Revista Redemoinho ano 13 nr 19

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Ano 13 • Número 19 Revista do Curso de Jornalismo do IESB - Brasília, julho de 2022 Doenças raras A atenção aos problemas de saúde incomuns Vão das almas O povo quilombola feito de luta e resistência Racismo e saúde O dia a dia e a resistência de pacientes e profissionais que são discriminados por causa da cor da pele

Início das inscrições: A partir de 27 de junho

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“Saúde não tem preço”. “Saúde cuidada, vida conservada”. “É melhor prevenir do que remediar”.Estes são apenas três entre tantos ditos populares sobre saúde. E o tema transborda nas páginas desta edição da Redemoinho, uma revista feita por estudantes-repórte res dispostos a investigar em profundidade temas que movem a sociedade. Justo neste momento, aquele no qual enfrentamos o terceiro ano da pandemia de Covid 19, as questões voltadas para o bem-estar ganham destaque. Aqui, vamos discutir o lidar com males específicos, como a fibromialgia e a endometriose, mas também debater as chamadas doenças raras. Falamos de fertilização assistida, de adoção e da dor, muitas vezes silenciada, de quem perde um bebê.Você também precisa saber dos riscos da nova modinha que tem atraído jovens pelo Brasil, o cigarro eletrônico, além de conhecer os efeitos nocivos de um problema que atinge mulheres em todo o país, a pobreza menstrual. Destaque ainda para o preconceito na saúde. Sim, profissionais e pacientes ainda têm longo histórico de sofri mento e de discriminação apenas por causa da pele escura. Se a saúde está em foco, não desviamos o olhar de outras questões, afinal, é ano de eleições e vale você entender o que são as tais bandeiras políticas das quais os candida tos tanto falam. Conheça também o povo do Vão das Almas, uma comunidade quilombola na qual o tempo da natureza é mais impor tante do que os ponteiros do relógio. Olhamos também para quem faz a agri cultura limpa, para quem produz e vive do artesanato, para a forma como a moda tem se comportado, para a importância de respei tar as religiões afro-brasileiras, para quem se supera por meio do esporte e até para quem tem um bichinho em casa. Muitas histórias, muitas existências, muitos desafios, muitas transformações, muitas vidas nestas páginas da Redemoinho. Boa leitura!

EDITORIAL

Coordenação editorial e edição: Daniella Goulart e Marcio Peixoto. Projeto gráfico: Gabriel Cordova, Maycon Cardoso e Thaynara Martins, sob a supervisão de Amaro Júnior, Cecília Bona e Noel F. Martínez. Direção de arte: André Imbroisi e Mônica Carvalho. Conselho editorial: Candida Mariz, Daniella Goulart, Luciane Agnez, Luísa Guimarães, Marcio Peixoto e Mônica Carvalho. Coordenação do curso de jornalismo: Daniella Goulart. Reitor do Iesb: Luiz Cláudio Costa. Redação: (61) 3445-4577. Repórteres e fotógrafos do 5º semestre de Jornalismo: Ana Beatriz Brito, Ana Carolina Cunha, Ana Karoline Figueiredo, Ana Paula Gomes, Ana Paula Lima, Ana Vitória Lopes, André Luis, Artur Lesnau, Beatriz Gob Fontes, Bruno Almeida, Carolina Spinola, Catielen Oliveira, Cynthia Lima, Danilo Victor, Dayhane Chaves Cardoso, Débora Mesquita, Eduarda Ayres, Fernanda Rodrigues, Gabriel Rocha, Giovanna Estrela, Giovanna Veloso, Guilherme Chaves, Joana Lacerda, João Lucas Santana, Jullya Bernardes, Lara Marques, Larissa Gonçalves de Oliveira, Lorrane Gomes, Maria Eduarda Neves, Maria Eduarda Zaidan, Mateus Amorim, Pedro Henrique Oliveira, Priscilla Burmann, Rafael Ferraz, Rafael Magalhães, Ramon Borges, Rosilene de Oliveira, Sarah Almeida, Sthefanny Sousa, Thaís Moura, Thalya Cunha, Victor Duarte, Vinicius Faleiro, Vinícius Vicente e Yasmim Valois Morais. Fotografia da capa: Joana Lacerda.

MouraThaís:Fotografia Ano 13 • Número 19 Como o racismo afeta a área da saúde? 04 Luta e superação nos diagnósticos de doenças raras10 Pobreza menstrual afeta quase 30% das garotas 38 Desinformação atrapalha tratamento da fibromialgia22 Os impactos da endometriose na qualidade de vida16 Intolerância religiosa afeta cultos afro-brasileiros 50 Os danos provocados pelo cigarro eletrônico O brilho de um povo feito de luta e resistência 32 Importância e porquês das bandeiras políticas 44 O nascimento gerado fora do útero28 A superação de barreiras no momento da adoção 56 O luto de quem vivencia o aborto espontâneo 62 Representatividade, aceitação e inclusão na moda 68 Agricultura limpa garante alimentos saudáveis 80 Mundo digital ajuda a divulgar o artesanato da capital 86 O esporte como meio de transformação e superação9892 A humanização dos animais e o mercado pet 74

4 | REDEMOINHO por: Ana Paula Gomes, Fernanda Rodrigues e Joana Lacerda Saúde tem cor? A busca por atendimento pode refletir o racismo sofrido diariamente por pacientes e profissionais negros no sistema de saúde brasileiro S AÚDE LacerdaJoana

“Nossa, se um dentista desse me chama para ser atendida eu saio correndo de medo”. Foi isso que o dentista Victor Hugo ouviu durante um dia comum no consultório. Nascer, crescer, estudar e conseguir um trabalho para, no final, ser desqualificado por um paciente é a realidade enfrentada por muitos profis sionais negros na saúde. A cor da pele é historicamente um fator para determinar seu local de trabalho e fala. Alguns casos de preconceito racial são velados ao ponto de pessoas não saberem se estão sendo vítimas ou não de racismo. A herança escravocrata reflete na falta de acesso que os pretos enfrentam até hoje. Olhe uma foto de formandos na medicina e conte o número de negros, deu mais de uma mão?

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Na Universidade de Brasília, atual mente, o total de vagas destinadas para pretos, pardos e indígenas nos processos seletivos representa um terço do total (33,5%). Em 2012, quando a Lei das Cotas foi legitimada, 10.680 estudantes pretos e pardos — de um total de 41.767 — estu davam na UnB. Hoje, somam 15.574 estudantes de um total de 42.929. A estudante Yasmin Moraes cursa medicina em uma universidade particular de Brasília pessoalArquivo

Racismo no hospital O racismo está fortemente presente nos ambientes hospitalares. A tecnóloga em gastronomia, Cecilia Ferreira, 42, conta que foi vítima de racismo durante uma cirurgia realizada no Hospital Regional de Taguatinga, devido a um aborto que sofreu. “O médico disse na minha frente que ‘pessoas dessa raça costumam abortar mesmo’. Ele falou essas palavras mostrando o feto em suas mãos”. Cecília menciona que, por estar anestesiada naquele momento, não conseguia lembrar exatamente o que foi dito, a esta giária que lhe contou depois. A profissio nal disse que não a defendeu por medo de perder seu emprego. A Secretaria de Saúde do Distrito Federal foi procurada para saber o posi cionamento tomado diante aos casos de racismo dentro dos consultórios. “O médico disse na minha frente que ‘pessoas dessa raça’ costumammesmo”abortar Cecília Ferreira, tecnóloga em gastronomia

Os cursos da saúde, por sua base, são compostos em grande maioria por pessoas brancas. Apesar da existência da Lei de Cotas, são poucos os que conse guem entrar, mesmo que a legislação já tenha 10 anos. A estudante de medicina Yasmin Moraes, 22, sofreu racismo ao realizar a inscrição. “Cheguei na portaria me identificando e falando que estava lá para fazer a matrícula no curso de medi cina, o porteiro me questionou e olhou de cima a baixo. Na época eu estava com meu cabelo bem curtinho, pois eu tinha acabado de fazer a transição capilar, então, ele estava ‘joãozinho’. Eu estava com ele bem black power no dia. Começou assim, na base”, relata.

O médico Diogo Araujo, 33, formado pela UnB, entrou na univer sidade pelo vestibular em 2006. Inicialmente, no curso de farmácia. Depois migrou, também pelo vestibular, para medicina, ambas as vezes aprovado via cotas. “A questão do ingresso através do sistema de cotas para negros foi uma questão na primeira metade da gradu ação. Era perguntado tanto pelos outros alunos, quanto pelos professores, e isso era colocado em questão dentro das aulas ou até mesmo nos meus momentos de convivência com outros colegas. comparações”,nasobrequestionamentosTinha‘quantotirouprova?’,aquelasconta.O médico relata que havia esse estranhamento em relação ao próprio corpo docente. “Durante toda a graduação, pelo que eu me lembre, tive três professores negros”.

Contudo, até o fechamento desta repor tagem, não obtivemos respostas. A estudante Samara Bernardino, 18, diz que passou por uma situação de racismo em uma consulta com derma tologista. Com manchas no rosto decorrentes de Melasma, ela relata a fala da médica: “Ela falou bem assim: ‘como você tem a pele mais escura, é uma coisa normal de acontecer, porque a sua pele costuma ser ruim’”. A estudante não teve reação e só conseguiu a encarar, sem dizer nada.Os profissionais da saúde diaria mente também têm de lidar com o racismo. Yasmin Moraes relata que, durante um atendimento feito no Hospital Regional do Paranoá (DF), uma paciente olhou seu jaleco, no qual estava escrito “medicina’’, e perguntou se ela era técnica em enfermagem. A paciente só a validou como profissional da área após o médico a chamar de “doutora”.

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Já a plataformasionaiscontratamrealizamdigital.comoeconexãoaserviços,ofertarprofissionaisplataformaAfroSaúde,queospodemconsultasepresenciaisoudistância,permiteaentrecidadesestados.ElafuncionaumaclínicaOspacientesocadastroeosprofisquedesejam.Asurgiuem

“Eu estudei para caramba, era um dos turma,alunosmelhoresdaminhaparachegarnomercadodetrabalhoesertratadocomoumfuncionárioládetrás,queéumcargoquenemexiste”

Saúde, formada pelos sócios Victor Hugo, 32, Juliana Peres, 31, e Alexandre Severo, 33, dentistas e médica. A ideia de abrir o espaço veio após Victor sofrer racismo em uma clínica que trabalhava, no qual uma paciente falou que se um dentista como ele a chamasse para ser atendida, ela iria sair correndo de medo. A paciente acres centou que ele parecia ser funcionário “de trás” e não um dentista. Após essa situação, Victor pensou em largar a profissão. “Eu estudei para caramba, era um dos melhores alunos da minha turma, para chegar no mercado de trabalho e ser tratado como um funcio nário lá de trás, que é um cargo que nem existe. Foi quando pensei: ‘por que não criar um espaço que fosse confortável para mim enquanto profissional, e para pessoas comoAeu?’”.Ayo Saúde oferece atendimento odontológico, além de consultas com ginecologista, cardiologista, endócrino, pediatra, nutricionista e dermatologista. A clínica foi criada para que as pessoas negras possam cuidar da sua saúde com mais segu rança e conforto.

Já Diogo, que atua na atenção primária de uma unidade básica de saúde no Itapoã (DF), cita um caso com um paciente que o marcou. “Ele entrou no consultório de manhã e o tempo todo ficava falando que eu era muito novo e questionando a minha idade. No final da consulta, me perguntou se eu era real mente médico e eu confirmei, foi quando ele disse que pensava que eu era o secre tário do médico.” O médico afirma que essa situação foi muito difícil, acarretando diversas emoções negativas. “Eu fiquei com raiva mesmo, um mix de sensações, pois eu estava ali realizando o primeiro atendimento do dia”. Redes de apoio Devido a vivências e lutas semelhantes, estudantes e profissionais negros da saúde estão conectados. Há formação de coleti vos, plataformas e até mesmo de clínicas.

O Coletivo NegreX reúne médicos e estudantes de medicina negros em todo o país. Para uma das co-fun dadoras, Monique França, 32, o coletivo tem um significado muito importante. “Foi mais do que um espaço de luta, foi um espaço de acolhimento, de ressignificação do que poderia ser a formação do meu papel enquanto médica entendendo todas as dificuldades que é estar em um espaço extremamente branco, elitizado, que é o curso médico”, conta. No Rio de Janeiro há a clínica médica Ayo

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Victor Hugo, cirurgião-dentista

Samara tem problemas de pele desde osanos14 pessoalArquivo

O cirurgião-dentista explica que a AfroSaúde foi construída para ter atuação nacional e, por isso, é de base tecnoló gica: “Temos uma rede com mais de 1.100 profissionais de diferentes áreas, principalmente da psicologia, e mais de 3.000 pacientes que fazem uso do nosso aplicativo. A diversidade regional também é um diferencial. Temos profissionais de todos os estados brasileiros, sendo de cidades da capital, região metropolitana e interior. Nossa maior base de usuários está concentrada no Sudeste e Nordeste, mas temos oferta e procura por pessoas das outrasDiogoregiões”.reforça os feedbacks posi tivos dos pacientes, majoritariamente também negros. “Quando a gente vai criando vínculo, eles falam que é muito legal ver uma pessoa preta, tão jovem, no lugar de médico”. Ele cita que teve uma consulta em que a paciente começou a chorar muito, pois, de acordo com ela, Diogo se parecia com seu irmão. E o ver naquela posição foi algo que a tocou.

“Ela associou minha figura preta, em um espaço tradicionalmente de poder, com uma figura afetiva do irmão dela e o quanto ele poderia também, a partir da minha vivência, alcançar esse lugar que nos renegaram tantas vezes ou dito que, de alguma forma, a gente não conseguiria chegar lá e que não é nosso espaço”. A tentativa do acolhimento da população negra no ambiente da saúde também acontece na esfera política. O Ministério da Saúde instituiu, em 2009, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), por meio da Portaria GM/MS nº 992, visando o combate às desigualdades no Sistema Único de Saúde (SUS) e na promoção da saúde da população negra de forma integral.

o porquê do recorte racial e ela me relatou que a sua paciente foi discriminada em uma consulta com um especialista e que, a partir daquele momento, só queria ser atendida por profissionais negros”. Arthur relata que na época chegou a consultar suas redes de contatos e não encontrou o profissional preto. “Fiquei com aquele desconforto na mente e fui conversar com o Igor Léo Rocha, jornalista e co-fundador da AfroSaúde, sobre o episódio. Ele imedia tamente se recordou de que nunca tinha sido atendido por nenhum dentista ou outro profissional de saúde negro”.

Ayo Saúde conta com seis especialidades médicas e oito especialidades odontológicas

QueirozNayane

REDEMOINHO | 7 2019, após Arthur Lima, CEO da Afro saúde e cirurgião-dentista, ser abordado por uma colega pedindo indicação de um profissional especialista em canal, mas que fosse“Questioneinegro.

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em Direitos Humanos, diz que é preciso falar sobre o racismo desde sempre. “Falar na escola, ainda criança, falar adolescente, falar adulto. Expor o que são práticas racistas e o que são práticas que, aparen temente, parecem ser inofensivas e são racistas também. Criar esses espaços para que denúncias possam ser acolhidas e também pessoas que sofreram com os casos de racismo. Só acolher a denúncia não interessa, a gente precisa também acolher essas pessoas, vítimas”. Juliana destaca ainda que a empresa é uma clínica normal, que cobra os mesmos preços do mercado. “A gente bate muito nessa barreira das pessoas asso ciarem por sermos profissionais negros, de ser uma clínica popular [com preços reduzidos. Não criticando quem aceita AfroSaúde fica com 20% de todos os atendimentos realizados pela plataforma pessoalArquivo

REDEMOINHO Novo cenário Juliana, sócia da clínica Ayo Saúde, aponta que dentro da medicina é comum algu mas pessoas brancas já terem um apoio financeiro e administrativo maior que os negros. E por isso, acabam saindo na frente.“Falamos muito isso quando conversamos com empreendedores negros. Que até isso temos que correr um pouco mais atrás. A gente não tem um consultório pronto pela família. Nós viemos de uma família que ninguém é dentista e nem médico. Então acho que isso é um ponto interessante de pensar mos dentro do empreendedorismo de pessoas negras. Aos pouquinhos a gente foi passando os perrengues que todo mundo passa, mas é isso, a gente vai levando.”Artur Lima reforça: “É necessário pensar ações para além das políticas de ingresso no ensino superior, porque os cursos de saúde são longos e onerosos.

A sociedade precisa pensar a entrada, a permanência e saída dessas pessoas da universidade, pois precisamos garantir também a Maíraempregabilidade.”Brito,jornalistaedoutoranda

Diogo Araujo, médico

“Ela tradicionalmenteminhaassocioufigurapreta,emumespaçodepoder,comumafiguraafetivadoirmãodelaeoquantoelepoderiatambém,apartirdaminhavivência,alcançaresselugarquenosrenegaramtantasvezes”

O único conselho que apresentou dados foi o Conselho Federal de Nutrição, onde 68,6% dos nutricionistas são brancos. Segundo dados de 2017, 49 pessoas pretas se autodeclararam e pardas foram 250.

Arthur Lima, CEO da Afrosaúde e cirurgião-dentista QUANTOS PROFISSIONAIS NEGROS DE SAÚDE HÁ REGISTRADOS NO BRASIL?

REDEMOINHO | 9 entrar em clínica popular, acho até que elas são muito impor tantes pensando no cenário do Brasil. Mas a nossa proposta era trazer uma clínica médica-odontológica, com atendimento de excelência, com profissionais negros, e mostrar que a gente pode estar, sim, nesse lugar. Poder entregar um serviço de qualidade, com valor de mercado”, defende. Maíra acredita que só o tempo pode ajudar a mudar essa visão da sociedade. “Por que uma clínica formada somente por profissionais negros não poderia ser particular? Então a gente precisa falar sobre como que o racismo frequentemente coloca pessoas negras em determinados locais e por isso as pessoas ficam achando que uma clínica formada só por profissionais negros seria popular. A gente precisa debater o racismo”, fina liza.  “É

porquepensarnecessárioaçõesparaalémdaspolíticasdeingressonoensinosuperior,oscursosdesaúdesãolongoseonerosos”

O Conselho Federal de Medicina informou que o campo de etnia raramente é marcado pelos médicos. Por esse motivo, não tem esses dados. O Conselho Federal de Odontologia respondeu por e-mail que o item etnia não faz parte do cadastro preenchido pelos médicos. Da mesma forma, os Conselhos Federais de Enfermagem e de Psicologia, por ligação, informaram não ter os dados no sistema. Por outro lado, o Conselho Federal de Fisioterapia pediu encaminhamento via e-mail, mas ainda não obtivemos respostas.

CamilaEsmerinaIlustração:

“Doenças raras no Brasil -diagnóstico, causas e tratamentos sob a ótica da população”, realizada pelo IBOPE Inteligência a pedido da Pfizer em 2020, três a cada dez brasileiros desconhecem o que são doençasDeraras.acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma doença é denominada rara quando afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 para cada duas mil pessoas. São cerca de 13 milhões de pessoas diag nosticadas no Brasil e 300 milhões no mundo. Existem cerca de 6 a 8 mil categorias de doenças raras, 85% têm origem genética, as demais vêm de causas ambientais, infecciosas, imunológicas ou outras. 75% dessas doen ças afetamYasmincrianças.Rigueto, 31, moradora de Niterói (RJ), é química, ama correr, viajar, ir à praia e sair com os amigos. Em agosto de 2019 ela come çou a apresentar inchaço nos pés. Após várias idas à emergência, a química foi diagnosticada com problemas de circulação; e uma primeira suspeita surgiu,Depoisartrite.de incan sáveis tentativas em busca de um diagnós tico, Yasmin encontra a resposta em dezembro do mesmo ano, após ser encaminhada a uma proctologista. “Um anjo que Deus colocou na minha vida; na primeira consulta ela perguntou sobre todos os sintomas e teve uma suspeita.

Somos raros por: Pedro Henrique Oliveira, Rafael Ferraz e Vinicius Faleiro Com

Yasmin Rigueto, portadora da doença rara de Crohn

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De acordo com a pesquisa

“As doenças raras reconhecimentocompartilhadas,serprecisammaisteramplodamídiaedogoverno;precisamosdevisibilidade,amparoperanteàleieapoioàcausa”

qualidadeumadopodemcomadequado,precocediagnósticoetratamentopessoasdoençasrarastercontrolequadroclínicoevidacommais

A doença de Crohn é uma doença rara: é uma inflamação grave no trato gastrointestinal – que vai da boca até o ânus –, mas afeta com mais frequência o íleo terminal (parte inferior do intes tino delgado) e o cólon (parte central do intestino grosso). A síndrome está no grupo das doenças inflamatórias intes tinaisYasmin(DII). afirma que nunca havia escutado falar da doença, mas foi um alívio finalmente algum especialista descobrir o que ela tinha de fato. "Era frustrante e agoniante ter várias suspei tas e nenhum diagnóstico; porém, assim que saiu o resultado, comecei a tratar a doença de forma adequada e tinha espe ranças de que tudo iria melhorar”. Antes disso, Yasmin vivia triste. “Foram diversos dias de choro, não queria levantar da cama, não encontrava forças, não queria que ninguém me olhasse naquela situação, porém mesmo assim eu guardava minha dor no bolso e ia trabalhar", diz. Depois do diagnós tico, ela criou um perfil no Instagram chamado "Meu diário de Crohn", que hoje conta com quase 20 mil seguidores. A sugestão para registrar tudo que se passava naquele período foi de Yohanna, sua irmã gêmea. “A ideia era que se tornasse um diário pessoal com os registros do processo de diagnós tico e tratamento, jamais pensamos em atingir tanta gente, até porque é uma doença rara e não tínha mos nenhuma referência”, relata Yohanna. A criação do diário ‘online’ da Yasmin começou a unir pessoas que passam ou passaram pela mesma situação. "As doenças raras precisam ser mais compartilhadas, ter amplo reco nhecimento da mídia e do governo; dependendo do grau da doença, ela pode ser incapacitante e limitante, precisamos de visibilidade, amparo perante à lei e apoio à causa, é uma doença delicada que precisa da devida atenção", aponta Yasmin.Para ela, quem tem uma doença crônica e rara precisa de adaptações diante de uma nova realidade, mas garante que é possível sim, viver com ela. “A doença faz parte, mas não te define. Eu não deixo a Crohn limitar minha vida, por mais difícil que seja”. Questionada sobre um conselho para os pacientes que recebem o diagnóstico de alguma doença rara, Yasmin recomenda: "Primeira mente, tenha calma! Sei que no início são inúme ras informações, medos, inseguranças, ansiedade e incertezas; gradualmente, com o tratamento, tudo vai caminhando, você vai aprendendo a conviver e a lidar com a doença. É uma luta diária, mas percebe mos como somos fortes e conseguimos vencer os dias difíceis. Respeite seu tempo de aceitação e não se cobre, existem pessoas que passam pelo mesmo que você, te entendem e podem te ajudar, procure sempre uma ajuda médica e não desista do tratamento".

Logo após avaliar exames de sangue e imagem, como a colonoscopia, o laudo foi certeiro: sugestivo de Crohn".

“Muita gente dizia que isso era coisa da minha cabeça, era frescura e

umadetalvezdesmerecendoacabavamaminhador,pelafaltainformaçãoeporserdoençatãorara”

Felipe Marques, diagnosticado com frutosemia, intolerância à frutas, verduras e legumes Yasmin Rigueto em exame de rotina pessoalArquivopessoalArquivo

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Segundo o professor e biólogo Natan Monsores, da Universidade de Brasília (UnB), uma pessoa com doença rara pode enfrentar problemas logo na fase fetal, a gravidez pode ser de risco e a maternidade pode apresentar uma série de condicionantes. O diagnóstico é o primeiro problema; o segundo é a dificul dade em encontrar um profissional que Yasmin e a irmã Yohanna em foto compartilhada no Instagram sobre a doença de Crohn

“Somos

pessoalArquivo pessoalArquivo

REDEMOINHO | 13 aborde e trate do problema de uma forma adequada, em outras palavras, a continui dade do cuidado é muito complicada. Na fase adulta, a busca por um diagnóstico pode demorar mais.

Felipe Marques em foto publicada no perfil Frutosemia Brasil raros, mas não fazeminexistentes,somosnóstemosdireitosepartedanossacartilhalutarpelosnossosobjetivos,enãodeixardeviverintensamente”

O professor diz que o sistema de saúde ainda tem muito o que melhorar quando se trata de doenças raras. "Eu brinco com a seguinte ideia: se o sistema de saúde está preparado para lidar com a doença rara, na hora em que ele for lidar com a comum, ele irá nadar de braçada, pois será fácil". Para ele, colegas profis sionais de saúde e também os cidadãos deveriam ter acesso a informações sobre doenças raras e saber que existem luga res que atendem essas pessoas, como ambulatórios especializados e centros de reabilitação no próprio SUS. Segundo o especialista, falta uma comunicação mais eficaz para a sociedade.

