Cinéfilos - 9ª Edição

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9ª edição - setembro/2011 Revista digital de cinema da Jornalismo Júnior

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

Músicos e atores que invertem os papéis VOCÊ ESCOLHEU

TOP 10:

As trilhas sonoras mais marcantes

O maestro brasileiro mais rápido que a Broadway Uma vida em discos, os amores em fitas cassete


editorial

Música para os olhos

N

em sempre cinema e música andaram juntos, mas uma coisa é certa: foi um descobrir a outra que não se separaram mais. Hoje, a música está presente no cinema sendo em aspectos mais sutis, como a sonoplastia, ou nos grandes musicais, em que as falas assumem o papel de coadjuvantes. Além, é claro, das trilhas sonoras, que completam a personalidade das películas. Como não poderia deixar de ser, a revista digital Cinéfilos aborda nesta nona edição a relação (nem sempre amigável) entre essas duas artes. Ao longo das próximas páginas, passaremos pela efervescência cultural dos anos 60 e 70 em matérias sobre Woodstock, o festival de calouros da Record, Vinícius de Moraes e Bob Dylan. Entre os destaques estão o recém-lançado Filhos de João - O Admirável Mundo Novo Baiano, na Vale a Pena Ver, e uma matéria com o maestro Fábio Gomes de Oliveira, que passou a rasteira na Broadway e montou o musical “New York, New York” no Brasil, na Cinetecétera. Para os mais saudosistas, a seção Letras Na Tela relembra o livro/filme Alta Fidelidade, clássico cult em que John Cusack interpreta um romântico vendedor de discos que se declara por meio de playlists. Mas a novidade da edição fica por conta do TOP 10. É a primeira vez em que o público definiu os filmes da lista - desde títulos até à ordem. Então, se você é daquelas pessoas mais retrôs, pegue seu vinil preferido; se você é cool, selecione Aquela playlist do IPod e mande ver na leitura!

Paulo Fávari Editor

Cinéfilos Revista Digital 9ª Edição setembro/2011 Equipe

Editor: Paulo Fávari Repórteres: Bruna Romão, Gabriela Stocco, Mariana Zito, Mateus Netzel, Paloma Rodrigues, Rafael Tannus

Diagramação e edição de arte:

Ana Carolina Marques, Anna Carolina Papp, Guilherme Speranzini, Mariana Zito, Sofia Soares

O Cinéfilos é um projeto da Jornalismo Júnior | Empresa Júnior de Jornalismo ECA/USP Presidente: Paula Zogbi Vice-presidente: Meire Kusumoto


indice

índice

fazendo história woodstock letras na tela alta fidelidade cá entre nós vinícius & uma noite em 67 vale a pena ver admirável mundo novo baiano

principal entre o grammy e o oscar

cine trash spice girls top 10 as trilhas sonoras mais marcantes

cinetecétera new york,

new york

personagem bob dylan

c


fazendo historia

Rafael Tannus

“S

e mostrasse uma foto disso na Índia, não acreditariam que era na América. A impressão que têm dos jovens americanos e do estilo americano é completamente diferente: todos bem vestidos, de chapéu e gravata, sentados em cadeiras.” Esse é o comentário de um indiano nos bastidores do Festival de Woodstock, ao contemplar a multidão inimaginável de expectadores espalhados ao longo do gramado da fazenda de Max Yasgur, em Bethel, NY, retratado no filme-concerto homônimo de Michael Wadleigh. O documentário, lançado em 1970, é provavelmente o maior registro histórico do festival. Mostra desde as preparações na pacata cidade, a chegada de um número impressionante de pessoas, as atrações no palco e um pouco da vida de quem esteve na plateia. Outros grandes festivais foram feitos naquela época, como o Monterrey Pop e o Isle of Wight, mas o mais lembrado pela maioria é Woodstock, talvez por sua representatividade ou seu caráter emblemático, adquirido também por conta do filme de Wadleigh. O público de mais meio milhão de pessoas (quando os organizadores esperavam pouco mais de 200 mil) tornou aqueles três dias o símbolo da cultura hippie, e talvez o seu auge. A esmagadora quantidade de pessoas que congestionou as estradas a caminho de Bethel e transformou aquela fazenda na segunda maior “cidade” do estado de Nova York durante alguns dias


papel que isso teve em meio à revolução comportamental que estava em curso ou simplesmente a música. Em outro depoimento do filme, um homem declara que viveu uma reviravolta naqueles três dias, ao ver e compreender o que é importante. “Se não podemos viver juntos e ser felizes, se temos de ter medo de andar na rua, de sorrir... bem, que espécie de vida é essa?” Simples baboseira de hippie para muitos, mas, para outros, uma opinião que se mantém atual. Passadas décadas, um imaginário criou-se em torno do evento, como se ele representasse uma Pasárgada perdida no tempo. É certo que numa realidade em que o grande festival é algo como um SWU, nada mais fácil do que idealizar o passado e projetar todos os desejos e frustrações de hoje naquele mês de 1969 e seus voluntários da América. Mas é certo também que foi muito mais do que uma utopia produzida por aqueles que vieram depois. Foi uma realidade que, com todas as suas contradições e reveses, construída por milhares de “hippies drogados e fedidos” deu-nos uma lição de coletividade, farra e muito boa música. Talvez faltasse um mundo para que Woodstock tivesse sido perfeito, mas talvez a única coisa a faltar tenha sido Bob Dylan. Só o que se pode mesmo dizer é o que John B. Sebastian cantou num daqueles dias: “what a lovely dream it was”. c

