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REMÉDIO OU VENENO: ENTENDENDO A QUÍMICA NOS SERES VIVOS

Como aprendemos sobre o efeito dos compostos químicos nos seres vivos? Como acertamos o alvo? Quem decide o risco de experimentar a Natureza e suas moléculas em seres humanos?

Com base numa convivência, nem sempre harmoniosa, entre a Química e a Biologia, desenvolvemos até os dias atuais um verdadeiro arsenal de substâncias biologicamente ativas. Nas prateleiras de qualquer casa, desfilam moléculas hidratantes, desodorantes e calmantes. Coloridas, perfumadas, às vezes amargas. Fato é que, do banho da manhã ao medicamento para pegar no sono, a tecnologia que explora os compostos está ao nosso alcance diário.

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No entanto, essa infinidade de artigos ao nosso dispor nem sempre foi uma realidade. A maioria desses produtos químicos nem ao menos existiria se, no decorrer dos anos, a síntese de compostos orgânicos não tivesse se tornado possível. A partir do momento em que não precisamos exclusivamente da natureza para extrair aquilo que é de nosso interesse, mas podemos produzir em um laboratório, um boom de novas substâncias, destinadas a infinitos propósitos, surge.

Apesar da banalização na administração de muitos compostos, para se chegar a um uso racional, pautado em drogas purificadas e dosadas adequadamente, o caminho é quase sempre longo e muitas vezes complexo. Na eletiva High, oferecida para a 2ª série do Ensino Médio, algumas etapas dessa estrada são percorridas pelos alunos, de modo a compreender sua complexidade e as responsabilidades envolvidas quando falamos da utilização de certas substâncias pelos seres vivos, humanos ou não.

Um dos aprendizados passa pela conscientização da importância dos conhecimentos adquiridos pelos povos tradicionais. Muitas das moléculas usadas pela sociedade moderna têm seu berço em estudos de farmacognosia, um ramo das ciências farmacêuticas que se dedica a conhecer as riquezas naturais (animais e vegetais) já exploradas tradicionalmente por diferentes culturas. Em adição, os alunos refletem sobre os passos dados a partir dessas informações originais até um produto comercializado: estuda-se a química dos compostos, suas propriedades, as técnicas de purificação e administração. Durante as aulas, conceitos como toxicidade, efeitos colaterais e dosagem são abordados, tanto do ponto de vista químico quanto biológico.

Aula após aula, os alunos passam a atribuir significados concretos a termos já conhecidos, mas sobre os quais, até então, não se ocupavam de uma reflexão profunda. Aprendem desde a interpretar bulas de remédios até como tais medicamentos interagem com o nosso organismo para atuar exatamente no local ao qual são destinados. Questões até então intrigantes como “como o Dorflex sabe onde está a dor?" ou ”café realmente vicia?" tornam-se objetos de estudo. Buscando tornar as aulas atualizadas, reflexões sobre temas que ganharam notoriedade na mídia durante o ano, como a utilização massiva do Vape, são incorporadas nas discussões em sala de aula.

Em dois momentos distintos, foram apresentadas aos alunos as substâncias químicas consideradas ”drogas” para os seres humanos, e, posteriormente, para o meio ambiente. Desta forma, o contexto histórico-social do surgimento das drogas foi explorado. Que modificações na sociedade e no modo de ocupação do planeta criaram a demanda por este dito arsenal? Por que usamos calmantes ou remédios para concentração? Por que tantos defensivos agrícolas? Precisamos mesmo de plástico? E de armas químicas? Existem alternativas químicas que sejam mais viáveis ambientalmente?

Os alunos foram imersos a toda essa gama de questionamentos, informações e discussões, sempre fundamentados para introduzi-los à realidade sobre as substâncias químicas. Entretanto, o foco não é reforçar o que já está dado, mas, sim, descobrir aquilo que ainda não se conhece. Para isso, todo o processo avaliativo se desenvolveu com o emprego de metodologias ativas como o PBL (Problem based learning) e aulas experimentais investigativas, possibilitando que os alunos desenvolvessem papéis fundamentais em seus próprios processos de ensino-aprendizagem, pois o objetivo esteve, justamente, em transpor todo o conhecimento difundido e carregado durante as aulas para outras áreas de suas vidas. Ao serem expostos aos estudos de caso, criou-se uma realidade diferente em que os alunos eram os atores principais, onde, para as resoluções, desenvolveram habilidades de argumentação, discussões e pesquisas direcionadas, consequentemente permitindo uma formação mais completa dentro das possibilidades, seja como estudantes, seja como cidadãos.

Como bem disse Montserrat Moreno, “é preciso retirar as disciplinas científicas de suas torres de marfim e deixá-las impregnar-se da vida cotidiana, sem que isso pressuponha, de forma alguma, renunciar às elaborações teóricas imprescindíveis para o avanço da ciência" (1997, p. 35). Desta forma, com a utilização de temas transversais, muitos conceitos, considerados primordiais para uma formação acadêmica, foram discutidos de maneira descontraída e dando à importância de conhecê-los um sentido real aos alunos.

Assim, durante o andamento das aulas, percebemos que o termo "droga" como sinônimo de entorpecente ilegal foi se diluindo, e novos significados foram sendo adicionados a essa palavra que, em última instância, é sinônimo de composto químico com atividade nos seres vivos ou no ambiente.

O desenvolvimento histórico das drogas, assim como muitos outros temas, não foi construído apenas de resultados positivos para a humanidade, e, por mais difícil que seja encarar alguns fatos, a premissa de High sempre foi apresentar a realidade sobre o mundo dos compostos químicos, o contexto em que surgiram, como eram utilizados e até que ponto eram benéficos ou não, pois, por mais nocivos que tenham sido os efeitos de algumas substâncias, elas foram essenciais para que, na atualidade, muitos benefícios fossem alcançados, e, mais ainda, para que aprendêssemos com os erros do passado e, por consequência, compreendêssemos que decisões atuais sobre os produtos químicos que farão parte da nossa vida devem ser tomadas de maneira consciente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

MORENO, Montserrat. Temas transversais em Educação: Bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998.

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