Felipe Marques, 22, morador de São Gonçalo (RJ), também concorda que falta essa comunicação ampla sobre as doen ças raras. O carioca foi diagnosticado em meados de 2020 com frutosemia, uma intolerância à frutose. Essa alteração gené tica impede que o organismo absorva o açúcar das frutas e legumes, provocando náuseas, diarreias e hipoglicemia. Diag nosticado, o paciente deve viver longe das tão recomendadas frutas. Desde criança, Felipe percebia haver algo de errado com ele, pois sempre que ingeria frutas, verduras e legumes passava mal. Adulto, cansado de viver sem um diagnóstico, Felipe fez pesqui sas na internet até chegar à frutosemia. Segundo ele, por ser uma doença rara, a escassez de informa ções impera, porém, depois de muitas buscas, ele encontrou relatos de pessoas que viviam como ele. Felipe então procurou um médico geneticista, especialista em doenças gené ticas, e, após realizar o exame, o laudo foi compatível com a frutosemia. As principais dificuldades que ele enfrenta com a doença são o ganho de peso, o estranhamento de outras pessoas diante do fato dele ter uma alimentação muito restrita e as críticas que recebeu durante a vida. "Muita gente dizia que isso era coisa da minha cabeça, era frescura, e acabavam desmerecendo a minha dor, talvez pela falta de informação e por ser uma doença tão rara", retrata. Segundo Felipe, o tratamento da frutosemia não é acessível na rede pública, e na particular é caro, então nem todos conseguem fazer. Para ele, faltam polí ticas públicas, como, por exemplo, a democratização desse exame através do SUS. Existem alguns lugares que reali zam, porém, assim como a doença, eles são raros.Conviver com a frutosemia vai depender muito da conscientização do indivíduo. "É uma doença silenciosa, ela só ataca se você comer certas coisas que são restritas, se você não come, você também não passa mal, então é só manter a dieta", explica. Felipe criou um perfil no Insta gram, o Frutosemia Brasil, com o intuito de divulgar informa ções e unir pessoas com o mesmo diag nóstico. Ele conta sua rotina, interage com os seguidores e compartilha seu coti diano lidando com a doença.

Professor, biólogo e especialista em doenças raras da UnB, Natan Monsores

Monique Cristina, diagnosticada aos 4 meses de vida com Epidermólise bolhosa

Monique Cristina no programa Encontro com Fátima Bernardes em 2019 “É um caminho com altos e baixos, um processo delicado que deveria ter um suporte maior. Diagnóstico não é sentença, mas sim um recomeço”

REDEMOINHO Preconceitos A pessoa portadora de doenças raras está sujeita a toda categoria de preconceitos e barreiras sociais que afetam seu psicoló gico. O psicólogo Leandro Castro Dias explica, por exemplo, que o ‘bullying’ é uma situação que a pessoa está sujeita a passar e recomenda terapia para desen volver estratégias de enfrentamento a essas situações.Leandro explica que o caminho para manter a saúde mental é mostrar à pessoa que a doença cons titui apenas uma parte de de sua vida, buscando entender quais são as limitações e o que se pode fazer a partir disso para alcançar uma vivência próxima da motivacionalésaberesidenteMoniquenormalidade.Cristina,deTaubaté(SP),bemoqueéisso.Elaescritora,palestranteedigitalinfluencer com mais de 20 mil seguidores no Instagram. Com apenas 4 meses de vida, Monique foi diagnosticada com Epidermólise bolhosa (EB), doença genética rara, grave, não contagiosa e incurável. Está relacionada a um defeito nas estruturas que unem as duas camadas da pele, a epiderme e a derme, que gera uma sensibilidade aguda. Daí surgem lesões severas, tanto na pele, como na mucosa (tecidos que envolvem os órgãosParainternos).aescritora, além das inúme ras dificuldades enfrentadas por ser uma pessoa com doença rara, a inclusão social é uma parte bem complicada: por ser rara e não conhecida, e ser visível na pele, existe um julgamento da pessoa ser intocável, alguém que não deveria convi ver socialmente.Oacessoao tratamento - cujo obje tivo é fornecer ao portador uma qualidade de vida melhor – não é nada fácil: os materiais para os curativos e medica mentos são de alto custo, pois o acesso gratuito é muito difícil e limitado. "Eu particularmente moro no interior de São Paulo e o hospital de base sobre EB é em São Paulo; é uma viagem de três horas para uma consulta médica, para ter acesso aos medicamentos é uma luta difícil, você tem que entrar com um processo judicial para tentar receber de forma gratuita, por mais que seja um direito nosso”, protesta a escritora. Aos 14 anos, Monique lançou seu primeiro livro "Isabelle Christine: entre dois mundos", com o intuito de desvincu lar a visão de ser apenas uma pessoa com uma doença rara. Ela sempre teve como objetivo escrever um livro de ficção, a fim de demostrar que não necessariamente ela precisava escrever sobre sua doença. Em 2019, ela participou do programa Encontro com Fátima Bernardes e divul gou seuAoslivro.portadores de doenças raras, Monique aconselha: "Seja você mesmo, não tenha vergonha de ser você, viva em sociedade e lute pelos seus direitos, viva sua vida da melhor qualidade possível, somos raros, mas não somos inexistentes, nós temos direitos e faz parte da nossa cartilha lutar pelos nossos objetivos".

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No cenário de doenças raras, as associações de pesquisa e acolhimento são essenciais para a qualidade de vida dos pacientes. Muitas instituições não governamentais sem fins lucrativos se encontram nesse ramo, e mudaram a vida de muitos raros nos últimos anos.

O AMAVI Raras é um exemplo. Localizada em Brasília (DF), seu principal objetivo é promover os direitos constitu cionais de pessoas portadoras de doenças raras que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Essa organização pode ser encontrada por meio das redes sociais, como Instagram e Facebook, e agora também de forma presencial em Monique Cristina, em foto publicada no perfil do Instagram Cuidando das Borboletas, projeto criado para unir pessoas diagnosticadas com epidermólisebolhosa

pessoalArquivo

Jéssica Guedes, médica especialista em doenças raras pessoalArquivo

REDEMOINHO | 15 um espaço designado para encontros. Em maio de 2022, foi inaugurada a sede chamada Espaço Raro, com auxílio de outras organizações do DF, que agem em conjunto em prol da mesma causa. A intenção desse espaço é que o raro tenha acesso a bons profissionais e a um atendimento de qualidade. Além de um lugar para poderem se dedicar a atividades artesanais e meditativas, explorando nuances da vida que costumam ser negligenciadas.Odiagnóstico

de uma doença rara tem um grande efeito na vida de um paciente. Jéssica Guedes, médica especializada em doenças raras do Instituto AMAVI Raras, conta que lidar com a imprevisibilidade do cenário e com as barreiras impostas pela sociedade acabam causando um elevado desgaste emocional e psicológico. A dificuldade de ter um diagnóstico, pelo fato de não encontrar um profissional capacitado para fazê-lo, também tem um grande peso para o portador. “Em alguns casos, a parte da saúde física é muito mais grave, e sobra pouco espaço para as outras dimensões da vida, essenciais, como a parte psicológica. É um caminho com altos e baixos, um processo delicado que deveria ter um suporte maior, tão grande quanto a complexidade que a situação exige. Diagnóstico não é sentença, mas sim um recomeço”, diz a médica. Segundo Jéssica, a acessibilidade é uma demanda muito importante, e urgente. Para ela, é necessário enfatizar a qualidade de vida dessas pessoas, e dar força à luta contra o capacitismo. O instituto AMAVI Raras viabiliza o contato entre os pais dos pacientes e os profissionais, alavancando consideravelmente a qualidade de vida dos raros.  VOCÊ SABIA? No Brasil, em 2018, foi instituído pela Lei n. º 13.693 o Dia Nacional de Doenças Raras, a ser celebrado, anualmente, no último dia do mês de fevereiro, representando mais um avanço no apoio aos pacientes. O Dia Mundial das Doenças Raras foi instituído pela Organização Europeia de Doenças Raras (Eurordis) para conscientizar a população sobre essas enfermidades.ODiaMundial das Doenças Raras traz o lema: ser raro é ser muitos, ser raro é ser forte. O intuito é reafirmar a presença ativa dos pacientes de doenças raras na sociedade, combatendo a exclusão desses pacientes. Liderada mundialmente pela Organização Europeia de Doenças Raras (Eurordis), a data busca levar mais informação à população e reforçar a igualdade para pessoas com doenças raras.

SousaSthefannyeGomesLorrane

S AÚDE

Normalizar a dor impede diagnóstico de endometriose

“Passei por

Detecção tratamentoe precoce garantem mais qualidade de vida às mulheres

Eduarda Moreira, portadora de endometriose profunda

endometrioseeginecologistasváriostodosfalavamqueeunãopoderiaterporcontadaminhaidade”

De acordo com o Ministério da Saúde, uma em cada dez mulheres sofrem com os sintomas da endometriose e desconhecem a existência da doença, que consiste na presença do tecido do endométrio fora do útero e provoca uma reação inflamatória crônica, que pode atingir ovários, bexiga, intestino, reto, nervos e peritônio. Muitas vezes, é dolorosa, silenciosa e silenciada por falta de informações, descaso médico e diag nóstico tardio. O termo “doença da mulher moderna” é frequentemente usado para descrever a doença de uma geração que, aparentemente, não quer engravidar ou deixa a maternidade para mais tarde. A justificativa vem da queda da taxa de fecundidade global, causada pelo maior acesso a métodos contraceptivos. Mas será que essa doença é realmente “culpa” da zada”,muitosonhomuitosurpreendinosnidadeprofunda,nósticoquando23,dedoramulher?AmicroempreenEduardaMoreira,ficouapavoradarecebeuodiagdeendometriosepoisamatersempreesteveseusplanos:“Eumeemesentimal,porquemeuésermãe.Mesentisozinhaefragiliconta.CarolineSalazar,fundadoraeativistada

EndoMarcha Time Brasil, afirma que no termo há o reforço do machismo e culpa bilização das mulheres: “Tenho certezapor: Lorrane Gomes e Sthefanny Sousa

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REDEMOINHO que se a endometriose fosse uma doença de homem ela nunca seria chamada de doença do homem moderno”. E acrescenta: “Se fosse uma doença de maior prevalên cia em homens possivelmente já teria cura e não seria ensinada nas universidades envolta em tantos mitos”.Já a médica ginecologista Monique Schmidt concorda com a expressão “doença da mulher moderna”. “Na minha opinião, a endometriose é exatamente isso. Não temos dados científicos claros sobre uma causa específica da doença. As causas são multifatoriais e incluem ambientes com estresse, dieta não adequada, sedentarismo e outros fato res”, afirma. A ginecologista Andréa Damasceno, especialista em reprodução humana, pensa diferente. “Não acho que seja. Endometriose sempre existiu, apenas era subdiagnosticada. Além do mais, a mulher moderna geralmente usa contraceptivo hormonal, o que não evita, mas adia a evolução da Surpreendidadoença”.aoconstatar a endometriose em uma tenta tiva de fertilização com mais de 40 anos, a jornalista Gabriela Goulart, 47, propõe que a discussão vá além. “Acho que é um problema da sociedade, não das mulheres, de não adaptar mos nossas estruturas nas escolas, faculdades e no ambiente profissional para que as mães possam ter filhos em uma idade reprodutiva tranquila, sem abrir mão da sua carreira”, pontua.

Descoberta tardia Em maio de 2021, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou a endometriose um problema de saúde, 161 anos após a doença ter sido descrita pela primeira vez, em 1860, por Carl Freiherr Rokitansky, pesquisador austríaco, que fez a descoberta considerada histórica.

“A gente vai ao ginecologista a vida inteira, desde que menstrua, e falta essa abordagem mais preventiva ou a tempo de fazer um tratamento quando a gente é mais nova” Gabriela Goulart, jornalista pessoalArquivo

O diagnóstico tardio ainda prevalece. Entre os motivos, está a invalidação dos sintomas desde a menarca (primeira menstruação), pois as dores durante o período menstrual são sempre normalizadas. Além do descaso dos médicos, que não recebem formação adequada e tratam as dores como algo natural da mulher.Muitas mulheres não são ouvidas por causa da idade e no início da menstruação escutam que as dores podem ser conse quências da adaptação. “Comecei a sentir muitas cólicas, o meu fluxo sanguíneo estava muito intenso e passei a menstruar duasPacientes com endometriose podem ter dificuldade para engravidar

As dores atrapalham a rotina e a qualidade de vida, sendo um dos principais motivos de ausência no trabalho. Em 2021, mais de 26,4 mil portadoras foram atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS) e oito mil foram internadas na rede pública de saúde por dores incapacitantes. A jornalista Aline de Sá, portadora de endometriose de quarto grau, conta que, depois da primeira filha, as cólicas começaram a ficar mais fortes. “Eu não conseguia trabalhar, eu ficava internada para tomar remédio na veia e passei a tomar mais e mais remédio pra dor.”

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O diagnóstico tardio e o descaso médico são situações corriqueiras

“A endo metriose pode aparecer desde a primeira menstruação até a última. É importante saber durante a vida reprodutiva que se em algum momento apare cer uma infertilidade ou dor pélvica, que inclui dor de cólica, na rela ção sexual, para urinar ou ao evacuar, deve ser investigada para endometriose”.Odiagnóstico vai além de exames clínicos; a endometriose pode dar indícios também em relatos. “Durante uma boa consulta, investigamos a história clínica, as queixas, e no exame físicos os fatores de risco que são impor tantes para decidirmos iniciar a investigação. Não levamos em conta só os sintomas, mas sim a história, como por exemplo, de inferti lidade”, declara a especialista. vezes no mês durante sete dias seguidos. Passei por vários ginecologistas e todos falavam que não existia a possibilidade de ser endometriose por conta da minha idade”, relata Eduarda. Para ela, o pior da doença é a falta de informação. Desde o início da menstruação, mulheres são incentivadas a fazer acom panhamento ginecológico para evitar ou ter o diagnóstico precoce de algumas doenças, mas a endometriose geralmente não é abordada. “Eu era assintomática, não tinha muita cólica e coisas que normalmente as pessoas sentem. Eu acho que os profissionais da ginecologia pode riam nos alertar com mais antecedência. A gente vai ao ginecologista a vida inteira, desde que menstrua, e falta essa aborda gem mais preventiva ou a tempo de fazer um tratamento quando a gente é mais nova”, reclama EspecialistaGabriela.emendoscopia gine cológica, Monique Schmidt confirma que é muito comum receber mulheres Portadoras de endometriose sofrem com estereótipos e normalização dos sintomas

Caroline Salazar, fundadora da Endomarcha Brasil

REDEMOINHO | 19 que passaram por descaso médico e tive ram o diagnóstico tardio. “Infelizmente, isso é o nosso dia a dia. Nós, que temos especialidade em endoscopia ginecoló gica, acabamos pegando casos graves por falta de diagnóstico precoce.” Mas ela acredita que isso está mudando. “Estamos divulgando e diagnosti cando mais e, em breve, não teremos tanto atraso no diagnóstico da doutoradiagnósticosintomasatentarasabordagemçõesendometriose”.Cominformaadequadaseumaespecífica,mulherespodemsecasotenhamoseprocuraroprecoce.AMoniquefazoalerta:

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Tratamentos adequados Cada portadora de endometriose deve receber um tratamento específico para o seu caso. Alguns deles já se mostraram eficazes na melhora da qualidade de vida, como a fisioterapia pélvica, a nutrição e o uso de anticoncepcionais. Nenhum desses trata mentos podem levar à cura, mas permitem que mulheres vivam com mais leveza, sem que a rotina seja atrapalhada pela dor. Existem várias linhas de tratamento, que podem ser clínicas ou cirúrgicas. A realização depende das queixas e localização das lesões da doença, mas é preciso um planejamento indivi dual. “De uma maneira geral, um modo de vida não inflamatório, com dieta e exercício físico é um dos pilares do tratamento”, declara a dra.AMonique.fisioterapia pélvica ainda é pouco conhecida entre as mulheres com endometriose, principalmente pelo fato de ser uma área recente dentro da fisioterapia. Além disso, a fisio terapeuta pélvica Elisa Schrader diz que ainda há um pudor muito grande em se falar sobre a região íntima e as queixas relacionadas a ela. “Vem de uma construção de pensamento mais machista, que perdura por anos. A fisioterapia pélvica trabalha exatamente em cima dessas questões que causam mais vergonha, como incontinência urinária, dor na relação sexual, alterações intestinais como constipação ou incontinência fecal, dentre outras condições”. E ressalta: “É importante que se fale sobre isso, para que sejam assuntos cada vez mais conhecidos e, por consequência, menos constrangedores”.

EndoMarcha Brasil luta pelo maior conhecimento da doença e contra o descaso médico

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Esse modo de tratamento tem a função de aliviar os sinto mas causados pela endometriose. “Dependendo dos focos de endometriose, a pessoa pode ter diferentes queixas e a fisioterapia irá trabalhar em cima do quadro individualizado de cada pessoa”, explicaGabrielaSchrader.também ressalta a importância da alimenta ção no processo de tratamento dos sintomas e na melhora da qualidade de vida: “Acho que uma coisa que falta é a abordagem mais integral da saúde da mulher: a influência da alimentação na endometriose. Muitas mulheres são alertadas que devem ter uma alimentação anti-inflama tória, já que ela [endometriose] é uma inflamação do organismo”. Em sua dieta, há uma restrição de alimentos com lactose, glúten, álcool e cafeína. Para ela, conciliar o propósito a longo prazo é uma tarefa difícil: “É como se ‘tudo bem, você fica sem endometriose, mas também fica muito triste né’; entretanto, acredito que me alimentando melhor, com essas restrições, vou ter um ganho futuro”. “A base alimentar para mulheres que têm endometriose precisa ser antioxidante e anti-inflamatória”, explica a nutri cionista Jaqueline Castro, que recomenda: “Deve-se evitar alimentos que são inflamatórios, como leite e derivados, glúten, carne vermelha, café preto e industrializados”. Apesar das dificuldades, a EndoMarcha Time Brasil come mora a aprovação na Câmara dos Deputados da Lei 14.324/2022, que define o dia 13 de março como o Dia Nacional de Luta

“É importante que se fale sobre isso, para que sejam assuntos cada vez mais conhecidos e, por consequência, constrangedores”menos

Elisa Schrader, fisioterapeuta pélvica

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Passei 6 anos sentindo dores incapacitantes, que me impediam de ir à escola e saísse para me divertir, que faziam com que eu faltasse ao estágio, dores que tiravam minha qualidade de vida. Cansada de sentir dor, voltei a uma ginecologista, relatei meu histórico e questionei se não poderia ter endometriose. Ela não descartou a possibilidade e me encaminhou para fazer exames. Enfim, aos 18 anos, tive o diagnóstico de endometriose. Hoje faço uso de injeção anticoncepcional e tenho a qualidade de vida que sempre sonhei, livre das dores.” Caroline Salazar, fundadora da EndoMarcha, reforça a importância da luta contra a Endometriose e visa conscientizar as pessoas a voltar o olhar para a causa no Março Amarelo. Além disso, países como Espanha decretaram licença remunerada de 3 dias para as mulheres portadoras de endometriose no período menstrual mediante atestado médico. Lutando pelos direitos e pela capacitação de profissionais de saúde muitas mulheres poderão enfrentar a endometriose e o machismo que as cercam. “A endometriose não é uma doença benigna, pois, em muitos casos, ela “mata” a mulher em vida”, enfatiza Caroline. 

menstruação foi aos 12 anos e, neste primeiro momento, já senti uma cólica que parecia não ser normal. Questionei minha mãe quanto a dor, mas seguimos “normalizando”. Um tempo depois, percebi que as dores no período menstrual eram muito fortes e o fluxo intenso, então decidi ir ao médico. Relatei sobre todos os sintomas e ele disse que era comum na minha idade e que eu teria que esperar o ciclo normalizar.

A repórter Lorrane Gomes convive com a endometriose. Confira o “Minhadepoimento:primeira

NA PRÓPRIA PELE

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por: Ana Karoline Figueiredo e Ana Paula Lima A dor sem filtro Caracterizada por dores crônicas e distúrbios do sono, a Síndrome de Fibromialgia atinge cerca de 5% da população mundial, sendo mais comum em mulheres entre 30 e 50 anos S AÚDE FigueiredoKarolineAna

Sirlene Teixeira, teóloga, descobriu a fibromialgia aos 44 anos após muitas consultas sem saber a causa dos seus sintomas.

“O primeiro gatilho de quando você descobre a fibromialgia é a depressão. A vontade é entrar pro quarto e fechar a janela, fechar a cortina, fechar a porta, deitar e esquecer. Esquecer do mundo, esquecer de tudo” Sirlene Teixeira, 56, teóloga

A pedagoga Kelvia Maciel recebeu o diagnóstico de fibro mialgia aos 39 anos e afirma que foi um momento muito difícil: “Eu passei muito mal, estava trabalhando, senti uma dor inex plicável e fiquei sem movimentos. Eu precisei ser carregada. Fiquei internada uma semana só tomando Voltaren e soro. Durante esse período, comecei a ter crises sequenciais que foram confundidas com pequenos AVCs, porque além da dor muito forte, fui perdendo os movimentos, inclusive, ainda tenho um pouquinho de dificuldade para andar.”

A Síndrome de Fibromialgia (SFM) é uma doença do sistema neurológico, um erro na área responsável por filtrar estímu los, onde qualquer impulso recebido é interpretado como dor extrema. Reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1990, é predominante em mulheres e não tem cura. As pacientes diagnosticadas apresentam diversos sintomas, sendo os mais comuns dor constante, fadiga e sono não repa rador. É necessário um acompanhamento multidisciplinar para o tratamento dessa doença.

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“É muito difícil porque o médico chega e diz: ‘olha, você tem essa doença, ela não tem cura e tem que aprender a conviver com ela.’ Como assim, doutor? Vou conviver com uma dor?”

A fisiatra e especialista em dor Dra. Angelle Jácomo afirma que todos possuem um filtro para diferenciar o que é perigoso e o que não é, já os fibromiálgicos não. “É como aquela cerca elétrica que você colocou na sua casa para disparar quando o ladrão entrasse e ela disparasse com o vento, chuva, com a folha da árvore, com o passarinho, ficando assim, totalmente disfuncional.”

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“Enquanto hoje

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Amanda Ferreira, psicóloga Amanda Ferreira: “Guardar sentimentos pode desencadear a doença”

Apesar de a dor se manifestar em todo corpo, as pacientes afirmam sentir dores mais intensas em pontos específicos

A falta de compreensão das pessoas ao redor do paciente o leva ao isolamento, o que causa ainda mais abalo emocional. O portador não tem acolhimento e muitas vezes não sabe a quem recorrer para pedir ajuda. Viver constantemente com dor intensa impede uma saúde mental de qualidade, sendo assim, um ciclo de sofrimento.

Uma doença delas Não existe uma razão exata para a SFM afetar mais mulheres entre 30 e 50 anos; há quem acredite que a jornada dupla seja um gatilho para a doença. “Enquanto hoje a responsabilidade principal dos homens é apenas com o trabalho, a mulher, além de trabalhar oito horas por dia, chega em casa e ainda tem mais serviço. Isso gera estresse acumulado e realmente pode causar outros problemas”, afirma a psicóloga Amanda Ferreira. Ela diz ainda que uma possível razão para a predominância feminina da síndrome é o fato de as mulheres guardarem mais sentimentos.MaríliaRicco descobriu a fibromial gia após perder a mãe. Ela sentia dores antes, mas pensou ser apenas cansaço. Até que ela procurou uma reumatologista que deu o diagnóstico. “No começo fiquei muito triste por saber que é uma doença que não tem cura e por saber que é algo emocional, que prejudica muito mais. Foi um baque quando ela [reumatologista] colocou também que provavelmente esse gatilho foi dado por essa questão da mamãe, de tudo aquilo que eu passei com ela no período de quatro meses e que eu não havia colocado pra fora.” A fibromialgia está diretamente ligada ao estado emocional dos seus portadores, uma vez que a depressão piora a dor e a dor piora a depressão.