fazendo historia

deixou muitos preocupados pela falta de estrutura e comida necessárias. As autoridades até classificaram a cidade como área de desastre, tão ruins eram as suas expectativas. No entanto, e talvez seja isso mesmo um dos mais extraordinários fatores de Woodstock, com uma pequena ajuda dos amigos as coisas funcionaram. Mike Lang, um dos organizadores, dá um depoimento no documentário sobre isso: “Essa cultura e essa geração estão longes da antiga, funcionam por conta própria, sem polícia, sem armas, sem roupas, sem problemas. Todos se ajudam, e funciona. Tem funcionado desde que chegamos e continuará a funcionar mesmo quando voltarem para suas casas. Prova que pode acontecer, e é disso que se trata.” Até mesmo o chefe de polícia local aparece declarando que estava feliz por dizer que os americanos deviam ter orgulho dos jovens que estavam lá. É claro que houve grandes inconvenientes durante os três dias, mas não o suficiente para atrapalhar o espírito do festival. E na tarde de 15 de agosto de 1969, um Richie Havens concentrado e inspirado subiu ao palco para dar início aos shows, enquanto muitas pessoas ainda estavam chegando. E em meio a Joan Baez, The Band, Santana, Country Joe, Creedence, The Who, Jefferson Airplane, Janis Joplin, Ten Years After, Hendrix, Grateful Dead, é quase impossível dizer se o mais importante foi a convivência harmoniosa entre 500 mil pessoas, o


letras na tela

ao som dos s Mariana Zito

N

ão há nada melhor do que uma comédia romântica em meio a vinis e aficionados por música. Em Alta Fidelidade, Rob Gordon nos conta sobre sua vida vendendo e colecionando vinis e sobre seus relacionamentos amorosos. Assim como costuma fazer com músicas junto com seus amigos e funcionários, Rob faz o top five dos piores foras que já levou, tudo isso incentivado pela recente separação de Laura. A trama e os personagens parecem que nasceram para as telonas, mas foi o escritor inglês Nick Hornby quem os criou para seu livro de mesmo nome. Ele, por sinal, se enganou ao escolher ser escritor de livros, é inegável seu dom para roteiros. Alta Fidelidade não é a única adaptação de suas obras, os livros “Febre de Bola” e “Um Grande Garoto” também viraram filmes. Parece que ele mesmo notou isso, por que recentemente lançou o livro “Educação - O Roteiro”, que descreve justamente o mundo cinematográfico, com seus roteiros e adaptações. Música e sentimentos Com Rob podemos ver que a música está aí para falar por nós: não tão convencido pelos seus

sentimentos e sem jeito o suficiente para conseguir se expressar, Rob grava composições em K7 como uma forma de se declarar e diz “gravar uma grande compilação de temas é como uma separação: custa a fazer e leva séculos”.

As pessoas receiam que as crianças vejam filmes violentos, que venham a ser dominadas por uma cultura de violência. Ninguém se importa que as crianças ouçam, literalmente, milhares de canções sobre desilusões amorosas, rejeição, dor, sofrimento e perda. Outras questões ligando sentimentos e músicas são levantadas. Logo de início nos é questionado se são as músicas que nos condicionam a determinado sentimento, ou um sentimento que nos força a ouvir determinado tipo de música. Estamos realmente cercados por estímulos que podem determinar nosso humor e nosso comportamento, mas não nos preocupamos tanto com aqueles que vêm da música. Os estímulos auditivos não parecem tão explícitos quanto


os visuais, mas é certo eles existem. É muito mais comum termos associações mnemônicas em relação a músicas, ou seja, músicas que nos fazem lembrar coisas, por que as imagens não estão lá e a música as captura de nossa memória nos remetendo a sensações. No caso visual, é muito mais fácil que as próprias imagens que vemos provoquem sensações.

cultivar sua tristeza, nada melhor que a música pop para fazer isso por ele! É comum falarmos “estou curtindo minha fossa” ou coisas do gênero, e como curtir uma fossa se não ouvindo música fossa? Do mesmo modo, sabemos o que nos inspira: apaixonados escutam músicas românticas e revoltados escutam música pesada. Escrever, pintar, desenhar, qualquer atividade criativa é feita de modo mais rápido ao som de músicas que nos inspiram. Toda a obsessão de Rob por música e vinis, não passam de uma obsessão por seu passado, por seus sentimentos em relação a cada acontecimento. Ele chega até a arrumar sua coleção de vinis por ordem autobiográfica, na qual para achar uma faixa teria que lembrar quando foi que comprou o vinil, fato este que estaria associado a algum acontecimento de sua vida. A música está aí para ocupar vazios em nossa mente, para fazê-la funcionar ao ritmo de cadências, para falar por aqueles que não têm voz e para fazer sentimentos entrarem pelos ouvidos daqueles de coração bruto. c

Eu ouvia música pop porque me sentia terrivelmente infeliz? Ou sentia-me terrivelmente infeliz porque ouvia música pop?

Conversando com nossas próprias memórias, a música talvez vá muito mais fundo com nossos sentimentos. São infinitas as associações que podemos fazer e elas variam de pessoa para pessoa. Uma mesma música pode significar muitas coisas ou coisa nenhuma! Rob podia se sentir triste ouvindo música pop se ela o fizesse lembrar acontecimentos tristes. Conhecendo músicas e nossas reações a elas, podemos nós mesmos nos inserir em determinado estado de espírito. Se Rob quisesse

letras na tela

sentimentos


ca entre nos

NOITES CARIOCAS, NOITES PAULISTANAS Paloma Rodrigues

60

foi uma década cheia de peculiaridades que a destacam na linha do tempo da história do Brasil. O país que efervescia com o surgimento de grandes artistas da cultura popular era o mesmo que sofria com as restrições da ditadura militar, o país de Vinícius poeta era o mesmo do Vinícius cassado, de Gilberto Gil da tropicália e Gilberto Gil preso e exilado. Os documentários Vinícius e Uma Noite em 67 mostram através da música como era viver no Brasil em meados de 1960. O primeiro abordando vida e obra do poeta e diplomata Vinícius de Moraes e o segundo, os festivais de música, principal atração do entretenimento televisivo e radiofônico da época. Aguentar a ditadura não era fácil. O povo precisava e buscava aquilo pelo qual pudesse vibrar e torcer. A vaia chegou a ser pro-

