Fanzine SÃO JORGES Nº 10

NÚMERO DEZ | 2014

São jorge 15 anos Ficha técnica Fausto > texto original: Johann Wolfgang von Goethe | adaptação: Georgette Fadel, Claudia Schapira e Alexandre Krug | direção: Claudia Schapira e Georgette Fadel | elenco: Alexandre Krug, Edgar Castro, Marcelo Reis, Patrícia Gifford, Paula Klein e Pedro Felício | músicos: Luiz Gayotto, Lincoln Antônio e Filipe Massumi | assistentes de direção: Vicente Ramos e Rafael Guerche | direção musical: Luiz Gayotto | Composições: Luiz Gayotto e Lincoln Antônio | cenografia: Rogério Tarifa | figurino: Claudia Schapira e Rogério Tarifa | preparação corporal: Renata Melo | desenho de luz: Aline Santini | vídeo: Bianca Turner | treinamento vocal: Luis Päetow | direção de produção: Carla Estefan | assistente de produção: Isabel Soares | fotos e vídeo: Cacá Bernardes e Bruna Lessa | programação visual: Sato do Brasil e Murilo Thaveira - casadalapa | assessoria de imprensa: Frederico Paula.

Ficha técnica São Jorge Menino > dramaturgia: Ilo Krugli | direção: Rogério Tarifa | direção musical: Lincoln Antonio | composições musicais: Jonathan Silva | elenco: Adriana Aragão, Daniela Biancardi, Jonathan Silva, Lincoln Antonio, Marcelo Reis, Mauricio Damasceno, Patrícia Gifford, Rodrigo Ramos, Rogério Tarifa e Vera Lamy | cenário: Ateliê La Tintota | figurinos: Anahí Santos | direção de produção: Carla Estefan | produção executiva: Isabel Soares | cenotécnicos: João Attuy e Edson Pereira | engenheiro de som: Ernani Napolitano | técnico de som: Lucas Silva | fotos e vídeo: Cacá Bernardes e Bruna Lessa | programação visual: Sato do Brasil e Murilo Thaveira - casadalapa. realização:

apoio:

projeto gráfico: Sato e Murilo Thaveira - casadalapa | ilustrações Fausto: Pedro Felício | fotos: Cacá Bernardes | edição: Cia. São Jorge de Variedades | revisão: Alexandre Krug | direção de produção: Carla Estefan | assistente de produção: Isabel Soares | contato: tel. [11] 3824.9339 | e-mail: ciasaojorgedivulga@gmail.com, ciasaojorge@gmail.com | www.ciasaojorge.com 32

Ou voltam todos, ou não volta ninguém.

Quem tá de ronda é São Jorge, deixa São Jorge rondar.

Fé e alegria inabaláveis.

editorial

por Rogério Tarifa

À Cia. São Jorge de Variedades Resolvi escrever esse editorial em forma de carta, no intuito de enviar para a Cia São Jorge de Variedades um documento em agradecimento pelos 15 anos de convivência, alegria, aprendizado e amadurecimento que ela nos proporcionou. Mas se muitas vezes nos reportamos à Cia. como algo fora de nós, percebi que a única maneira de enviar essa carta seria escrevendo para os meus companheiros que integram e integraram a Cia. São Jorge e que construíram a sua história desde 1998. Queridos parceiros, esse texto é pra vocês, muito obrigado!

Pode parecer maluco, mas me espanto ao pensar nessa trajetória e no Que bom que os nossos lemas que todos nós tivemos que construir juntos em todos esses anos e que continuam a nos empurrar sem nós, seus integrantes, ela nunca existiria. Nossos ensaios são "Ou voltam todos, ou diários, muitas e muita vezes trabalhamos nos finais de semana e não volta ninguém", nenhum dos integrantes atuais tem menos de treze anos de grupo. "Fé e alegria Ufa. Como conseguimos? Às vezes não conseguimos. Todos nós já inabaláveis", levamos muito na cabeça, fomos formados, educados e deseducados "Quem tá de ronda é aqui dentro e agora o mesmo acontece com os nossos filhos que já São Jorge, Deixa São começaram a nascer e a crescer entre nós.

Jorge rondar".

Que bom.

Sim, chegamos aos 15, estamos próximos dos 16 e se no início já tivemos vinte e poucos anos, agora o repertório de nove peças e os cabelos tingidos entregam os nossos passos nessa caminhada incrível que é a vida e a construção humana. Que bom que tivemos condição de escolhermos nossa profissão, de podermos exercer com um pouco mais de liberdade nossas potencialidades. Outro dia, o Lincoln Antônio me contou que a Maria Alice Vergueiro, às vezes, quando assiste a uma boa peça, diz: “Já que tudo tá uma bosta, que bom que existe o teatro” (risos).

E aqui estamos nós lançando mais um fanzine, fanzine número 10, que traz em suas páginas as duas novas montagens da Cia. que foram criadas pra comemorar os 15 anos do grupo. São elas: São Jorge Menino e Fausto. São Jorge Menino, primeiro espetáculo infantil da Cia., que tive o prazer de dirigir, criar e apresentar junto com minha mulher Patrícia Gifford e meu filho Martim de 7 anos, que na peça trabalha como ele mesmo diz como "cenostécnico". Todos os ensaios foram impulsionados pelas nossas crianças, Tiê, Iberê, Mariana e Francisco puxaram a fila do coro sãojorgeano, liderados por Marcelo Reis, nosso eterno Dom Quixote. Nessa edição, publicaremos na íntegra o texto São Jorge Menino, escrito especialmente pra Cia. São Jorge pelo querido mestre e amigo Ilo Krugli.

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Autor de uma poesia profundamente humana e universal e que não se dobra frente às vidraças que nos impõe esse mundo aprisionado que vivemos. Caminha com seu teatro sempre na direção do amor, da liberdade e da utopia sabendo que é preciso ultrapassar e quebrar as vidraças. Em muitos momentos dos ensaios nos perguntávamos se as crianças saberiam o significado da palavra “utopia” usada por Ilo no texto. Mas ao transformarmos a peça num grande cortejo, onde atores e público dialogam o tempo todo numa quebra constante entre platéia e espectadores, percebemos que esse movimento em direção à vida, ao coletivo, é um diálogo franco e um caminho potente rumo ao mundo que desejamos. E que mesmo sem entenderem o significado da palavra “utopia” naquele momento, a força da poesia do Ilo, com a potência do coletivo instaurada, trazia-nos um momento utópico-teatral durante as apresentações. Que bom termos um autor que não escreve só para uma classe social, que não escreve só para a classe média.