“O diagnóstico é clínico, não tem nenhum exame que a gente pede e que vem mostrando. Então muitas vezes os pacientes

O tratamento da fibromialgia deve ser feito de forma multidisciplinar, pois exige uma equipe que atenda a todos os aspectos que provocam o descontrole da síndrome. Porém, é comum ouvir relatos de pacientes que tiveram uma experiên cia desmotivadora com os profissionais. “O Brasil é um país onde eu percebo que os médicos e a sociedade em geral possuem a mente fechada sobre o que é a dor do outro. A minha maior dificul dade é porque eu não tenho em quem me apoiar, mesmo quando eu vou ao psicólogo, psiquiatra ou fisioterapeuta, eles não acreditam que realmente a gente sente dor, então fica aquela sensação de desamparo”, relata Kelvia. Não é de conhecimento popular a importância de um profissional especia lizado em dor para atender o portador dessa doença. Esse especialista não é encontrado com tanta facilidade, em razão do próprio curso de medicina não estimular essa formação. “Nós aprende mos a tratar a dor com anti-inflamatórios. Não aprendemos na faculdade que dor crônica é diferente de dor aguda. A dor hoje é uma área de atuação dentro da medicina. O especialista em dor é capacitado para isso. Infelizmente, não existe uma forma específica de reverter o preconceito e a desinformação, mas sabendo para qual especialista encami nhar já auxilia bastante”, defende a Dra. AngelleMuitoJácomo.além de um reumatologista, o fibromiálgico precisa de tratamento fisioterapêutico, terapêutico, nutricional e neurológico. Por ser uma doença multi fatorial, ela possui várias facetas que um só profissional não consegue tratar. Um lado pouco observado, por exemplo, é a nutrição. Uma má alimentação pode ser prejudicial. “Alimentos inflamatórios podem aumentar as dores, optar por uma Técnicas de relaxamento e meditação são grandes aliadas no tratamento da fibromialgia O médico ideal para tratar a doença é o especialista em dor, diz a Dra. Angelle Jácomo

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Dra. Angelle Jácomo, fisiatra e especialista em dor

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Tratamento

Ao contrário do que se é esperado, as atividades físicas não são os primeiros passos para uma boa adesão ao tratamento da síndrome de fibromialgia (SFM). É preciso antes passar pela medicação. Os remédios recomendados são os canabinóides, antidepressivos e anticonvulsivantes, sendo o canabidiol o mais seguro diante de efeitos colaterais para a maioria dos pacientes. Mesmo que seja receitado um antidepressivo, não significa necessariamente que aquele paciente possui depressão, mas pode auxiliar tanto na parte psicológica quanto física.

Para o fibromiálgico praticar atividades físicas é preciso primeiro controlar as dores com medicamento e em seguida ir para a fisioterapia. “A fisioterapia é importante, mas ela é muito mais como ponte para a atividade física. Eu atendo o paciente com dor, começo os exercícios com o fisioterapeuta e dou alta pra ele ir pro educador físico”, explica a Dra. Angelle. Outros meios que ajudam na melhora dos sintomas são a terapia e tratamentos naturais. Kelvia conta que sentiu um progresso significativo com essas alternativas. “Eu busquei mais sobre a canalização da dor, a terapia de ouvir o corpo. Sempre tiro um tempo para meditar, me ouvir, me sentir, para que eu possa canalizar uma crise de dor”.

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PARA PESSOAS COM FIBROMIALGIA

BASE TEM AMBULATÓRIO

O Hospital de Base do Distrito Federal oferece há cerca de 10 anos um ambulatório para pacientes com fibromialgia, que funciona todas as segundas-feiras à tarde. Em média, 10 pacientes são atendidos por semana. O paciente que tiver os sintomas deve procurar um clínico geral que irá detectar a doença e fazer um encaminhamento para um reumatologista. As unidades de saúde que possuem a especialidade são: Guará, Taguatinga, Samambaia, Ceilândia, Paranoá, Santa Maria e Núcleo hbdf-possui-ambulatorio-para-pacientes-com-fibromialgiaFonte:Bandeirante.https://www.saude.df.gov.br/web/guest/w/ dieta rica em antioxidantes e anti-inflamatória pode auxiliar na diminuição dos sintomas; além disso, doenças comuns entre fibromiálgicos como ansiedade, fadiga crônica, depressão e distúrbio do sono podem ter os sintomas diminuídos com uma alimentação balanceada”, recomenda a nutricionista Maria Eduarda Estrela.

REDEMOINHO | 27 Reconhecimento É fato que a mídia tem um grande impacto na percepção que a socie dade tem do mundo. Por ainda ser uma doença pouco discutida, a fibro mialgia ainda é alvo de preconceito e desinformação, mas existe uma forma de reverter isso? O deputado distrital Martins Machado (Republicanos) acredita que projetos de lei voltados para essas pessoas são o caminho. “Além de contribuir para melhorar o bem-es tar dos portadores da doença, é uma forma de torná-la mais conhecida, para que políticas públicas sejam cada vez mais aplicadas, com o intuito de assegurar uma participação desse grupo em igualdade de condições com as demais pessoas, sem preconceito a suas limitações físicas.” O deputado tem uma lei aprovada (Lei Nº 6945 DE 13/09/2021) e outra em tramita ção para assegurar, respectivamente, o direito ao atendimento prioritário e vaga preferencial. “A dor física é a mais preocupante quando se trata de legislação específica, as dores e as fraquezas são crônicas e por diver sas vezes ininterruptas, justificando o atendimento preferencial, bem como ter vagas específicas em esta belecimentos comerciais e bancários, permitindo que essas pessoas façam o uso desses serviços e não os veja como um sofrimento.”NoBrasil,a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) desempenha um papel muito importante na cons cientização sobre a doença. “A SBR, através da sua comissão de Dor e Fibromialgia, oferece diretrizes para o seu diagnóstico e tratamento. Além disso, ela também oferece subsídios aos vários níveis governa mentais para aquisição e dispensação de medicamentos de alto custo e participação junto à associações na difusão de informa ções corretas para a sociedade”, explica o dr. Marcelo Rezende, reumatologista representante da SBR. A presença e compreensão da família é de suma impor tância no tratamento de um fibromiálgico, afirma a teóloga Sirlene Teixeira. “Hoje o conselho que eu dou para as pessoas é: quando alguém da sua família começar a se queixar de dor, procure um médico, apoie, abrace, porque é um momento muito difícil. A maioria dos portadores de fibromialgia quando descobre a doença entra em depressão, justamente por não ser compreendido dentro da própria casa, pela falta de apoio dos familiares.” 

COMO CONSEGUIR O BENEFÍCIO DE PESSOA COM FIBROMIALGIA

FigueiredoKarolineAna

A intenção do projeto é efetivar o direito ao uso das vagas mediante a utilização de cartão ou adesivo de identificação fornecido pela autoridade de trânsito local, o qual deve ser fixado em local visível, dentro do veículo. O adesivo ou cartão de identificação se dá exclusivamente por meio da apresentação de laudo médico ao DETRAN.

Fonte: deputado Martins Machado No dia 12 de maio é celebrado o dia mundial da Fibromialgia, a data é utilizada para conscientizar a população sobre a doença e também alertar para o diagnóstico precoce “Não é qualquer calçado que eu calço, não é qualquer roupa que eu uso, não é em qualquer cama que eu posso dormir, porque tudo machuca. Você abre mão de muita coisa, não é em qualquer lugar que você pode ir. Então, você vai ficando sozinho” Kelvia Maciel, 49, pedagoga

28 | REDEMOINHO por: Ana Carolina Cunha, Artur Lesnau e Débora Mesquita A queesperançanasce

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O SUS, por meio do Hospital Materno Infantil de Brasília, torna acessível o “sonho impossível” da maternidade para todos. O serviço brasiliense é referência no Brasil e reconhecido por órgãos internacionais de qualidade

Para muitas pessoas, uma família começa com a realização de um sonho: ter filhos. Mas nem todos conseguem realizar esse plano com facilidade. Oito milhões de brasileiros são inférteis, de acordo com a Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA). A solução para esses casais que não conseguem engravidar naturalmente pode ser a reprodução assistida.Patrícia e Luiz Carlos Afonso, produtores rurais da cidade de Planal tina, Goiás, conseguiram engravidar pelo programa de reprodução humana do Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib). Na última das quatro vezes ofer tadas, o casal conseguiu. Agora, ele tem mais um filho – inclusive, já é avô –, e ela realizou um desejo profundo.

O hospital oferta até quatro tenta tivas: duas via inseminação intrauterina (IIU), quando o sêmen é injetado no útero para a fecundação natural; e duas chances de fertilização in-vitro (FIV), quando o espermatozoide fecunda o óvulo fora do corpo da mulher e o embrião é transplan tado no útero já preparado. Ao cabo de duas chances da primeira opção, o casal entra na fila da segunda. Caso proble mas de saúde impeçam a inseminação, por exemplo, o casal apenas terá as duas chances da in-vitro, que tem uma fila de espera com duração de aproximadamente quatroFoianos.justamente na última tentativa que Patrícia Afonso, 38, conseguiu o tão sonhado positivo. “Fiz duas insemina ções e não deu certo, fiz uma FIV e não deu certo, na minha última tentativa eu consegui. Eu sempre tive muita fé, mas não é fácil. É difícil essa espera, é difícil o tratamento”, conta. É um processo desafiador, uma luta contra o tempo. Patrícia iniciou o processo há oito anos, só na fila de espera foram quatro. O limite de idade para passar pelo processo em si é de pratica mente 40 anos. Patrícia adverte que, caso a futura mãe queira iniciar o procedimento, ela deve começar o quanto antes. “Se você procurar com 38, 39 anos é melhor você nem procurar porque você não vai conse guir, porque quando chegar a sua vez você já passou da idade”. A ginecologista Rosaly Godano, responsável pelo setor da reprodu ção humana no Hmib, reconhece esse empecilho. A fila, segundo ela, supera os mil nomes de mães, por isso, a demora. Assim sendo, se um casal ingressa aos 38 anos da mulher, é muito provável que ela envelheça até o procedimento. Chegando mais velha que o permitido, não se faz mais a fertilização. Antes da pandemia, não havia esse limite de idade.

Fontes internas relatam que o número de mulheres beneficiadas pode ria ser muito maior, caso houvesse mais material. Estima-se que, de quatro anos, o tempo poderia ser diminuído a seis meses. Contatada para a reportagem, a assessoria da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, que responde pelo Hmib, admite que, quando há recursos, a fila é nula. Ocorre assim: o processo de compra dos medicamentos não é regular. Eventualmente, não tem orçamento e não se compra a matéria -prima. Quando há verba, o remédio vem em atacado e com validade limi tada. A equipe do setor promove, então, mutirões de fertilização em massa e aí a fila anda.Aquantidade de tentativas não é mensurada pela quantidade de inser ções do embrião ou do gameta na mulher. É medida pela quantidade de Eu sempre tive muita fé, mas não é fácil. É difícil essa espera, é difícil o tratamento”

Patrícia Afonso, mãe pelo Hmib Patrícia se diz realizada após a última tentativa de inseminação dar certo pessoalArquivo

O Hmib atua pela fertilidade dos casais desde 1998 e é o único que oferece tratamento totalmente gratuito, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além dele, instituições como a Maternidade Escola Januário Cicco, ligado à UFRN, e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP oferecem o serviço, mas cobram valores para medicamentos e procedimentos relacionados ao processo.

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O hospital de Brasília é referência, não somente pela gratuidade, mas também pela qualidade, que é reco nhecida pela Rede Latino-americana de Reprodução Humana (Lara). Até hoje, cerca de 1.850 captações de óvulos, 1.199 inseminações e 517 transferências de embrião conge lado já passaram pelas mãos da equipe da Reprodução Humana do hospital.

“Tem que ter muita força pra continuar, as pessoas desistem porque não dá certo, é muito difícil quando não dá certo” Leonice Mendes, mãe pelo Hmib

Lima, candidata na fila desde 2018, relata que o período de espera é desesperador e angustiante. Foi pior ainda no início da pandemia, quando a oferta de medicamentos e verbas para esse setor da Saúde foi ainda menor do que oLeonicenormal. faz um pedido: “O SUS precisa continuar ajudando a reprodu ção assistida. Na época que eu fiz era um espaço muito pequeno, pouco recurso e isso fazia com que demorasse muito tempo na fila”. Acolhimento Todas as mulheres que falaram à repor tagem lembraram com carinho do acolhimento que receberam da equipe da reprodução humana do Hmib.

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O planejamento começa antes do resultado positivo MesquitaDébora

Após isso, a UBS encaminha o caso para um Hospital Regional, no caso do Distrito Federal. De lá, o casal é encaminhado para o Ambulatório de Reprodução Humana, no Hmib. Caso a futura mãe seja de outro estado, deve procurar o Núcleo de Tratamento Fora de Domicílio (TFD), na Secretaria de Saúde do Município ou do Estado, que conver sará com a Secretaria de Saúde do DF. Já no Hmib, o casal passa por outros exames complementares e os médicos fecham o diagnóstico. Daí o casal entra nas filas de Quandoespera.chega a vez da mulher se apresentar, ela deve estar com exames atualizados (valem por até seis meses), e inicia a usar os hormônios que induzem os processos naturais e os medicamentos.

“Tem que ter muita força pra continuar, as pessoas desistem porque não dá certo, é muito difícil quando não dá certo”, confidencia.Marília

A equipe estimula o ovário da paciente e efetua a tentativa de fertilização. Leonice Mendes tem um filho, o Arthur, de 4 anos. Engravidou graças ao Hmib e ainda tem uma tentativa sobrando. No caso dela, a inseminação não cabia, devido ao motivo da infertili dade. Na primeira fertilização in vitro, deu certo. Agora cogita usar a segunda chance para dar um irmãozinho ao filho: “ele fica me pedindo um irmãozinho, daí eu e meu esposo estamos decidindo se vamos tentar outro”. Ela explica que, no caso dela, não precisaria entrar na fila de novo. Leonice conta que, durante o longo processo, muitas candidatas desistem.

“Olha, lá as médicas são maravi lhosas, eu não passei ainda por todo o processo, mas os profissionais são acolhedores. E temos uma enfermeira do coração, a Rosi”, diz Marília Lima. Falas com esse teor são comuns entre as entrevistadas.Atécnica de enfermagem Rosilda Souza, Rosi para os mais íntimos – e inti midade é a palavra nesse departamento –, é o nome mais falado nas lembranças carinhosas das pacientes. Rosi entrou no Hmib há dez anos, e após os três primei ros, passou para o setor da fertilização assistida. O que motiva Rosi a seguir no serviço é ver as pacientes realizadas e felizes.

REDEMOINHO vezes que a mulher toma o remédio que induz o corpo a receptível ao embrião ou ao espermatozoide. Em um frasco do remédio comprado pelo setor, há um limite de doses, que são as chances das contempladas.Casaishomoafetivos conseguem entrar nas filas de espera, assim como as mulheres com parceiros homens. Ocorre, entretanto, que o Hmib está sem o convênio do banco de sêmen. Compra de sêmen, assim como de órgãos, tecidos e células no geral, no Brasil é proibida. Além disso, a doação de sêmen é permi tida em casos muito específicos, quando o doador é cunhado da contemplada.

Processo Primeiro de tudo: o casal interessado na fertilização deve se assegurar de que há um problema, que os torna inférteis. Para isso, deve haver um ano de tentativas de gravidez natural sem sucesso. Após isso, o casal deve procurar uma Unidade Básica de Saúde (UBS), onde passará por consulta com médico que solicitará exames e fará a triagem prévia.

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Para ela, bem como para toda a equipe, a empatia é o maior diferencial. “Estou sempre com um sorriso no rosto, sempre dou a atenção que elas necessitam e falo com elas o tempo todo, pelo meu WhatsApp particular. Por lá, eu marco consulta, tiro dúvidas, dou apoio”, conta. Rosi classifica como de fundamen tal importância esse tratamento mais próximo com as pacientes. Ela vê resul tados positivos em todos os sentidos, em especial no Todosemocional.osprofissionais do setor são alvos de elogios. A chamada família da reprodução humana acredita que o contato próximo e íntimo é essencial. A equipe conta que recebe muitos presen tes de famílias que ajudaram. Sempre são convidados para churrascos e festas, seguram o filho nascido no colo, com muito gosto dos pais. Os laços criados no processo duram por muito tempo. No setor, o trabalho é encarado diferente de outras áreas da da saúde no geral. “Em todo o setor da saúde, trata-se da morte. ‘Não morreu? Então está bom’. Aqui [no setor de fertilização], o triste é se não nasceu”, finaliza o biólogo da equipe, Victor Sousa. 

INDUÇÃO DA OVULAÇÃO COM NAMORO PROGRAMADO indicado para mulheres com distúrbios de ovulação INSEMINAÇÃO INTRAUTERINA indicada em casos nos quais há distúrbios de ovulação, endometriose leve e alterações seminais discretas FERTILIZAÇÃO IN VITRO indicada quando não há resposta a outros tipos de tratamento de baixa complexidade INJEÇÃO INTRACITOPLASMÁTICA DE ESPERMATOZOIDES indicada para casos onde os fatores masculinos são severos MINI FERTILIZAÇÃO IN VITRO indicada para a utilização de doses mais baixas de hormônios DOAÇÃO DE ÓVULO (OVODOAÇÃO) indicada quando a mulher não produz mais óvulos ou quando se trata de casal homoafetivo masculino DOAÇÃO DE (BANCOESPERMATOZOIDEDESÊMEN) indicada quando o homem não produz mais espermatozoides ou quando se trata de casal homoafetivo feminino GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO indicada quando o órgão da mulher apresenta alguma condição que prejudica a implantação do embrião ou impede a progressão da gestação

TRATAMENTOS PARA INFERTILIDADE 63 GOMGSPPRRJRSSCPECEDFBAESRNAMMAMSMTPAPBPIALSETO25 17136813 4 443332221122221 CENTROS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA NO BRASIL RR PAAP MA PI CE PB PE AL SE BA RN AM AC RO MT MS MG ES RJSP PR SC RS GO TODF fonte:BancosANVISA de Células e Tecidos Germinativos (BCTS), mais conhecidos como clínicas de Reprodução Humana Assistida (RHA) das redes públicas e privadas

TESTE PRÉ-IMPLANTACIONALGENÉTICO (PTG) quando o casal apresenta alguma doença genética ou seja carreador do gen anormal e deseja selecionar os embriões livres da doença

AlmeidaSarah

S AÚDE

Hoje existe uma variedade ainda maior de sabores, tamanhos e marcas, o que torna por: Eduarda Ayres, Mateus Amorim, Sarah enganam eletrônicosDispositivosde fumar (DEFs) oferecem riscos à saúde e dependênciacausam

AsAlmeidaaparências

REDEMOINHO | 33 Os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), popularmente conhecidos como cigarros eletrônicos, vapes ou pods, são febre entre jovens e adolescentes, uma vez que são facilmente encontrados para vender, possuem variedades de sabores e essências agradáveis. No entanto, são proi bidos no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em 2009, a agência publicou a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 46, de 28 de agosto de 2009, que proíbe a comercialização, importação e propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar. É importante ressaltar que os DEFs são aparelhos de características variadas. São produtos que começam a ser comer cializados no começo do século 21 com o marketing de ser uma alternativa ao cigarro, podendo ser um dispositivo que evapora um líquido, podendo ter nico tina ou não, ou um aparelho que aquece o tabaco sem produzir fumaça. Desde então, os DEFs passaram por várias mudanças até serem reconhecidos como são hoje e que, por muito tempo, passa vam despercebidos pelo público, pois não havia um número grande de pessoas que os utilizavam.Omercado de cigarro eletrônico começa a crescer a partir de 2015, ano em que a empresa Pax Labs lança no Esta dos Unidos o Juul, um DEF do tamanho de um pendrive, discreto e com diver sos sabores diferentes que podem ser trocados por carregadores descartáveis. Apesar do design moderno e tecnológico do Juul, a maior criação da Pax Labs foi o Sal de Nicotina. A nicotina é extraída da folha de tabaco formando uma solução concentrada, seguidamente é misturada com ácidos para formar o sal . Os sais queimam em uma temperatura menor, permitindo tragar mais vezes antes de sentir algum desconforto. Eles possuem uma concentração maior de nicotina, assim, a cada tragada é disponibilizada mais da substância em comparação a outrosEmDEFs.2022, há outras fórmulas do sal de nicotina, assim como outras empresas produzindo vapes semelhantes ao Juul.

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há o fato de que várias doenças só se manifestam após um tempo de exposição a uma determinada substância ou fator de risco, que é o caso do câncer. “São muitos danos imediatos, a curto prazo. E sabemos que seu vapor possui diversas substâncias tóxicas que causam câncer e que são associadas a outros danos à saúde. Como eles são produtos ‘novos’ e muitas doenças levam um tempo para surgir, só mais para frente que iremos conhecer o verdadeiro impacto ou o verdadeiro estrago”, diz a sanita rista Aline mentoindicadoseletrônicosPorém,indústriaéporqueoDEFsqueexpressivaquantidadeExisteMesquita.umabastantedepessoasacreditamqueospodemtratartabagismo,issotalinformaçãoimpulsionadapeladocigarro.oscigarrosnãosãoparaotratadovício.“Se você argumenta que o DEF pode liberar nicotina, portanto, facilitar o controle daquela dependência, está equivocado. O correto e mais adequado é colocar “A nossa substânciapelospreocupaçãograndecomousodeDEFsadolescenteséporquesabemosque,naverdade,maisde90%dessesaparelhoscontémnicotina,quelevaadependência”

Alberto Viegas, pneumologista

REDEMOINHO complexo o estudo das consequências do uso prolongado destes dispositivos, pois não há padrão de componentes presentes nos líquidos destes aparelhos. “Os cigarros eletrônicos causam dependência porque em sua imensa maioria contém nicotina — droga que chega ao cérebro em segundos. Além disso, os modelos mais novos de cigar ros eletrônicos possuem os chamados ‘sais de nicotina’, que aumentam ainda mais o poder de causar dependência. Adolescentes e jovens acabam tendo uma grande chance de se tornarem depen dentes de nicotina para o resto da vida. E essa substância prejudica o desenvol vimento cerebral”, enfatiza a sanitarista da Divisão de Controle de Tabagismo do Instituto Nacional do Câncer (Inca), AlineAMesquita.nicotina se liga ao receptor, ao sistema nervoso central, principal mente no alfa4 beta2, e libera uma série de substâncias, como a dopamina, que dá, temporariamente, sensação de prazer, de conforto e de relaxamento. Então, o uso contínuo leva o paciente a se tornar dependente das substâncias liberadas daqueles neurotransmissores, liberados quando a nicotina se juntou aos receptores.Opneumologista e professor aposentado da faculdade de medicina da Universidade de Brasília (UnB), Carlos Alberto Viegas, explica que a dependên cia da nicotina tem praticamente três pilares: dependência química ou física, dependência psicológica e dependên cia comportamental. “A nossa grande preocupação com o uso de DEFs pelos adolescentes é porque sabemos que, na verdade, mais de 90% desses aparelhos contém nicotina, substância que leva a dependência. E a indústria fumaceira lançou isso dizendo que por não ter tabaco, não há dependência, e isso não é verdade. Além disso, que também é muito agravante, os DEFs contém um refil que o próprio usuário pode colocar o que quiser, por exemplo, nicotina, maconha, álcool e várias outras subs tâncias, que depois irá aquecer e Comoinalar”.todo tipo de cigarro, os eletrônicos também podem causar câncer. Por meio de estudos, pesquisas de labora tório ou pesquisas básicas foram iden tificados o potencial desses produtos em produzir seroshámercado,produtotanto,cancerígenas.célulasEntreporserumrecentenoaindanãocomoavaliartodosdanosquepodemocasionados.Eainda

REDEMOINHO | 35 outras formas de nicotina nesse paciente que está querendo parar de fumar; nós temos as terapias de reposição de nicotina que pode ser de adesivo sublingual, entre outros métodos”, afirma o pneumologista CarlosOsAlberto.DEFs aumentam o risco de danos cardiovasculares e respiratórios. Incluindo um tipo de doença pulmonar grave, que matou dezenas de jovens nos Estados Unidos, em 2019 e 2020, a EVALI

“Se você argumenta que o DEF pode liberar portanto,nicotina,facilitar o controle dependência,daquelaestáequivocado”

Alberto Viegas, pneumologista

AyresEduarda (sigla em inglês, para lesão pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro eletrônico ou vaping). No Brasil, há inúmeros relatos de danos pulmonares relacionados ao uso desses produtos. Dentre eles, acidentes como explosões, que causam lesões e mortes; intoxicação e lesão pelo contato com os líquidos utili zados no cigarro eletrônico, sobretudo em crianças.Nolíquido dos DEFs, além dos polê micos sais de nicotina, existem produtos que já causam ou têm o potencial de causar doenças e agravos à saúde, são eles: - Nicotina: uma droga que causa dependência, prejudica o desenvolvi mento cerebral de crianças e adolescentes e causa danos às gestantes, dentre outros; - Propilenoglicol e glicerina vegetal: aumentam a irritação nos pulmões e vias aéreas;- Compostos orgânicos voláteis: podem causar irritação nos olhos, nariz e garganta, dores de cabeça e náuseas, e podem danificar o fígado, os rins e o sistema nervoso; - Aromatizantes, como o diacetil: está relacionado a doença pulmonar grave;- Formaldeído: substâncias cancerígenas;-Partículas ultrafinas, que são inala das: chegam aos pulmões e podem causar doenças cardiovasculares e respiratórias; - Metais pesados, como níquel, chumbo e outros: causam danos no sistema nervoso central, rins, pulmões, dentre outros.