clamada uma instituição nos festivais. O povo queria poder responder e fazer parte de algum sistema, já que o sistema político obrigava-os a manterem-se alheios ou distantes, poder cantar abertamente junto com Chico Buarque “a gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar”. O memorável atirar de violão de Sérgio Ricardo mostra que havia ali uma população enfurecida, querendo fazer valer sua vontade a todo custo. Ao apresentar um novo arranjo para a canção “Beto bom de bola” foi completamente vaiado pelos espectadores. Pediu por diversas vezes que o público tivesse a paciência de ouvir o novo arranjo para, então, poder fazer seu julgamento. Mas não foi atendido. As vaias continuaram incessantemente até o momento em que Sérgio Ricardo enfurecido gritou: “Vocês ganharam!”, quebrou seu violão no chão e depois arremessou o instrumento deformado contra a platéia. Sérgio Ricardo disse depois que não se arrependeu de tê-lo feito, porque não concordava com as vaias, mas que entendia que o contexto histórico levava as pessoas a ter uma contrariedade interna, ainda que inconscientemente. Os brasileiros queriam dar uma resposta, se expressar contra uma repressão. Vinícius era uma referência para esta cultura popular que se formava. Servia de base para todos os novos artistas que encantavam nos festivais: Chico, Caetano, Gil, dentre tantos outros que cresceram e moldaram sua consciência artística através de Vinícius de Moraes. Um artista do povo que


ca entre nos

fazia poesia e música por amor, não se ganhava dinheiro com a música. Para sustentar os filhos era diplomata Como diz o documentário, o Brasil de Vinícius era completamente diferente do Brasil da ditadura. Vinícius era muitíssimo mais ligado ao popular, à boemia e à esquerda do que os militares podiam aceitar. Em 1969, depois do AI-5, Vinícius foi expulso da carreira diplomática com um pedido do próprio então presidente Arthur da Costa e Silva: “Demita-se esse vagabundo”. Vinícius já estava na casa dos 40 anos na década de 60, mas vivia sem regras, como os jovens que tentavam romper com as formalidades vigentes na época. Recebia a nata da produção cultural em sua casa, abastecidos por poesia e uísque. Tornou-se uma referência em diversos países, idolatrado por jovens que tinham em comum as ditaduras de suas pátrias.

A década de 60 foi turbulenta. Cheia de música, poesia, vaias, restrições e dores. Uma década em que tudo em que tudo era intenso, pois era potencializado pelo estado de repressão política pelo qual o país passava. A música de Vinícius e a música dos cantores de festivais impulsionavam aqueles que queriam livrar-se daquela situação e daqueles que procuravam amenizar os sofrimentos causados por ela. Ainda com o temor da prisão, tortura e exílio, muitos foram os que acreditaram que a força da palavra e da letra cantada poderiam trazer mudanças. Como disse Vinícius: “pois para isso que fomos feitos: para a esperança no milagre, para a participação na poesia, para ver a face da morte — De repente nunca mais esperaremos... Hoje a noite é jovem; da morte, apenas nascemos, imensamente”. c


vale a pena ver

CHAMA AiÍ ESSES Gabriela Stocco

A

banda Novos Baianos começou em 1969, sob a ditadura militar, quando também surgia o tropicalismo de Gilberto Gil e Caetano Veloso. Naquele momento a irreverência das letras, das atitudes e do visual cabeludo dos baianos não era bem vista. Na época, muitos artistas eram perseguidos ou exilados, inclusive Gil e Caetano. Para poderem viver com mais liberdade, Pepeu Gomes, Baby Consuelo, Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, os outros integrantes do grupo foram todos morar juntos em um apartamento no Rio de Janeiro, onde recebiam visitas de amigos como Glauber Rocha, Cacá Diegues e João Gilberto. Depois foram para um sítio com o singelo apelido de Cantinho do Vovô e formaram uma comunidade alternativa onde faziam música, jogavam futebol, usavam drogas, casavam e tinham filhos – que chegavam a ficar anos sem ter nome, ou recebiam nomes bastante incomuns. É um pouco desta história que conta o recém-lançado documen-

tário Filhos de João – Admirável Mundo Novo Baiano (2011), com direção de Henrique Dantas. O longa é composto por entrevistas com os (ex-) integrantes e seus amigos, imagens de arquivo e cenas de filmes do cinema marginal brasileiro, como Meteorango Kid - O Herói Intergalático (1969), de André Luiz Oliveira e Caveira My Friend (1970), de Álvaro Guimarães, ambos com trilha sonora assinada pelos Novos Baianos. Toda a alegria e a simpatia do grupo aparecem na tela, nas imagens antigas, quando eram jovens e achavam que eram melhores no futebol do que na música. E também hoje comentando as composições, que quase sempre tem uma história um tanto excêntrica, e estão cheias de monossílabos e onomatopeias. Como sugere o nome do filme, uma das abordagens é a grande influência do amigo João Gilberto no trabalho do grupo. Gilberto é considerado o “professor” do tropicalismo, e especialmente, o “pai” dos Novos Baianos, por lhes apre-


vale a pena ver

S NOVOS BAIANOS sentar o samba, o chorinho e os instrumentos tipicamente brasileiros, que foram introduzidos ao rock que faziam. Essa “brasilidade” marcou muito o trabalho da banda, que teve seu disco “Acabou Chorare” (1972), considerado como o mais importante da história da música brasileira pela revista “Rolling Stone”. No documentário, Morais Moreira declara que depois de ouvir pela primeira vez João Gilberto tocando violão, espantado com seu talento, pensou em desistir da música. No entanto, no documentário não há o depoimento de João Gilberto, que é muito discreto e tem pouquíssimo contato com a mídia. Também não há declarações de Baby do Brasil (ex-Consuelo). No fim da década de 1990, a vocalista se tornou evangélica e depois pastora, mas diz que não é careta, se intitula “popstora” e conserva os cabelos roxos, embora não goste de comentar o consumo de drogas da época. Sua entrevista foi gravada, mas em seguida Baby não autorizou sua utilização.

