Diálogos • Revista da CIP

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JUN • JUL 2016 IYAR • SIVÁN • TAMUZ 5776

REVISTA DA CIP

APRENDER E MUDAR O MUNDO O estudo como ferramenta para o Ticun Olam


CAMPANHA ÁRVORE DA VIDA

No ano de comemoração do 80º aniversário da CIP, homenageie sua família e amigos gravando seus nomes nas folhas da escultura Etz Chaim que fica no hall da Congregação.

Saiba como: www.cip.org.br/arvoredavida


PRESIDÊNCIA

Educação e igualitarismo Começamos o ano de 2016 com um importante direcionamento estratégico da CIP em direção ao igualitarismo. O Conselho Deliberativo da entidade votou por abrir a CIP à participação integral da mulher e dar a elas a opção de realizar todas as mitsvót religiosas. Na CIP, o processo de igualitarismo vem evoluindo há algumas décadas e começou pelos jovens, que não fazem distinção de gênero nas colônias e machanót. Agora, a partir dessa nova abertura, os rabinos da Congregação irão gradualmente integrar as mulheres ao espaço da sinagoga e das rezas. A CIP segue uma tendência judaica mundial: o movimento conservador é majoritariamente igualitário, e o reformista, totalmente. Já é possível, inclusive, encontrar comunidades ortodoxas que trabalham com a igualdade de gênero. É importante dizer que a Congregação está sendo coerente com as mitsvót que já são praticadas em seu dia a dia: a entidade não diferencia homens e mulheres nos direitos individuais, no tratamento ou na educação, e precisa manter-se coerente em seu rito. O Ticun de Shavuót da Congregação, que será realizado no dia 11 de junho, terá como um dos principais temas o igualitarismo e a coerência comunitária. Participe, discuta e entenda melhor o caminho que a CIP está tomando. Aproveito para informar que os serviços religiosos das Grandes Festas continuam com o mesmo formato. Entendemos que os frequentadores da Antônio Carlos gostam do formato atual, assim, as principais mudanças ocorrerão nos serviços do São Luiz. Em breve terá início o processo de reserva de lugares para Rosh Hashaná e Iom Kipur, e reforço aqui a importância de seguirmos as normas de segurança no que diz respeito à lotação dos espaços – o que nos obriga a solicitar os convites para o acesso às rezas. Este ano, por voltar a vender as cessões plurianuais (sete anos), a CIP está reorganizando os lugares das famílias que assim o quiserem. Entre em contato o quanto antes. A renda destas cessões será investida em reformas patrimoniais muito necessárias e no endowment de nossa instituição. Finalizo contando que no último mês de março a Congregação concluiu o processo de transferência da casa onde funcionava o antigo setor ortodoxo da kehilá (na Ministro Rocha Azevedo) para o Ten Iad. A instituição, que já vinha ocupando a casa em forma de comodato provisório há 15 anos, agora o faz de forma permanente. É importante que a nossa comunidade mantenha sempre uma visão maior, buscando a racionalização de esforços e patrimônio em busca da causa maior. SÉRGIO KULIKOVSKY • PRESIDENTE

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EDUCAÇÃO: A MUDANÇA CONSTANTE DO ADULTO Educação não é apenas o que faz a professora no Jardim da Infância, nem na aula de geografia da terceira serie, nem na aula de matemática avançada na faculdade de engenharia. Não é apenas o que fazem os pais quando explicam algo do funcionamento físico ou social do mundo aos filhos, ou quando mostram como eles devem sentar à mesa e segurar os talheres. Educação é o que determina como escolhemos nossas ideias políticas, nossos valores éticos – os que temos e os declaramos ter –, e como olhamos e consideramos aqueles que tem outras ideias e outros princípios. Educação é o que nos permite mudar nosso modo de agir quando algo nos irrita, nos dá medo ou entristece. É o que nos permite descobrir capacidades ocultas e potenciais inéditos dentro de nós. Educação é o que nos permite ser mais e melhor. Transformar desejos e ideais em realidade, no mínimo dentro de nós. Nesse sentido, a educação acontece muito mais fora da sala de aula do que dentro dela, e por muito mais tempo do que na infância e na adolescência. Só que nem sempre é consciente nem escolhida. Muitas vezes abandonamos nossa educação por modas, inércias e publicidades. Por essa razão, afirmamos aqui reiteradas vezes que acreditamos que este é o grande foco da CIP de hoje: a educação. Como ferramenta de transformação e aprimoramento de tudo, e como forma de viver a essência do judaísmo. No sábado 11 de junho, mais uma vez receberemos a Torá na festa de Shavuót. Sim, receberemos, não apenas lembraremos a história da entrega no Monte Sinai. Receberemos de novo, renovadamente, com novos questionamentos e novas interpretações. Aproveitaremos para nos reeducar e transformar. O tema do Ticun deste ano será o desafio de integrar nossas supostas coerências, nem sempre coerentes, entre ideias, ideais, condutas e possibilidades. Na política, no judaísmo, no lugar que estamos realmente dispostos a dar aos valores do igualitarismo. Nos desafios e dificuldades. Esperamos por vocês. Rabino Ruben Sternschein

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PRESIDENTE Sérgio Kulikovsky RABINATO Michel Schlesinger Ruben Sternschein VICE-PRESIDENTE INSTITUCIONAL Tatiana Heilbut Kulikovsky

A Congregação Israelita Paulista dá as boas-vindas a seus novos associados. • Andrea Paula Picherzky e Paulo José De Siqueira Tine • Clarissa Spiguel • Claudia Chelminski e Leonardo Chelminski • Claudia Rytenband e Mauro Rytenband

DIRETORA DE MKT E COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL Laura Feldman

• Cristina F. Zeitel e Biro Ernesto Zeitel

COLABORADORES DESTA EDIÇÃO: Ana Karlik André Wajnberg Andrea Kulikovsky Andréia Hotz Débora Sór Deby Grinberg Carmen S. Carvalho Michel Schlesinger Ruben Sternschein Sergio Kulikovsky Theo Hotz

• Debora Sejtman

EDITORA E JORNALISTA RESPONSÁVEL Andréia Hotz (MTB 61.981) MARKETING Simone Rosenthal PROJETO GRÁFICO JAM Design FOTOS Arquivo CIP e Shutterstock Esta é uma publicação da Congregação Israelita Paulista. É proibida a reprodução total ou parcial de seu conteúdo. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião da CIP. FALE COM A CIP PABX: 2808.6299 cip@cip.org.br www.cip.org.br Administrativo/Financeiro: 2808.6244 Comunicação: 2808.6228 Diretoria: 2808.6257 Escola Lafer: 2808.6219 Juventude: 2808.6214 Lar das Crianças: 2808.6225 Marketing: 2808.6247 Rabinato: 2808.6230 Relacionamento com o associado: 2808.6256 Serviço Social: 2808.6211