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A Anvisa, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que realiza a fiscalização online de qualquer produto fumígeno, entretanto, esta não é uma atribuição exclusiva da agência. Vigilâncias sanitárias estaduais e municipais também podem fiscalizar qualquer tipo de irregularidade sanitária. “No caso da venda em lojas físicas, a denúncia pode ser feita na própria vigilância sanitária do município que tem competên cia para autuar estes estabelecimentos. Muitas vezes, durante a apuração da venda online realizada pela Anvisa, são identifica dos endereços de lojas físicas onde os DEFs são irregularmente comercializados”, diz a Agência de Vigilância. Segundo dados disponibilizados pela assessoria de imprensa da Receita Federal, em 2021, foram registradas no Brasil apreensões de 450.729 unidades de cigarros eletrônicos no valor de R$ 17.970.200,30, mais 176,00 quilogramas de cigarros eletrônicos no valor de R$ 16.150,53, que resulta num valor total de R$ 17.986.350,83 referentes às apreensões de cigarros eletrônicos.

Substituto ao tabaco

O engenheiro agrônomo Eduardo Vianna, 24, por seis anos fumou cigarro de palha e, em 2021, começou a fumar cigarro eletrônico em festas. Aos poucos, foi gostando da prática. Depois de um tempo, passou a usar somente pods — cigarro eletrônico descartável —, levando ao abandono definitivo do tabaco.

Eu vejo alguns benefícios, como poder fumar em qualquer lugar sem incomodar os outros, sem ficar com cheiro, o mau hálito melhora. Porém, reparei que meu condicionamento físico deu uma boa piorada, sinto muita falta de ar. Eu fumava um maço de paiol por semana e ia jogar futebol tranquilamente, com o pod não consigo mais”, relata.

Eduardo afirma que o cigarro eletrônico vicia do mesmo modo que o tabaco, além de ser um hobbie muito mais caro. Ele gasta cerca de R $120 por semana. “Muitas pessoas começam fumando só em festas para se enturmar e parecer legal, mas

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REDEMOINHO A fiscalização é real? Apesar da proibição no Brasil, esses produtos estão cada vez mais em ascensão. A comercialização acontece livremente em tabacarias, bares, sites, padarias, lojas de conveniência e, prin cipalmente, por perfis de instagram. Portanto, não há uma fiscalização efetiva e rigorosa acerca dos DEFs.

“Tem algumas diferenças em ser fumante de cigarro eletrô nico; em termos de dia a dia é melhor, no sentido social mesmo.

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É o caso da dona de casa Elisângela Rocha, 38, que fumava cigarro há 10 anos, tentou abandonar várias vezes, recorreu ao tratamento com bupropiona (remédio para tratamento da dependência à nicotina), mas não obteve sucesso. “Há sete meses comecei a fumar cigarro eletrônico como forma de parar o tabagismo, e está dando certo. É bem melhor porque não tem o cheiro de tabaco e senti uma melhora no paladar e olfato”, conta.

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PREVALÊNCIA NO DF: PNS DO IBGE 2019 36% desse valor são vítimas de câncer de pulmão As chances de morte devido a esse tipo de câncer aumentam em 20 vezes para os fumantes

Fonte: Boehr nger Inge he m "No Brasil, 73.500 pessoas são diagnosticadas com câncer por tabagismo". 2,2% dos habitantes do DF usam dispositivos eletrônicos de fumar (DEEF s) Fonte Poder 360 "A prevalência no Distrito Federal é maior do que nos outros estados" "Os cigarros eletrônicos aumentam o risco de danos cardiovasculares e respiratórios Incluindo um tipo de doença pulmonar grave, que matou dezenas de jovens nos Estados Unidos em 2019 e 2020 A EVALI, sigla em inglês para lesão pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro eletrônico ou vaping" Fonte: INCA 85% da produção de tabaco do Brasil sejam destinados à exportação Fonte NCA Incidência de fumantes em países de baixa renda 80% dos mais de um bilhão de fumantes do mundo vivem em países de baixa renda (WHO, 2020) F t NCA Quase toda a produção de tabaco do Brasil é exportada

Para o autônomo Tiago Morais, 44, foi um pouco diferente.

Ele fumou cigarro convencional durante 20 anos, e conseguiu largar por dois anos, até começar a fumar vapers. “Eu estava sem fumar nada, mas há oito meses comecei a usar o cigarro eletrônico, e sinto que mesmo com o nível mais baixo de nico tina, infelizmente estou dependente. Mas acredito ser mais fácil largar”,Emdiz.abril, o Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (CETAB) da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) lançou uma campanha para alertar sobre os riscos do uso e da possível liberação dos DEFs no Brasil. Segundo Silvana Rubano Turci, pesquisadora do Centro, a indústria do tabaco tem pressionado a Anvisa para a liberação dos dispositivos no país com o argu mento de que os produtos oferecem menos prejuízos à saúde dos usuários. Por isso, a importância de uma campanha neste momento (informações do Portal da Fiocruz).  80% 2,2% 85%

quando vê já está comprando com frequência, e deixa de ser um hábito de fim de semana, você acaba se tornando dependente. Eu pretendo parar de fumar, mas sei que vou precisar de um acompanhamento médico, porque sozinho é muito difícil”.

por: Bruno Almeida, Rafael Magalhães e Rosilene de Oliveira Luta e resistência Conheça Vão de Almas, a comunidade pertencente ao povo Kalunga, cujo território guarda um conhecimento secular e é um espaço de luta e resistência, e que forma identidades coletivas C IDADANIA OliveiradeRosi

O povo Kalunga é formado por dezenas de agrupamentos familiares distintos e abrange três municípios do estado de ilegítimos,eleslegalseresistência,bolasfugidos)(entendidonidadesAlémadamentequilombosMarinho,cerrado.rioAlegre e TeresinaGoiás: Cavalcante, MontedeGoiás.Seuterritóocupacercade262milhectaresdoAsociólogaepesquisadoradacomunidadeKalunga,ThaisAlvesafirmaqueaorganizaçãoemnestaregiãodatadeaproxima1720,masnãoépossívelprecisarocupaçãodosKalunganoterritório.disso,aideiadeassociarascomuexistenteshojeaoquilombocomoumredutodeescravoséumaideiarasa.Paraela,adiscussãosobrequilomnaatualidadepassapelanoçãodeindependentedelesteremapropriadodoterritóriopormeio(compra,doação,herança)ouseocuparampormeiosconsideradoscomonaocupaçãoenquanto

Justifica: muitos ruralistas com interesse nas terras ocupadas por esses grupos pres sionam para que só sejam tituladas as comunidades que têm comprovação de ocupação via quilombo histórico, e isso é impossível e longe da realidade dos atuais grupos quilombolas, porque ninguém que quisesse sobreviver ao racismo, ficava declarando que tem origem quilombola.

escravizados fugidos, chamados de quilombos históricos. A resistência vem do fato de preservarem um estilo de vida comunitário, baseado na agricultura de subsistência e de resistirem às distintas e diversas formas de racismo.

Então, até hoje, muitos quilombo las têm receio de afirmar que ocuparam o território via quilombo, a maior parte deles, comprou a terra ou herdou, mas não tem escritura, por causa do racismo.

Povo kalunga

REDEMOINHO | 39 Estreitas estradas de chão se abrem como artérias, na terra branca e areosa, no cora ção do cerrado brasileiro. A paisagem é uma das mais bonitas do país. Um conjunto de serras, cortadas por rios, estendendo-se até o limite do horizonte, que despenca como um mar azul na imensidão.Estecenário, há aproximadamente 300 anos, foi considerado o refúgio ideal para centenas de pessoas, que foram trazidas para esta região para o traba lho forçado na exploração de ouro e de diamantes. Essas pessoas fugiram da escravidão, embrenhando-se no cerrado, rumo a uma vida em liberdade. Essa é parte da história do povo Kalunga, a maior comunidade quilombola do Brasil.

A pesquisadora ainda alerta para os riscos desta lógica onde há a necessidade de comprovação da origem quilombola.

O critério exigido hoje é a auto-atribui ção. De acordo com a pesquisadora a comunidade Kalunga passou a se auto -atribuir quilombola a partir de 1982, com a chegada da antropóloga Mari Baiocchi à comunidade.Navisão de Thais Alves Marinho, hoje a comunidade se tornou bem mais consciente da legislação quilombola e se submete a um processo que ela entende por “etnicização”. Eles estão mais segu ros em se auto-atribuírem quilombolas, possuem associações comunitárias, uma associação central, dialogam com a Conaq - Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos -, possuem museus, escolas e constituem lideranças políticas, como o prefeito de Cavalcante, que é Kalunga.

OliveiradeRose

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A casa no Vão de Almas normal mente é de adobe ou pau a pique, poucas construções são de tijolo. O telhado é de pindoba (uma palmeira). A cozinha é apartada e é o espaço de maior permanên cia da família. O interior dos quartos tem poucos móveis, basicamente as camas. Na área externa há o quintal e a casa de fazer farinha. Outra característica é a proximi dade da roça com a casa e com o rio, que é um elemento vital para a população.

O dia no Vão das Almas começa às cinco da manhã, com o fogo na fornalha para coar o café. Embora tenham fogão a gás, a preferência para fazer todas as comidas é pela fornalha, como explica dona Fiota: “Não gosto de fogão à gás não, é difícil. Comer dele não é saboroso, também não gosto de panela de pressão. Eu gosto de colocar uma água no fogão, o feijão e deixar aí cozinhar por natureza dele mesmo”.Quando a tarde cai, a família gradu almente vai se dirigindo ao rio para banhar. O chuveiro elétrico é usado excep cionalmente. O dia termina por volta das nove da noite. Mesmo com a televisão na sala, em muitas casas ela não ocupa a centralidade, fazendo mais sucesso entre os jovens.A jornada transcorre com o cuidado da roça, e do gado (nas casas que têm este último), em recolher frutos pelo cerrado e transformá-los em óleos ou sabão, também com a fabricação de farinha.

Vão das Almas

A fornalha divide o espaço com fogão a gás na cozinha de Vão de Almas

“A comunidade fica logo atrás do Morro Encantado”. Este é o curioso ponto de referência informado a todos para se Comunidade Sucuri, que fica abandonada a maior parte do ano, onde acontece no mês de agosto o principal festejo de Vão de Almas chegar à comunidade, estabelecida entre duas serras, a Vão de Almas.

OliveiradeRoseRosedeOliveira

Vão de Almas, assim como outras comunidades do povo Kalunga, mais do que um traço étnico, racial, afrodescen dente ou até mesmo o fator histórico, é caracterizada pela forma de vida, na qual o controle e organização do território é essencialmente coletiva e se estabelece a partir de elementos comuns, como a casa, o cultivo da terra, num manejo de subsis tência, e a presença dos espaços sagrados.

REDEMOINHO | 41 O povo no Vão de Almas tem várias dificuldades de acesso às políticas públi cas. Ainda não tem posto de saúde, por exemplo. A escola começou a funcionar em 1996, por iniciativa de uma mulher, Maria Pereira dos Santos, hoje com 46 anos. Com Marisa, como Maria Pereira é conhecida na comunidade, se encontra a memória da história da educação formal em Vão das Almas. Ela conta que teve a oportunidade de estudar, inicialmente até sexta série, em Cavalcante (GO), mas depois voltou para o Vão das Almas para casar. Acostumada a trabalhar na cidade, Marisa queria ter um ofício no Vão. Então, foi até o prefeito e apresentou a demanda de 25 crianças que se encon travam sem nenhuma instrução formal e prontificou-se a alfabetizá-las. A prefeitura lhe deu a autorização para começar as aulas e também a permis são para nomear a escola, e ficou nisso a participação do poder público. Marisa relata que as aulas aconteciam em sua casa, em mesas improvisadas e as cadeiras eram tocos de madeira. Ela ensinava e

A capela, no centro do povoado, é um dos espaços sagrados da comunidade

fazia o lanche na fornalha para os alunos, que a ajudavam a recolher lenha, buscar água no rio e varrer a sala. Tudo era orga nizado por ela, os alunos e os pais.

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“Nossa linguagem aqui não é uma linguagem errada, mas quando a gente chega lá fora, muitos entendem nossa linguagem como errada. Quando eu cheguei lá, o que eu falava, pra mim, era errado, mas depois fui perceber que a forma que eu falava era a forma que eu aprendi aqui. Hoje eu posso interferir nisso falando pros meus alunos como é a linguagem lá fora. Eu tento explicar, você nunca pode perder sua linguagem, mas neste momento tem que aprender como falar lá fora também, mas nunca esquecendo sua cultura, sua identidade”, detalha o Paraprofessor.estudarna comunidade Vão de Almas, os alunos ainda têm o desafio do acesso à escola. Como todas as estra das são de chão e, portanto, muito frágeis às mudanças do tempo, com frequência acontecem de não terem como se deslocar.

Um dos professores formados por Marisa é Sivaldo Marques, 33, profes sor há 4 anos. Ele conta que seu maior sonho era atuar na comunidade e ajudar os jovens, não somente a aprender os conteúdos formais, como a desenvolver estratégias de adaptação fora do espaço Kalunga. Para ele, os principais problemas enfrentados por um Kalunga que quer prosseguir os estudos são a linguagem e o preconceito ainda grande.

Todos os professores são locais. As tentativas de colocar docentes fora da comunidade foram frustradas, pois os Kalungas não aceitaram, por não se senti rem compreendidos por estas pessoas.

Fiota, 48 anos, fabrica óleos, cuida da roça e é mãe de sete filhos

Em 2002, teve início a participação do poder estadual, mas somente em 2003, as crianças e adolescentes começaram a ter a possibilidade de estudar para além da quarta série. Atualmente, da pré-escolar até o quinto ano é responsabilidade do município, tendo quatro professores para 51 alunos; e do sexto ano até o ensino médio é do estado, no qual lecionam cinco docentes para 85 alunos.

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As pessoas do Vão de Almas não precisam de muitos motivos para reunião e festa. Em uma noite qualquer a comunidade se reúne em uma das casas. As mulheres já preparam os tachos de galinha com arroz. Todos chegam e se cumprimentam com respeito, principal mente com os mais velhos. Alguém liga um som, destes com caixas automotivas, e ao ritmo de músicas tradicionais, mas também forró, Barões da Pisadinhas, sertanejo… idosos, crianças e mulheres solteiras e casadas pisoteiam uma poeira fina, debaixo de uma barraca de palha, numa alegria e energia inesgo táveis até o nascer do dia.

REDEMOINHO Danças e Festejos Toda comunidade tem uma forma de representar sua cultura por meio da arte, e com o povo Kalunga não é diferente. O gingado passado de geração em geração entre os quilombolas do Vão das Almas tem origem nos povos africanos trazi dos ao Brasil para o trabalho escravo. Composta por versos curtos e o som de batucada, a sussa inclui dança, cantos, ritmo de viola, caixa, tambor e pandeiros. A dança hereditária dos Kalunga incorpora o bailar em movimentos circulares dos dançarinos, criando uma perfeita harmonia de beleza e ritmo. Como em toda dança, os instrumentos são parte essencial e refletem o artesa nato da população Kalunga. Tamborins feitos à mão com couro e a cuíca feita com madeira e couro são aquecidos ao sol ou próximo da fogueira antes das festividades.Asussa é comumente dançada durante os Festejos do Divino Espírito Santo, uma das mais antigas e difundi das práticas do catolicismo popular. Isso se deve à forma como a cultura portu guesa foi aos poucos diluída nas crenças e cultura dos escravos africanos. Atual mente, a crença cristã é a mais comum entre os descendentes dos primeiros Kalungas, como a dona Fiota, 48. Ela afirma que o povo da comunidade Kalunga é, atualmente, todo católico, mas esse cruzamento de culturas não a deixa esquecer suas origens. “Eu comecei a dançar sussa com 10 anos de idade. É uma dança que vem dos antigos”, explica. A dança é uma das expressões cole tivas mais importantes para os Kalungas, e eles não só se orgulham, mas também adoram essa parte de sua história. Elisa bete Marques, 65, diz que o que ela mais gosta na comunidade são as folias e os festejos. “Quando eu era mais nova, eu dançava”, relata. Para a comunidade do Vão de Almas, os festejos são parte cons tante fundamental de seu modo de vida.

dosvisitadavídeosAcesse AlmasdasVãoaorepórteres

Sejam aniversários ou festejos culturais, toda a comunidade frequenta a diversão, independente de ser conhecido, indepen dente de crença.

A atual escola em Vão de Almas. A educação na comunidade começou em 1996. Somente em 2003 pasou a ter participação ativa do Estado

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O espaço da casa é uma das formas de organização coletiva do território. Casa típica do Vão de Almas

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O festejo mais importante para a comunidade de Vão de Almas é o de Nossa Senhora da Abadia, que acontece no povoado de Sucuri, às margens do rio das Almas.Opovoado fica abandonado durante todo o ano, e é revitalizado para a festa. Cada família tem ali sua casa, na qual passam os cinco dias de festejos, descansam e cozinham durante o dia e dançam e rezam pela noite. É durante este festejo que todas as famílias se reúnem, inclusive as que ficam a maior parte do tempo na cidade, para trabalhar ou os jovens que partiram para estudar. Nisso vivem a expressão máxima do que é ser Kalunga.

O tempo anda sem pressa no Vão das Almas

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Thais Alves Marinho é autora do livro Kalunga: os donos da terra, lançado em 2019, pela editora Brazil Publishing. O livro é a publicação de sua dissertação de mestrado em sociologia pela faculdade de Ciências Humanas e Filosofia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás. A comunidade estudada é a Kalunga, na qual ela concentrou-se em quatro agrupamentos: Ribeirão dos Bois, Vão de Almas, Vão do Moleque e Engenho II, nos municípios de Monte Alegre, Teresina de Goiás e Cavalcante

No livro, a autora aborda a formação sócio -histórica brasileira, cultura e etnicidade. Mas também as lutas e problemas enfrentados pelas comunidades como as dificuldades de acesso à educação, e a outros direitos básicos como documentação pessoal e enfraquecimento da organização comunitária. Também identifica a importância da terra Kalunga como fundamental para esse povo, a partir da qual eles constroem sua identidade, sendo portanto, um campo de produção de identidades coletivas.

PARA SABER MAIS

REDEMOINHO | 43 Estar no Vão de Almas é se apro ximar de um povo que guarda um conhecimento secular, cuja territoriali dade coletiva, suas lutas diárias e a forma como trabalham e usufruem da natureza é resistência e aprendizado. Como na sabedoria manifestada por dona Fiota: “Eu vou trabalhando com minha floresta, minha floresta tá ensinando eu a estudar, saber viver, escrever, sei tudo. Escrever de ter ideia, praticar, conversar com meus amigos, pra receber todos aqui em casa”.

Pobreza menstrual afeta pessoas de baixa renda que vivem em situação de vulnerabilidade O DIREITO DE SANGRAR DIGNIDADECOM LuizAndré por: André Luis, Gabriel Rocha e Giovanna Estrela C IDADANIA

“Já precisei ir a lugares importantes e não pude porque estava naqueles dias e não tinha absorvente. Já usei pedaço de pano porque era a única coisa que eu tinha. É muito ruim deixar de sair por estar sangrando, é constrangedor. Tenho medo que minha filha passe por isso também”. Essa é a realidade da Tatiane Apare cida, 25, moradora de Morrinhos (GO), mas também a de outras tantas mulhe res que menstruam. Dados do estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigual dade e violações de direito”, elaborado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), publicado em 2021, mostram que 713 mil meninas brasileiras vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em suas residências e cerca de 4 milhões não têm acesso a itens básicos para higiene nas escolas, como absorventes, sabonetes e banheiros.Amenstruação é um processo biológico natural que ocorre em pessoas que possuem útero. Uma pessoa que menstrua pode perder mais de 20 litros de sangue durante toda a vida. O recomendado é que troquem o absorvente uma vez a cada quatro horas para evitar infecções, além de fazer a higiene diariamente com água corrente. Se para a maioria da população que menstrua esse é só mais um hábito normal, para parte significativa desse público a realidade é bem diferente. Miolo de pão, jornal, pedaço de pano, sacolas plásticas e papelão são alguns itens usados por pessoas que não têm condições de adquirir um absorvente para conter o fluxo Amenstrual.Oficialde Desenvolvimento e Participação de Adolescentes do Unicef no Brasil, Gabriela Mora, explica os malefícios da falta de absorvente e do conhecimento sobre o próprio corpo.

“Não ter saneamento básico em casa ou na escola reforça a desigualdade e impacta negativamente o desenvolvimento das pessoas que menstruam, assim denominamos a pobreza menstrual” Gabriela Mora, oficial do Unicef Brasil

“Não ter saneamento básico em casa ou na escola reforça a desigualdade e impacta negativamente o desenvolvimento das pessoas que menstruam, assim deno minamos a pobreza menstrual. Se tiver o mínimo, como acesso à informação, cuidados com a higiene e produtos, o que deve ser um direito, denominamos de dignidade menstrual”. A pobreza menstrual é definida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a “falta de acesso a recursos, infra estrutura e conhecimento por parte das mulheres para cuidados envolvendo a própria menstruação”. Vale ressaltar que homens transexuais também menstruam.

Em 2014, a ONU reconheceu a higiene menstrual como um direito, abrangendo questões de saúde pública e direitos humanos. Muito além dos absorventes Pobreza menstrual não se refere apenas à privação de absorventes, trata-se também da privação do direito ao conhecimento, da carência de medicamentos, falta de itens de higiene básica, escassez de aten dimento médico e do difícil acesso à informação. A falta de gerenciamento do ciclo menstrual leva muitas pessoas ao isolamento social, o que fere direta mente a autonomia e dignidade de quem menstrua.Ouso de métodos improvisados para conter a menstruação gera impli cações na saúde. “Podemos englobar alguns prejuízos psíquicos como depres são, autoestima baixa, dificuldade de aceitação, medo, entre outros fatores”, explica a psicóloga Laina Amorim. A ginecologista Josiane Rodrigues aponta os riscos de métodos improvisados para conter a menstruação. “Os itens não indicados pelos médi cos interferem na composição do muco produzido pelas célu las vaginais, gerando uma saúde íntima negligenciada”, diz. A insuficiência de itens básicos para higiene durante a menstruação também prejudica a educação. A falta dos absorventes, papel higiênico, água potável e saneamento básico nas escolas acarreta perda de dias letivos entre estudantes que menstruam. Dados do relatório do Unicef com a UNFPA mostram que 62% das pessoas Gabriela Goulart Mora: “O Unicef tem atuado em várias frentes para promover amenstrual”dignidade

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Com esse crescimento a demanda de absorventes e papel higiênico se amplia.  Ex-detenta, Mabel, 54, que prefere não divulgar o sobrenome, classifica como desumana a situação dentro do presídio. “Nós vivemos de doações, o estado não faz nada pela gente. Se doassem, a gente tinha, se não doassem, ficávamos sem. Ali é a lei da sobrevivência. Quando não tinha absorvente a gente usava papel higiênico ou um ‘paninho’. O pior de tudo é que não podíamos reclamar, se não, seríamos castigadas”.  que menstruam já deixaram de ir à escola ou a qualquer outro lugar por causa da menstruação e 73% sentiram desconforto nesses ambientes. Tatiane Aparecida relata que precisou faltar aula por causa da menstruação. “Já deixei de ir à escola porque não tinha absor vente, eu não tinha condições de comprar, então preferia ficar em casa. Ficava com medo de vazar sangue na minha roupa e não ter onde me limpar porque na escola não tinha nem papelParahigiênico”.considerar a pobreza menstrual em dimensões de dignidade e participação social, é necessário incluir homens trans, que também sofrem constrangimentos e provocações devido à identidade de gênero. De acordo com o Unicef, homens trans e pessoas não binárias “frequente mente enfrentam discriminação devido a sua identidade de gênero que os impede de acessar os materiais e instalações de que precisam” para menstruar com dignidade. “Os itens não indicados pelos médicos interferem na composição do muco produzido pelas células vaginais, gerando uma saúde íntima negligenciada”

Marcos, homem trans que aqui é identificado por um nome fictício, afirma que a pobreza menstrual age em efeito dominó para quem é transexual. Ele relata que além de todos os desconfortos para menstruar, e ainda ser tratado por pronomes femininos, os seus pais quase o expulsaram de casa por não aceitarem sua identidade de gênero. “Se tivessem me expulsado, não sei o que seria de mim. Conseguir um emprego fixo com carteira de trabalho assinada, que te respeite, é muito complicado, e levando em conside ração que já está tudo extremamente caro, gastar com absorventes aperta ainda mais o meu orçamento”. A realidade em presí dios brasileiros também deve ser levada em consideração. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Peni tenciárias, o encarceramento feminino está aumentando. Em 2018, foram contabiliza das 36,4 mil mulheres e, em dezembro de 2019, 37,2 mil.