Se em Barafonda, numa das cenas mais emblemáticas da peça, cantamos:

“Cantemos sempre intenso e forte, o que nos faz mais vivo em direção à morte”, em São Jorge Menino, fechamos o espetáculo cantando: “Um menino só não dá conta não, é preciso três, dezesseis, vinte três, um montão de uma vez, pra derrubar o dragão”.

Se em Barafonda, temos a consciência de que estamos caminhando em direção à morte e que só nos resta construir uma vida mais bela, amorosa e com menos injustiças, em São Jorge Menino, percebemos que a vida continua e que nossos atos têm uma interferência direta nas gerações que continuam a nascer.

Já em Fausto, que tem sua estréia prevista pra setembro, num dos momentos mais fortes da nossa história, o impotente personagem, que acaba de almoçar um macarrão instantâneo em seu pequeno apartamento cercado por livros, canta emocionado dando vazão a sua indignação e a sua condição humana:

Vi que não é possível saber E isso dilacera o meu coração Não tenho mais a ilusão de saber E isso dilacera o meu coração Não falo mais do que eu não sei E isso dilacera o meu coração Do que eu não sei falo mais não E isso dilacera o meu coração E assim, com o coração dilacerado por tantas memórias e passos percorridos após esses 15 anos, é preciso continuar refletindo sobre o fazer teatral dessa Cia., da qual, como eu disse no início do texto, tenho muito orgulho de fazer parte, queridos companheiros, mais uma vez obrigado. Com certeza estar tanto tempo junto de vocês dilacera o meu coração.

Prezado público, pra abrir os trabalhos do fanzine, seguem alguns textos e poemas escritos pelas diretoras do Fausto, Georgette Fadel (uma das fundadoras da São Jorge) e Claudia Schapira, nossa irmã do Núcleo Bartolomeu, grande abraço!

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TEXTO INICIO PARA CONTEUDO FAUSTO

FAUSTO, esse Fausto, é um olhar sobre a nossa geração e as gerações próximas às nossas, perplexas, hipnotizadas ou indignadas diante de tanto lixo, lixo-comida, lixo-ar, lixo-água, lixo-mil produtos, lixo-pensamento, lixo-padrões, lixo-instituições, e todo esse barulho depositado sobre nossos vários corpos criando crostas e cristas que nos separam do mundo e dos outros. É sobre o desejo de superar os limites do conhecido e do possível.

Sobre a arrogância. A separação entre o saber-pensar-estudar e o experimentar-viver-ser.

Sobre o ser humano cindido. O incrível amortecimento de nossa sensibilidade em vários sentidos: físico, mental, emocional e portanto social.

Para nós a essência da obra está na contradição e na ideia de que o homem quis e obteve mais conhecimento, evolução tecnológica, para evoluir socialmente e viver bem. Mas o não reconhecimento da alteridade, a cegueira para a natureza e existência do outro, torna tudo o seu oposto. A busca do trabalho dramatúrgico é a síntese. Aliás, a pesquisa em todas as frentes da concepção do espetáculo é a busca do que é indispensável, sem floreios. Para que tudo o que está em jogo fique claro. Cenografia, luz, figurinos e interpretação buscam o cerne, o essencial.

Fausto, decidimos olhar pra sua vida. Parece que todo o encantamento consiste em sermos incapazes de olharmos pra nós mesmos. E você é bom de se olhar. Um velho sabedor de tudo que é possível saber. E nada de útil ou novo. E nenhum prazer.

Não tenho bens, muito menos dinheiro Nem honras nem glórias Nesse mundo inteiro Nem mesmo um cão viveria assim A alegria foi roubada de mim Eis-me aqui, pobre, ignorante Não mais sabido do que antes Do que sei, falo mais não E isso dilacera o meu coração

Comemorando 15 anos nos palcos, a Cia. São Jorge de Variedades, em um projeto viabilizado através do apoio da Lei Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, abriu ao público o processo criativo do espetáculo FAUSTO. As apresentações gratuitas aconteceram entre os dias 29 de maio e 13 de junho, em duas sessões diárias, às 16 e 20h, no Galpão do Folias, na cidade de São Paulo. A estreia do espetáculo está prevista para setembro de 2014.

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"Nossa liberdade não termina onde começa a do outro. Somos o outro, todo o tempo queremos a nossa liberdade. Quando falamos de nós, não falamos de nós. Tudo que conquistamos desejamos que todos possam um dia conquistar. Não estamos separados de nada nem de ninguém. Isso causa alegria e imensa dor. A dor de qualquer ser é nossa dor, e isso não pode nos paralisar. Precisamos ser imensamente fortes. Saímos pelas ruas e percebemos o quanto precisamos ser infinitamente fortes em nossa performance.

A densidade do nosso coração é a força da nossa performance. Nossa única certeza é que queremos viver o amor, obviamente não aquele que construiu em nós quase que uma aversão, por esse termo ser slogan de propaganda de margarina e merdas do tipo, mas aquele que nos permite transformar lixo em ouro, aquele que abre espaço em nossas rígidas fronteiras para a visita da vida, aquele que nos faz dançar apaixonadamente, violentamente, que nos torna leves e não os fazedores de sombra, os estorvos, os assassinos que nos tornamos, espécie egoísta, patética e iludida."

Georgette Fadel 05

georgette fadel Cegueira. O outro não existe.

O outro está no mercadão geral, na baciada.

E então a tal da menina Margarida vira paçoca em pouco tempo nas mão do estraçalhador construtor de outras coisas Fausto.

Fausto, a vontade de sentir de novo tão intensamente quanto nos sonhos, todas as coisas.

A vontade de que se faça carne o que sabemos, em todos os âmbitos.

Ansiedade suprema pela unificação entre corpo, mente e espírito para o salto.

Compartilhamos tudo contigo e todo o resto.

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A família toda morta, rapidinho.

Mas não pare não, que tudo vale a pena.

Se a lama, o charco devem cobrir tudo, se a gente tiver que virar baleia, ou… sempre sim enquanto durar.

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Fausto, entendi o grito constante da dualidade em cada célula.

A herança.

Na cabeça um mundo e esse mundo deve ser completo.

E uno. Tudo, tudo, tudo, tudo… deve ser mas não é.

Ouço um grito, que vem do lugar onde as pontas das contradições brotam, e é um grito de espanto pela separação e oposição das massas.

Mas bom.