As versões de Baby e João certamente trariam informações significantes e ricas, mas não se pode dizer que eles não estão presentes no roteiro, já que os episódios que os incluem são constantemente citados. Após a separação, o grupo tem tido alguns desentendimentos, e as entrevistas foram colhidas separadamente. No documentário, os integrantes dizem não saber exatamente como e porque a banda terminou. Uma das ideias é a de que os Novos Baianos e seu estilo de vida comunitário se tornaram uma religião, que dizia que todos deveriam morar juntos, fumar e não comer carne. Mas com o casamento com pessoas de fora da banda e até quatro filhos precisando frequentar a escola, essas imposições eram difíceis de cumprir. A liberdade e a alegria, que eram a síntese do grupo em seu inicio, começaram a se desgastar. Como um dos integrantes disse, a banda e sua experiência musical e de vida coletiva durou o quanto tinha que durar. c


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Ent o Gramm e o Osca


N

negar que imagem e som andam juntos, e são

essenciais para se passar uma mensagem. Mas eventualmente, esses dois elementos presentes em um filme podem se conectar de forma diferente, e criar uma situação artistíca no mínimo curiosa. O que acontece quando um cantor que interpretava apenas canções decide representar um personagem? Ou quando um ator tenta assumir na vida real o papel de um músico? Ou ainda, quando músicos tentam atuar para se promoverem? A Cinéfilos passa agora por casos famosos dessa troca entre sets de filmagem e estúdios de gravação.

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tre my ar

o cinema, não se pode


principal

Da cancao a atuacao Referência a um grupo musical real, atores cantando e cantores atuando. Seria possível reunir tudo isso em uma tacada só? Dreamgirls (Dreamgirls: Em busca de um sonho), de 2006, alcançou essa, digamos, proeza. Para começar, a história das Dreamettes (depois The Dreams) faz alusão todo o tempo ao grupo musical negro feminino The Supremes (que, não por coincidência, era chamado inicialmente de Primettes), dos anos 60. Basicamente, a trajetória do grupo fictício de Deena, Torrell e Effie (depois substituída por Michelle) é a mesma das verdadeiras Supremes, Diana Ross, Mary


assume toda a emoção da personagem no momento e consegue elevar sua atuação a um grau um pouco mais alto do que no resto do filme. Deena, de Beyoncé, consta na ficha-técnica como a protagonista da história. Mas Jennifer Hudson conseguiu dar tanta vida ao drama de sua personagem que é Effie que acaba assumindo o papel principal aos olhos do espectador. Em comparação entre as duas, Hudson, que até então nunca havia atuado, apresenta-se como atriz de muito mais peso do que a intérprete de Deena. Obviamente, há alguns tropeços, mas tanto em cenas com canções quanto sem, Jennifer surpreende com sua performance. Não é à toa que, em 2007, ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante por esse papel. O filme ser um musical também ajuda. As músicas têm grande importância, podem exprimir um diálogo ou um sentimento do personagem, e a emoção da voz de um cantor profissional pode elevar a qualidade da interpretação da canção. Mas como um musical não é um show, a dramaticidade não pode ser legada apenas ao som. Cabe ao cantor também a esforço de fazer algo além de cantar, por que a atuação é a peça chave dessa dramatização que não é alcançada só com a emoção empregada em letras de canções.

Da atuacao a cancao São muitos os exemplos que temos de atores que, seja por hobby ou por motivos profissionais, decidem se aprofundar em música. Um desses exemplos é Scarlett Johansson, atriz de Encontros e Desencontros, Vicky Cristina Barcelona, Ele Não Esta Tão a Fim De Você, entre outros. Seu primeiro contato público com música foi no clipe “What Goes Around Comes Around” de Justin Timberlake, no qual não fez

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Wilson e Florence Ballard (que deu lugar a Betty McGlown), com destaque especial para o drama e as circunstâncias das saídas de Effie e Florence dos conjuntos. Além de The Supremes, o filme está recheado de outras referências, que vão de James Brown a Jackson 5, além da própria gravadora Motown Records. Jamie Foxx e Eddie Murphy são os maiores representantes de atores que cantam no filme. É certo que Murphy, por seu papel como James “Trovão” Early, teve bem mais canções do que Foxx, que interpretou o empresário ganancioso Curtis Taylor Jr. Porém a qualidade dos sons dos dois não é surpresa: Murphy já seguia carreira paralela como cantor desde a década de 80, quando lançou seu primeiro álbum; e Foxx já tivera a carreira marcada por sua primorosa interpretação de Ray Charles. Temos duas cantoras interpretando dois papéis centrais da trama: Beyocé Knowles é Deena Jones e Jennifer Hudson (ex-participante do American Idol) é Effie White, protagonistas do conflito central, que ainda conta com Curtis (Jamie Foxx). Nem é preciso discorrer sobre o risco assumido pela produção e direção do longa ao dar personagens de tanta visibilidade às duas, especialmente à Beyoncé, que foi convidada para o filme. Afinal, quem não se lembrava da fraca performance da ex-Destiny’s Child em A Pantera Cor-de-Rosa (fevereiro de 2006)? Acontece que desta vez foi diferente e Beyoncé conseguiu sair-se bem na atuação. Talvez o fato de que suas aparições em Dreamgirls fossem em grande maioria durante canções e apresentações do grupo tenha contribuído. E de fato, em certas cenas a expressão da cantora-atriz tem uma artificialidade gritante. Seu grande feito, no entanto, foi no clímax da história, na canção Listen, em que