• Daniela Raquel De Rogatis • Gladis Maria Coen e Geraldo Coen • Kelly Paulino Venâncio e Carlos Alberto Heilmann • Kim B. Matalon • Lia Shinozaki Kagan e Henrique Kagan • Luciana Kirschbaum Jungman e Daniel Jungman • Maria Beatriz Brigido Douek e Edwin Douek • Maria Elisabeth Ratzersdorf e Eunézio Antonio De Souza • Marília Tereza De Arruda Fattori e Rafael Liberman • Natalia Goldenberg e Marcelo Muller • Nathalia de Paula Assis e Fabio Faerman • Patricia Somesato Alperovitch e Eduardo Alperovitch • Priscila Schonenberg e Philip Scheinberg • Rosana Chamlian Frajzinger e Marcelo Frajzinger • Silvia Kossoy Krause e Henrique Gargiulo Krause • Stephania Raicher e Gabriel Schiriak • Susana Wagon Widman e David Mauro Widman • Sylvia Vaie De Lacerda e Thiago Lacerda • Tamara Sejtman • Tania Novinsky Haberkorn e Michel Carlton Boyington • Tatiana Gorenstein e Dov Hamoui • Valeria Maia Merzel e Marcos Merzel BRUCHIM HABAIM

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LAR DAS CRIANÇAS Aprender e mudar o mundo POR Carmen S. Carvalho

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AÇÃO SOCIAL Tecnologia e qualidade de vida na terceira idade POR Débora Sór

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RABINATO Educação é Ticun: transformação e renovação permanentes POR Ruben Sternschein


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RABINATO Baruch Sheassani ishรก Bendito seja aquele que me fez mulher POR Michel Schlesinger

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ENSINO Serรก o verdadeiro reino divino neste mundo POR Andrea Kulikovsky

e mais... 8 9 11 28

MENSAGEM CULTO ACONTECE JUVENTUDE


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MENSAGEM

EDUCAÇÃO JUDAICA PARA A VIDA POR Deby Grinberg e André Wajnberg

Perguntaram-se os sábios do Talmud: o que é mais importante, o estudo da Torá ou a ação? Depois de vários e vários e debates rabínicos, eles determinam que o estudo é mais importante, já que ele leva à prática. Como a teoria pode levar a prática? Como o estudo da Torá pode impactar uma ação judaica que faça a diferença, que gere uma transformação social? O estudo, diferente da ação, mexe com o intelectual. Mas toca também o espiritual. A ação, para ser significativa, precisa ter uma base ética, de valores. Se não, terá grandes chances de se tornar uma ação vazia, automática, e de terminar nela mesma. Um estudo comprometido e crítico é o estudo que renova, ressignifica.Traz novas perguntas e múltiplas respostas, assim como são inúmeras também as pessoas que estudam e procuram criar suas próprias respostas. Para que uma ação seja consistente e coerente com o que somos, devemos poder incorporar valores, compreender a essência da justiça e sentir nossa responsabilidade. Isso nos leva ao entendimento que somos parte de um todo maior e devemos fazer a nossa parte. O judaísmo nos inspira a atuar dando sentido ao que fazemos. Inspira nosso espírito e nos obriga a estar em movimento. Movimento é transformação, e transformação exige ação. Neste caminho, acreditamos que tanto no Ensino como no Departamento de Juventude da CIP cada criança e cada jovem tem que beber das fontes tradicionais e modernas do judaísmo. Para que sejam instigados a escolher e construir sua identidade como judeu e mulher ou homem do mundo. Uma identidade judaica coerente que os leva a respeitar o outro, cuidar da natureza e lutar por uma sociedade e um mundo mais justos. Isso é Ticun Olam: uma educação judaica para a vida.

O casal Grinberg Wajnberg está de férias e retorna em seguida a Israel após cinco anos no Brasil.

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CULTO

SERVIÇOS RELIGIOSOS DA CIP MANHÃ de segunda a sexta-feira às 8h aos sábados às 9h30 aos domingos e feriados às 8h30 NOITE de domingo a sexta-feira às 18h45 sábados: 16h30 no dia 4 de junho; e 17h nos dias 11, 18 e 25 de junho, assim como nos dias 02, 09, 16, 23 e 30 de julho SHABAT ÀS SEXTAS: Cabalat Shabat e Arvít com prédica às 18h45 na sinagoga Etz Chaim Shabat Ieladim às 18h45 para crianças Cabalat Shabat com prédica às 18h45 na sede do Lar das Crianças da CIP nos dias 03 e 17 de junho AOS SÁBADOS: Shacharít às 9h30 com leitura da Torá e prédica na sinagoga Etz Chaim Shacharít Neshamá às 9h30 participativo e igualitário na Sinagoga Pequena com leitura e estudo da Torá

JUNHO

LEITURA DA TORÁ 04 Bechucotái (Shabat Mevarchím) 11 Bamidbar 18 Nassó 25 Behaalotechá

JULHO

02 Shelách Lechá (Shabat Mevarchím) 09 Côrach 16 Chucát 23 Balác 30 Pinchás (Shabat Mevarchím)

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Chevra Kadisha A CIP está pronta para ajudar as famílias neste momento tão doloroso da perda de um ente querido, cuidando de todas as providências e detalhes burocráticos e religiosos. Plantão permanente: entre em contato com Sérgio Cernea pelo tel/fax 3083.0005, cel. 99204.2668, ou email: chevra@cip.org.br.

FALECIMENTOS Seporah Beres Lederer em 04/jan aos 94 anos Claudia Sznifer Kurbet em 23/jan aos 50 anos Ernesto Hermann Simon em 27/jan aos 88 anos Emilio Ipaves Cruz em 27/jan aos 55 anos Rachel Feldmann em 28/jan aos 63 anos Clara Newman em 30/jan aos 92 anos Adolpho Cohen em 11/fev aos 94 anos Carlota Rochheimer de Thalheimer em 12/fev aos 73 anos Frajda Korenfeld em 25/fev aos 91 anos Eva Sachsmann em 16/mar aos 90 anos Haydee Blay Wagon em 28/mar aos 78 anos Doris Emilie Gerda Freund em 19/abr aos 95 anos Sonia Schlomovitsch em 23/abr aos 97 anos Martha Rzezak em 24/abr aos 71 anos Ala Gartner em 26/abr aos 89 anos


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Você sabia ...