Fausto, lado a lado contigo, não em sabedoria ou coragem ou fundura depressiva mas em estilhaçamento e solidão e ânsia pela imortalidade e pelo gozo.

Vivos e fruto do pacto.

Tudo, tudo, tudo… o mundo todo, um mercado.

E no canto reservado aos párias, o início de uma unidade desesperada de poesia forte ganhando mais visão.

A história da humanidade nas nossas mãos, olhos, palavras, e nós, vivos, percorrendo uma pequena vida para perceber do que se trata com a vida.

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claudia schapira

Versões dilatadoras de alguns momentos nos quais quisemos nos deter e falar mais….

Fausto lamenta:

Mefisto canta:

Nada nada nada fiz nada Construção tola a minha existência Insistência no vazio Ergui por longos anos um castelo insípido de falsos valores Busquei incansável o que era impossível E agora navego à deriva entre escombros e dores Acreditei buscar o bem distraindo minha vida da real existência Queria o que estava além Não me misturei não senti não tropecei meus passos em grotescos compassos no feio no pior no esgoto da alma no horror Chego arruinado ao último degrau dessa minha vida com alicerces flácidos Sem ter nada de real para me dar guarida

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Dinheiro para poder gastar para espantar a amargura Alegrias banais luxos venturas compráveis e frugais que enganariam as agruras de um corpo em decomposição Poder me embriagar do falso valor da aquisição Exercer o poder de poder pagar comprar ter comprar o amor extorquir cortesia adquirir ilusões Sem importar se tem uma real serventia Distrair meu espírito da inutilidade do que me tornei Busquei a glória do grande e restou do intento a banalidade Queria ser eterno ser póstumo almejei a imortalidade E cá estou senil e inútil como muitos esquecido e como outros sem ter transformado pedra alguma em algum ouro Ai de mim que almejei ser grande pois a juventude nos isenta da genialidade Enquanto a velhice é quase uma ofensa quando só restou a mediocridade

Se eu fosse só a pedra afiada que corta Se eu fosse só faca ferina que rasga Se eu fosse só o soco que aturde o teu rosto Se eu fosse a voz nefasta que urde em tua mente toda ação inconseqüente Mas não Eu reverbero teu desejo Eu te mostro cada um e todos os teus anseios Realizo proporciono consigo e crio que tu sigas teu mais puro impulso genuíno que te entrega à vida, à poesia dos sentidos e te faz apreciar a potência de estar vivo.

Chamam a isso demônio?

Chamam a isso inferno?

Cuidado homem de conhecimento para não ofuscar em tua crise A luz benfazeja da razão que tanto cria, que aos seres guia nessa estrada terrena insípida e vazia.

Se coube pois ao demônio fazer as vezes da festa, que venha então o bom vinho e a dança, que entre pela tua angústia, propícia fresta, a luz esférica da lua que atiça as vontades.

Vamos à vida.

Mas que conste que o que viverás, o que farás, vem de ti.

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Toda ação tem em teu desejo o ponto de partida.

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TEXTO DE ILO KRUGLI Na rua, um grupo chegando desconfiando que sejam atores, ainda que não tenham caracterizações explícitas de personagens e gêneros teatrais, empurram algumas caixas, talvez alguma mala, algumas cadeiras, ou outros objetos para o espaço. Estendem papéis, ou panos com papéis no chão.

Ao fundo tem um grande objeto construído, que parece esconder figuras e quase esculturas... Embrulhado em um grande pano amarrado (é o monumento a São Jorge - talvez São Jorge e o dragão...) - ninguém fala nada.

Entregando às crianças que assistem flores para uma grande homenagem daqui a pouco.

Os atores se relacionam com o público e com a rua, tiram das caixas figuras que simbolizarão uma mãe de grande saia, alguns filhos – irmãos e outros parentescos que se relacionarão com a “Grande Mãe”. Os movimentos são expressivos, entremeados de diálogos, nunca realistas - simbólicos (não uso a indicação de manipulação, pois seriam simbólicas, como chamaremos).

Ainda não sei até quando, não sabemos até quando esse jogo (com textos) com curiosidades, medos e afetividades, em esboços entre realidades, ficções, fingimentos... Vida e Morte!!? Nesta rua?

Entre os filhos se destaca A. (Aladino) que procura a realidade e M. (Mariela) uma irmã de tranças.

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Será por fim anunciado a inauguração do monumento a “São Jorge e os Dragões”. Os atores tentam ‘dar vida’, mexer mostrando ângulos diversos, mas é “difícil” e “maciço e monumental”. Apenas empurrando ainda (fazendo tremer e vibrar a imagem). Serão advertidos por guardas, professores, talvez um padre:

Cuidado, não mexam, não mudem, não. Não.

Mãe: Meu filho... Meu filho para onde você vai?...

Vai fazer o quê?...

Mãe: Como passa o tempo!...

Outro irmão: Passa o tempo... passa... para mim não passa...

Mãe: Claro, vocês não fazem nada... é por isso que o tempo passa sem lembrar nada...

O quê?

Todos: - Não fala assim! Da gente!

- Como que não fazemos nada...

- Eu faço se você mandar...

- Você é às vezes a professora...

- A vizinha... o pai... os mais velhos...

- Eu só faço aquilo que tenho vontade...

Mãe: Cuidado... tem que tomar cuidado...

(são vários filhos) Um filho: Mãe... Eu vou... pela rua para encontrar... Para entender...

Mãe: Encontrar... Entender o quê...

Um filho: Encontrar... Entender...

A realidade...

Que foi?

Mãe: Mas não demora... que aqui em casa temos coisas... e histórias que também são... realidade.

Outro filho: Eu procuro... Entender tudo... Tudo o que nunca vi, ou se já vi esqueci...

Mãe: (ao público) Que dia é hoje?

(Alguém responde): Ah... já?

Uma irmã: Ainda? Como passa o tempo...

Tenho medo!

Outra irmã: (perguntando para o público) Mas de que ano?... (espera a resposta) 20 16

Todos: (se juntam a ela na sua saia enorme) - O quê?...

- Que foi...

- Tenho medo...

- Está querendo nos assustar?

Mãe: É que a rua está cheia de perigos... ou sei lá... esta rua não é nossa e é de outros... conhecidos e mais desconhecidos e... imprevisíveis e estranhos...

(Um ou outro irmão começa a cantar: “Se essa rua” etc.)

Um irmão: Mãe! Outro dia alguém me disse: não te conheço, nem quero te conhecer...

Mãe: É que somos imprevisíveis... todos, entre o medo e a amizade...