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nada além de atuar. Seu primeiro álbum solo foi lançado em 2008, o “Anywhere I Lay My Head”, com músicas cover de Tom Waits. Não é a voz que falta a Scarlett, mas sua visibilidade como atriz é muito maior que como iniciante em uma carreira de cantora. Mesmo antes de lançar seu próprio álbum, Scarlett se arriscou em alguns singles. “Summertime” é um deles – Scarlett se apresenta com uma voz tão suave e envolvente quanto Billie Holiday ou Ella Fitzgerald na interpretação da mesma música. Resta a dúvida se Scarlett convence com sua voz por interpretar uma cantora ou por ser realmente uma. Se cantar não passa de mais um papel, ela é realmente uma ótima atriz, como seu apelido de “queridinha de Woody Allen” já poderia dar a entender. Em “Relator”, Scarlett canta junto com Pete Yorn. No videoclipe podemos perceber o quanto a carreira de cantora se mescla com a de atriz. Scarlett até pode cantar bem e convencer seus ouvintes com sua voz melodiosa, mas sempre a impressão que fica é a que ela usa de sua fama como atriz para atrair ouvintes para suas performances musicais. Assim como um homem-banda nunca convence como baterista, gaitista ou qualquer outra coisa, um ator que canta sempre passa a impressão de não ser um bom cantor, por mais que a impressão não passe de uma impressão, como é o caso de Scarlett Johanson.

Quando a atuacao e propaganda Parágrafo de conexão: Para fazer sucesso na música, muitas vezes, é necessário ter mais do que talento. O mercado musical é cheio de preconceitos e se tornou extremamente comercial. Assim como para uma atriz já famosa é difícil convercer - e vender - como can-

tora, para os iniciantes é difícil conquistar seus 15 minutos de fama. Muitos músicos e cantores têm surgido e feito sucesso por meio da internet, com ajuda de plataformas como o Youtube. No entanto, muitas dessas bandas são logo deixadas de lado para dar lugar a uma nova moda que surge. A dificuldade em estabilizar-se na mídia e mente do público é o que tira muitos artistas do meio, já que é necessária uma verdadeira publicidade e assessoria para alcançar e principalmente manter-se no sucesso. O case mais emblemático de marketing no campo da música é da banda The Beatles. Eles explodiram no começo da década de 1960 e conquistaram milhares de fãs pelo mundo. Para atender a esse público enorme, que desejava vê-los e ouvi-los, foram os pioneiros nos shows em estádios, e como não podiam estar o tempo todo em turnê, criaram vídeos para suas canções, em que apareciam tocando e atuando, e que seriam distribuídos para as televisões de todo o mundo: surgiram os videoclipes. A experiência deu muito certo no sentido de alimentar a euforia da audiência – os beatlemaniacos – e a banda é uma das mais bem sucedidas comercialmente de todos os tempos. Assim, dos clipes para promover uma música, os Beatles passaram a produzir filmes para divulgar álbuns inteiros. O primeiro longa da banda foi A Hard Day’s Night (1964), do diretor Richard Lester – no Brasil recebeu o terrível nome de Os Reis do Iê, Iê, Iê – e foi lançado junto com o álbum homônimo, em cuja capa de versão americana aparece “Trilha Sonora Original do Filme”. O filme em preto e branco não tem um grande roteiro, mostra os in-


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tegrantes no papel deles mesmos em turnê, ensaiando, arrumando alguns problemas com o avô de Paul, brincando na banheira com barquinhos... e na cena final se reúnem para um show na televisão. É claramente feito para alimentar a histeria dos fãs, encantá-los com o cotidiano dos integrantes, que fazem gracinhas e piadas o tempo todo. A atuação, embora interpretem os próprios papeis, se tornou uma forma muito eficiente para divulgarem sua música e também como marketing pessoal, já que a maioria das pessoas gostava deles, e não apenas das músicas. E essa adoração por Paul, John, George e Ringo foi um fator marcante para que se confirmassem como ícones da música e da cultura mundiais. c


cine trash

SPICE TRASH Mateus Netzel

U

m mergulho num mundo de fama, brilho, roupas de gosto duvidoso e intrincadas intrigas pessoais. É com esse mar de clichês somados a elementos dignos dos mais alternativos filmes da “Sessão da Tarde”, que se constrói Spice World (1998), o ideal estético de milhares de pré- adolescentes dos anos 90. Produzido com o especial propósito de dar mais um produto aos fãs ansiosos e levar a febre Spice Girls para Hollywood, o filme faz jus ao nome ao representar o mundo distorcido das cantoras inglesas na semana anterior à primeira apresentação num dos teatros mais famosos de Londres. A história se desenvolve em torno dos diversos problemas que surgem durante os ensaios para o esperado show. Desde o malvado editor de um tabloide, que quer arruinar a carreira das garotas para vender mais jornais, até as pontes levadiças, tudo parece conspirar contra o sucesso do grande espetáculo. É nesse contexto, a bordo do Spicebus, a mais perfeita representação do “Spice world”, que o filme se aprofunda em questionamentos existenciais das perso-

