Paulo: L&PM, 2021.