Um irmão: Mas se essa rua fosse nossa...

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Outro irmão: Se esta rua fosse nossa... com muitos medos desconhecidos, eu mandava ladrilhar... (cantando) com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes para meu amor passar.

Para meu irmão passar, meu amigo... minha mãe... todos eles bem passar... vão passar até meu avô e o meu pai...

Ladrilhar com pedrinhas de ouro e prata para eu e os outros bem passar (e às vezes ir e voltar) Com estas cores e outras luzes Para a vida sempre sonhar...

Ela é grande e eu pequeno demais Ela é pequena e nós só na vontade!

Muito grande, vamos lá...

Ladrilhar com pedrinhas de brilhantes Esta rua é de espelhos!

Para ver e se olhar...

Pode ser que seja real...

Todo dia nasce um novo prédio Todo dia uma ponte, dez faróis Trinta sinais piscando, algo que muda até demais...

Algumas demolições...

Mas sempre é preciso lembrar... do passado ou do futuro.

Algo que já se foi, algo que vai voltar...

Algo pra lembrar.

Dica: Vou pintar o futuro.

Alguém: (anunciará) Atenção! Atenção!

Daqui a pouco será inaugurado nesta rua, o monumento a São Jorge e os Dragões... Atenção!

Entram alguns homens importantes, (talvez tambores tocando ou outros instrumentos, ou os presentes sopram como se fossem trompetes...)

Se dirigem ao grande vulto coberto e começam a puxar os panos que cobrem o monumento. Aparece o monumento (não é muito evidente), os atores todos empurram e giram o monumento...

Vou pintar o futuro!

Passam dois homenzinhos e de um lado ou outro pintam um muro ou outro.

Alguém: (chama) Ei! Candinho, aonde você vai?...

Candinho: Eu vou pintar o passado.

Alguém: (chama) Ei Dica! aonde você vai?

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Vou pintar o passado!

(A cada ângulo exclamações:) Ah! Ah! Ah! (os atores tremem de emoção...)

- Parece quase vivo!

- Não, parece sem vida...

- Vamos tocar nele.

- Se o público está vivo... tudo em volta toma vida...

- Monumento é assim mesmo, “maciço e monumental”.

(Alguns fazem tremer o monumento... sacode) - Está tremendo!

(São advertidos por guardas!... talvez professores...)

- Cuidado, é um monumento histórico...

Um Padre: É uma homenagem ao santo.

- Não pintem.

- Não pixem.

- Não mexam.

- Não sujem.

- Isto é “um monumento público histórico”... será... será...

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Pedem para as crianças do público depositarem as flores no monumento...

Viva!

De pronto alguém enxerga em... “alguma concavidade” algo... alguém escondido nos restos do pano. Levantam o pano e descobrem um rapaz de calção meio rasgado, puído, e o torso nu (possivelmente moreno), ele está dormindo.

- É ele o santo? (procurando acordá-lo) - Não, ele foi deixado pelo escultor.

- Ou faz parte?

- Ou foi esquecido!

- Ele está vivo?

- Quem, o monumento?

- Os monumentos nunca são vivos, são uma instalação para sempre.

- Ali! Então está morto!

- Quem, o São Jorge?

- Acho que ele está vivo!

- Quem, o monumento?

- Não, o vivo!

- O que está vivo está vivo!

- É o quê?... (mexem nele, ele se incorpora) -Qualquer um dormindo na rua é um Santo.

Viva!

Viva!

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Viva! julio dojcsar

Candinho e Dica se aproximam.

Ainda assim os atores não se afastam, empunham suas figuras para homenagear, ou saudar o Santo...

- Viva!

Jorge pega um ramalhete de flores e as aspira, cheira, e fica olhando para todos...

- Quem é você? (não responde) Retiram os restos do pano, debaixo dele uma tabuleta de metal “Este aqui é São Jorge” e ainda algo em latim. Eles chamam Jorge: - São Jorge...!

A cada chamado ele vira a cabeça, às vezes pisca os olhos.

- É vivo!

- Não, não é!

- É sim!

- Não, ele é quase tecnológico.

Viva!

Viva!

Viva!

Viva!

Algum dos irmãos da primeira cena tira um pão de uma sacola, e lhe oferece...

O rapaz/São Jorge pega o pão e começa a comer.

- Ele está vivo?

- Quem, o pão?

- Não, ele, o São Jorge.

Viva!

Ele mastiga, tentam falar com ele, sem respostas – ele se levanta, deixa as flores debaixo do monumento e começa a andar.

Falam com ele, cantam para ele...

Ele não responde. Tenta ir, caminhar...

Alguns tentam impedir...

Viva!

- Não vai!

- É mudo!

- Não, deixa ir.

- Mas ele é o monumento.

- Chama o autor.

- O escultor.

- O autor, acho que era italiano ou francês, já viajou.

- Eu acho que ele morreu faz mais de um mês...

- Ei, não vai!

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Narrando: Gente, saiu em todos os jornais!

“São Jorge é inaugurado e foge... mas os dragões ficam imóveis no monumento grande de metal”.

- Para onde ele subiu ou desceu?

- Pela rua do Império.

- Não, pela rua da República.

- Pela rua da Consolação.

- Pela rua da Inquisição.

- Por alguma rua antiga...

A Mãe: (estandarte) Meu filho aonde você vai?... (tira uma das saias e coloca como uma capa) agora parece o santo, só falta falar...

(Perseguem o rapaz, o Jorge...)

- Você vai ser santo?

(Ele cede às vezes ao tumulto dos atores... e às vezes se afasta – o máximo que ele expressa: não... não... não – não consegue falar)

- Olhando fundo nos seus olhos.

- Seus olhos com olhar de santo.

- Faz rir, faz chorar, lágrimas e risos.

- Também tem que ver se a cabeça tem auréola, tem luz... própria, se o coração no peito bate, bate, como dez pássaros voando e batendo as asas.

santo

- Então santo voa, mãe, voa?

- Às vezes anda! Sem pisar no chão.

- Às vezes, transparente ou suave, às vezes bem talhado.

- Como uma rocha que rola de uma montanha.

(Ao público perguntando) - Como e quando é um santo?...

- Se adivinha cantando?

Ou dançando, ou rezando.

(Olhando nos olhos do público) - Vocês são santos, com milagres?

- O que é milagre e santo? O que existe ou não existe e sempre está perto...

- Já sei... é... como um amor, tímido, inventa coisas, inventa o bem e o mal.

- É quase mágico, é... isso!