POR Theo Hotz coordenador do Depto. de Culto e baal corê

Você sabia que um judaísmo igualitário já existia há 545 anos? “Bendito é Deus que não me fez mulher”.Tradicionalmente se explica esta bênção com o fato de que, como a lei judaica isenta as mulheres do cumprimento de certas mitsvót, os homens deveriam agradecer pela oportunidade de cumprir mais mitsvót do que as mulheres. No entanto, essa bênção acabou transmitindo a ideia de que o judaísmo era apenas para os homens. No sidúr da CIP homens e mulheres rezam “Bendito é o Eterno que nos fez à Sua imagem”. Mas essa questão não apareceu só na atualidade nem foi levantada apenas pelos judeus progressistas. Em 1471, o rabino italiano Avraham Farissol

atendeu ao pedido de um noivo que desejava presentear sua noiva com um sidúr. Ele achou que a bênção “que não me fez mulher” poderia ser ofensiva e compôs a seguinte versão feminina para a brachá: Barúch Atá Adonai Elohêinu Mélech haOlám, sheassitáni ishá, veló ísh – Bendito é o Eterno que me fez mulher, e não homem. O rabino estava distante em séculos do feminismo, mas já se preocupava com uma linguagem que colocava a mulher em posição de inferioridade em relação ao homem. Será que o judaísmo italiano já era progressista no século 15?

MAZAL TOV BRIT MILÁ Rafael Worms Sciama SIMCHÁT BAT Helena Langer Luisa Gelman Keren Sznifer Luisa Zemel Bitelman Rafaela Fucs Laura Pessolato Efraim Nicole Fischer Figueiredo SIMCHÁT BEN Daniel e Gabriel Bitelman Vilela BAT-MITSVÁ Fernanda Reis Ventura Lyla Tess Jospa Hannah Weiler

BAR-MITSVÁ Felipe Zanforlin Mautner Ian Venske Dvori Guilherme Goltsman Guilherme Reis Ventura Daniel Waismann Lara Nathan Lederman Davi Alcantud Luchs Borenstein Ariel Moss Ejzenbaum Rhavi Pessoa Mindlin Loeb Felipe Vila Real Neustein Victor Basil Bale Fabio Wagon Widman Luiz Ben Schalka Thomas Gelman Thiago Baldassarri Levin Amir Goldfajn

ANIVERSÁRIO DE BAR-MITSVÁ Guilherme Zymberg João Victhor Grun Jorge Bruno Lerner Sereno Michel Becker Haikewitsch André Rosenberg Bekerman Michel Wachslicht NOIVADO Stephania Raicher e Gabriel Schiriak CASAMENTO Renata Casoy e Steven Mariaschi Debora Regina Paiva e Nathan Weissman Mehlberg Elaine Cristina Babinski e Welisson Paim Karen Lerner e Michael Bursztein Nathalia Assis e Fábio Faerman Andrea Schwartz e Leonardo Zonenschein Priscila Goberstein Lerner e Fernando Forsait

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ACONTECE 1

Fotos: Eliana Assumpção

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1. e 2. Mais de 600 convidados acompanharam o tradicional Ato em Memória às Vítimas do Holocausto, realizado na sinagoga Etz Chaim da CIP com a presença de autoridades civis e religiosas. 3 e 4. Primeiro sêder de Tu biShvát da CIP, baseado no modelo criado pelos cabalistas lurianos da cidade de Safed no século XVI e que foi reformulado nas últimas décadas em Israel.

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Fotos: Eliana Assumpção

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Fotos: Eliana Assumpção

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5. e 6. O Cabalat Shabat especial pelos 80 anos da CIP reuniu cerca de mil e duzentos convidados, que foram recebidos pelas voluntárias do projeto Café veUgá em um lounge com buffet especial e música ao vivo. No hall da entidade foi montada a exposição CIP: 80 anos de histórias, com fotos e objetos que contam a trajetória e mostram o papel da instituição na comunidade judaica paulistana e brasileira. 7 e 8. A festa de Purim da Congregação teve desfile de fantasias e leitura lúdica da Meguilát Ester, rodas de conversa e debate sobre justiça social e o papel das mulheres na Meguilát, e mesas de desenho e confecção de máscaras para as crianças. 13

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ACONTECE • DIÁLOGOS 9

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9 e 10. As bnót-mitsvá 2016 da Escola Lafer e suas famílias participaram de um final de semana de integração, convívio social e familiar, e judaísmo no Campo de Estudos Fritz Pinkuss, em Campos do Jordão. 11. e 12. A CIP recebeu 50 participantes do Congresso de Shlichim da América Latina promovido pela Agência Judaica. Os jovens receberam uma rápida introdução sobre a história da CIP seguida de apresentação da sinagoga Etz Chaim e seus vitrais e, em seguida, participaram de um painel sobre os principais desafios atuais da Congregação e a relação de suas áreas de atuação com a realidade do Estado de Israel.

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Fotos: Pitty Nascimento

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Fotos: Eliana Assumpção

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13. e 14. O teatro Procópio Ferreira recebeu os amigos do Lar para a sessão fechada do musical Gilberto Gil – Aquele Abraço em benefício da entidade. 15. e 16. O projeto Dilemas Éticos debateu os limites do humor e contou com a participação de Cristiane Wersom, da série Olívias na TV; Renato Mezan, filósofo e psicanalista; Wellington Nogueira, do Doutores da Alegria; e o rabino Michel Schlesinger. 15

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Foto: Luciano Finotti

LAR DAS CRIANÇAS

Aprender e mudar o mundo POR Carmen S. Carvalho coordenadora pedagógica do Lar O objetivo do Lar das Crianças não é somente possibilitar que a passagem de cada um por aqui propicie um futuro pessoal que lhes garanta uma vida digna. É muito mais. O Lar acredita que só pela consciência social e responsabilidade coletiva a transformação da sociedade possa acontecer. Ter este objetivo significa escolher conteúdos e formas de desenvolvê-lo que possibilitem uma consciência crítica, a resolução dos conflitos de forma não violenta e a ação ética, responsável por seus atos. Os valores de respeito, solidariedade e gratidão norteiam e costuram as ações da entidade. Na grade de atividades foram introduzidos jogos cooperativos e atividades em equipe para todas as áreas. O objetivo foi fazer com que jovens e crianças aprendam a buscar objetivos comuns e percebam que apenas juntos eles podem ser conquistados. Filmes e conversas sobre a importância do outro permeiam as discussões. Uma sociedade ética só pode ser construída pela ação do conjunto de seus cidadãos. Perceber a corresponsabilidade para que o Lar das Crianças da CIP seja limpo, agradável

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de viver, que seja um espaço de aprendizagens múltiplas é trabalhar em nosso microcosmo o dever de cidadania no macro. O que afeta um, afeta o grupo todo.Todos pertencem ao mesmo ecossistema. No judaísmo, a prática do Ticun Olam, que basicamente significa lutar por um mundo melhor através do cumprimento de mitsvót e de ações que curem as enfermidades morais, sociais e econômicas universais, inspira o Lar para que seu cuidado e ações com os jovens e crianças “sejam multiplicadores de uma forma de pensar, conviver e agir responsável pela construção de uma sociedade mais justa.” O Lar das Crianças visa que cada um dos que passaram por lá seja uma semente que transborde em sua comunidade, que leve para todos os espaços por onde passe a cultura da não violência, do respeito por si, pelo outro, pelas leis e pela natureza, e que todo o conhecimento adquirido seja uma ferramenta potente para a construção de uma sociedade mais justa onde todos possam ter e viver com dignidade.