Josiane Rodrigues, ginecologista

Miolo de pão, jornal, pedaço de pano, sacolas plásticas e papelão são alguns itens usados por pessoas que não têm condições de adquirir um absorvente

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“A dignidade menstrual não consiste somente na distribuição de absorventes, mas também no direito ao acesso a reprodutivosdireitocondiçõesbásico,saneamentodireitoàmoradiadigna,dehigiene,àágua,alémdoacessoainformaçõessobredireitosesexuais” Mariana Tripode, advogada

RamosLucas

Em 14 de setembro de 2021 foi aprovado pelo Senado o Programa de Proteção e Promoção à Saúde da Mulher, projeto da deputada Marília Arraes (Solidarie dade), que prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para mulheres em situação de rua ou vulnerabilidade social, estudantes de baixa renda matriculadas na rede pública, presidiárias e adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.  No Dia Internacional da Mulher deste ano, o presidente Jair Bolsonaro assinou o decreto (com restrições) de distribuição gratuita de absorventes, mesmo após ter vetado o mesmo projeto em outubro de 2021. Em 10 de março de 2022, dois dias depois de assinar o decreto (editado), o Congresso derruba veto do Presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes. De acordo com informações passa das pela assessoria da deputada Marília Arraes, a implementação desse projeto representa mais dignidade e respeito para todas as mulheres. “Felizmente, com uma grande articulação no Congresso Nacio nal, conseguimos derrubar o veto no início do ano. O direito de ir e vir, assim como o direito à educação e tantos outros, não podem ser violados pela falta de uma política que garanta dignidade para essas pessoas”, completa.   O direito à dignidade e à saúde da mulher está determinado nos mais diver sos tratados internacionais e, sobretudo, na Constituição Federal de 1988. Ao discutir pobreza menstrual, é preciso reivindicar o seu oposto: O direito à dignidade menstrual. De acordo com a advogada e fundadora da Escola Brasi leira de Direito das Mulheres, Mariana Tripode, alguns direitos são violados pelo Estado ao não garantir o básico para a higiene“Amenstrual.dignidademenstrual não consiste somente na distribuição de absorventes, mas também no direito ao acesso a sane amento básico, direito à moradia digna, condições de higiene, direito à água, além do acesso a informações sobre direitos reprodutivos e sexuais. No Brasil, meninas e mulheres têm tais direitos constante mente violados”, diz Mariana.

Absorvendo o fluxo  A falta de políticas públicas por parte do Estado é compensada pela solidariedade dos cidadãos que lutam para combater a pobreza menstrual no Brasil. Diversos projetos sociais, ONGs, e instituições trabalham duro para trazer dignidade a pessoas que necessitam de cuidados menstruais.Oprojeto brasiliense Segui o Fluxo (@seguiofluxo) surgiu em outubro de 2021, após o veto de Jair Bolsonaro para a distribuição gratuita de absorventes. A idealizadora e responsável pelo projeto, Maria Julia Ferreira, estudante de medi cina, cria campanhas para arrecadar preservativos e itens de higiene mens trual/pessoal para mulheres em situação de vulnerabilidade, além de ministrar palestras educativas sobre o funciona mento do corpo feminino. Inicialmente, o público alvo da ação social eram pessoas carentes residentes em Brasília, mas deci diram ampliar os esforços para atender comunidades em São Paulo e no Rio de Janeiro. “O objetivo é alcançar ainda mais lugares pelo país”, diz Lorena Viana, responsável pela parte administrativa do projeto. Em Curitiba, o projeto Coletivo Igualdade Menstrual (@igualdademens trual) age tentando minimizar os impactos causados pela pobreza menstrual. “Acredi tamos que o empoderamento da mulher na luta pela garantia dos seus direitos começa com a educação, e é isso que fazemos questão de levar em todas as nossas ações”, conta Andressa Carmo, administradora do projeto. Além de organizar campanhas de arrecadação e doação, elaboram textos educativos e informativos, atuando junto ao Poder Público. “Fazemos parcerias com empre sas, instituições, escolas, representantes

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REDEMOINHO | 49 governamentais e líderes comunitários”, explica.AONG Mãos Invisíveis (@projeto maosinvisiveis) é voltada, principalmente, para a população em situação de rua e famílias em extrema vulnerabilidade em Curitiba e região. No que tange a pobreza menstrual, a ONG arrecada, com frequ ência, absorventes, lenços umedecidos e roupas íntimas limpas para doar a pessoas em situação de rua. “Enquanto mulher, preciso de um local para me higienizar, tomar um banho e principalmente o conforto de minha casa para enfrentar as cólicas. As pessoas em situação de rua não tem um local para passar o perí odo menstrual. Foi pensando nisso que lutamos junto a Defensoria Pública do Estado pela liminar que prevê o acesso gratuito da população em situação de rua aos banheiros da cidade. Essa foi uma conquista fundamental no processo de luta por direitos e pela dignidade dessa população”, afirma Rafaella Riesemberg, vice-coordenadora do projeto. A fundadora do Projeto Absorver (@_projetoabsorver), Mirela Cavichioli, conta que decidiu fazer arrecadações permanentes de absorventes para doações em São Paulo a partir da participação em outras ações em que esteve presente. Mirela constantemente recebe pedidos de ajuda de mulheres que não possuem itens para higiene menstrual. “Recebi o relato de uma moça que tinha um fluxo muito intenso e que não conseguia trabalhar nos dias em que estava menstruada. Ela optava por deixar os poucos absorventes que tinha para sua filha e usava pedaço de pano, tecido velho, para conseguir dar conta do sangramento”.  “Acreditamos que o empoderamento da mulher na luta pela garantia dos seus direitos começa com a educação, e é isso que fazemos questão de levar em todas as nossas ações”

Andressa Carmo, do projeto Coletivo Igualdade Menstrual

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matérias e

Políticos e partidos são conhecidos por defenderem uma causa, por assumirem um papel de voz na sociedade, defen der o que o eleitorado deseja ter, como melhorias na educação, saúde, segurança e transporte público. Formalmente, essas defesas são chamadas de pautas, porém, no jargão social, são mais conhecidas comoAtualmente,bandeiras. o cenário político sofre com a criação ou apropriação de bandeiras genéricas, promessas sem base, autenticidade e sinceridade. Candidatos se apegam ao eleitorado com maior parte dos votos, declaram seu apoio, sobem nas pesquisas e ganham cargos, porém, durante o mandato, nem sempre seguem seus dizeres de campanha. A cientista política e especialista em relações governamentais, big data e inteligência competitiva, Camila Santos, explica que a ideia de partidos e suas bandeiras nasce na Inglaterra da Revolu ção Industrial, no século XVIII, quando os trabalhadores começam a se manifestar por seus direitos; e que importados da Europa, surgem os primeiros partidos no Brasil. “Eu acredito que a bandeira é a forma como o político vai se identificar com a sociedade e, a partir daquele tema defendido, irá criar ou achar um eleito rado, montando ali sua base que o levará até um cargo eletivo”, explica.

cenáriotãopormandato;candidaturapropostas,políticosdefendidostemasporemsuasduranteeentendaqueelassãoimportantesnoeleitoral

P OLÍTICA

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Camila Santos é cientista política e trabalha com relações institucionais pessoalArquivo

Bandeiras e promessas por: Ana Beatriz Brito e Vinícius Vicente Bandeiras são

REDEMOINHO Os eleitores O eleitorado se apega ao candidato que compartilha dos mesmos valores e mostra compreender as demandas. Entender a bandeira política de cada partido e candidato antes da votação é de vital importância, pois só assim é possível saber qual é o objetivo do político após eleito e no que serão baseados os seus proje tos. Francisco Ofugi, 18, é filiado ao PSOL, calouro no curso de ciências polí ticas na Universidade de Brasília (UnB) e irá votar pela primeira vez este ano. O jovem diz que será uma experiência nova para ele e que defende o voto de todos, pois é o momento em que as pessoas podem partici par ativamente dentro da política. No entanto, ele alerta: “A política é cons truída todos os dias, e esta questão de ficar espe rando a data marcada no calendário para a gente poder se manifestar e se expressar é um erro que fragiliza nossas perspec tivas de mudanças”. O interesse dos jovens pela política tem sido um assunto muito debatido nos últimos meses. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cerca de 74% das pessoas entre 16 e 18 anos tiraram o título entre os meses de março e abril deste ano, após as manifestações e pedidos de famosos e influenciadores nas redes sociais. Assim como Francisco, existem grupos de jovens ligados no assunto, politizados, que entendem das bandei ras políticas e estudam os partidos e seus candidatos. O estudante explica que decidiu se filiar ao PSOL porque viu na legenda uma possibilidade de política fiel às bases, além de contar com um projeto de representatividade. “O PSOL tem várias bandeiras, algumas são mais destacadas e duas delas já estão no nome do partido, que são socialismo e liberdade, que estão diretamente associadas à democracia, às lutas anti-opressão, a causa LGBT e o antirracismo”, justifica vocêmental,Paraprincipal“Vejointeresse88,comEladedécadas,há,contribuifraçãopaíseleitoralOutraFrancisco.populaçãoquecrescenoéadeidosos,umadoeleitoradoqueparaocenáriopelomenos,quatrocomoéocasoMarleneCerqueira.começouavotar20anose,hoje,aosaindamostragrandepelapolítica.minhabandeirasendoasaúde.mim,elaéfundapoiscomasaúdepodetudo,semela, não temos forças para nada, e muitos candidatos prometem cuidar da saúde dos brasileiros, mas a maioria falha e não cumpre”, conta Marlene, que ainda frisa: “Não podemos perder a esperança. Eu já estou no fim da jornada da vida, mas ainda quero e acredito que irei ver um Brasil com a política melhor, menos desigual”.

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Bandeiras do país e de estados brasileiros expostas à frente do Congresso Nacional

Jovem eleitor Francisco Ofugi em seu skate e com a bandeira do seu partido no Eixão do Lazer,Brasíliaem

“A política é construída todos os dias, e esta questão de dataesperandoficaramarcadanocalendárioparaagentepodersemanifestareseexpressaréumerroquefragilizanossasperspectivasdemudanças”

Francisco Ofugi, 18 anos, estudante de ciências políticas

pessoalArquivoBritoBeatrizAna

REDEMOINHO | 53 “O eleitor é o único que pode exercer o controle, ao buscar quais programas de governo defendidos pelos candidatos, do que foi ou não realizado,efetivamenteseguindo as promessas feitas em campanha” Andrea Costa, advogada eleitoral Congresso Nacional, casa dos parlamentares, deputados e senadores, eleitos pela população brasileira BritoBeatrizAna VicenteVinícius

54 | REDEMOINHO Os políticos Dentro dos cargos políticos, é comum que representantes não sigam o que disse ram em campanha, mas não há qualquer responsabilização que seja aplicada a eles. Os partidos podem e normalmente “exco mungam” os políticos que não seguem a ordem da sigla em votações de plená rio. Nos casos dos chefes do Executivo (prefeito, governador e presidente da República), essas figuras devem registrar seu projeto de governo junto à justiça eleitoral, conforme a Lei das Eleições, 9.504/97, porém, não há o estelionato eleitoral, que poderia promover sanções em caso de seu descumprimento.

Zélio Maia foi diretor do Detran por 2 anos e decidiu iniciar sua carreira política em 2022

João Marcelo Cunha, sociólogo, assessor político e especialista em políticas públicas Sociólogo e assessor político João Marcelo Cunha já trabalhou com parlamentares e hoje é assessor campanhade

BritoBeatrizAna BritoBeatrizAna

“A política hoje invertendosobreprofissionalizada.éMuitospartidosfazempesquisasseueleitorado,parapersonalizarcampanhas,ocenário,ondeoeleitordeveriaconhecerseucandidato,ocandidatoqueescolheeconhecesuabaseeleitoral”

A advogada eleitoral Andrea Costa aponta que a escolha das bandeiras é deci siva durante o processo eleitoral, portanto, elas influenciam diretamente no resultado das eleições. E dentro da união de partidos pela Federação Partidária, de acordo com a Lei 14.208/2021, as siglas unidas devem ter bandeiras, no mínimo, semelhantes.

“O eleitor é o único que pode exercer o controle, ao buscar quais programas de governo defendidos pelos candidatos, do que foi ou não efetivamente realizado, seguindo as promessas feitas em campa nha”, argumenta.Emperíodo de campanha, é impor tante que os eleitores se atentem às falas, pois as movimentações são, proposital mente, manipulatórias. “A política hoje é profissionalizada. Muitos partidos fazem pesquisas sobre seu eleitorado, para personalizar campanhas, invertendo o cenário, onde o eleitor deveria conhecer seu candidato, o candidato que escolhe e conhece sua base eleitoral”, explica o soci ólogo, assessor político e especialista em políticas públicas, João Marcelo Cunha. É importante que candidatos a cargos eleitorais tenham sua bandeira e objetivos bem definidos e, inclusive, já estabeleçam suas prioridades. O ex-dire tor do Detran-DF e agora pré-candidato a deputado federal pelo MDB, Zélio Maia, diz ser um grande defensor da educação e fala da ligação que essa bandeira tem com a mobilidade dentro do Distrito Fede ral e sua história de vida. “Quando eu cheguei em Brasília, morava em Ceilândia e tinha um grau de dificuldade muito grande para chegar na escola. Quando falamos em educação, não é apenas sobre a sala de aula, e sim sobre toda a estrutura necessária para que a pessoa consiga ter acesso a ela”, Candidatosjustifica.que pretendem renovar seus cargos devem se atentar aos pedidos e críticas feitas pela sociedade, porém, mantendo a transparência e promessas feitas no último mandato. “As bandeiras são um meio para trabalharmos e obter mos o objetivo final. Nossas bandeiras são um meio que necessita ser defendido todos os dias, para chegar em um fim justo, equilibrado e para o bem-estar de toda a população”, explica o deputado distrital Reginaldo Sardinha, que deve disputar a reeleição pelo PL este ano.

BritoBeatrizAnaFoto:Kroner;GustavoMontagem:Jubé;LawanyArte:

RosaSantaVinícius

Já a forma de política que conhecemos hoje, dividida por ideologias e partidos representa tivos, surge durante as grandes revoluções do século XVIII, quando a sociedade, insatisfeita com a administração pública, se vê obrigada a defender seus semelhantes e, para isso, usavam representantes com promessas e pautas, que defendiam como se fossem sua nova pátria, sua nova bandeira.

Leandro Grass, atual deputado distrital, é pré-candidato ao governo do Distrito Federal pelo PV e aponta: “Desde o início do meu mandato, faço uma fiscalização muito forte da gestão pública, apontando os problemas e sugerindo mudanças. Tenho ouvido as comunidades, lideranças e especialistas nas mais diversas áreas para identificar os problemas reais do DF e suas possíveis soluções. Nos últimos meses, temos ampliado esses estudos e discus sões para fazer um plano de governo que aborde de verdade essas necessidades”.

O QUE É POLÍTICA?

Diante deste cenário, fica explícita a importância dos partidos e políticos

O conceito de política existe na sociedade desde a Grécia antiga, quando a sociedade define o que é administração. Esse conceito foi criado a partir da necessidade de estabelecer um funcionamento nas pólis, ou cidades-Es tado, no qual fosse possível que as classes sociais populares, que também desejavam participar das decisões políticas, pudessem ter esse direito. Foi neste momento que surgiu a democracia ateniense, o primeiro registro histórico da política e democracia.

Deputado distrital Reginaldo Sardinha

Deputado distrital Reginaldo Sardinha deve concorrer ao segundo mandato naLegislativaCâmara

manterem suas defesas bem definidas, para que consigam passar a mensagem destas bandeiras por meio de suas campa nhas com sinceridade e transparência. É desta forma que os eleitores conseguem se informar dos objetivos de quem estão escolhendo para ocupar os cargos políti cos, escolhendo com cuidado as pessoas que irão representá-los dentro das casas legislativas ou até em palácios do Execu tivo, seja apresentando ou aprovando projetos de leis que atendam aos seus desejos e necessidades. 

O Brasil possui atualmente 32 partidos políticos; acima uma montagem satírica com algumas das maioressiglas

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Para políticos que almejam um cargo de escala diferente, é preciso que mudem as dimensões das bandeiras.

“As bandeiras são um meio para trabalharmos e obtermos o objetivo final”

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Apesar de representar apenas 0,2% da população do Distrito Federal, segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as religi ões de matrizes africanas são as que mais sofrem preconceito. Dados da Polícia Civil do DF mostram que, entre janeiro de 2018 e abril de 2022, cerca de 70% das ocorrências criminais de intolerância religiosa na capital federal estavam rela cionadas a essas crenças. Dos 55 casos de discriminação registrados no período, 39 foram direcionados a seguidores da Umbanda ou Candomblé. Em um destes episódios, em 23 de março, um pastor evangélico inva diu o terreiro Ilê Axé Omò Orã Xaxará de Prata/Ofa de Prata, na zona rural de Planaltina, e destruiu diversas esculturas de orixás. Outros locais sagrados para matrizes africanas foram alvos de ataques recentemente, a exemplo da Praça dos Orixás, conhecida como “prainha”. Em agosto do ano passado, a estátua de Ogum – orixá associado à guerra e ao fogo – foi queimada no local, em mais um ato de intolerância religiosa. Este foi, pelo menos, o segundo caso de vandalismo na praça em seis anos. Em 2015, a escultura de Oxalá, entidade máxima do Candomblé, também foi destruída. Mas nem sempre a discriminação contra religiões de matrizes africanas se manifesta por meio de ataques físicos e depredação. A delegada-chefe de Repres são aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), Ângela Santos, explica que a intolerância religiosa ocorre, na maior parte das vezes, de forma sútil e com características semelhantes ao racismo estrutural.“Épor isso que não temos uma quantidade tão grande de ocorrências no DF, porque o racismo religioso ocorre mais no dia a dia, na sutileza, e acaba não sendo registrado. O que percebe mos é a discriminação mais estrutural, um preconceito que as pessoas já têm, a

C por: Beatriz Gob Fontes, Catielen Oliveira e Thaís Moura As religiões de matrizes

OMPORTAMENTO

Sem espaço para intolerância

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Thiago Mendes e seu Babá Wagner Ty Oxumarê na festa de Fogueira de Xangô em seu terreiro candombléde

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Cerca de 70% dasrelacionadascapitalcriminaisocorrênciasdeintolerânciareligiosanafederalestavamaessascrenças

58 | REDEMOINHO ideia enraizada de que essas religiões de matriz africana praticam o mal. Porque vivemos em um país majoritariamente cristão, então tudo que foge da norma cristã é demonizado “, afirma a delegada. “A discriminação também parte do racismo. É uma tentativa, da dominância branca, de diminuir e desqualificar tudo aquilo originado na cultura e na crença dos povos negros que foram escravizados”.Nadefinição

“As pessoas estão passando a registrar mais, porque, quando temos uma dele gacia como a Decrin, onde constantemente divulgamos informação e informamos sobre como os casos devem ser tratados, elas se sentem mais acolhidas. Aqui, aten demos sem julgamentos, e nosso objetivo principal é evitar que a pessoa seja vítima novamente. Fazemos uma investigação protetiva”, conta. “Mas precisamos conti nuar denunciando cada vez mais, porque só assim vamos saber como estão as esta tísticas, e é por meio dessas estatísticas que o estado pode agir contra isso”, acrescenta.

Dados da Polícia Civil Distrito Federal “Minha avó me levou no terreiro com 5 anos de idade porque eu tinha um problema de saúde muito sério que nenhum médico resolvia” Mãe Bete

do Código Penal, a intolerância religiosa consiste em fazer chacota de alguém publicamente, por motivo de crença ou religião, impedir ou perturbar ceri mônias ou cultos e desprezar publicamente atos ou objetos de culto religioso. A lei prevê, como pena para este crime, reclusão de um a três anos e multa. Mas de acordo com a delega da-chefe da Decrin, muitas situações que deveriam ser enquadradas como discriminação chegam à Polícia Civil disfarçadas por outras denúncias, o que dificulta o combate ao crime e faz com que o número de ocorrências seja inferior à realidade.“Muitas pessoas disfarçam o preconceito, dizendo, por exemplo, que os rituais religiosos do vizinho, que é de matriz africana, estão ‘perturbando a tranquilidade’ da região. Mas quando é uma igreja evangélica fazendo barulho, no mesmo lugar, a pessoa tolera. Ou seja, se o barulho estiver dentro do que acre ditam, eles toleram, mas se não estiver, não toleram. Então também temos essas discriminações sutis sendo revertidas em outros tipos de denúncias “, explica ÂngelaNaSantos.avaliação da delegada, o trabalho feito pela Decrin, única delegacia da capi tal especializada no tema, tem incentivado mais vítimas a denunciar a discriminação.

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Para o professor e doutor em filosofia da religião pela Universidade de Londres King’s College, Agnaldo Cuoco, o desconhecimento e a falta de informação sobre as religiões de matrizes africanas são fatores que fazem com que o preconceito ainda esteja presente na sociedade brasileira. “O nível de educação no Brasil é muito baixo, e temos uma sociedade com pouco acesso à infor mação de qualidade, e infelizmente isso atinge as lideranças religiosas. Também vejo que existe uma grande incom preensão e ignorância sobre o próprio cristianismo, que prega que você tem que amar ao próximo. Mas, mesmo assim, grande parte dos ataques e ofensas às crenças de matriz africana vêm de pessoas adeptas a religiões cristãs”, lamenta. Agnaldo acredita que, hoje em dia, a mobilização por meio da educação esco lar e a divulgação de informação através da imprensa e de publicidades são as melhores formas de combater o precon ceito religioso. “Do ponto de vista legal, não há mais o que fazer, porque a resposta já tem sido dada e o Estado brasileiro tem se movimentado no combate à intolerân cia religiosa. Mas o problema está mais na sociedade civil, que precisa buscar infor mação, conhecer e compreender crenças diferentes. Mas as lideranças religiosas, de todas as crenças, também precisam fazer o trabalho, em suas comunidades, de informar e propagar a convivência pacífica”, ressalta o professor. Mãe Bete e as mães criadeiras Antônia e Feitosa são responsáveis pelos filhos que entram no terreiro “A discriminação também parte do racismo. É uma tentativa, da dominância branca, de diminuir e desqualificar tudo aquilo originado na cultura e na crença dos povos negros que foram escravizados” Angela Maria, delegada-chefe da Decrin Em casa Quem já sentiu o preconceito religioso na pele foi a mãe Bete, que há quarenta anos exerce o papel de mãe de santo. Sua cami nhada espiritual foi iniciada por meio da família. “Sou filha de pais católicos apostólicos romanos praticantes. Logo que abri meu terreiro, minha mãe ficou sem falar comigo por um ano. Disse que eu não era mais filha dela. Hoje, consegui me conciliar com minha mãe. Somos ótimas parceiras”, conta mãe Bete. Localizado em Águas Lindas (GO), o terreiro de mãe Bete, Sol do Oriente, tem firmado quinhentos filhos de santo. Além dos tratamentos espirituais, mãe Bete oferece projetos sociais. “No meu terreiro, vem muita gente de todas as reli giões. Além das giras que fazemos, aqui têm aula de atabaques, danças, capoei ras, e distribuição de cestas básicas para a comunidade. A Umbanda é acolhedora, ela acolhe o ser humano. Não tem rótulo. Você precisa da minha ajuda, a Umbanda está aqui para te ajudar. A gente faz cari dade”,Deexplica.acordo com mãe Bete, as ofensas e ataques que os umbandistas e candomb lecistas sofrem partem, em grande parte, de outras religiões, sobretudo, dos evangé licos. “Eles são os que mais atacam nossa religião, os católicos nem tanto. Podem até não gostar, mas não se envolvem tanto. Mas não sei por que existe essa guerra religiosa entre evangélicos e espíritas, é uma besteira, porque Deus é um só. E Deus não está em igreja, em templo ou casa nenhuma, Deus está dentro de nós”, explica a mãe. A casa de santo, barracão, terreiro, como queiram denominar, tem suas obrigações e cargos como uma empresa.

“Geralmente quem procura terreiro é porque está com algum problema, ninguém procura porque é lindo” Mãe Bete A casa de santo é acolhedora e está aberta para ajudar pessoas que passam por problemas diversos e que acreditam na cura espiritual. “Aqui recebemos pessoas de diversas religiões. Geralmente quem procura terreiro é porque está com algum problema, ninguém procura porque é lindo. Problemas diversos ou passando por necessidade de alguma forma. A gente tá aqui pra ajudar essas pessoas que nos procuram e que já passaram por todos os lugares e não resolveram nada. Muita gente fala que já gastou milhões e não resolveu e procuram a Umbanda porque é caridade”, explica. Mensagens de ódio Para Thiago Mendes, coordenador e pedagogo de ensino médio e fundamental, que está no Candomblé há 11 anos, a desinforma ção e a falta de respeito começam quando você decide julgar sem conhecer. “Eu acho que para as pessoas começarem a respeitar a religião, elas deveriam ir visitar a religião. É muito fácil você ouvir coisas que as pessoas fazem. Porque no candomblé você faz o mal, pessoas fazem mal em todas as religiões. Fazem na Igreja Evangélica, Católica, no Budismo, no Candomblé porque isso é o ser humano, isso não é a religião. Ser humano é uma coisa, religião é outra”, explica Thiago. Ofensas, mensagens de ódio, comentários maldosos e até quase uma doença, são formas de intolerância que Thiago sofreu ao sair da igreja evangélica que frequentou durante 18 anos.