- O santo inventa truques?

- Não, não, é tudo que é verdade...

- Como podemos saber?

- Morando no alto da montanha?

- Ou aparecendo na janela e as torres dos palácios.

- Ou morando na rua. Sem casa, sem palácio, sem montanha, sem paraíso, só a rua...

- É santo, e só mora na rua?

Os filhos (um e outro): - Mãe, como se sabe se ele é santo?

- Assim não se sabe se é santo...

- Se adivinha cantando, ou dançando ou rezando.

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uardiões dos Dragõe

Candinho: Eu já pintei no tempo passado.

Dica: Eu já pintei no futuro.

Todos: E o presente! E o presente?

Dica e Candinho: Quando eu pinto o presente, logo, logo vira passado e quando eu pinto logo, logo virá futuro...

Guard

Jorge: E entre vocês, falam?

A parede: Não dá, só trabalhamos, aqui não se fala.

Jorge: Mas quem está falando então? Mesmo?

A parede: A parede...

Jorge: Pensei que eram os que não falam. Os que só trabalham não querem dizer nada? Não podem?

Jorge: Pensam o quê?

Narrador: O Jorge, quer dizer, o São Jorge, passou por uma rua com um muro antigo, caindo aos pedaços, ele apenas disse: Eh! Ei! Quem está aí? Quero dizer, começou a falar de novo...

Alguma vez já tinha falado?

Nunca não existe, se não falamos com as palavras faladas...

Podem ser as pensadas, pode ser as imaginadas...

As inventadas...

Mas ele já tinha falado?

Alguma vez? Quase com certeza...

Mas isso é, era do passado...

Mas agora fala com a parede?

Não, a parede falou com ele...

Jorge: (bate no muro) A parede: Quem está aí?

Jorge: Eu estou aqui... O Jorge...

A parede: O Jorge? Deve ser São Jorge!... É São Jorge? (Várias vozes)

Jorge: Por que vocês perguntam isso.

A parede: É importante porque nunca ninguém falou para nós.

Deve ser um milagre...

Nós nem falamos com ninguém do outro lado... da parede...

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A parede: Pensam... nos tire daqui, nos tire daqui...

Jorge: Mas você parede tem várias vozes...

A parede: Tenho muitos tijolos, e tenho argamassa, poeiras, e rachaduras e escuto vocês, alguns falam e outros que não falam... mas agora... me disseram cala a boca, cala essa conversa...

Jorge: Quem... quem?

A parede: Não p-po-sso fafa-la-lar. São os Guardiões dos Dragões.

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Esta possível cena tem o Jorge, o narrador e vozes detrás da parede.

Em algum momento o cenário gira e se veem vários personagens com figuras mecanizadas, ligadas aos seus braços e pernas, e até às cabeças, uma estrutura que fala. E o narrador segura o painel e fala:

Eu sou agora a parede...

São Jorge: Candinho!... Dica (chamando) Apareçam! Estão pintando o quê? O passado? É o futuro?

Candinho: Tem algo do passado, São Jorge, mas não é só passado é às vezes sobra, sobra, algo no presente, e até no futuro. (desenha no muro) Dica: ...Daqui a pouco será o futuro, vai ser... algo que é quase assustador... quase... quase...passado e futuro.

São Jorge: Eu estou sonhando? Claro, é um sonho... Se eu não quiser...

Se quiser sair... Acordar. Vou ter que entrar lá dentro, virar quase uma parte das máquinas, vou ter que parafusar-me?... Ser? Fazer? Parecem soldados, parecem escravos, parecem o quê? Não param nunca? O que elas falam?

São quase ruídos, se batendo, debatendo, nem dá pra saber de onde saem as vozes, os trabalhadores estão calados, amarrados, parafusando e parafusados, tem frases que saem da máquina, outras saindo das bocas, tem silêncios em que as bocas continuam se abrindo e fechando e outros de pequenos amplificadores e os atores mexem, giram as cabeças, abrem e fecham os olhos... (pode ser quase cantado)

Junto ao muro os últimos milagres.

Muros de lamentos e liberdade desconhecidas, esquecidas desta cidade.

Jorge dorme junto ao muro.

Detrás do muro ex-índios, ex-africanos, ex-brancos antes de libertar-se dos guardiões dos dragões.

Fazem, batem, matam por mera justiça de menos.

A parede gira e o São Jorge aparece nas beiras do telhado.

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Texto: Escutem, escutem, digam, digam, ser, ou não sermos, iguais... apenas... apenas truques, trecos, sou da máquina, desta máquina...

Trocas e matracas, girando, regirando, batendo e debatendo, caindo, cai, cai, cai, deslizando, lizando, lizando,é, é, é, moldando, dando, dando, e furos furando, parafusando, fusadores, fusadando, fusacapengando, fusacatengando, catequizando, cate, catem catequizando.

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Aparecem duas figuras

Os Guardiões dos Dragões podem ter vindo do monumento.

fu fu tu tu ro ro fu fu fufufu tufutu tututu roturo rorororo fu fu tu tu ro ro

As duas, talvez são duas em uma, duas cabeças, 4 braços e três pés.

“A ordem é dizer, dizer” (repetem) Entender e desentender... sem pensar... mais rápido, com pressa, com pressa, mais rapidando, rapidíssimo, dando... Sem paradas.

Paradeiros, paradoxos, sem para-ar, sem-pa-rar-rar-rar.

A produção vai pra lá e cá, cá-cá.

Aumentando, aumentando, amedrontando.

fu fu tu tu ro ro fu fu tu tu ro ro fu fu tu tu ro ro fu fu tu tu ro ro

Outra voz: Mil noites num minuto.

Mil, ou mais em um segundo, nunca paramos, ainda que anda, parando, ainda que ama-rrando.

Mil e um parafusos por minuto...

São Jorge: Não param, não?

Os Dragões: Só nos sonhos, a lua é contrapartida.

As partidas dos contratos e trato e tatos.

Aparece uma nuvem, no alto dela aparece uma lua.

No alto apoiado numa escada São Jorge continua espiando e parece contar algo.

1-10-12-16-18-20-24-25-28-29-33-41-42-43-40 e e e... (depois da contagem a lua se movimenta e tudo pára... a lua recua e tudo retorna... se a lua volta, tudo pára...)

Candinho: Sempre foi assim, ela aparece e tudo pára... o tempo pára Dica: Então vamos pintando luas... vamos pintando.

Não é nem passado... nem presente, nem futuro...