nagens e coloca em confronto os objetivos pessoais e profissionais das garotas. Se o grupo era alvo de críticas sobre seu valor cultural e moral, os produtores não pareceram se preocupar com isso. Pelo contrário, o roteiro brinca o tempo todo com os estereótipos representados por cada uma das meninas e não se envergonha em exaltar e, ao mesmo tempo, ridicularizar a futilidade das garotas. Esse artifício rende boas piadas, que tornam o filme um pouco mais interessante. Além delas, é difícil resgatar algo que valha a pena entre as várias tentativas absurdas de captar a atenção do espectador, como o encontro das Girls com um disco voador e fãs alienígenas, e recursos como chuva e trovões dentro do escritório durante um rompante de raiva do malvado editor. Os fãs apaixonados pelo menos vão gostar das várias músicas apresentadas durante o filme – claramente superiores à história – e do making-off (dirigido) exibido durante os créditos, o trecho mais engraçado do filme. Uma espécie de prêmio para aqueles que aguentaram assistir até o fim. c


top Io

Top 10

As trilhas sonoras mais marcantes

T

rilhas sonoras nãosimples são simples que acompanham filmes Trilhas sonoras não são músicas músicas que acompanham os filmesospara eles para eles não ficarem chatos. Muitas vezes elas dizem mais sobre o não ficarem chatos. Muitas vezes elas dizem mais sobre o personagem do que as personagem do que as próprias imagens. Elas conduzem o roteiro, próprias imagens. Elas conduzem o roteiro, dão de ritmo história que e transmitem dão ritmo à história e transmitem emoções umaà maneira nenhum emoções uma maneira seria capaz de fazer. Os temas prindiálogode seria capaz que de nenhum fazer. diálogo Os temas principais, aqueles que todo cipais, aqueles que todo mundo conhece mesmo que não tenham visto o filme, são mundo conhece mesmo que não tenham visto o filme, são criados justamente criados justamente para não serem tornarem amusical identidade musical para não serem esquecidos e seesquecidos tornarem ea se identidade do filme. música Ase tornaseum ícone. doA filme. música torna um ícone. Nessa edição, deixamos o público escolher sãotrilhas as trilhas sonoNessa edição, deixamos o público escolher quaisquais são as sonoras mais ras mais marcantes do cinema. Não é uma questão de escolher as melhomarcantes do cinema. Não é uma questão de escolher as melhores, mas aquelas que res, mas aquelaspara que oficarão guardadas para o resto da vida. ficarão guardadas resto da vida.


top io

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Titanic (1997)

Composta por James Horner e Will Jennings e imortalizada pela cena de Jack (Leonardo di Caprio) e Rose (Kate Winslet) na proa do famoso transatlântico, a canção “My Heart Will Go On”, interpretada por Celine Dion, é o grande marco e única canção da trilha sonora do filme. Horner foi o responsável por compor toda a trilha, que seria apenas instrumental, e só com muito empenho conseguiu convencer James Cameron a incluir a canção que acabou fazendo todo o sucesso e levou a trilha sonora a vender mais de 30 milhões de cópias pelo mundo e ganhou o Oscar de melhor canção original. Entre as instrumentais, destaque para a os efeitos vocais da cantora norueguesa Sissel Kyrkjebø.

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Indiana Jones (1981 - 2008)

Nenhuma música caracteriza melhor o espírito de aventura quanto o tema principal dos filmes de Indiana Jones, “The Raiders March”. Mais uma composição do mestre John Williams, a marcha dirigiu as aventuras atrás das grandes relíquias nos quatro filmes da série e acompanhou cenas emblemáticas. Mas, principalmente, ajudou Spielberg a transformar um arqueólogo num dos maiores heróis do cinema de aventura e tornou Indiana Jones (Harrison Ford) um personagem indissociável de seu tema, mais até do que seu chapéu e seu chicote.

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2001:Uma odisséia no espaço (1968)

Numa trilha em que o silêncio é tão valorizado quanto a música, as composições precisam ser marcantes e Kubrick acertou em cheio ao selecionar trechos de grandes compositores da música clássica e combiná-los com as composições de Alex North. Com isso, lançou uma tradição de músicas clássicas em filmes de ficção científica e reforçou o mistério em volta do filme, repleto de simbologias que seguem sendo discutidas até hoje. As passagens mais marcantes são justamente a cena clássica “The Dawn of Man” ao som de uma recombinação realizada por North da introdução de “Assim falou Zaratustra”, de Richard Strauss e as viagens à Lua e os créditos finais ao som de “Danúbio Azul”, de Johann Strauss.


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O musical, centrado no mais famoso cabaré parisiense, ficou marcado pela música “Lady Marmalade” (Lil Kim, Christian Aguilera, Pink e Mya), mas possui uma trilha sonora muito mais rica e variada. Em meio à confusão animada de luxo, bailarinas provocantes e saias levantadas, músicas de Fat Boy Slim, Madonna, U2 e David Bowie se misturam a canções adaptadas e outras compostas especialmente para o filme para ilustrar a paixão entre o escritor Christian (Ewan McGregor) e a cortesã Satine (Nicole Kidman). Uma mistura que vai muito além do can-can e das valsas parisienses.

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Piratas do Caribe (2006 - 2011)

O tema principal “He’s a Pirate” e toda a trilha do primeiro filme foram compostos por Klaus Badelt, que teve o mérito de trazer dinâmica e um ritmo moderno a um tema antigo. A partir do segundo filme, Hans Zimmer assumiu as composições e, partindo das bases compostas por Badelt, construiu uma obra admirável, aproximando as composições orquestradas do universo do filme, como na adaptação de “Hoist the Colours”, e deixando suas marcas, como os elementos orientais em “Singapore”, ambas do terceiro filme da franquia.

Pulp Fiction (1994)

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Uma trilha sonora com a cara de Tarantino: com cortes bruscos, diálogos que se mesclam às músicas e faixas que contém apenas diálogos ou falas (como o famoso versículo Ezequiel 25:17 ou a explicação sobre o “Royale with Cheese”). Sem contar que seis músicas contidas no filme não entraram na trilha sonora comercializada após o lançamento. A trilha tem como base a surf music e o rock’n’roll e é lembrada principalmente pela música dos créditos iniciais, “Misirlou” de Dick Dale & His Del-Tones, que originou a releitura “Pump It” do Black Eyed Peas em 2005, e “Surf Rider”, do The Lively Ones.