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AÇÃO SOCIAL

Tecnologia e qualidade de vida na

TERCEIRA IDADE POR Débora Sór coordenadora do Núcleo da Maturidade

Quem nunca teve dificuldade para manusear um novo aparelho celular ou tablet? E na hora de comprar um produto pela internet ou pagar uma conta pelo site do banco? É comum associar smartphones, redes sociais e aplicativos aos jovens, mas o avanço do mundo informatizado tem se tornado um grande desafio para todas as fases da vida. Algumas pessoas da geração 60+ ainda sentem receio deste bombardeio tecnológico e revelam dificuldades em entender essa nova linguagem. Mas o esforço por entender esse novo modelo de comunicação vale a pena, uma vez que a inclusão digital na terceira idade facilita a socialização com o mundo contemporâneo e favorece as relações familiares, sociais e profissionais, além de repercutir na qualidade de vida e auxiliar os estímulos cognitivos. Há catorze anos a CIP percebeu essa necessidade e in-

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cluiu um curso de informática nas atividades que oferece para a terceira idade. O criador do projeto e professor do curso, o voluntário Estevão Berger, de 87 anos, conta que a ideia surgiu nas conversas que tinha com amigos que diziam ter quase uma aversão à informática. O curso é divido em dois níveis: básico e avançado. O primeiro é voltado para quem não tem nenhum ou quase nenhum conhecimento sobre internet ou utilização de computadores, tablets ou smartphones. As turmas são pequenas, o que facilita o acompanhamento de cada aluno, e as aulas acontecem de forma gradual, dentro das expectativas e possibilidades de cada um. O programa inclui noções básicas sobre o sistema operacional Windows e o editor de textos Windows Word, e – o favorito dos alunos – navegação e pesquisa na Internet.


Segundo Cipora e Moyses Rubinsztejn, profissionais autônomos, o curso lhes deu oportunidade de estar melhor inseridos na sociedade. “Após o curso sentimos mais facilidade no contato com os clientes via email ou WhatsApp. O que aprendemos nos ajudou muito nos contatos profissionais e também na relação com nossos familiares”, contam. O curso avançado segue a mesma metodologia, mas é voltado apenas para quem já concluiu o curso inicial ou já possui algum conhecimento dos temas abordados no primeiro módulo. Também conduzido pelo professor Estevão Berger, o programa inclui noções sobre Excel, além de aprofundamento na utilização do Word e redes sociais. Para saber mais sobre a Ação Social da Congregação, visite a página www.cip.org.br/acaosocial ou entre em contato através do email acaosocial@cip.org.br.

O curso de informática para a terceira idade acontece às segundas e quartas-feiras na sede da Congregação.

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RABINATO

EDUCAÇÃO É TICUN: TRANSFORMAÇÃO E RENOVAÇÃO PERMANENTES

POR Ruben Sternschein rabino da Congregação

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Embora o termo “educação” seja associado geralmente a uma escola, a crianças e a professores, bem como a conteúdos como geografia, matemática e gramática, a educação é bem mais abrangente, pretensiosa e complexa. Uma das múltiplas definições diria que a educação é a arte de influenciar deliberadamente a fim de obter uma transformação. Nesse sentido, a educação não se remete a uma idade determinada, nem se limita a um espaço determinado ou a um conteúdo determinado. Tão pouco é exercida apenas por profissionais determinados. Pais educam filhos, mas também filhos educam pais quando se propõem a uma estratégia para conseguir transformação nas atitudes, nos valores, nos conceitos de seus pais. Assim também alunos educam professores, cônjuges se educam mutuamente, sociedades educam políticos, ministérios e escolas educam ministros. Workshops e retiros de reflexão, capacitação e meditação são formas de educação. Conversas, relacionamentos, terapias, vídeos, peças são propostas educativas.


Morton Mandel saiu das listas dos mais ricos dos EUA dos anos 1960 e 1970 quando decidiu dedicar grandes somas à filantropia educacional. Quando questionado por seus investimentos milionários em projetos educativos de alto nível destinados a políticos, empresários, e universidades inteiras, explicou: “Quando era criança e queria mudar o mundo, pensava que, para isso, deveria ser político. Quando cheguei a certo nível financeiro, entendi que os políticos dependiam dos ricos e determinavam suas políticas em função do dinheiro que daríamos ou não. Ou seja: eram os donos das grandes fortunas os que podiam mudar tanto ou mais do que os políticos. Finalmente conclui que as decisões que tomam ambos, políticos e empresários, dependem da educação que recebem. E não me refiro à aula de matemática, geografia ou economia na escola ou na universidade. Refiro-me especial e principalmente à educação permanente que recebem na experiência de trabalho. Invisto na educação, nessa educação, porque ainda quero mudar o mundo”. O renomado teórico de Educação da Universidade de Chicago, Joseph Schwab, estabeleceu que existem quatro commonplaces, ou fundamentos, imprescindivelmente sempre presentes e determinadores de toda educação e pensamento educativo. São: educadores, educandos, conteúdo e contexto. Ou: quem educa, a quem educa, o que ensina, e o onde-quando-como. A resposta para essas quatro perguntas é a base para qualquer análise educativa. Eu acrescentaria uma quinta: por que, para que, com qual propósito. O que se pretende com tal ou qual educação.