Vozes lamentosas: Nem passado, nem presente, nem futuro... fu fu tu tu ro ro.

fufufufututututurorororo fu fu tu tu ro ro

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- Caçador!

Candinho e Dica: Fu fu fu tu tu tu ro ro ro sente sen te sen te.

Vem o sonho... “É o sonho! E só no sonho tudo pode mudar, pode-se pintar, cantar olhar e suspirar...”

Jorge: Mas quem são eles que pararam, eram tantos!?

E pararam assim, de repente?

São Jorge: Ainda tem um pouco dessa lua... aqui do lado de fora...

Estou acordado ou sonhando? Lá vem...

Está chegando uma mulher que lembra um pouco a lua...

Quem é ela? Lembra a lua... quem é você?

Árvore cansada!

- Uma mãe que procura seus filhos.

Todos os atores: A máquina também pára. Somos os parafuseiros, fazemos os parafusos... somos os parafusos-gente... trecos, truques, maquinados, matricados, maquitrandos e matricandas, moldando, montando, desmontando, maqui-andando, motorizando, robotando, robóticos, robots ts ts !

Mariela: Eu sou a filha da minha mãe e irmã dos meus irmãos...

São Jorge: Sem nome você não é ninguém.

- Uma árvore São Jorge (narrando): Mas ainda são gente, ainda tu é ele ou ela?

Eu vi vocês lá na rua - os filhos da mãe.

Os filhos: Ainda somos gente... grandes e pequenos, brancos e negros, amarelos e vermelhos, cinzas, índios africanos e outros tantos brasiliandos e africandos misturando até russos, ingleses, espanhóis com ou sem encaixes e presilhas, alavancando os pés e as mãos... a lua, acabou, se escondeu?

Os ruídos voltam e a parede gira.

Entra um personagem – Glauber - com uma máquina de filmar, gravando, focalizando. desaparece, aparece várias vezes.

São Jorge ainda no telhado acordando.

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Mariela: Eu sou Mariela...

São Jorge: Nesta rua eu já vi outras Marielas, assim não sei, eu não... Mariela de quê?

Mariela: Eu sou, me chamam, me escrevem e me registram Mariela do Campo Limpo.

- A chuva!

São Jorge: “Mariela do Campo Limpo” dá para lembrar e não esquecer...

Mariela: Já sei... você é aquele que lá no monumento acordou quase estátua... ou brincava de estátua?

Eu já brinquei de estátua faz muito tempo.

São Jorge: Hoje ninguém brinca de estátua...

Estendem as mãos e fazem os jogos – puxar um e outro, se movimentar e ficar parado etc.

- Caçador!

- Árvore cansada!

- Uma mãe que procura seus filhos.

- Uma árvore com muitos frutos...

- A chuva!... O sol!... A lua!

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Mariela: Sou uma lua! E vou, tenho que ir, entrar lá dentro, sem despedir.

1-10-12

Dica e Candinho: É o sonho! E no sonho... pode-se pintar... e até cantar...

Giram as paredes, aparece a construção da máquina mecanizada, as figuras mecanizadas... nem dá para saber se elas falam, ou se são apenas os restos dos seus movimentos...

Jorge: Mas quem são eles que param?

Eles não pintam. São muitos... são tantos... só param sozinhos mecanicamente.

Fechou a nuvem... desaparece a lua.

Tudo começa a funcionar como no começo A parede gira e Jorge acorda...

- Nunca mais. Nunca mais!... apenas trecos, truques desta máquina, trocas e matracas, girando, batendo, caindo e deslizando, moldando, modulando e furando, parafusando... (tudo isto ritmicamente, quase palavras soltas)... desta máquina, esta máquina...

6-18

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(Novamente as figuras, ou uma desdobrada do monumento, com algo de dragões) - A ordem é dizer e entender e desentender...

Mais rápido, pressa, pressa Mais rápido, rapidí-ssimo Sem parar, sem parar A produção vai aumentar – sem parar Mil ou mais, por minuto, e por horas e por dias... tudo vira parafusos, nunca para-mos (girando) não pára, paramos – sim.

Quando a lua começa a aparecer, a iluminar-nos.

No alto apoiado na escada, Jorge espia, parece contar novamente: 1-10-12-16-18-20-25-26...28-29-33-41-42-43... os que contam são os trabalhadores dentro da máquina.

No alto aparece uma nuvem e uma lua, quando a lua aparece tudo pára... se a nuvem recua volta tudo (duas outras vezes).

Jorge: A lua ficou do lado de fora... Aqui estou acordado e sonhando ainda. (E ainda lá dentro a música e os gritos voltarão.)

(Quase cantando) Somos os parafuseiros, os que fazem parafusos, somos parafuseiros (TALVEZ SEJA MUITO, EXPERIMENTEM) trecos, truques destas máquinas, maquitrandas, matricandas.

Moldando, montando e desmontando, maquinando, maqui, andando, moto-rizando, parafusos e de longe e de perto, mas somos gente... tem grandes, tem pequenos, tem brancos, tem negros, amarelos e quase cinzas e vermelhos, índios, e outros, outros nos encaixes, e... e alavancas, alavancando os pés e mãos...

20-25

Candinho: É assim mesmo, quando ela aparece... o tempo pára...

Dica: Então vamos pintando luas... vamos pintando.

Candinho: E agora não é, nem passado, nem presente nem futuro, no sonho tudo é possível.

26...

Vozes: Nem passa...do... nem pre...sente... nem futu...ro. fu, fu, tu...ro?

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(Entra uma mãe, a do começo) Mãe: (procurando) Meus filhos... meus filhos... se perderam nessa rua e atrás destas paredes... (chamando) Meu filho Aladino!... Meu filho Benedito!...

Meu querido Carolino! Meu menino! Dominguinho.

Eles todos estão lá dentro, atrás desta parede.

Minha Mariela foi procurá-los... (bate na parede) eu quero... meus filhos. Ninguém responde...

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Vai saindo... Uma explosão, um estrondo...

Ela entra recuando, o Jorge desce da escada e a socorre.

(São Jorge está sentado num canto da rua abandonado.)

Jorge: Ainda eu pego vocês!

Eu não vou esperar a lua reaparecer, eu vou lutar... com ela ou sem ela perto voltarei a lutar e libertar.

Mãe: Mariela! Eles a estão levando!

Jorge: Onde? Pra onde?

Quem a levou?

Mãe: Os dragões!... Olha, estão carregando pra cima deste prédio... Voando.

Eu quis protegê-la, mas não deixaram e levaram...