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Moulin Rouge (2001)


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Grease: nos tempos da brilhantina (1978)

“Grease is the word (...) is the motion.” A história de amor entre Danny (John Travolta) e Sandy (Olivia Newton-John) levou o ritmo dançante dos anos 60 dos teatros para o cinema. Lançado em 1978, em adaptação do musical da Broadway, o filme retrata a juventude americana dos anos 50 e 60 na fictícia Rydell High School. A história de dez adolescentes e seus conflitos é contada em meio a canções feitas especialmente para o musical e clássicos dos primórdios do rock’n’roll. Além da marcante música de abertura, de Frankie Valli, o filme traz sucessos como “Blue Moon” e “Born to Hand Jive”, do Sha-na-na, além de fazer uma grande homenagem ao rock’n’roll nascente em “We Go Together”.

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O Rei Leão (1994)

Combinando músicas instrumentais de Hans Zimmer e canções de Elton John e Tim Rice, a trilha sonora de Rei Leão inovou ao aliar ritmos africanos ao pop e à música incidental e rendeu o Oscar de melhor Trilha Sonora de 1994. A abertura ao som de “Circle of Life”, é, com certeza, a mais expressiva de todas as animações e marcou com o vocal do compositor sulafricano Lebo M, responsável por todas os ritmos africanos do filme. Outros destaques são a versão brasileira “O que eu quero mais é ser rei”, a vencedora do Oscar de melhor canção original “Can You Feel the Love Tonight” e “Hakuna Matata”, hino dos personagens Timão e Pumba.


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Maior exemplo de uma trilha que não é lembrada apenas por seu tema principal - que por si só já garantiria um lugar nesse TOP 10 - mas também pelos vários temas individuais. A variação entre as composições específicas para cada personagem e situação é notável e ajuda a compor a personalidade de cada um sem muitas explicações, sejam com os temas leves em Tatooine e tema de Yoda, ou com os temas pesados e fúnebres do Império, atingindo seu máximo com a “Marcha Imperial”, a identidade musical de Darth Vader, que virou símbolo do personagem, tanto quanto sua máscara ou sua respiração pausada.

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O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001) Os sons de Paris marcam a trilha sonora repleta de valsas de Yann Tiersen, e acompanham perfeitamente o humor da encantadora Amélie Poulain (Audrey Tautou) em suas tentativas de fazer as pessoas felizes. Tiersen era um multi-instrumentista francês pouco conhecido até que o diretor Jean Pierre Jeunet conhecer seu trabalho e comprar todos os direitos de seus discos para usar no filme. Além das várias músicas já existentes, Tiersen compôs mais seis, entre elas “La Valse d’Amélie”, que se tornou o tema principal do filme e é apresentado em três versões diferentes ao longo da obra.

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Guerra nas Estrelas (1977 - 2008)


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new yor Bruna Romão

Q

ual a primeira coisa que vem à cabeça quando se fala em musicais? Broadway, certo? Aquelas grandes produções, com milhões de espectadores no mundo todo que às vezes são transformados também em filmes. Espetáculos como “Mamma Mia”, “Cats” ou “O Fantasma da Ópera”. Então todo musical de grande produção passa primeiro pela Broadway? É acreditando nisso que muita gente já achou e ainda acha que “New York, New York”, baseada no romance homônimo de Earl Mac Rauch, é mais uma dessas peças de sucesso no exterior que finalmente chegou ao Brasil. Mas não é nada disso. Não mesmo. “As pessoas acham que ‘New York, New York’ esteve na Broadway, mas acho que elas confundem com o Cabaret, que também foi um filme no qual a Liza Minnelli participou e daí a confusão!”, explica o maestro Fábio Gomes de Oliveira, de quem partiu a ideia de trazer a narrativa aos palcos (sim, um brasileiro!). Esse é um pressuposto duplamente equivocado. Primeiro, porque a história foi filmada com a participação de Robert De Niro e Liza Minnelli antes de ir aos palcos - uma diferença de mais de três décadas. Segundo, porque a sua primeira montagem teatral ocorreu este ano, aqui, em solo brasileiro, e não na “terra dos musicais”.

Tudo começou quando o maestro começou a pensar em produzir um espetáculo que estrelasse uma Big Band completa: “E aí a ideia mais óbvia era o texto do ‘New York, New York’. Então decidi ir atrás do autor”, conta. Quando conseguiu contato com Mac Rauch, depois de três meses tentando encontrá-lo na internet, não poderia ter recebido melhor resposta: “A primeira coisa que ele respondeu é que em 32 anos era a primeira vez que alguém surgia com essa ideia para ele. Ficou encantando com a possibilidade e topou na hora!”. Mais do que topar, o próprio Mac Rauch escreveu o roteiro para o espetáculo. Após o contato com o escritor, demorou quase três anos até que as cortinas do teatro finalmente se abrissem para o musical: foi o tempo necessário para cuidados jurídicos e um tanto burocráticos (o advogado contratado pelo maestro levou 8 meses só para conseguir acesso ao contrato de Mac Rauch com a United Artists, de 1976 quando foi produzido o filme), e depois para a formatação, captação e produção, incluindo a obtenção de patrocínio. O maestro, que além de idealizador é o diretor musical do espetáculo (fez a escolha das músicas e preparou a orquestra e os cantores), também foi responsável da tradução e adaptação do texto. Uma de suas contribuições foi a