Revelações e renovações Em hebraico, a palavra para “educação” – chinuch – vem da mesma raiz que a palavra para “inauguração” e “renovação”. Como se o pensamento judaico, através da linguagem, indicasse que a educação é sempre uma renovação que inaugura uma e outra vez o educando e, talvez, o educador, o meio e o conteúdo também. De fato, os estudos judaicos tradicionais consistiram sempre em uma reinterpretação constante das sagradas escrituras com o intuito de revelar novas mensagens lá escondidas. Uma famosa passagem do Talmud de Jerusalém estabelece que “tudo que um aluno de sábio renovar no futuro diante de seu mestre já foi dito a Moisés no monte Sinai”. Ou seja: as Sagradas Escrituras entregues no Monte Sinai incluem mensagens ocultas que precisam da revelação renovadora que justamente os alunos providenciam aos mestres. A educação é uma troca de revelações e renovações. Ao mesmo tempo mestre, aluno e conteúdo são revelados e renovados no ato da educação. É por essa razão que a educação no judaísmo não se limita a uma idade, um momento ou a um contexto determinados. Todos devem estudar a vida toda. O mandamento denominado Talmud Torá (estudo) orienta que todos devem estudar sempre, diariamente. O estudo é uma forma de viver e de manter a vitalidade da alma. É uma maneira de continuar vivo, de escolher viver. O preceito de estudo constante é reconhecido no Talmud como aquele que inclui quase todos os outros preceitos, porque consegue conduzir a eles. O estudo é reconhecido também como uma forma de se perpetuar na vida após a morte, pois o impacto de termos estudado algo com alguém, seja como alunos ou como mestres, ou em ambas as situações simultaneamente, deixa uma marca eterna. Diferente do sábio grego, na tradição judaica mais antiga não existiam realmente os sábios. Os mestres chamavam a si próprios de aprendizes de sábios (talmidei chachamim). Aprendizes, inclusive com setenta anos. Sempre aprendizes. Sempre no caminho do aprimoramento e da transformação providenciados pela educação.

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A renovação constante de aluno e mestre no ato educativo pode ser comprovado também no método mais antigo e tradicional dos estudos judaicos: a chavruta. Trata-se de pares de estudantes que leem juntos o texto e o discutem. Uma vez um ensina, e na próxima, o outro. O Pirkêi Avót, tratado de sabedoria do século 3, sugere: “faz de ti um mestre, consegue um amigo”. Os colegas de estudo se tornavam amigos de vida. Duplas existenciais para enxergar o mundo. O fato de que todos deviam estudar e todos podiam ensinar e aprender implicava uma verdadeira democratização da educação e do saber. Todos podem estudar, todos tem o que ensinar, de todos podemos e devemos aprender. Tudo é transmissível a todos. O poder implícito no saber e no discutir o saber é outorgado a todos. A responsabilidade também. Assim, o mesmo tratado de sabedoria estabeleceu que sábio não é aquele que leu mais ou que decorou mais ou o que repetiu mais, e sim “aquele que sabe aprender de todos”. A educação é tão importante que o próprio Deus é reconhecido principalmente como um mestre, além dos profetas e patriarcas. Segundo a Bíblia, Deus é “um mestre que ensina a contribuir o bem e guia assim pelos trilhos que surgirem”. Essa contribuição do bem é necessária pois o mundo, assim como o homem, é definido no pensamento judaico como um ser imperfeito à espera de ser aperfeiçoado. O objetivo da criação, o sentido da existência, especialmente a humana, é justamente esse caminho de aperfeiçoamento constante, chamado ticun, quando se refere ao mundo ou a alguma situação ou contexto, e teshuvá, quando se aplica ao trabalho introspectivo do indivíduo.

“Educa o jovem segundo seu próprio caminho”

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Socialização, aculturação e individuação Tzvi Lamm, um dos professores de Filosofia da Educação mais renomados da Universidade Hebraica de Jerusalém, estabeleceu três correntes principais nas ideologias educacionais básicas: a educação como socialização, aculturação ou individuação. A primeira é uma educação que busca formar bons cidadãos que se apeguem às regras da sociedade mantendo seus costumes. Busca integrá-los desse modo e se perpetuar. O professor é o representante dessa sociedade, dessas regras, e quem as conhece e as passa aos jovens desprovidos desse conhecimento a fim de que as mantenham, assim como foram cumpridas pelos membros da geração anterior. Essa educação acontece principalmente na escola mais tradicional. A educação como aculturação busca transmitir valores e ideias, e não apenas conteúdos formais e regras. Ela acredita que, desse modo, os jovens se tornam membros de uma cultura que transcende sociedades e geografias e que compartilha crenças, costumes e valores. Os jovens podem também discutir esses conteúdos e acrescentar interpretações e modos de aplicação, pois, desse modo, justamente fortalecerão seu vínculo e pertencimento à cultura. Ao incorporar e se apropriar dos conteúdos da cultura, ao senti-los, se identificar, discuti-los e até mudá-los. O professor também aqui seria um conhecedor da cultura a ser passada, e um promotor dos valores, bem como um gerador de identificação e discussão de sua atualização e perpetuação. Essa educação acontece não apenas nas escolas, mas também nas celebrações, na vida mesmo, na prática de costumes, em casa.


Já a educação como individuação tem como objetivo o desenvolvimento do indivíduo. Não existem aqui conteúdos específicos obrigatórios ou necessários. Eles sãos apenas recursos e ferramentas para o desenvolvimento de habilidades intelectuais, emocionais, espirituais, artísticas ou técnicas. O educador não representa ninguém, nem precisa ser um especialista em nenhum conteúdo. É apenas um facilitador que pode abrir portas através de conteúdos ou dinâmicas diversas. Esta educação pode acontecer em inúmeros contextos, mas não em uma escola estruturada e rígida demais, que inibe o desenvolvimento da unicidade do indivíduo. Educação e essência De volta para a educação como forma de mudar ou consertar o mundo, poderíamos ver nas três ideologias esse objetivo através de três premissas diferenciadas. A educação como socialização acredita que a manutenção das regras sociais a partir da geração de cidadãos é a forma de consertar o mundo. Os problemas do mundo estariam na falta de aplicação dessas regras e nos limites dessa sociedade. A educação como aculturação acredita que a preservação dos valores da cultura especifica incorporando-os na psique e nas discussões existências dos membros será o caminho de mudar e aprimorar o mundo. Pois são esses valores, essas crenças e esse sistema de apropriação e atualização que apurará o mundo e o homem. A educação como individuação, também acredita nela como meio para aprimorar o mundo, mas não através da perpetuação de um poder, de um sistema, conteúdo ou cultura. Não através de uma sociedade determinada ou de uma civilização determinada. É através da democratização do direito a ser único de cada um, desenvolvendo a maior e melhor versão possível de cada indivíduo que o mundo alcançará sua melhor forma. Em Provérbios, a Bíblia estabelece o ditado: “educa o jovem segundo seu próprio caminho”. Em outras palavras: educação verdadeira só existe onde é possível descortinar a própria essência individual e única do educando. Voltando aos commonplaces de Schwab, na tradição judaica se educa todo mundo, ensina todo mundo. O conteúdo é apenas ferramenta e desculpa de transformação do lugar no mundo e dos relacionamentos, e o contexto é a vida toda. Todo lugar e todo momento pode ser apto para a educação acontecer. É observar a vida toda através de textos e conteúdos. É se espelhar neles para se revisitar e aperfeiçoar constantemente ao tempo que os próprios conteúdos, os outros indivíduos e o tecido de relacionamentos entre eles se aprimoram também mediante a educação.