Falava do prédio mais alto, uma torre, entre muitas torres... do outro lado da avenida.

Jorge: E os seus filhos?

Onde?

Mãe: A “realidade”, é que vão ficar parafusando, por muito tempo.

Lá tem outros guardiões dragões.

Quem?

Mãe narrando: Era-se. Contando a história tem tudo, era-se... Assim seria ainda no passado, ou antes de contar-te, contar-me era quase no futuro.

E seria ainda no passado?

Já assim mesmo, as filhas, as mulheres choravam...

Só o pai e a mãe não choraram.

A espera tem sabor de presente.

Só a espera com a esperança é tão ausente...

Jorge: Eu vou lutar e libertá-los. Eu vou libertar desses parafusos.

Narrador: Saiu também em todos os jornais: “São Jorge fugido, luta com os dragões, guardiões da grande parede dos parafusos, luta e os persegue. A parede maquinada, dos enormes parafuseiros continua fechada, não é fácil chegar até os prisioneiros. Ele quer libertar os robôs escravos das grandes empresas maquinadas.

Não sabemos se vai conseguir isso com sucesso.

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Pra onde?

A Grande Mãe: Mariela minha filha e seus irmãos eles levaram para a torre mais alta, onde vive o dragão maior, com vidraças fechadas, com grades de metal... Salvem minha filha!!!

Narrador: Jorge chorou também, e chorou com lágrimas ardentes e virou valente... e quando acabou, achou na última lágrima o Glauber.

Ele, o Glauber, o levou até o Dragão da maldade, e “porque sim” e “porque não”, ele disse: “Jorge você libertará os escravos, libertará o olhar sem medo, libertará os escravos e os robôs e os maquinados, amarrados, parafusados, obedientes - matam, e sem sucesso, doído tremido - mas Jorge você precisa libertar agora o amor.”

Glauber: Eu gravei tudo aqui e conheço a torre fortaleza, onde se esconde o dragão-mor da maldade.

São Jorge: Ei amigo Glauber, você pode me mostrar o caminho pra chegar lá... Para lutar e libertar os filhos e a filha desta mãe...

Outros: E das outras mães também...

Candinho: Para mostrar isto vamos ter que dimensionar e continuar a luta pela liberdade... Dica pinta aqui!

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Dica: Eu pinto do outro lado no futuro, na utopia.

Mãe: Ai! Ai! Ai! Meus filhos tão longe na utopia.

São Jorge: Amigo Glauber,

vamos até a utopia?

Glauber: Eu tento mas as minhas histórias, meus filmes nem são de finais quase felizes...

Mãe: Pelo amor da humanidade...

Glauber: Não se preocupe que sempre defendo o amor...

Dica: Candinho me empresta teus pincéis, me empresta tuas cores, na outra briga foram destruídos e até roubados.

Candinho: Eu tenho cores, e pincéis, mas pinto com os dedos e com as mãos. Também às vezes as minhas e as mãos dos outros.

Solicitam do público crianças ou adultos para pintar.

Começam a marcar os painéis de muitas mãos.

Os pintores e as crianças desenham e escrevem nos painéis “Uma vidraça entre o amor e a liberdade”.

“Uma vidraça entre o pão e a fome” - Bertolt Brecht.

Candinho: São Jorge e Glauber procuravam as altas torres do “Dragão da Maldade”, quantos degraus...? quantos elevadores? quantas portas vigiadas automáticas? Que vidraças altas, difíceis de quebrar! Que guarnições de aço novas e quase milenares.

Entra uma torre alta.E a partir desse momento São Jorge, seu amigo Glauber e Mariela do Campo Limpo são bonecos.

Mariela está lá em cima e Jorge embaixo, querendo subir até a prisão da Mariela.

nunca

nunca mais? mais?

Candinho e Dica: – Nunca mais ele voltou a ver Mariela?

– Nunca mais pode ser 20 anos e também pode ser uma hora... que não acaba nunca.

Narrador: O Dragão da Maldade vigiava a torre dos arranha-céus, onde aprisionada a 7 chaves fazia tanto tempo, agonizava, suspensa da vida e da amizade, Mariela do Campo Limpo e seus irmãos, coitados... desde épocas esquecidas desta odisséia, do século 20 ou 21. Ele chorou... e tanto... porque sim, tinha saudades! Cavalgava assim o cavalo da saudade do amor... Mas como nesta maldade, ou sem a bondade, sim! como chegar aos andares lá tão alto?... Era, acontecendo na torre de cimento e de cristal, todo o santo dia sem a liberdade do amor, sem dó de quem amava a linda Mariela do Campo Limpo.

Uma criança: Candinho! Vamos jogar umas pedras nelas?

Candinho: É vidro inquebrável... e o aço laminado que não enferruja nem quebra...

Outra criança: Dica, quando acabar este desenho vou ser já grande, eu vou me juntar a eles para subir ou quebrar... as grandes janelas.

Dica: Isso não é o futuro, isso é o sonho, nem cabe neste teatro...!

Vamos ter que dimensionar...! Candinho! Vamos dimensionar tudo grande, tudo longe e perto, abra os olhos, tudo grande, de longe é pequeno.

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Ele coloca uma escada contra a torre. Um dragão a derruba, a verdade é que a escada chega até a metade, ele insiste e junta com mais escadas, que também são derrubadas...

São Jorge: Mariela eu vou te libertar!

Mariela: Até aqui são 400 degraus pela escada, engana eles.

São Jorge: (É derrubado por um dragão) Mariela eu vou cair... mas eu vou conseguir, vou voltar,...

Mariela do Campo Limpo: Foi a lua que me ensinou Trançar os raios dela foi...

Com as minhas madeixas Foi formando as tranças deste sonho...

Quando ela se escondia, que danada, Ela mandava seu amigo pelo céu, O sol de fogo e ouro iluminar-me Assim minhas tranças têm a cor do arco-íris, e das flores todas Assim sou do campo limpo, Assim sou do campo florido...

Mariela: Se cair as minhas pombas todas vão te segurar...

Candinho e Dica: Olhem, as tranças estão crescendo.

Candinho e Dica: – Passou o tempo! Muito tempo.

– Eles ficaram velhos?

– No sonho 50, 100 anos podem ser 10 minutos.

– Vocês já viram?

São Jorge: Vou chegar até elas ainda que demore e volte a despencar... destas pedras e vidraças todas.

São Jorge: É difícil chegar, entrar, é melhor tentar por fora.

Mariela: Só se você virar pássaro.