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Mãe Bete explica: “No cargo principal, mãe e pais de santo, em seguida as mães criadeiras que cuidam dos filhos que iniciam a caminhada espiritual ensinando banhos, rezas. As Ekedis, que cuidam e auxiliam os Orixás e os Ogãs, que ocupam um cargo fundamental no terreiro, sendo responsáveis pelo atabaque, instrumento de tambores, e pelas cantigas para os Orixás. Esse quadro de parceria é que monta uma casa de santo. Sem isso, não tem como”.

Mãe Bete ao lado de sua entidade, preta velha Vovó Maria Congá, uma das suas primeiras entidades e chefe da casa Terreiro Sol do Oriente

“Pessoas me viam na rua e atravessavam a calçada pra não fala rem comigo, recebia mensagens dizendo que eu ia pro inferno, que Deus não me amava, que eu era uma vergonha pra minha família e pra Deus. Eu cheguei em um momento de quase entrar em depressão devido a esses tipos de comentários”, recorda.

Apesar da discriminação que já sofreu, hoje Thiago faz questão de que todos do seu convívio social, trabalho e de todos os lugares que frequenta conheçam sua religião. “Se eu percebo que as pessoas próximas de mim não me aceitam, eu prefiro me afastar. Religião a gente fala que é uma coisa que não se discute. Mas se discute sim. Se discute pra você mostrar para as pessoas que a sua religião não é aquilo que elas pensam. E sim, que a religião faz o bem pra mim, faz bem para o próximo, porque religião boa é a que faz o ser humano se sentir bem nela”, explica. 

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INTOLERÂNCIA

O Pacto Internacional dos Direitos Civis estabelece que qualquer pessoa terá direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente. Seja nas redes ou fora delas, a escolha pessoal de cada um deve ser respeitada, independente de qual seja.

A influencer diz que na maioria das vezes procura rebater as críticas criando diálogos para desmisti ficar e esclarecer pontos sobre a religião, de forma tranquila e passiva. Mas que outras vezes, prefere somente apagar mesmo. “Aquilo não vai me acres centar em absolutamente nada”, justifica Day.

VIRTUAL comentários falando que eu me tornei a decepção da família e que eu adorava o diabo”, relata.

REDEMOINHO | 61 Nas redes sociais, a influenciadora digital paulis tana Day Yalodê, candomblecista e criadora de conteúdo digital para a rede social TikTok, faz sucesso com vídeos sobre a religião. Desde 2020, a tiktoker produz conteúdos a respeito do tema, e já conta com um público extenso que a acom panha nas redes. Mas nem tudo são flores. Day relata já ter sofrido ataques nas redes, e curiosamente, muitos vindos de dentro da própria comunidade. “A comunidade entre Candomblé e Umbanda também ataca uns aos outros, não é só os cristãos que nos atacam. Então, já recebi muito fake, tentando me atacar e criticando o conteúdo que eu faço. De qualquer forma, eles querem mostrar que a casa deles é melhor que a nossa. Isso também é algo que a gente de Candomblé e de Umbanda acaba sofrendo com os próprios adeptos”, lamenta.

A também criadora de conteúdo digita Bela de Brito conta que desde quando começou a compartilhar vídeos mostrando sua trajetória com a Umbanda em seu perfil do Instagram, recebe críticas. Segundo ela, comentários maldosos e ofensas contra a sua religião são comuns. “Teve gente que gostou, mas eu também recebi muitos Day Yalodê, influenciadora, reside em São Paulo e compartilha vídeos em suas redes sociais sobre o Candomblé: “A comunidade candomblé e umbandista também ataca uns aos outros, não é só os cristãos que nos atacam” Influencer umbandista, Bella compartilha conteúdos sobre a religião nas plataformas digitais desde o ano passado mostrando a sua trajetória na umbanda

62 | REDEMOINHO por: Carolina Spinola e Thalya Cunha

C OMPORTAMENTO pessoalArquivo

O olhar amoroso para crianças especiais e a inclusão para pais homoafetivos: mais que um ato de solidariedade, adotar é amar e ser lar àqueles que não têm, independente da cor, sexo ou idade

Amor além do DNA

Zuleide Spinola, mãe da Estela

“A adoção de uma emocionalenvolvimentoespecialcriançatrazumquemuitasvezesaspessoasnãodãocontadearcar”

REDEMOINHO | 63 A realidade de crianças e adolescentes que vivem nos lares de adoção à espera de uma família é desconhecida por muitos. Destacadamente as crianças especiais. Além dessa dificuldade, os pais homoa fetivos enfrentam obstáculos ao tentar a inclusão na hora do acolhimento. Dados no Brasil feitos em 2020 pelo Sistema Nacional de Adoção mostram que das 10.120 crianças adotadas, apenas 2,2% (223) apresentavam algum problema de saúde. Elas podem ser deficientes físicas, intelectuais ou ter problemas tratáveis. Paralelo a isso, em 2011, durante a lega lização do casamento homoafetivo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o Ibope realizou uma pesquisa no qual constatou que 55% não concordavam com o direito à adoção por parte desses casais. A aposentada Zuleide Spinola, 56, residente em Brasília, já era mãe de três filhos biológicos e adotou a caçula, Estela Spinola, criança especial portadora da síndrome de Wolf Hirschhom, que na época tinha um ano e seis meses. As duas se conheceram por intermédio da agora irmã mais velha de Estela, que era a neuropediatra da criança, no hospital em que trabalhava. Hoje a menina está com 9Aanos.síndrome citada é uma doença genética, uma alteração cromossômica no braço curto do cromossomo quatro, que pode gerar várias alterações e que tem uma face bem característica. Natália Spinola, irmã e neuropediatra que acom panhou Estela, explica que em muitos casos o paciente consegue ver a síndrome. “O paciente às vezes consegue identificar ela pela face característica, além de altera ções de má formação renal, má formação de coração, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, deficiência intelectual, epilepsia, dificuldade na deglutição e na fala”, completa a médica, afirmando que não existe tratamento curativo, apenas o lidar com os sintomas. Logo após o tratamento, Estela foi para Vila do Pequenino Jesus, um abrigo que acolhe crianças e adultos especiais, onde a família adotiva frequentou e ajudou nos cuidados dela por um ano. Quando houve o abandono completo pela mãe biológica, veio a decisão. “Eu e meu marido não queríamos que ela passasse o resto da vida em um abrigo, então, deci dimos começar o processo de adoção”, contaOZuleide.medo de que Estela passasse o resto da vida vivendo em um abrigo faz sentido, porque é o mais comum entre crianças especiais no sistema. De acordo com a Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há hoje 6.353 crianças e adoles centes no Cadastro Nacional de Adoção, sendo que 1.225 (ou seja, quase 20%) possuem alguma doença ou deficiência. Dados do cadastro mostram que 70% dos adotantes não aceitam crianças e adoles centes com doenças ou deficiências. E da Estela brincando no seu aniversário de 8 anos pessoalArquivo

Zuleide, a adoção de uma criança especial requer um cuidado ainda maior. “Traz um envolvimento emocional que muitas vezes as pessoas não dão conta de arcar e é uma criança que precisa de uma série de medicamentos e terapias, e as pessoas não têm acesso a esse tipo de subsídio”.Segundo o CNJ, das 2.800 crianças adotadas em 2018, o dado mais recente até o momento, apenas 83 tinham algum tipo de deficiência, o que é um aumento considerável em relação aos três anos anteriores. Mariana de Sousa, 33, é peda goga e mãe de 3 filhos, sendo a mais nova adotiva, Sara, 9. A criança possui Síndrome de Down e também estava na Vila do Pequenino Jesus. Mariana sonhava que teria uma filha especial, mas imaginava que fosse biológica. “Na hora que olhei para ela, já conhecia ela, ali já sabia que seria minha filha, na realidade o sentimento foi que estava encontrando a minha filha, uma filha que foi apresen tada para mim em sonho ainda na minha adolescência. Fiquei extremamente emocionada”, recorda. Sara foi para casa com um ano e quatro meses, quando Mariana rece beu a guarda provisória. Para conseguir a definitiva foi preciso uma espera de quatro anos. A mãe explica que durante o processo enfrentou falas difíceis de serem ouvidas. “Vocês são doidos. Isso é coisa de louco. Olha, é difícil alguém fazer isso que vocês fizeram. Vocês vão para o céu direto. Ela é uma criança de muita sorte por ter encontrado vocês”, relata, e complementa: “Sempre foi mais comum nos verem como santos por adotar uma criança especial, às vezes, até ficávamos

Sara na escola compartilhando seus aprendizadoscomaturma constrangidos com os comentários, mas sempre soubemos lidar bem com isso”.

“A vier,recebemosumadeveriaadoçãoserdamesmaformaquegestaçãoondevivemoscadaetapa,cadafase,edojeitinhoquecommuitoamor”

Mariana de Souza, mãe da Sara

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64 | REDEMOINHO parcela que aceita, a maioria só permite doenças que sejam tratáveis ou de menor gravidade.Para

As crianças especiais, em maioria, crescem em lares de adoção, e lá perma necem durante toda vida, pela sociedade não olhar para elas. Ao ser perguntada sobre essa questão e quais atitudes podem mudar essa visão, Mariana relata que o primeiro passo é falar abertamente sobre adoção especial, do sentimento de ser mãe adotiva. “Sempre que falo com as pessoas sobre adoção especial digo o seguinte: quando engravidamos tudo pode acon tecer. Podemos ter um filho saudável ou não. Não podemos escolher nada. A adoção deveria ser da mesma forma, como uma gestação, onde vivemos cada etapa, cada fase e recebemos do jeitinho que vier, com muito amor”.

REDEMOINHO | 65 Vila do acolhimento Sara e Estela, além de serem crianças espe ciais, foram adotadas no mesmo local: a Vila do Pequenino Jesus, no Lago Sul, no Distrito Federal. O abrigo tem como missão o acolhimento de pessoas com deficiência grau III, totalmente dependen tes em suas atividades diárias. A entidade recebe crianças e adultos. As crianças são encaminhadas pela Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal e, após a destituição da família biológica, entram para o Cadastro Nacional de Adoção. Os adultos são encaminhados pela Secretaria de Assistência Social e não entram no cadastro de adoção, e sim no sistema de curatelados, aqueles que são incapazes de exercer sua vontade e praticar atos da vida civil e, assim, vivem em família. A coordenadora técnica da Vila, Cássia Stumpf, 42, afirma que é preciso modificar o olhar da sociedade para crianças com deficiências. “O enfoque sempre é a deficiência em si, nunca se olha para pessoa, aquele ser em construção. A pessoa está à frente da deficiência”, enfa tiza. “A sociedade não está preparada para receber pessoas com deficiência. Não há lugares adaptados para que eles possam ter livre acesso. Não é possível andar por uma calçada, as ruas não são adaptadas. Os carros estacionam na rampa de acesso para cadeirantes. A vaga para PNE são vagas muito desrespeitadas”, desabafa Cássia.A instituição possui um termo de colaboração junto à Secretaria de Assis tência Social do DF que é responsável por uma parte dos gastos mensais, apenas em relação aos jovens e adultos. As crianças são 100% custeadas por recursos que a entidade arrecada por meio de doações, eventos beneficentes, bazar e campanhas. Atualmente, a Vila possui cinco crianças, dessas apenas três estão no cadastro para adoção e possuem múltiplas deficiências. Cássia Stumpf faz um apelo: “Não se limite ao que seus olhos veem, olhe através! Todos nós somos muito mais do que conseguimos demonstrar por meio das nossas habilidades motoras”. “A sociedade não está preparada para receber pessoas com deficiência. Não há lugares adaptados para que eles possam ter livre acesso”

Cássia Strumpf, coordenadora técnica da Vila Pequeno Jesus Ana com seus pais aproveitando o dia pessoalArquivo

O processo de adoção do Adrian, 8, que mora no interior de Minas Gerais, foi rápido, mas os pais questionam o sistema de adoção como um todo, por não dar espaço para opções. “Vemos uma falha no questionário que ele coloca se você aceita criança com deficiência sim ou não, nós achamos isso uma pergunta muito pesada e que ela não te dá brechas para você colo car situações. Queríamos ter tido a opção de poder detalhar um pouco mais sobre isso e dizer que muitas doenças, muitas condições físicas que nós poderíamos aceitar”, argumenta Paulo.

O poder da adoção Para conhecerem a filha, Carlos Alfredo, 51, engenheiro civil, e seu esposo, Jorge Ubirajara, 47, advogado, precisaram se inscrever no Juizado da Infância e Juven tude, seguindo todos os protocolos até estarem habilitados no Sistema Nacio nal de Adoção e Acolhimento. Carlos conta que a partir disso foram dois anos e meio até serem selecionados. “Foi ‘amor às cegas’, pois nos ligaram e disseram as suas características. Conversamos os dois e decidimos topar, pois se tínhamos sido escolhidos era algum sinal, algo nos tocou e dissemos para nós mesmos: ‘se for para ser, será’. E assim aceitamos”. A filha Ana tinha pouco mais de seis anos quando foi adotada há quatro e já entendia tudo que estava acontecendo.

Após três meses de convivência com os pais, e acompanhamento psicopedagógico, Adrian relatou em duas páginas como foi ter conhecido a praia

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Ele sugere mudanças no processo de adoção: “A sugestão seria que os Juizados da Infância e Juventude tivessem mais profissionais para realizar os atendimen tos e os acompanhamentos, assim mais processos seriam feitos”. Paulo Duarte, que é administra dor, e Raphael Santos, fisioterapeuta, são pais do Adrian. Paulo conta que eles se conheceram no abrigo que Adrian vivia desde os dois anos de idade. O primeiro encontro da família foi no Carnaval de 2022. “No feriado do Carnaval nós combinamos então de nos encontrarmos presencialmente e ele poder ficar conosco no feriado. O levamos pro hotel fazenda e passamos esses dias juntos. Foi amor à primeira vista”, recorda.

66 | REDEMOINHO um álbum que conta como são seus pais para a criança. “Decidimos fazer um álbum estilo scrapbook, ou seja, a partir de uma contação de histórias íamos mostrando quem éramos, as profissões, a nossa casa, os amigos, familiares e o que gostávamos de fazer. Desde o início ela soube que eram dois pais e que pode ria viver conosco. Montar esse material foi um momento mágico e de grande emoção. Tudo feito com muito amor, em meio a lágrimas e risos”, conta Carlos.

Carlos explica que por ser uma adoção tardia a criança escolhe a família. Para isso, antes do encontro presencial é entregue Em 2015, o STF legalizou a adoção por homoafetivoscasais

Maria Goretti Vulcão, 57, professora de história, e sua ex-esposa optaram pela chamada adoção à brasileira – quando o processo não tem reconhecimento legal. No momento da escolha de escola, elas optaram por uma que fosse mais inclusiva. “Procuramos uma escola bem aberta e ali desfrutamos até de um certo prestígio. Algumas pessoas vinham conversar, pedir conselhos para o caso de uma possível adoção”, conta Goretti. Quando foi legalizada a adoção por casais homoafetivos pelo Supremo Tribu nal Federal em 2015, Goretti perguntou a Bernardo se ele gostaria de colocar o nome da sua segunda mãe na certidão de nascimento. “Ele me disse, depois de uma semana, que era para deixar o nome dele como estava. Somente com o meu sobrenome”, explica. A decisão do Supremo foi um marco nacional que representa mais uma conquista para a comunidade LGBT QIA+. O órgão reconheceu adoção por casais homoafetivos em 2015 durante um julgamento de recurso extraordiná rio interposto pelo Ministério Público do Paraná. A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, destacou que uniões homoafetivas são permitidas no Brasil desde 2011 e merecem tutela legal, não havendo justificativa para tal obstáculo. Em seu voto, a ministra comentou que diante da decisão do juiz em determi nar o sexo e a idade das crianças, delimitar tais informações da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculos biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente despro vido de amor e comprometimento. A magistrada relembrou um julgamento histórico de relatoria do ministro Ayres Britto, em 2011, no qual por decisão unânime, decidiu-se que não deve haver interpretações homofóbicas e preconcei tuosas na Constituição.  Goretti e seu filho Bernardo com 24 anos. Na época que Goretti e a ex-mulher decidiram adotar Bernardo não havia amparo legal

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REDEMOINHO | 67 A adoção do Bernardo, diferente das demais, aconteceu há 24 anos, quando ainda não era permitido casais homo afetivos participarem desse processo.

68 | REDEMOINHO por: Ana Vitória Lopes, Lara Marques e Victor Duarte Luto silencioso Após a silênciopaisinvoluntáriainterrupçãodagravidez,emãeslidamemcomadordaperda C OMPORTAMENTO AguiarBragaJúlia

lidarhospitalque“Infelizmente,atéprofissionaisdesaúde,estãonoondetudoocorre,nãosabemcomessetipodeluto”

SILÊNCIO Substantivo masculino, palavra formada por três sílabas. Segundo o dicionário online Michaelis, é o estado de quem se cala, de quem está impossibilitado de manifestar suas opiniões.

Ana Paula Souza, psicóloga há 10 anos, já prestou apoio a diversas mães e pais enlutados

Ana Paula Souza, psicóloga especialista em luto

Bezerra.Amédica informa ainda que em casos de anormalidades no útero é necessária a realização de consultas no ginecologista antes de engravidar. As anormalidades no útero podem ser, por exemplo, cistos ou miomas. Quanto às infecções virais ou bacterianas, é impor tante a identificação e o tratamento.

REDEMOINHO | 69 Negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Segundo a psiquiatra suíça-a mericana Elisabeth Kübler-Ross, autora do livro “Sobre a Morte e o Morrer”, essas são as cinco fases do luto. No entanto, para aqueles que vivem a dor da perda de um filho ainda na gestação, o luto inclui uma fase persistente e dolorosa: o silêncio. “Vocês podem tentar de novo”, “agora você precisa ser o homem da rela ção e dar suporte a ela”, “vocês são novos, dá para fazer outro”. Essas são apenas algumas das inúmeras frases que um casal escuta após perderem uma gestação. A dor é Segundosilenciada.a Organi zação Mundial da Saúde (OMS), o aborto espontâ neo configura a interrupção involuntária da gravidez até as 20 semanas de gesta ção. Estudo divulgado na revista The Lancet mostra que 23 milhões de gesta ções no mundo terminam em aborto espontâneo todo ano, contabilizando 15% ou 44 abortos por minuto, sendo assim, uma em cada dez mulheres sofrerá um abortoApesarespontâneo.daquantidade de casos, a perda involun tária da gravidez ainda é tratada como um tema que não deve ser comentado. A falta de empatia vem de familiares, de colegas, de amigos e até mesmo da equipe médica, que fazem a mulher crer que o processo do luto em casos de aborto não é importante, levando até mesmo ao desenvolvimento de proble mas psicológicos.Paraapsicóloga especialista em luto Ana Paula Souza, a perda em casos de aborto é silenciada: “Na psicologia chamamos de luto não reconhecido, tendo em vista que nossa sociedade não admite que é uma perda, não acolhe esses pais e família que estão de luto. Infeliz mente, até profissionais de saúde, que estão no hospital onde tudo ocorre, não sabemApesarlidar”. de comum, existem causas para o aborto espontâneo, a maioria das vezes pode não ser nada grave. As cinco razões mais comuns são: anormalida des cromossômicas, má formação fetal, anormalidades no útero e em outros órgãos reprodutores, infecções virais ou bacterianas e alterações traaniosservezdurantediagnosticadashormonaisAlémoulidadesfetalenquantooumaterialcromossômicahormonais.“Aanormalidadeéquandoogenéticomaternopaternoédefeituoso,amáformaçãopodeserporanormacromossômicasfatoresexternos.disso,asalteraçõespodemserantesouagestação,eumaidentificadas,podemrepostascomhormôsintéticos”,explicaginecologistaeobsteCibeleMariaBraga

“Com sete semanas eu comecei a sangrar, tive câimbras e cólicas. O sangramento começou a ficar mais forte. Eu liguei para o médico e ele falou: ‘isso acontece, não tem problema’, mas eu sabia que alguma coisa no meu corpo não estava certo”. Tami realizou o Beta HCG, que apresentou resultado positivo, pois o hormônio ainda estava em seu corpo. No entanto, àquela altura a empresária já havia perdido o bebê. Mesmo estando quebrada por dentro e por fora, ela queria entender o motivo da perda. “Eu perguntei para o médico se eu deveria fazer exames para entender o porquê eu tinha perdido e ele falou que não, que era bem comum e que eu não deveria me preocupar”. A obstetra Cibele Maria Braga reforça a infor mação passada pelo médico da Tami: “Acho importante explicar que aproximada mente 30% das gestações terminam em aborto espon tâneo, ou seja, não é um evento raro, podendo ocor rer com qualquer mulher em idade fértil”. O casal abriu uma empresa no Havaí, nos Estados Unidos, e dois meses depois, ela engravi dou: “Fiz exame em casa e menos de uma semana depois, eu sangrei. A empresa estava começando, a gente estava com tanto trabalho, eu estava com tanta raiva e tão quebrada que não contei pra ninguém, abaixei minha cabeça e continuei”.Após o segundo aborto, o casal realizou uma série de exames e consultas. Neste período, Tami engravidou nova mente: “Com cinco ou seis semanas a ginecologista fez exame de sangue e os hormônios estavam abaixo do espe rado para o período.” Por isso, a gestação foi inter rompida. A médica deu a ela duas opções: tomar remédio ou fazer a cirur gia para a retirada do feto. Ela optou pelo remédio. Apesar das perdas, eles conseguiram supe rar e veio a Isabela. “Eu estava no fim. Mas agora é passado, agora a gente tem a Belinha. Eu estava há quatro anos com dor, eu choro se começar a lembrar, mas eu passaria mil vezes de novo pra chegar onde estamos agora”,Antesrelata.de engravidar da Isabela, Tami descobriu uma doença autoimune chamada síndrome do anticorpo anti fosfolipídeo (SAF), que causa coagulação no sangue. A doutora Cibele detalha: “A SAF é o grupo de alterações patológicas

Ao realizar consultas e exames, Tami foi diagnosticada com a síndrome do anticorpo antifosfolipídeo. pessoalArquivo

“Essa dor deve ser sentida, falada e silenciadarespeitada.Jamaisounegada”

Virginia Ingrid Oliveira, psicóloga perinatal e criadora do projeto Amor que Transforma

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REDEMOINHO Perdas sucessivas Tami Green Batista conta sua experiência com o aborto espontâneo: foram quatro anos tentando engravidar e três abortos. “A primeira vez que fiquei grávida foi em 2017 e foi quando eu e o Rodrigo decidi mos tentar ter um filho”.

Tami precisou injetar anticoagulante para não perder o bebê pessoalArquivo

Ela avalia que o casal se forta leceu durante o processo e que o apoio mútuo foi essencial. “Foi um momento bem difícil, mas conseguimos passar por todos os questionamentos.

“Fomos muito mais do que o apoio um do outro. Somos nossa base mútua e com quem podemos contar sempre” Flávia Oliveira, estudante de enfermagem A família de Felipe e Flávia já havia comprado presentes para o bebê

Flávia lembra que a expectativa do casal dos familiares, como suas irmãs, era grande. “Elas já tinham comprado algumas roupinhas. Está vamos planejando o quartinho, a decoração, pensando em nomes, no sexo. Estávamos bem felizes”.

REDEMOINHO | 71 em que o corpo produz anticorpos que atacam células do próprio corpo, levando ao não desenvolvimento adequado da gestação e consequentemente ao desfecho inadequado do concepto. Pode aconte cer em qualquer momento da gestação”. Durante a gravidez, Tami precisou injetar anticoagulante em seu corpo para que não houvesse uma perda gestacional. União e superação O casal Felipe Duarte e Flávia Oliveira não se preparou, mas veio a grata surpresa: gravidez confirmada. Mesmo sem planejamento, ficaram radiantes com a notícia e certamente realizariam o sonho de se tornarem papais. Ciclo menstrual atrasado, enjoos, isso poderia indicar algo, e se confirmou. Felipe recorda os momentos iniciais, em novembro de 2020. “A Flávia estava desconfiada que estaria grávida. Logo já fomos fazer os testes que deram positivo. Descobrimos na quarta ou quinta semana. Logo em seguida, procu ramos uma médica para que pudesse nos dar toda orientação e assim começamos a fazer os exames necessários e tomar as vitaminas também”. No entanto, a emoção da primeira gravidez foi interrompida ainda na sexta semana, quando Flávia começou a sangrar. “Entramos em contato com a médica, que nos orientou a tomar um remédio e pediu para que ela ficasse em repouso. No mesmo dia à noite ela sentiu que o sangramento estava mais forte. Fomos correndo ao hospital, a médica que a examinou viu que estava tudo bem, e pediu para que voltássemos no outro dia. Quando voltamos, fizemos a ecografia e tivemos a notícia do aborto espontâneo”, lamenta Felipe.

Acredito que não era o nosso momento ainda e serviu como aprendizado. Fomos muito mais do que o apoio um do outro. Somos nossa base mútua e com quem podemos contar sempre.”