inclusão de uma cena que homenageia a música latina, em especial o Brasil, a pedido do autor. “O Mac Rauch sentia que o filme não explorou devidamente o aspecto da música latina que na época era muito em moda nos EUA. Então me pediu para incluir alguma coisa do gênero. Tive a ideia de acrescentar a Carmem Miranda numa única cena que tinha tudo a ver com o enredo já que ela se apresentou no Copacabana Club de Nova Iorque em 1947.” Outro aspecto que certamente diferencia o musical de outros do mesmo gênero foi a decisão por não traduzir as músicas, que tem as letras projetadas durante

o show. “Como traduzir ‘Nova Iorque, Nova Iorque’ sem soar ridículo?”, argumenta Oliveira. Nos famosos “O Fantasma da Ópera” e “Mamma Mia”, ao contrário, a tradução foi feita para facilitar o entendimento do público leigo, uma vez que a canções representam diálogos em várias cenas Contudo, é preciso concordar que é no mínimo estranho ouvir a música “Money, money, money, must be funny in the rich men’s world” (hit “Money, Money” do ABBA) transformada em “Money, money, money, não se engane, bom é pra quem tem”, na versão brasileira de Mamma Mia. c

ENTRE PÁGINAS , TELA E PALCO A versão cinematográfica de New York, New York foi filmada em 1976 e se passa no fim da 2ª Guerra Mundial. É a história de amor entre uma cantora (Francine Evans - Liza Minnelli) e um músico (Jimmy Doyle - Robert De Niro) em meio a busca por uma carreira musical. O enredo do longa, do diretor Martin Scorcese, tende o tem-

po todo ao drama. Por sua vez, o roteiro do espetáculo estreado em 2011 é o oposto: bem humorado, mais leve, como o romance original de Mac Rauch. Ele se desvinculou de certa forma do filme e trilhou uma linha mais próxima ao texto original, todavia sem um modelo pronto que pudesse seguir. A liberdade para a criação foi

maior, mas com um porém: “Quando não se tem uma referência teatral fica mais fácil criar, mas falta o reconhecimento do público que já viu na Broadway e gostou. Por outro lado nós tínhamos o filme que é pesado e pessimista e isso poderia trabalhar contra o nosso projeto”, explica o maestro Fábio Gomes de Oliveira.

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rk e aqui


poeta de

personagem

Paloma Rodrigues Rafael Tannus

B

ob Dylan é uma figura icônico e um personagem cheio de facetas, que permite diversas ilustrações. Sua vida já foi retratada por diversos documentários e filmes, ora fazendo uma sequência cronológica de sua história de modo a refletir sobre os pontos que levaram Dylan a tamanho sucesso, como em No Direction Home; ora aproveitando um lirismo na sua retratação, como em Não Estou Lá. A música entrou em sua vida sorrateiramente. Ouvia diferentes tipos de música que o faziam sentir-se diferente, como Johnnie Ray que o emocionava por parecer cantarolar chorando - e Hank Williams. Quando achou um violão no meio das coisas de seu pai, acreditou que poderia fazer esse tipo de música e levar essa mesma sensação para diferentes pessoas. Em No Direction Home, um dos documentários mais conhecidos do artista, há um paralelo entre o Dylan antigo e o Dylan de hoje. Mostra o Dylan que enxergava a realidade musical de uma maneira diferente das outras pessoas. Enquanto a grande massa clamava pelo blues, ele já pensava no rock’n’roll e no country. Dylan conquistou um público fiel cantando folk e quando acreditou que tinha de mudar sua música para algo novo e revolucionário foi duramente criticado. O episódio de Newport ilustra o choque causado por ele nos fãs ao se apresentar em um show com uma banda portando guitarras elétricas, baixo e bateria. Em maio de 1966, Bob Dylan foi à New Castle, Inglaterra, para uma apresentação. O som predominante foi o das vaias e do relato de fãs claramente revoltados com o que viram, dizendo que “a música de Bob Dylan fora traída por ele mesmo” e que ele tinha se prostituído para um mercado que queria um som que tendesse mais para a música pop,

embalada pelas guitarras elétricas. O filme Não Estou Lá representa simbolicamente o choque que o poder das novas guitarras causou naquelas pessoas: Bob Dylan e sua banda entram no palco carregando as caixas de seus instrumentos, mas de dentro retiram metralhadoras que disparam contra a plateia. É mais ou menos como muitos se sentiram na ocasião, atingidos por uma música que julgavam violenta e de apelo mercadológico. Não só sobre sua “eletrificação” era questionado. Muitas pessoas, e a mídia especialmente, cobravam de Dylan posicionamentos e ações políticas. Apesar de ter demonstrado grande sensibilidade em retratar a opressão dos homens, o compositor nunca foi um militante político no sentido clássico. O título que recebeu de “voz de uma geração”, muito por conta de “Blowin’ in the Wind”, nunca foi desejado por ele. Sendo assim, não queria ser cobrado por algo em que nunca havia tomado parte da forma como as pessoas pensavam. Em 1966, talvez o ano mais agitado de sua carreira, Dylan sofre um acidente de moto. O fato junta-se à imensa controvérsia causada pela incorporação do rock’n’roll e às cobranças e questionamentos políticos fora de lugar colocados sobre ele. O compositor decide então dar um tempo de toda essa agitação (o que é muito bem retratado em Não Estou Lá, no contraste entre uma e outra persona de Dylan das sete presentes no filme). Ele vai para o campo e durante alguns anos deixa de fazer turnês. O compositor, o poeta, o pária, o rebelde, o não-político, o inconformado, o cantor, o contemplativo, o urbano, o rural, o agitado, o negro, o controverso, o Rimbaud, o Blake, o Guthrie. Sempre em transformação, Dylan nunca se acomodou. Ao longo da década de 60, foi inúmeras pessoas e diferentes artistas, no resto de sua carreira e de sua vida, esse tornar-se algo novo continuou. Ele é aquele que pode acordar uma pessoa, e ir dormir sendo alguém completamente diferente. c


personagem

faces



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