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ESCOLA LAFER

Será o verdadeiro reino divino neste mundo POR Andrea Kulikovsky diretora de Ensino O conceito mais moderno e conhecido de Ticun Olam é o de “reparar o mundo” através de ações. A responsabilidade humana de mudar, melhorar, concertar o entorno de cada um é poderoso, e implica que cada pessoa tem em suas mãos a responsabilidade de trabalhar para a melhora não só da própria existência, mas também da vida daqueles que estão em alguma desvantagem, bem como do mundo para as próximas gerações.Ticun Olam força as pessoas a se apropriarem do seu mundo. São elas, e não Deus, que levarão o mundo de volta a seu estado de santidade. A questão é como ensinar um conceito tão profundo e poderoso para crianças e jovens? Como conectar esta geração, nascida na era digital, a seu entorno humano, à terra, aos animais, às questões sociais? A resposta é imediata: falar a linguagem deles, fazer com que o mundo digital os leve para o mundo real, e mostrar que ações podem ser divertidas e significativas. Com essa ideia em mente, a Escola Lafer está colocando em prática um projeto chamado Play the Call (www.playthecall.com.br): um game jogado pelos alunos sob o olhar de um game master (que no caso são os morim e madrichim do Ensino) e com auxílio de um mentor, em que desafios são lançados e os jogadores precisam encontrar soluções para o mundo real. A cada nível, o desafio é lançado em ambientes maiores: primeiro a sala de aula, depois a casa, a CIP, o bairro, a cidade. Assim o espectro de atuação do jovem vai crescendo e ele vai entendendo o poder transformador que tem.

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Em uma outra ação, a Lafer trabalha uma parte importante do judaísmo: a história, a lembrança do passado. Como parte do projeto Remember us (www. remember-us.org), mantido pelo Museu do Holocausto de Los Angeles, os alunos são convidados a solicitar o nome de uma criança que foi morta durante o Holocausto antes de ter feito Bar ou Bat-mitsvá. Sua lembrança é levada ao longo do processo de preparação e uma homenagem a ela é realizada na cerimônia ou na festa de Bar ou Bat desses jovens. A partir desta iniciativa, o Ensino da CIP trabalha o conceito de Shoá, a relação com a morte, a necessidade de honrar aqueles que se foram, e a influência que a história do povo judeu tem na vida de cada aluno. Mas o Ticun Olam não é feito somente de grandes projetos. Pequenos atos cotidianos podem gerar grandes mudanças. Por isso, sempre que possível a Escola Lafer inclui em sua programação eventos e atividades com este propósito. Em 2015, os alunos da Escola foram a um encontro do Café Europa – ação da Agência Claims mantida no Brasil pela UNIBES e que tem por objetivo reunir sobreviventes da Shoá para celebrarem a vida. Os alunos prepararam um jogo especial para animar o encontro e, também em parceria com a UNIBES, participaram da exposição Diálogo no Escuro e na sede da instituição, quando fizeram uma atividade sobre inclusão de portadores de deficiência. O mundo e o meio ambiente também são constantemente lembrados nas ações do Ensino. Uma iniciativa já tradicional é o plantio de uma muda de árvore na sede social da CIP em Campos do Jordão a cada viagem dos bnei e bnót-mitsvá e suas famílias. O ensino do plantio de ervas aromáticas em garrafas pet para os alunos de Ktanim (4 a 10 anos) por ocasião de Tu biShvát também é um exemplo dessa proposta. A partir de grandes e pequenas ações, com questionamentos cotidianos e sempre abertos a novas possibilidades, a equipe pedagógica da Escola Lafer ensina a seus alunos que eles são capazes e têm o poder de fazer a diferença. Essa é maneira com a qual o Ensino contribui para a reconstrução do reino divino neste mundo, como rezamos no Alêinu: Letakên olam bemalchút Shadai.

Acima: aluna do Ktanim em atividade de Tu biShvát; à esquerda: grupo da Lafer que participou do encontro do projeto Café Europa; e à direita: alunos em visita à exposição Diálogos no Escuro.

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RABINATO

BARUCH SHEASSANI ISHÁ Bendito seja Aquele que me fez mulher POR Michel Schlesinger rabino da Congregação Qual o comportamento que devemos adotar quando um texto clássico não reflete mais nossa realidade? Assim está escrito no Talmud Babilônico, tratado de Manachot, 43b:“(...) Rabi Meir costumava dizer: um homem está obrigado a dizer as seguintes três bênçãos diariamente: que me fizeste israelita (israel), que não me fizeste mulher (ishá), que não me fizeste ignorante (bur)”. Com base nesta passagem, os rabinos instituíram três bençãos que deveriam ser recitadas todas as manhãs: “Bendito seja Deus que não me fez um goi (gentio), um aved (escravo) e ishá (mulher)”. Polêmica Até pouco tempo atrás, as mulheres não tinham voz na arena pública. Não votavam, não trabalhavam fora de casa, viviam para servir seus maridos e seus filhos. Suas opiniões não eram consideradas em assuntos externos ao lar. Consequentemente, este status estava refletido no âmbito religioso. Por este motivo,

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segundo Rachel Elior, professora da Universidade Hebraica de Jerusalém, a brachá “Que não me fez mulher” deve ser lida no contexto de uma sociedade patriarcal na qual a mulher era totalmente segregada dos assuntos religiosos e públicos. Na época do Talmud, as mulheres pertenciam a seus maridos e sua função era servir seus esposos, que recitavam a benção “Abençoado seja Deus que não me fez uma mulher” todas as manhãs, depois da benção “Abençoado seja Deus que não me fizeste um escravo”. De acordo com Judith Hauptman, estudiosa do Talmud e feminista, esta benção representa “o ritual judaico mais sexista” por expressar “uma postura desrespeitosa em relação à mulher”. Para ela, é muito provável que as pessoas costumassem dizer esta frase antes mesmo dela ter se tornado uma obrigação diária. Justificativas Na medida em que as mulheres começaram a frequentar as sinagogas, essa benção começou a se tornar um incômodo