72 | REDEMOINHO Da dor ao amparo Lais Alencar é consultora educacional e mora no Canadá. Plane jou e desejou muito sua segunda gestação. “A descoberta foi após um enjoo. Foi uma alegria pra mim quando vi o positivo e passei não somente a amar desde o momento que soube que tinha um ser humano em formação aqui dentro, como também já comecei com os planejamentos”. No entanto, ela acabou perdendo o feto ainda muito cedo, entre seis e sete semanas. “Sem dúvida, um dos momentos mais difíceis que já vivi. Foi muito no início, e não importa o tempo, a perda é difícil em qualquer fase da gestação”. Após a perda, Lais uniu forças e criou a página no Instagram @oabortoespontaneo. De início, era para escrever sobre seus sentimentos, mas encon trou outras mães que passaram pela mesma situação e acabou se tornando uma página de apoio. “Vivi um dia de cada vez e dediquei uma boa parte desse tempo de luto escrevendo. Através da dor que senti, conheci outras mulheres que passaram pela mesma dor, e assim, ao receber consolo durante esse tempo, pude usar as redes sociais também para consolar e trocar experiências. Foi muito bom para entender os meus próprios sentimentos, como também ajudar outras mulheres a entenderem mais de todo esse processo”, detalha Lais. Luto paterno Se o luto materno já é silenciado, o paterno pode ter mais compli cado. Na sociedade é comum que falem “dê forças para a sua esposa, fique ao lado dela”, mas quem vai dar força para o pai? Afinal, ele também perdeu uma criança. Então, na maioria das vezes essa dor acaba silenciada por padrões pré-estabelecidos.

Felipe relatou o momento do aborto e a dor que sentiu: “Foi muito triste, pois gera uma expectativa muito grande em nós e no bebê. As perguntas acabam incomodando um pouco, mas conseguimos lidar com a situação.” Rodrigo também detalha o momento vivido por ele e Tami: “Foi bem triste, né? Todo o processo da gravidez, a alegria de ficar grávida e depois perder, era doloroso pra gente que estava buscando e querendo ter uma família, era bem triste”.

O silenciamento não vem só das pessoas ao redor, muitos pais diminuem sua dor por não ter o mesmo processo corporal e hormonal da mulher, foi o caso de Rodrigo. “Pra mim, como homem, é um pouco mais fácil porque você não sente tanto, não é no seu corpo, os hormônios não vêm assim como é para a mulher”, completa.

REDEMOINHO | 73

Para a psicóloga Ana Paula Souza os pais têm um problema maior para se exprimir. “Tenho plena certeza que não existe espaço para expressar sua dor e nem escuta para esses pais falarem sobre o que sentem. E sim, há uma cobrança em relação a eles para lidarem com a dor da mãe, o que ocasiona um não reconhecimento ainda maior de sua própria dor”, detalha.

Virginia Ingrid Souza Oliveira, psicóloga perinatal, reforça: “A sociedade e o machismo reforçam nesses homens a não demonstrar sentimentos, fraquezas e devem ser sempre fortes. Chorar? Também é negado. Frequentemente, pais sufocam suas dores, seu sofrimento diante de sua parceira ou familiares e amigos. É reforçado que os pais devem ser rochas para suas parceiras que perderam seus bebês e muitas vezes é esquecido que esses pais também perderam alguém que tanto sonharam.”

Ela é criadora do projeto Amor que Transforma, um grupo de apoio às famílias que passam pela perda gestacional ou neonatal. A partir da sua experiência e dos atendimentos que realiza online, Virginia relata ainda que as mães costumam procurar ajuda com maior frequência que os pais: “Em quase três anos de projeto, 90% que passaram por mim ou entraram em contato foram mães”. No entanto, a falta de procura por acolhimento se dá em parte pela escassez de conteúdos para pais enlutados. “Podemos acolher, dando espaço de fala, de sentir, de chorar e reforçar a importância de viver o luto. Não anestesiar a dor ou sufocar seu sofrimento. Essa dor deve ser sentida, falada e respeitada. Jamais silenciada ou negada”, conclui a psicóloga. 

Além do projeto Amor Que Transforma, Virgina presta suporte às famílias enlutadas por meio de atendimento online

ZaidanEduardaMariaeMoreiraLorenaIlustração:

Corpos são plurais Moda deve representatividadediversidaderefletiregarantir

C OMPORTAMENTO

Modelo plus size Talita Beda Hostensky LucasGeorge

por: Maria Eduarda Zaidan e Yasmim Morais

REDEMOINHO | 75 O processo de produção de roupas envolve várias etapas, mas a inicial é a dos croquis, esboços do que irá se tornar uma peça. Eles são inspirados em mode los extremamente magras e derivados de um padrão que está longe de representar a diversidade dos corpos. A consequência são peças feitas para um parâmetro de beleza que exclui a maioria das pessoas, provocando a insatisfação das mulheres com a própria imagem. A modelo plus size Talita Beda Hostensky, 33, sofreu inúmeras pressões externas e julgamentos. “A gente passa o tempo todo por situações que acabam nos fazendo questionar o nosso corpo, as nossas medidas. Passei por isso várias vezes, já tive que vestir roupas que não me serviam para fazer foto e até desfilar com zíper estourado”, desabafa. Para ela, mulheres que atuam no mundo da moda devem cuidar do psico lógico. “Você precisa ter muita certeza de quem você é para não ceder a essas pres sões. No início foi muito difícil entender que não tinha nada de errado comigo.

Mudanças a caminho Com o passar dos anos, a representativi dade começa a ganhar espaço na indústria da moda e já não se vê por aí somente corpos brancos, magros, cisgêneros e ocidentais. “Fico muito feliz porque a gente vem conquistando espaço; na inter net você vê mais representatividade, o que acaba trazendo um pouquinho de espe rança pra gente, de que a nossa luta está dando certo, aos pouquinhos, mas está”, comemora a modelo Ana Luiza Souza, 21. Ana Luiza Souza em um desfile pessoalArquivo

REDEMOINHO

Você tem que ter a autoestima muito boa para não se deixar abalar com comentá rios ou pressões externas para que você mude”, ressalta a modelo. Também modelo plus size, a digital influencer Amanda Marocco, 27, diz que a variedade de corpos ainda não é bem vista pela sociedade. “É muito complicado você ser uma pessoa fora do que conside ram padrão. Inclusive, as pressões que eu mais sinto são da minha família. Sempre tem aquela pergunta: “nossa, mas por que que você não virou a modelo magra? Por que você não emagrece?”, protesta. Apesar de todas as críticas, Amanda afirma que conseguiu superar esses obstá culos e está satisfeita com si mesma. “Hoje em dia eu me sinto muito bem com o meu corpo, esse tipo de julgamento e pres são não me atingem”. No entanto, nem sempre foi assim. Quando teve depressão, ela ganhou 24kg e chegou a desenvolver compulsão alimentar na época em que iniciava a carreira. “A gente se questiona muito a respeito se o que a gente está fazendo é certo, se precisa emagrecer para entrar nesses padrões. Até para modelo fora do padrão existe um, de numeração, de tamanho. O mundo da moda em geral te cobra muito”

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Talita Beda Hostensky, modelo plus size MERCADO PLUS SIZE A moda plus size vem crescendo e se diversificando. De acordo com dados de 2021 da Associação Brasileira do Vestuário (Abravest), o mercado plus size cresce 6% anualmente e movimenta cerca de R$ 5 bilhões.

ZaidanEduardaMariaeMoreiraLorenaIlustração:

REDEMOINHO | 77 A modelo também acrescenta que esses padrões são bem antigos nessa indústria. “Isso não vem de hoje, as agên cias preferem meninas brancas para os trabalhos. Algumas pessoas falam que está na moda - entre aspas - ser preta e ter o cabelo crespo, mas esse ‘na moda’ está conseguindo induzir mais meninas pretas a entrarem no mercado. Antigamente você não via uma propaganda na TV com uma mulher preta, hoje em dia você já vê, então o mercado está se abrindo mais para a diversidade”, defende. A indústria A empreendedora Josi Jubé, 37, conta que a iniciativa de criar uma loja direcionada ao público plus size surgiu por conta da insatisfação das mulheres com as roupas que estavam comprando. “Eu percebi que as clientes com medidas maiores não encontravam peças que servissem nelas”, relata. A dificuldade em relação aos fornecedores foi bem intensa no começo, segundo a lojista. “A maioria dos forne cedores trabalha com tamanho único e acaba desconsiderando que o corpo femi nino tem diversos tamanhos e formatos”, desabafa.Josi acredita que o ambiente fami liar interfere diretamente na relação que a pessoa tem consigo. “As pressões para atingir ‘ideais’ de beleza afetam direta mente as mulheres, independente do corpo que elas tenham, é raro encontrar uma que esteja satisfeita. Há 8 anos eu não me aceitava, tinha crises de ansiedade e me sentia mal comigo mesma. Mas isso passou, hoje, tento encorajar as mulheres a se aceitarem e se libertarem dessas crenças limitantes”, acrescenta. A coordenadora do curso de moda da faculdade de Belas Artes, Valeska Nakad, considera a moda uma forma de

“A moda não é uma questão isolada, existe todo um contexto. A estética tem grande influência dos meios de comunicação de massa, como cinema e novelas. Eles exercem esse papel de determinar qual é o corpo ideal, parece uma ditadura”

Valeska Nakad, coordenadora do curso de moda da faculdade de Belas Artes Ana Luiza: “A gente vem conquistando espaço” comunicação, e que essa construção de imagem e padrão acontece há anos e foi estabelecida por pessoas que trabalha ram na área. “As escolas têm o papel de desmistificar tudo isso, oferecendo uma formação própria que traz um contexto e uma reflexão, e assim qualificando profis sionais mais conscientes para o mercado. Eles são a transformação, é muito fácil eu ficar criticando e ser omissa, sendo que eu estou no meio da indústria lecio nando. Então, na minha opinião, essas questões interferem diretamente no empreendedorismo e no entendimento do comportamento de consumo”, escla rece a designer.

SalesLívia

REDEMOINHO Visão histórica Ao longo da história, de acordo com cada cultura, os padrões de beleza foram e ainda são inventados, transformados ou descar tados, segundo Denise Sant’Anna, historiadora da PUC-SP e especialista em história do corpo. “Cada corpo expressa a sociedade, a época, o grupo cultural no qual vive, ele é agente e ao mesmo tempo a memória viva dos anseios e receios do mundo no qual ele existe”, explica a especialista.

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A indústria da moda sempre corre atrás do que se passa nas ruas, mas ela também se adianta a elas, de acordo com a autora do livro História da Beleza no Brasil. “A magreza nos desfiles tem relação com a ideia de que a roupa ‘cai melhor’ em seres cabides, corpos leves, para que a ela se destaque mais do que o corpo”, esclarece. Apesar das diversas críticas à indústria, Valeska Nakad esclarece que a representatividade e a indústria da moda não estão sempre de lados opostos. “A moda não é uma questão isolada, existe todo um contexto. A estética tem grande influ ência dos meios de comunicação de massa, como cinema e novelas. Eles exercem muito esse papel de determinar qual é o corpo ideal, parece uma ditadura”, explica a professora. Saúde Essas pressões estéticas estão presentes em diversos momen tos do dia-a-dia da mulher. Isso acaba fazendo com que elas desenvolvam diversas doenças, como o transtorno dismórfico corporal (TDC), distúrbio onde o indivíduo acaba tendo uma percepção equivocada a respeito do seu corpo ou da parte do corpo afetada, acreditando que há um tipo de defeito, de acordo com a psicóloga especialista em TDC, Andreza Sorrentino. “O suposto defeito ou inadequação se torna uma obsessão pela qual o indi víduo passa horas voltando a sua atenção para aquilo, seja tentando esconder, consertar, maquiar, ficar olhando, aquilo não sai da cabeça da pessoa”, explica a psicóloga. Cerca de 3% da população mundial sofre com o transtorno dismórfico corporal. “Os padrões estéticos divulgados pela mídia como desejáveis ou aceitáveis e todos vários fatores culturais podem exercer uma influência negativa e criar na sociedade

Amanda Marroco: “Hoje estou satisfeita com meu corpo”

DiasHenriquePaulo

Já os distúrbios relacionados à ansiedade afetaram 9,3% da população do Brasil (18.657.943 pessoas).Essa busca incansável atrás do corpo ideal faz com que as pessoas acabem querendo isso independente de qualquer coisa e recorram a medidas extremas, de acordo com a nutricio nista Isabela Garrote Braga, 25. “Existem muitas práticas não saudáveis que passam a ser utilizadas para conseguir alcançar esse padrão, as mais comuns que vejo no consultório são dietas

uma expectativa irracional de obter um corpo perfeito”, acres centaOAndreza.TDCgeralmente vem acompanhado de outras doenças como a depressão, a ansiedade, a anorexia ou bulimia. Segundo o estudo “Depression and Other Common Mental Disorders – Global Health Estimates”, reali zado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), publicado em 2017, a depressão atingiu 5,8% da população brasileira (11.548.577).

Denise Sant’Anna, historiadora da PUC-SP especialista em história do corpo

“A magreza nos desfiles tem relação com a ideia de que a roupa ‘cai melhor’ em seres cabides, corpos leves, para que ela se destaque mais do que o corpo”

A profissional acrescenta que na nutrição comportamental o papel do alimento vai além da visão tecnicista e nutricional. O tratamento é feito em uma abordagem diferente do que se vê tradicionalmente, onde não valorizam os aspectos emocionais e sociais do paciente relacionados à comida. A especialista ressalta que o tratamento em conjunto com outros profissionais é essencial durante o tratamento. “A equipe geralmente inclui nutricionista, psicólogo e psiquiatra. A morta lidade de pacientes diagnosticados com Transtorno Alimentar (TA) é alta por complicações clínicas como suicídio, e isso mostra a necessidade de aprimoramento diagnóstico, tratamento e abordagem multidisciplinar pelas equipes de saúde para evitar desfechos negativos”, esclarece. 

extremamente restritas, uso de medicamentos sem acompanha mento ou prescrição médica principalmente de laxantes e alguns injetáveis, e exercícios físicos em excesso”, esclarece a especialista.

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“Os padrões estéticos divulgados pela mídia como desejáveis ou aceitáveis e todos vários fatores culturais podem exercer uma influência negativa e criar na sociedade uma expectativa irracional de obter um corpo perfeito”

Andreza Sorrentino, psicóloga especializada em transtorno alimentar SUPORTE O Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB) criou o projeto Psicolo gia e Nutrição, que oferece atendimento psicológico individual focado na população que possui necessidades específicas em relação ao cuidado da saúde alimentar. Nas consultas são trabalhados os aspectos emocionais envolvidos nas dificuldades e transtornos alimentares. O público alvo do projeto são adultos com diabetes, obesidade, alergias, intolerância e/ou transtornos alimentares. Inscrições: https://www.iesb.br/comunidade. Horário de funcionamento: segunda à sexta, das 8h às 20h, e sábado das 8h às 11h. Telefones: (61) 39624802 e (61) 992644227.

REDEMOINHO | 81 Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), o Brasil é o terceiro país no mundo com a maior população de pets, atrás somente dos Estados Unidos e China. Por aqui, os bichinhos cada vez mais são vistos como membros da família. Neste contexto, a solidão causada por aspectos contemporâneos e novas formas de relações reforçam a ideia do ser humano espelhar seus hábitos, crenças e, até mesmo, adereços em seus animais. Isso se reflete no aumento do mercado pet que indicou uma movimentação de cerca de 2 bilhões de reais, sendo o 11° ticket médio de vendas online, de acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico em 2020. No mercado animal há até hotéis e creche, como a Pokkie Pet, na Asa Sul, em Brasília, que oferece atendimento especializado aos hóspedes caninos, como caminha, colchonete, mantas, comedouro, bebedouro e TV. O pet tem toda uma rotina no local, como passeios, alimentação balanceada, música para relaxarem e brincadeiras individuais ou coletivas. Para deixar o cão no hotel Pokkie Pet o tutor deve levar o cartão de vacina em todas as hospedagens, com informações sobre imunizações, vermí fugos e Jácarrapaticidas.acrecheCão em Companhia conta com unidades em Águas Claras e Vicente Pires, no Distrito Federal. O tutor pode contratar pacotes de 4 diárias para uma vez na semana e até 20 diárias por mês para levar o cão cinco vezes na semana.Por outro lado, a Di Petti, na Asa Sul, é uma das primeiras boutiques pets da capital federal e está no mercado há 23 anos. Lá, é possível encontrar tapete higiênico, sapatinhos, roupas, lacinhos, bolinhas e arranhadores para gatos. A dona da boutique, Graça Souza, alerta que alguns produtos pet acabam tirando o comportamento natural do animal. “Exis tem sapatinhos, que quando se coloca no animal eles se incomodam, mas depois de um tempo acabam se acostumando e também o carrinho em que eles não podem andar livremente”, explica.

A busca por serviços para animais cresce cada vez mais no Brasil por meio das novas formas de relação entre humano e o animal, fato que, se não for tratado da maneira certa, pode prejudicar os bichinhos

C OMPORTAMENTO por: Cynthia Lima , Giovanna Veloso e Jullya Bernardes Pet glamour

Todos os anos a cadela Kiara comemoraaniversárioseu

82 | REDEMOINHO se cria dentro de casa, se investe dinheiro no pet. Eles se incomodam só porque é pet, e pensam que eles não podem ter um tratamentoPontuandoadequado”.essainfluência na saúde do animal, o médico veterinário Felipe Borges afirma que a humanização animal deve ser evitada a partir do momento em que o pet possa ter sua saúde afetada ou sofrer desvios comportamentais, como agressividade, latidos, lambeduras exces sivas e ausência de brincadeiras. “Não vejo humanização de forma física, mas de forma psicológica para o dono. O animal não entende que está virando humano”. A médica veterinária Eliana Farias avalia que a primeira atitude é enten der as diferenças fisiológicas do animal para seres humanos, já que os bichinhos reagem de forma diferente a itens como roupas e alimentos destinados a huma nos. “Existe um mercado pet grande no setor de cosmético e vestimenta. Há desfi les, bailes e inúmeros eventos que giram em torno dessa humanização. Isso gera renda para muitas famílias, sem dúvida”, constata. Humanização

A comemoração de aniversários de animais de estimação ilustra o mecanismo de espelhamento de ações humanas no animal. A gata Tereza, de 1 ano e 5 meses, comemora seu aniversário todos os anos, tendo como organizadora Ana Beatriz Santos, 20, que se intitulou como tia de Tereza, já que a gata é de sua irmã. “O aniversário é comemorado com bolo para os humanos e outro bolo especial para a gata, que é feito com ração”, detalha.

Ana Carolina de Moraes também faz aniversários anualmente para sua cadela Kiara, de 2 anos e 9 meses. “Ofereço tudo para minha cadelinha. Petiscos variados, perfume, roupas, coleira e amigos pets”, diz. Ana admite que muitas pessoas criti cam a forma como ela cuida do animal: “Disseram que é frescura gastar dinheiro com cachorro ao ponto de uma simples festinha de aniversário. Criticam também “Existe um mercado pet grande no setor de cosmético e vestimenta. Há desfiles, bailes e inúmeros eventos que giram em torno dessa humanização. Isso gera renda para muitas famílias, sem dúvida” Eliana Farias, médica veterinária Mercado pet no Brasil cresce cada vez mais pelo comportamento dos donos de animais de estimação

SullivanThayronyAnaCarolinadeMorais

rotina, “As produções são feitas com a assistência necessária e diversão para não causar estresse aos cachorros, porém em alguns momentos os animais acabam ficando ansiosos por sua natureza de matilha”, garante. Alok e Aysha já fize ram diversas propagandas em formato de fotos, vídeos e, até mesmo, desfiles.

VelosoGiovanna

REDEMOINHO | 83 Cultura pop A moda tem forte influência na glamou rização dos animais. Animais são vistos como referências de elegância, seres majestosos e atendem a ideia de poder que grandes marcas buscam em seus concei tos. Por trás dessa referência, existe uma cultura de pele de animais que, mais uma vez, é sinônimo de glamour e poder na produção de itens de luxo. A simbolo gia animal é forte, e acompanha a traje tória do homem com as relações de poder.As relações de glamour com animais também estão na cultura de pets como acessórios. A cultura dos filmes dos anos 2000, com garotas norte-americanas caricatas, que carregam um animal de pequeno porte em todas as ocasiões, por exemplo, é uma das situa ções culturais mais expressivas do animal, meramente, em uma composição visual. “Existem sapatinhos, que quando se coloca no animal eles se incomodam, mas depois de um tempo acabam acostumando”se Graça Souza, dona da boutique Di Petti Nos dias de hoje, isso perdura na indústria da moda, e em suas explorações em materiais provenientes de animais.

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“As produções são feitas com a

Pet vira membro da família e usa roupa, colar e adesivo de borboletinha Aisha, cadela que atua na área de publicidadeeventose A maioria das lojas, hoje, são pet friendly

Além disso, a publicidade é um grande meio de glamourizar os animais, a expo sição do animal, e o entretenimento por de trás do agir do animal é algo para se considerar.Otutor dos cães de propaganda da raça husky siberiano Aysha e Alok, nafamíliamembrossãoqueSullivan,Thayronyafirmaosanimaistratadoscomodaeajudamlevezadasua

diversãonecessáriaassistênciaeparanãocausarestresseaoscachorros,porémemalgunsmomentososanimaisacabamficandoansiososporsuanaturezadematilha”

Thayrony Sullivan, criador de cães

Adoção e compra

O dono do canil Força e Atitude, Luís Carlos de Araújo, é especialista na criação profissional do bulldog francês, uma raça muito requisitada nos dias atuais. Luís defende os criadores profis sionais: “O trabalho do criador é essencial para que existam cães de raça, que nada mais são que cães com características específicas, não só físicas, mas compor tamentais. Ou seja, sem o trabalho do criador, não seria possível a existência de cães de apoio policial, cães de resgate, cães de apoio emocional, cães guia, cães de trabalho no auxílio de autistas e uma infi nidade de atividades onde o apoio canino é fundamental”.Eletambém comenta o bem-estar das matrizes, que reproduzem apenas uma vez por ano e três vezes na vida.

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“Como em qualquer empresa, os animais são nossa prioridade. Então, o cuidado

A creche Cão é Companhia abriga alguns cães de rua e dão toda Assistência Veterinária necessária, após tratamento são levados para a adoção, Alice, é uma das que aguarda um novo lar Gatos aguardam a chance de um novo lar em feira de adoções no DF

VelosoGiovanna pessoalArquivo

O crescimento do número de animais de estimação no Brasil em conjunto à tecno logia e às redes sociais vem a ser um fator agravante para que se torne cada vez mais comum encontrar sites de vendas de pets. No ano de 2016 foi aprovada no Brasil lei que proíbe a venda de animais domésticos e silvestres em estabelecimentos comer ciais e pela Aindainternet.épossível encontrar animais para vender de forma irregular em sites como OLX ou Mercado Livre. Essas informações levantam um questiona mento sobre a valorização da estética, raça e do porte em um animal de estima ção e também sobre o que está por trás desse mercado. Muitos criadores ilegais se camuflam em anúncios fofos, porém, é necessário conhecer o vendedor para saber se atua dentro dos padrões exigidos pela lei e, por fim, não incentivar práticas abusivas ou mesmo ilegais.

Uma invésanimalinteressanteformadeterumemcasaéaadoçãosolidária,aodacompra LimaCynthia

No canil da Zoonose, é possível adotar cães e gatos de forma saudável e segura

REDEMOINHO | 85 com eles é sempre o melhor possível”. Luís ressalta a impor tância de visitar o local onde serão adquiridos os animais: “Pra quem quer combater as fábricas de filhotes visite o canil antes de comprar. Se o criador não quiser te mostrar o canil, procure outro”. Vale o alerta, já que cuidar de um pet é cada vez mais comum no Brasil. Uma forma interessante de ter um animal em casa é a adoção solidária, ao invés da compra. Segundo o Instituto Pet Brasil, em 2019 foi checada a existên cia de 370 ONGs em atuação na proteção animal. Com isso, durante a pandemia houve um aumento de campanhas para adoção de animais feitas das formas mais dinâmicas possíveis.

Na época do isolamento social foi ressaltada a vantagem no ato da adoção para suportar a solidão e aliviar sintomas de ansiedade e depressão, no entanto, esse aumento trouxe questões relevantes sobre a posse responsável. Justamente no período pandêmico, ONGs e protetores dos animais afirmam que a procura por adoção de cães e gatos teve um aumento de até 50% nos primeiros meses de pandemia.

Apresentada pela Comissão de Animais de Companhia, a pesquisa Radar Pet 2021 revelou que os números de adoção durante a pandemia superaram os de compra, cerca de 30% dos pets foram adquiridos durante o período de isolamento social e 23% não possuíam outros bichos, porém, entre junho de 2020 e março de 2021 a Ampara Animal documenta um aumento de 61% no abandono de animais.