São Jorge: Mariela! Nas tuas mãos, perto delas tem pombas e outros pássaros revoando, pede para eles me ajudarem!

Mariela: Só se eles forem cinqüenta, cem ou mais.

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São Jorge: Eu não quero ser perigo nesta tua prisão, em volta de você vejo línguas de dragões pequenos e garras duras, e asas que batem e balançam ameaçantes...

– O quê?

– Os cabelos, a cabeleira linda da Mariela.

– Sim, por quê?

– Ela começou a trançar seus cabelos e cantava.

Mariela: Estou rezando para você chegar, se segurar sem medo, ainda que eu sinta o seu peso, ainda que o Grão-Dragão me castigue e me ameace.

Candinho e Dica: Ele acabou chegando... Mas os dragões ameaçando matar a Mariela, ele teve que recuar.

Narrador: O tempo passou, cresceu o cabelo, cresceu a solidão... Ele viu... o destino ainda, quase um sonho.

O sonho da liberdade – joga as tranças meu amor!

Ele procurava a liberdade aqui na torre como no céu, os pais da vida, as amizades, o amor...

S. Jorge: Mariela estou subindo.

Mariela: Não tens medo?

Mariela: Estou rezando para elas crescerem mais e mais, tenta chegar e se segurar.

medo?

Tens medo?

São Jorge: Tenho sim, mas o amor é mais forte que qualquer terror ou tirania...

Narrador: Que fazer, amar, amar, amar, mas de verdade!

Foi assim, assim será, gente, esta história é tão grande que nem cabe nesta rua.

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Glauber: Com o Dragão da Maldade é assim, tem que achar o tempo e o dia em que seja possível driblar...

tempo?

tempo?

Candinho e Dica: Vamos bater e enganar todos eles... deste lado ou do outro, vamos enganá-lo, vamos distrair suas asas e línguas de fogo...

(Começam e batucar nas portas e janelas das entradas da “torre”.)

Candinho e Dica: Isto é o presente?

Foi andando, tropeçando, e ainda que não acreditem chegou até... o monumento. Chorando, gemendo e chamando...

Mariela do Campo Limpo!

Mariela: Estas tranças, são suas, lá em cima, se segura sem medo e dor, vamos vencer... Os dragões pequenos, grande é o amor...

tempo?

(Jorge vai subindo, entrando no monumento e se deita no mesmo oco do começo.)

Mas e o tempo?

e o tempo?

Candinho e Dica: Vocês amigos, públicos, São Jorge carrega uma espada brilhante, forte e afiada...

tempo?

(Esta cena pode ter nuances, subir, cair, deslizar, voltar a subir, enquanto Candinho e Dica tentam distrair os monstros alados.)

Candinho e Dica e as crianças: Quando ele conseguiu chegar quase lá em cima, ela debruçada beijou o seu rosto. Ele disse: eu vou lutar, me deixa entrar pela janela.

Mas aparecem os dragões, brigam, batem com ele, cortam a trança em que segura... E ele foi caindo batendo nas pedras até chegar ao chão da rua.

Dica: Agora voltamos a dimensionar do tamanho da dor nossa e dele...

São Jorge: (se levanta capengando e chorando e cego) Mariela... onde está? Ficou lá em cima? (recolhe uma trança, leva até seu peito, até seu rosto) Estou cego, vou morrer, nunca mais... estou quebrado, machucado... posso até morrer... aqui acaba minha história!

tempo?

(Aparece Glauber com sua máquina.)

Glauber: Olhem aqui, vão ver e deixar tudo isto no passado...

Os dragões perseguiram, foram atrás do Santo.

Mariela cortou, amarrou sua outra trança na janela e desceu por ela, mais 400 degraus...

tempo?

Mariela: (chega chorando segurando a trança, cantarolando a canção do começo) Jorge, Jorge, onde estará... tem alguém se queixando... Jorge...

Jorge onde você está?

tempo?tempo?

Narrador: Ela se aproximava, ela chorava muito mais que naquela torre cheia de vidraças... chegou junto dele e se sentou do seu lado.

Candinho: Mas será que ele está vivo, consciente, inteiro ou quase real...

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São Jorge: Não enxergo, nunca mais... quem está aqui me abraçando?

Mariela: Sou eu, Mariela do Campo Limpo.

Narrador: Foram muitas lágrimas derramadas por ela nos olhos dele, secos, abertos e sem luz... eternamente cegos. Acreditem se quiserem só os que bem gostarem de São Jorge, poderão acreditar, tudo nele é milagre...

(Vão chegando a Mãe e seus irmãos e os outros.)

São Jorge: (se levanta) É você Mariela... estou enxergando de novo. São vocês os irmãos e a mãe... (Mariela entrega a ele a trança.)

Mariela: São as tranças que restaram.

Candinho ou outro: Acreditem se quiserem, era milagre, ele voltou a ver, com as lágrimas dela, as tranças do sonho, das lutas e prisões e da liberdade dos que amam... Ele disse... pode falar!

ILO KRUGLI 1 de setembro de 2013

ILO KRUGLI E O TEATRO VENTOFORTE Ilo Krugli nasceu em Buenos Aires na Argentina, e já viajou muito nesse mundo. Ele costuma dizer que a primeira fronteira que atravessou foi a rua de sua casa, ainda bem criança, e aí nunca mais parou, rodou o mundo todo e escolheu São Paulo como sua morada.

Ilo Krugli mora no meio da nossa cidade - mas não é num apartamento ou numa casa normal – ele mora no meio de uma pequena floresta – ele é o senhor do mato – acredite se quiser – e lá é sua casa e seu teatro!

Está há 40 anos á frente do teatro Ventoforte. É dramaturgo, ator, diretor de teatro, tem mais de 30 peças escritas e encenadas. É uma referência no teatro para o público de crianças com até 99 anos de idade, hahahaha!

São Jorge: Eu quero com ela casar...

Criançada, esse texto é pra vocês, boa leitura!!!

Os irmãos: Casar?... De verdade?

Os pintores: Tudo pode ser verdade nos sonhos, no passado, no futuro...

A Mãe: Vão casar aqui na rua? Não vão ter casa?... Vão ter? Não vão... Você não vai ser mais santo? Porque santo de casa não faz milagres...!

Os pintores: Mas quando sai na rua, ou vai fazer teatro, ou fazem milagres...

São Jorge: Mas os irmãos, os escravos dos parafusos como se libertaram (ou libertarão?)

Os outros: A verdade é que ainda não estão livres... algum dia no futuro... futuro vão se libertar...

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