aos próprios homens que a recitavam. Desta maneira, muitos pensadores judeus, inclusive mulheres, ao longo de diversas gerações, tentaram justificar a oração “Que não me fez mulher” de diversas maneiras. Muitas opiniões e maneiras de enxergá-la perduram por séculos. Em seu comentário ao Talmud, o rabino Samuel Eliezer Ben Judá HaLevi Edels (1555-1631), conhecido como Maharsha, já no século 14 analisou e justificou a brachá da seguinte maneira: tanto homens como mulheres têm vantagens. O grande número de mandamentos que os homens devem cumprir traz o risco de severos castigos caso não sejam observados. As mulheres não têm os mandamentos, mas também não correm o risco de receberem os castigos. Turei Zahav, comentarista do Shulchan Aruch, código de leis escrito no século 16, explicou a formulação negativa da benção como uma forma de expressar o fato de que ser mulher é muito bom, mas ser homem é um mérito ainda maior. O rabino Munk, já no século 20, sugeriu que Deus confia mais em mulheres do que em homens, e por este motivo o homem deve cumprir mais mandamentos, garantindo assim o cumprimento de sua missão divina. A partir do Iluminismo Judaico, nos séculos 18 e 19, mesmo a literatura ortodoxa viu-se compelida a lidar com esta questão. Nesta época, o rabino Samson Raphael Hirsch afirmou que “Que não me fez mulher” não é uma oração dos homens agradecendo a Deus por não terem nascido mulher, mas uma afirmação alegre de aceitação da grande responsabilidade de contemplar corretamente as várias obrigações impostas a eles. Hirsch justificou a oração citando uma suposta superioridade das mulheres em relação aos homens, pois, segundo ele, as mulheres foram criadas com discernimento e entendimento superiores aos dos homens, o que ele chamava de bina ieterá (sabedoria extra). Segundo ele, os homens precisam cumprir os mandamentos para atingirem um nível alto de espiritualidade, enquanto as mulheres podem continuar fazendo suas tarefas cotidianas e naturalmente atingem aquele nível. Além de Hirsch, o rabino Joseph Herman Hertz e Steinzaltz, no século 20, chamam a atenção para o mérito do cumprimento das mitsvót. A pensadora Lisa Aiken acredita que as mulheres dependem de sua “intuição e valores internalizados para manter uma perspectiva correta do que Deus realmente quer”. Ao mesmo tempo, homens têm obrigações religiosas para organizar suas vidas. Portanto, é muito mais fácil para um homem confrontar suas inclinações negativas do que para uma mulher. Por este motivo, os homens agradecem a Deus por facilitar suas vidas não os tendo feito mulheres. Lisa compara o papel do homem ao dos soldados rasos e ao das mulheres a generais. Na visão dela, homens

receberam de Deus uma estratégia detalhada para suas batalhas diárias contra as tentações, e as mulheres precisam desenhar suas próprias estratégias utilizando sua “intuição e inteligência”. Joseph Tabory, professor da Bar-Ilan University, relata ser agradecido a Deus por não ter nascido mulher. Segundo ele, as mulheres sofrem muito preconceito e violência em nossa sociedade, portanto, esta indesejável benção infelizmente ainda é relevante e precisa ser dita. Alternativas Ao invés de justificar, outros autores e autoras propuseram mudanças na brachá, na forma de recitá-la ou até mesmo apagá-la da liturgia. No século 19, judeus europeus começaram a ficar mais preocupados com a repercussão da benção, não se sentiam à vontade com sua presença nos sidurim. Muitas comunidades decidiram apagar as palavras de seus livros de reza ou mantê-las em hebraico, mas eliminando a sua tradução para a língua local. Aaron Worms, rabino-chefe da França, mesmo não sendo um reformador da religião opôs-se ao texto tradicional em função da “vergonha pública das mulheres”. Na opinião do Rabbi Yehuda Henkin, seria apropriado trocar a bênção tradicional por Shelo assani mitbolel – que não me fizeste um judeu assimilado” ou Shelo assani chiloni – que não me fizeste um judeu secular”. Segundo ele, a passagem do Talmud que se refere às três bençãos deve ser compreendida como um regramento genérico. Existe uma citação na Tossefta, que é uma coletânea de material religioso produzido na época da Mishná, que diz que devemos recitar três bençãos. Por este motivo, menos importa quais são elas, mas sim a sua quanti-

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dade (três). Esta é também a maneira como Tabory entende a questão. “Uma pessoa deve rezar uma benção tripla, mas se o texto não for apropriado, pode ser mudado, deste que a estrutura tríplice seja mantida”. Alguns livros de oração do século 19 trazem uma alternativa para homens e mulheres dizerem “Que me fez conforme a Sua vontade”. Moshé Benovitz, professor do seminário rabínico Schechter, em Jerusalém, acredita ser difícil mudar o texto da benção uma vez que foi aceito e estabelecido pelo Talmud. Com o objetivo de enfrentar a falta de conforto ao recitar esta benção, ele decidiu manter o texto original e mudar sua intenção. Quando o professor Benovitz diz “Que não me fez mulher”, ele pensa que está, na realidade, dizendo “Que me fez Sua mulher”. Isto é possível porque as palavras hebraicas “não” e “Sua” têm grafia diferente, mas mesma pronúncia (lo). Segundo essa leitura inusitada, os homens agradeceriam a Deus todos os dias por fazer deles Suas esposas. Em muitas comunidades, tornou-se costume dizer a brachá “Que não me fez mulher” em voz baixa. De acordo com o rabino Joel B. Wolowelsky, “um ajuste modesto” precisa ser feito na prática sinagogal atual, e a brachá Shelo assani isha deveria ser dita em silêncio. Sua sugestão baseia-se na “sensibilidade ao aumento da participação da mulher na sinagoga”. Judaísmo não é uma religião igualitária, ele diz. Cohanim, leviim, israelim, homens e mulheres continuam tendo obrigações legais distintas. “Que me criaste para serví-Lo” substituiu as três bençãos negativas no sidur publicado em 1854 por Abraham Geiger (1810-1874), pai do Movimento Reformista. No judaísmo ortodoxo, foi Abraham Berliner (1833-1915) quem propôs a benção “Que me fizeste um israelita” no lugar das três brachót clássicas. Contudo, ainda hoje, em muitos sidurim ortodoxos a benção “Que não me fez mulher” é mantida. Segundo o intelectual C. G. Montefiore, “nenhuma apologia judaica moderna poderá alterar o fato de que a atitude dos sábios em relação às mulheres era muito diferente da nossa. Nenhuma apologia poderá modificar

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as implicações da benção diária que o judaísmo ortodoxo ainda não teve coragem de remover de seu livro de rezas (...)”. Tanto no sidur Sim Shalom, do Movimento Massorti/ Conservador nos Estados Unidos, quanto no israelense Vaani Tefilati, a brachá “Que não me fez mulher” foi substituída pela formulação positiva Sheassani betzalmo – que me fez à Sua imagem. Contudo, eles dão diferentes justificativas para esta formulação. No comentário ao sidur norte-americano, o rabino Reuven Hammer explica que esta frase foi adotada para evitar mal entendidos. Ele também afirma que a benção original foi utilizada em diversos formatos ao longo da História, e que a versão utilizada no Sim Shalom está baseada em um fragmento encontrado em uma guenizá (depósito para descarte de escrituras e objetos sagrados) que diz: “Que me fizeste um homem e não um animal, um homem e não uma mulher, um israelita e não um não judeu, circuncidado e não um incircunciso, livre e não um escravo (...). Bendito sejas Tu (...) que criou o primeiro homem em Sua imagem e Sua semelhança”. Já os responsáveis pelo sidur israelense afirmam que a frase se justifica por existir uma versão talmúdica que substitui a brachá negativa (“Que não me fez”) pela formulação positiva “Que me fizeste à Sua imagem”. Segundo eles, desta variação é uma tradição dos judeus italianos e pode até mesmo ser encontrada entre alguns grupos asquenazitas na Idade Média. O Gaon de Vilna, no século 18, legislou a favor da redação positiva das bençãos. Também o Movimento Reformista adotou a versão “Que me fizeste à Sua imagem” em seus livros de reza. “Que me fizeste à Sua imagem” baseia-se em um versículo bíblico assim como a maioria das orações tradicionais. Esta benção nos define sem negar ou discriminar ninguém. Afirma nossa condição de forma positiva sem deixar espaço para mal-entendidos. Que Deus nos conceda a coragem necessária para que nossas brachót reflitam os desejos sinceros dos nossos corações.


JUVENTUDE

TICUN OLAM DE DENTRO PARA FORA POR Ana Karlik coordenadora de projetos da Juventude A Juventude da CIP desenvolve projetos voltados para jovens entre 20 e 25 anos de idade que têm interesse em participar de ações sociais e voluntárias. Existem atualmente três grupos: o primeiro atua junto às crianças e famílias atendidas pelo Lar das Crianças da CIP; outro trabalha com grupos de crianças da Casa Hope, instituição que oferece apoio a crianças e adolescentes portadores de câncer e transplantados de medula óssea, fígado e rins; e um terceiro voltado para os refugiados que chegam diariamente à cidade de São Paulo. Junto ao Lar, os 15 jovens oferecem para atividades mensais de resgate histórico e cultural para os familiares. Observou-se que muitas dessas famílias, oriundas de outras cidades e regiões do país, perderam essas referências. A ideia do grupo é fortalecer seus traços culturais para, assim, ajudá-los na formação de sua própria identidade. Tendo como proposta replicar a metodologia da educação não formal para além da comunidade judaica, o segundo grupo – formado por oito ex-madrichim dos movimentos juvenis da Congregação – promoveram em 2015 atividades lúdicas para as crianças atendidas pela Casa Hope. Os jovens ofereceram a elas uma chance para se esquecer da rotina médica e do tratamento a que estão sendo submetidas. Mais recentemente, a Juventude deu início a uma nova ação voltada para a questão dos refugiados, particularmente os que chegam à capital paulistana. O objetivo é, em parceria com organizações não-governamentais que já trabalham com esse público, se aproximar da situação e oferecer um espaço de apoio para essas pessoas. 15 ex-madrichim estão envolvidos no desenvolvimento das atividades, que buscam oferecer integração social, educação sobre aspectos da cultura brasileira, e demais ferramentas para a promoção da independência dessas pessoas. Para Anna Victoria Kacelnik, de 20 anos, a experiência de elaborar um projeto social com refugiados tem sido muito enriquecedora. “Poder usar o conhecimento que, por tanto tempo dedicamos à comunidade, para ajudar outro grupo, faz nossa hadrachá tomar um sentido muito maior e significativo. Ainda mais por trabalharmos com pessoas que fugiram de uma situação de perigo e vieram reconstruir sua vida aqui no Brasil, assim como muitos de nossos familiares fizeram”.

Jovens da CIP em atividade com as crianças e famílias atendidas pela Casa Hope.

Para saber mais sobre os projetos voltados para jovens adultos e para ajudá-los no desenvolvimento de suas ações sociais, entre em contato através do email juventude@cip.org.br.

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JUDAÍSMO

Produtos

judaicos

Visite a CIP e confira as ótimas sugestões de presente para as mais variadas ocasiões: Brit Milá, Simchát Bat, Bar e Bat-mitsvá, casamento, feriados judaicos e muito mais. Para informações sobre os horários de atendimento e os produtos oferecidos, entre em contato: produtosjudaicos@cip.org.br.

Atividades

regulares da CIP

TERCEIRA IDADE

INFORMÁTICA PARA SÊNIOR segundas e quartas-feiras às 9h30 e 11h COSTURA DA BOA VONTADE terças-feiras às 13h CLUBE DAS VOVÓS LOTTE PINKUSS terças-feiras às 14h (encontros quinzenais)

CULTO

COSTURA DA CHEVRA KADISHA quartas-feiras às 13h GRUPO DE ESTUDOS DA PARASHÁ segundas-feiras às 19h30 PENSAMENTO JUDAICO quintas-feiras às 19h10 REFLEXÕES DE SHABAT sábados às 12h30 (após o kidush)

MÚSICA Kit Havdalá

JUVENTUDE MANHIGUT

sextas-feiras às 16h CHAZIT HANOAR sábados às 14h AVANHANDAVA sábados às 14h

DANÇA

HARCADÁ terças-feiras às 20h LEhacÁ EREtz segundas-feiras às 20h LEHACÁ NEFESH quintas-feiras às 19h

ENSINO

ESCOLA LAFER segundas, terças e quartas-feiras às 16h30 sextas-feiras às 8h30 KTANIM segundas-feiras às 17h30 e sextas-feiras às 10h (Ktanim Babait todos os dias)

CORAL KAVANÁ terças-feiras às 20h30

SHABAT IELADIM sextas-feiras às 18h45

CORAL ABANIBI quartas-feiras às 20h30

SHAAT SIPUR sábados às 14h30

Informações: 2808.6299 ou secretaria@cip.org.br 30


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mundo digital Curso de informática

para seniors

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Casa de Campos do Jordão da CIP O espaço ideal para seu evento e lazer • Festas • Reuniões familiares • Bar e Bat-mitzvá • Encontro de amigos • Shabatot especiais • Acampamentos • Passeios ecológicos • Atividades para terceira idade • Eventos corporativos • Confraternizações • Convenções • Workshops • Palestras

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