O médico veterinário e diretor substituto da Zoonose de Brasília, Laurício Monteiro, conclui: “a adoção é um assunto de responsabilidade pessoal, o estado não manda o cidadão ter animais de estimação então essa decisão é feita de forma pessoal, e assim, de acordo com a lei 2.095 se torna obrigação do tutor dar toda a assistência ao animal”. 

86 | REDEMOINHO por: Danilo Victor, Guilherme Chaves e Priscilla Burmann Cultivo limpo Além de oferecer alimentos orgânicos, as plantações coletivas aproximam a comunidade e funcionam como terapia para os males da vida urbana M EIO AMBIENTE

Essa integração acontece, pois a pessoa que escolhe aderir a uma CSA não se torna um consumidor, e sim um coagricultor. Após o levantamento anual de custo da produção, os gastos são divididos em cotas mensais, e os chamados coagricultores assumem o compromisso de financiar a produção, em retorno recebem semanalmente cestas com diversos produtos orgânicos, respeitando a sazonalidade da produção natural.

O projeto Reação abastece essa comunidade com diversas espécies plantadas juntas, como frutíferas, legu minosas, arbóreas, além de plantas consideradas alimentícias, mas não convencionais. “Muitos agricultores nesse viés da agroecologia buscam as CSAs para gerar maior rentabilidade e para criar uma economia criativa entre a comunidade, assim podemos fomentar outras formas de se alimentar e comercializar alimentos, trocamos o preço pelo apreço”, aponta o coordenador da iniciativa.

As CSAs normalmente são compostas por um grupo de agricultores que se unem e se organizam para a produção diversa. O cultivo é muitas vezes feito pela agricultura familiar usando o sistema agroflorestal, permitindo o não uso de agrotóxicos, contribuindo para a sustentabilidade ecológica e econômica da Noprodução.Distrito

“O segredo da vida é o solo, porque do solo dependem as plantas, a água, o clima e a nossa vida.

REDEMOINHO | 87 “Saia de casa com uma enxada, eu duvido você dar duas enxadadas no solo e não aparecer alguém interessado em te ajudar. Criamos um grupo e pensamos em um sistema que fosse resiliente e sustentável”, essas são as palavras que Igor Aveline usa para descrever o espírito de coletividade do projeto Reação, que há sete anos vem beneficiando a comunidade e aproxi mando o campo da cidade. No DF, não é difícil encontrar moradores pensando em organizar uma horta comunitária. Muitos acabam desistindo por falta de recursos. Ainda tem a questão do espaço escolhido para o plantio ser regularizado ou não, mas quando o projeto começa a ser desenvol vido, desperta na comunidade bastante interesse. É o exemplo do Reação, uma agrofloresta localizada na quadra 206 da Asa Norte, em Brasília. No local é possível notar uma extensa área verde, composta por árvores, arbustos e mudas alimentícias. De acordo com o especialista em sistema agroflo restal Igor Aveline, muitas pessoas ainda “não têm noção de como as coisas são plantadas”.Aveline, que possui mestrado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), conta experiências de aprendizado com o plantio e contato com a natureza. “O plantio funciona de modo integrado. Esse processo gera um aproveitamento maior da terra, além de permitir uma adubação natural. Não usamos produtos químicos aqui. Todo o plantio é planejado para a colheita a pequeno, médio e longo prazo”,Umrelata.modelo de produção chamado de Comunidade que Sustenta a Agricul tura - CSA, tem feito bastante contribuição para quem planta no Distrito Federal, o cliente não vai apenas consumir aquele alimento e sim ajudar na produção. É uma conexão entre a agricultura e a comuni dade local, tendo uma relação direta com o plantio de hortaliças, frutas e outros alimentos orgânicos que saem da terra para a mesa do consumidor.

O Brasil se destaca no exterior como uma das maiores potências do setor agro pecuário e um dos maiores produtores e exportadores de alimentos como soja, café e a cana-de-açúcar do mundo. Todavia, o Brasil ocupa o pódio como um dos maio res consumidores de agrotóxicos.

CSA é uma sigla que vem do inglês Commu nity Supported Agriculture, que significa Comunidade que Sustenta a Agricultura. É uma tecnologia social, apoiada pela socie dade civil que promove um desenvolvimento agrário sustentável e integra o consumidor final ao processo de produção, exclusivamente de produtos orgânicos.

APOIO À ORGÂNICAAGRICULTURA

Tudo está interligado. Não existe ser humano sadio se o solo não for sadio” Ana Primavesi, engenheira agrônoma

Federal, segundo a Rede CSA Brasília, 35 CSAs estão em funcionamento. Com produção normalmente no entorno, os agricultores trazem seus produtos para o centro em pontos de convivência para entregar semanalmente as cestas para os contribuintes.

Já o alimento orgânico não contém agrotóxicos e químicas prejudiciais à saúde. Uma das principais vantagens é o fato de terem diferenças nutricionais significativas em sua composição se comparados com alimentos conven cionais e não danificar o solo e o lençol freático. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a agricultura orgânica no Brasil apresenta números surpreendentes e, de acordo com a Confederação Nacional dos Agri cultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil (Conafer), o Brasil é um dos maiores produtores de arroz orgânico de toda a América Latina, produzindo mais de 27 mil toneladas ao ano. Além disso, o país também lidera a produção mundial de açúcar orgânico. Todavia, de acordo com o último boletim sobre a comercialização anual de agrotóxicos no país feito pelo Insti tuto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Legumes orgânicos colorindo a mesa de forma saudável e sustentável

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Agricultura orgânica Em crescimento no Brasil, a agricultura orgânica traz inúmeras vantagens para o meio ambiente, como o equilíbrio microbiológico do solo, sem degradar a biodiversidade, já que utiliza a rota ção de culturas, adubação verde e a compostagem, que ajudam a impedir o desaparecimento de muitas espécies.

pessoalArquivoArquivopessoal

Prática do curso de agrofloresta promovido por Alexandre Nogali pessoalArquivo

“Tudo maquiagem,verdadeiro,énãoexiste

Preparo da muda para o plantio na agrofleresta pessoalArquivo pessoalArquivo

transparência,deemproldacomunidade,étudomuitomágico”

Dahiane Ribeiro, responsável pela horta comunitária do Guará II

REDEMOINHO | 89 em 2020 o país bateu recorde ao comer cializar mais de 685.745,68 toneladas de pesticidas químicos e bioquímicos no país. Um aumento de 10,51% em relação ao anoEntretanto,anterior. vale enfatizar que há formas de cultivo livre de agrotóxicos, baseadas na agroecologia como a agri cultura orgânica, agricultura sintrópica e a agrofloresta. Conexão campo-cidade A partir de uma horta no quintal de casa nasce uma rede de apoio e distribuição de orgânicos, relata Alexandre Nogales, 25, engenheiro agrônomo formado pela UnB e proprietário da Flora Orgânicos. A loja, na entrequadra 712/13 da Asa Norte, é 100% sustentável. Além de funcionar como uma rede de distribuição de produ tos orgânicos de mais de 30 produtores do Distrito Federal, Alexandre oferece suporte e apoio ao desenvolvimento de alternativas de agriculturas sustentáveis na produção de alimentos, como a agri cultura sintrópica e a agrofloresta. “Eu queria produzir de um jeito que não fosse devastador e que não degradasse o meio ambiente, pesquisei várias alternativas e encontrei sentido na agroflorestal, uma produção harmoniosa com a natureza”. Alexandre se orgulha em promo ver consultoria gratuita a pequenos produtores e eventuais cursos na área de agrofloresta em uma fazenda próxima ao Plano Piloto, com foco no método de regeneração do solo. Para o engenheiro agrônomo, tratando-se do solo e de uso irresponsável, o saldo se torna nega tivo. “Na agricultura convencional, são consumidos muitos recursos, se colocar tudo na ponta do lápis a conta não fecha. Perdemos solo e água além de espécies de fauna e Tendoflora”.em vista o cenário atual do uso de agrotóxicos no Brasil, Alexandre pondera: “A curto prazo ele vai resol ver o problema, mas vai estar criando a gente está aqui, numa relação

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90 | REDEMOINHO Dentre as formas de combate à fome e conscientização alimentar, se destaca horta comunitária, feita com a utilização do espaço público dentro de comunidades com o intuito de promo ver a conscientização e a capacitação dos moradores, incentivando a produção sem agrotóxicos e oferecendo acesso a alimen tos saudáveis e frescos. Horta comunitária Localizada na QE 38 do Guará II, no Distrito Federal, uma horta comunitária tem incentivado diversos moradores no plantio dos próprios alimentos. Criada em 2017, a partir da iniciativa de um grupo pequeno de voluntários, o objetivo era dar início a um projeto de horta para bene ficiar a comunidade local. O sucesso foi tão grande que hoje tem inspirado outras comunidades a criarem projetos pare cidos, além de oferecerem cursos sobre sustentabilidade e educação ambiental. De acordo com a líder comunitária da horta, a engenheira ambiental Dahiane Ribeiro, o projeto nasceu através de um desejo antigo de uma tia que é servidora pública. A motivação recebida foi tão um problema maior a longo prazo.” Ele relembra os ensinamentos da também engenheira agrônoma, Ana Primavesi, sobre agroecologia: “’O segredo da vida é o solo, porque do solo dependem as plantas, a água, o clima e a nossa vida. Tudo está interligado. Não existe ser humano sadio se o solo não for Recentementesadio’”.oPanorama Regional de Segurança Alimentar e Nutricional de 2021, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), revelou que 59,7 milhões de pessoas estão no mapa da fome na América Latina. Deste número, 19 milhões estão no Brasil, de acordo com a estimativa de 2020 do Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar, da Rede Penssan. Todo o plantio é planejado para a colheita a pequeno, médio e longo prazo”

Prática do curso de agrofloresta promovido por Alexandre Nogali em uma fazenda próxima da região do Plano Piloto

Igor Aveline, engenheiro agrônomo

O dilema dessa comunidade agrícola é simples: “Para colher, é preciso plantar”. Para que seja possível participar, qual quer pessoa que tenha interesse em ser um voluntário na horta precisa realizar um cadastro para que os líderes consigam separar as demandas e organizar os encontros.

REDEMOINHO | 91 grande que Dahiane procurou um espaço onde pudesse plantar algumas hortaliças, não precisava ser um lugar muito grande, mas que fosse um local para atender à demanda do dia a dia.

Hoje, a engenheira ambiental é a principal motivadora para criação de outros projetos na capital federal. “Ter boas ideias é muito legal, mas executá-las, que é o mérito, saber fazer a transformação é o mérito. Então eu fico orgulhosa por estar tendo a oportunidade de liderar esse time”.

Hortaliças da Horta Comunitária do Guará II

Um levantamento feito pela horta comunitária do Guará II mostra que o projeto tem mais de 200 voluntários. “Tudo é verdadeiro, não existe maquiagem, a gente está aqui, numa relação de transparência, em prol da comunidade, é tudo muito mágico”, afirma Dahiane. Os voluntários possuem um papel muito importante, que é manter a horta comunitária do Guará II ativa. O micro empresário Carlos Henrique, 67, é um exemplo disso. Para ele, participar da horta é uma verdadeira contribuição para a sociedade. “Nós estamos aqui para contribuir, estamos tentando dar o nosso melhor.” Com cinco anos de vida, a horta comunitária do Guará é um case de sucesso. A plantação é diversificada, oferece colheitas a cada 15 dias, abastece a casa das famílias participantes com 35 cestas que saem fresquinhas e com os alimentos recém-co lhidos.  Agrofloresta - A Agrofloresta ou Sistema Agroflorestal (SAF) surgiu há 4500 anos na Amazônia Ocidental de acordo com evidências. Resumidamente, trata-se de um sistema de plan tio sustentável que se adequa e integra a floresta com o objetivo de recuperar o solo e produzir diferentes vegetais concomitantes, livres de agrotóxicos. Pode seguir o trato dado a planta ções tradicionais com herbicidas e a aplicação de veneno. Agricultura Sintrópica - Existe desde meados dos anos 80 e foi desenvolvida por Ernst Gotsch. É uma espécie de agrofloresta ao seguir a mesma lógica, porém a plantação segue o princípio da entropia e será desenvolvida e organizada para o ‘ganho energético’ ao utilizar espécies diferentes de plantas típicas da floresta para ora gerar maté ria orgânica (adubo), ora descompactar, buscar ou devolver ao solo nutrientes em diferentes camadas com a interação entre espécies.

Permacultura - Como o próprio nome indica é uma produção agrícola permanente, que busca ambientes humanos sustentáveis e produtivos em harmonia e equilíbrio com a natureza.

VictorDaniloVictorDanilo

SAIBA MAIS SOBRE FORMAS DE CULTIVO LIMPO Engenheira ambiental responsável pela Horta Comunitária do Guará II, Dahiane Ribeiro

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REDEMOINHO | 93 Novas formas de comercializar produ tos feitos à mão vêm mudando a vida de artesãs no Distrito Federal. Dannyelly Souza Braga, 27, conta que começou o seu negócio durante a pandemia. Cansada da rotina e por estar em um mesmo lugar por muito tempo, decidiu passar alguns dias na casa dos pais — a fazenda da famí lia, em Minas Gerais. Certo dia, viu um vídeo de uma russa que fazia bordados. A partir dessa inspiração, não perdeu tempo: começou a dar os primeiros passos para o que seria sua nova profissão.

ULTURA

Após ir pegando a prática, Dannyelly criou uma conta no Instagram - @mineiraqueborda - para divulgar as peças. E afirma que o projeto deu muito certo. “Fui pensando em como transfor mar aquilo em renda. Em agosto de 2021 voltei para Brasília e continuei fazendo meus bordados, que hoje são minha única fonte de renda”, conta. A empreendedora social Paula Pantoja explica que o empreendedorismo feminino faz parte de um fenômeno de transformação e representa algo muito maior e mais significativo do que pensar apenas pela ótica de abertura de uma empresa. Esse movimento é de extrema importância para as mulheres porque elas acabam sofrendo de uma deficiência de suporte, seja ela acadêmica ou até mesmo profissional.Épormeio desse empreendedo rismo intuitivo que as mulheres buscam renda para cumprir as obrigações e acabam transformando essa atividade em uma oportunidade de desenvolvimento pessoal e profissional. “Para elas, isso é uma oportunidade de vida, uma oportu nidade de renda, isso é o que elas têm”, diz a empreendedora.Diantedisso, Paula acredita que a capacitação voltada para o empreende dorismo feminino precisa ser observada por outros ângulos. Hoje as qualificações exigem que as mulheres se adaptem aos seus fundamentos quando, na verdade, é necessário pensar em alternativas em que o ensino seja ofertado levando em conta a realidade dessas mulheres.

Plataformas digitais facilitam venda de artesanato produzido por mulheres no DF

C por: Larissa Gonçalves de Oliveira, Maria Eduarda Araújo Neves, Dayhane Chaves Cardoso Made in Brasília

“O bordado é isso, ultrapassa gerações; eu vou e meu bordado fica”, diz Aparí cia Porto Noleto Setuba, vencedora do prêmio “Melhor Ipê feito de Artesanato”. A brasiliense, filha de costureira, conta que o artesanato está em sua vida desde a infância. Ela conta que sempre gostou de fazer traba lho manual e, menina, já demonstrava inte resse pelo trabalho da mãe: ansiava em usar a máquina de costura.

Com formação na área da educação, a artesã trabalhou por muitos anos em academia, como personal trainer. Mas o artesanato sempre se fez presente, mesmo quando era apenas um hobby. “Chegou uma hora que eu disse: quero viver do que eu gosto”.

Paula afirma que estar na internet é importante para dar visibilidade a um conhecimento tradicional construído por várias gerações bem como para as peças que são únicas, por isso carregam um valor diferenciado. A especialista reforça a necessidade de investimento em proje tos de público.daespecíficosqualificaçãoedentrolinguagemdesse

“Para elas isso é uma oportunidade de vida, uma oportunidade de renda, de sustento familiar e de transformação pessoal”.

A fala da especialista vai ao encontro das necessidades apontadas pela artesã Fernanda Bechepeche, 44. Ela fabrica bonecas de tecido e utiliza as redes sociais para divulgação e venda dos produtos de forma intuitiva. Contudo, ela sente uma deficiência ligada à qualificação nessa área. Para Fernanda, falta uma consultoria que a auxilie no digital.

Paula Pantoja, empreendedora social

Artesã Dannyelly Souza se profissionalizou em dois anos Atualmente o trabalho é produ zido em casa e comercializado via redes sociais. Mas viver somente do artesanato está em seus planos. Ela pretende expan dir o negócio através do e-commerce. “O artesanato vende pela autenticidade, pois nada é igual”, defende.

O digital veio para ficar. Prova disso foi que durante a pandemia se tornou o principal meio de trabalho, renda e capta ção de clientes de muita gente. Porém, é necessário dar foco àquilo que é essencial. Paula percebe uma padronização dentro deste ambiente. Aqueles que traba lham com produtos artesanais muitas vezes possuem baixa escolaridade e acabam por não ter o conhecimento e as ferramentas para migrar para o ambiente virtual. Ela ressalta que essas mulheres estão, na maior parte dos casos, sozinhas, e não possuem uma equipe que possa assumir essa parte do trabalho.

94 | REDEMOINHO Inovar é preciso

pessoalArquivo

Vidas cruzadas

Raquel Rocha, contadora, tem uma histó ria singular com o artesanato. Seu sonho sempre foi dar uma irmã ou irmão para seu primogênito de 7 anos. Em 2020, em maio, Raquel descobriu que estava grávida. Mas com 32 semanas parou de sentir o bebê mexer. “A gente foi para o hospital e não estavam encontrando os batimentos do coraçãozinho dele. Logo em seguida o médico realmente constatou que ele havia falecido”, relembra.

“Quando o artesão trabalha com coisas que são muito pessoais, ele tenta traduzir o sentimento de quem está do outro lado” Raquel Rocha, cliente para quem opta por manter os dois canais de venda.

Com o tempo, o luto foi se tornando uma coisa diferente e a necessidade de ser mãe falou mais alto. Ela engravidou novamente em 2021. E decidiu iniciar os preparativos para a chegada da bebê Helena. “Foi aí que começou a questão do artesanato”, diz. A história da Dannyelly e da Raquel se cruzam quando a contadora come çou a procurar no Instagram alguém para confeccionar os objetos para a chegada da filha. Após o primeiro contato, as duas fecharam o primeiro esboço.

Opinião compartilhada por Denise Souza, artesã que faz aplicações em

O trabalho foi tomando forma, mas até tocar a alma, faltavam alguns deta lhes. Raquel conta que queria algo que brilhasse e que fizesse referência ao bebê que perdeu. A artesã então personalizou o porta maternidade fazendo referência ao bebê Caio como uma libélula. Para Raquel, o artesão trabalha com coisas que são muito pessoais. “Ele tenta traduzir o sentimento de quem está do outro lado”.

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Como a morte do pequeno Caio, Raquel conta que não tinha expectativa de engravidar novamente. “Como é que eu iria tentar de novo se eu não sabia a causa da morte do meu bebê?”.

O tradicional vive Não há como contestar que o comér cio digital traz uma visibilidade muito maior. Mas existe algo que o ambiente digital não proporciona: proximidade. O calor humano, a possibilidade de conhe cer pessoas e histórias, de ter o contato direto com o cliente faz toda a diferença

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Várias artesãs falam que fazer parte da Feira da Torre de TV simboliza a realização de um sonho. Cláudia Matsu naga, que fabrica diversas peças como jampamalas, sempre teve o desejo de levar a sua arte para a feira o que, segundo ela, foi uma conquista difícil. No auge da pandemia, onde o comércio foi obrigado a fechar, ela realizou as vendas pela página da sua rede social, mas não troca o comércio tradicional pelo ambiente digital.

Aparícia Porto tem Brasília como inspiração

Quadro da artesã Aparício PortoA artesã Dannyelle confeccionou bordado em homenagem à mãe de um cliente

Junto ao produto, Aparícia envia sementes de ipê Técnica de bordado em jeans reutilizado

OliveiraLarissaOliveiraLarissa

96 | REDEMOINHO sandálias. Ela já realizava vendas pelo Instagram e WhatsApp. Mesmo reco nhecendo que o faturamento é muito maior por esses meios, ela não desistiu da oportunidade de ter uma banca na Feira da Torre. Segundo Denise, ter um ponto físico é importante para divulgação, entrega de pedidos e, sobretudo, o contato com aOclientela.incentivo à profissionalização que vem sendo fortalecido pela Secre taria de Turismo é de grande relevância. A artesã Claudia Matsunaga define esse apoio como uma forma de trazer digni dade e reconhecimento aos profissionais. Contudo, pouco adianta buscar a profis sionalização e não fortalecer os canais de vendas.

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Atividades de artesanato podem ser enten didas como toda produção resultante da transformação de matérias-primas que expresse criatividade e identidade cultural, definição adotada pela Secretaria de Turismo do DF. Em 2015 foi aprovada a lei N° 13.180, que reconhece não só a profissão como o profissional; aquele que exerce o ofício das atividades de produção manual. Segundo a gestão de negócio em rede do Sebrae-DF, atualmente, o Cadastramento Único dos Artesãos do Brasil- SICAB tem em torno de 14 mil artesãos cadastrados, com 5 mil válidos. Desses, 83% são mulheres e 94% desses artesãos produzem o artesanato em sua residência. O artesanato constitui a prin cipal fonte de renda desses profissionais, cerca de 64% dos artesãos vivem do artesanato.

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CardosoChavesDayhane

A artesã Claudia Matsunaga tem orgulho de expor seu trabalho na Feira da Torre

PARA SABER MAIS

LucasJoão

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A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que “o esporte tem o poder de mudar o mundo e tem desempenhado historicamente um papel importante em todas as sociedades”, e até o considera como “um direito fundamental e uma poderosa ferramenta para fortalecer os vínculos sociais e promover o desenvol vimento sustentável, a paz, o bem-estar, a solidariedade e o respeito”.

“Não estamos falando de bater recordes mundiais, mas sim da batalha que cada um mantém consigo para melhorar e alcançar aquilo que foi proposto”.

Os atletas profissionais, por exem plo, ensinam muito sobre superação. A partir de um conjunto de fatores técnicos, físicos, materiais e psicológicos eles alcan çam o que às vezes parece ser impossível.

superam doenças e traumas

Grupo Canomama no lago Paranoá LucasJoão

Luiz Fernando Alves, educador físico, acrescenta: o esporte é sinônimo de superação, de ultrapassar os limites para levar o corpo um pouco mais além.

E SPORTE por:

Sim, você consegue João Lucas Santana e Ramon Borges Com esforço e disciplina, praticantes de atividades físicas

Desde cedo, aprendem a ultrapassar desafios para vencerem, representando times e nações. E existem aquelas pessoas não tão famosas, mas que tiveram a vida transformada pela prática esportiva. Aqui, nesta reportagem, você vai conhecer esportistas profissionais e amadores; todos com uma história vitoriosa para contar.

Campeã Mundial Ana Paula Marques queria concluir os estudos e se formar em enfermagem, mas teve o sonho interrompido em 2004, aos 21 anos, após dois disparos feitos pelo ex-marido, que não aceitava o fim do rela cionamento. Um dos disparos atingiu sua coluna e afetou a medula, fazendo com que se tornasse paraplégica.

Sandra Angelim conheceu o CanoMama após assistir a uma reportagem na TV

REDEMOINHO Irmãs de guerra O corpo fraco, a baixa imunidade e o cansaço são alguns dos efeitos que mulhe res sentem na luta contra o câncer de mama. Além da quimioterapia , algumas precisam passar pela retirada das mamas, processo conhecido como mastectomia.

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Foi o que aconteceu com a estrategista digital Cris Koressawa, 56, que optou por não colocar próteses de silicone. Hoje, ela se sente bem com o seu corpo, mesmo que, às vezes, tenha que lidar com críticas. “As pessoas não sabem o que a gente está passando e o que passa depois. Porque não tem apenas a questão da aparência, tem as dores, eu tenho 12 cicatrizes”. O que a ajudou muito neste processo foi a canoagem. Cris e outras mulheres fazem parte do projeto CanoMama, idea lizado em 2015 pela nutricionista Larissa Lima, que também venceu um câncer e decidiu criar algo que reunisse mulhe res que estavam passando pela mesma situação.Oacolhimento e a empatia das “irmãs de guerra” que travam as mesmas batalhas é algo fundamental no projeto. O primeiro dia da aposentada Sandra Ange lim, 56, no CanoMama foi marcado por um batismo simbólico, representando um novo começo. “Hoje foi meu batizado nas águas, aqui no Lago Paranoá, com mulheres que têm a mesma vivência que eu. São mães, esposas que sabem o que se passa dentro de cada uma”. Elas saem cedinho, todas às terças e quintas, com um destino específico, em busca de resgatar a autoestima. “O fato de estar na natureza e com mulheres que tiveram o câncer cria empatia e sorori dade”, conta Cris. O sentimento de renascimento é experimentado por muitas dessas rema doras. “Existe vida pós-trauma, após algo

LucasJoão Ana Paula Marques é campeã mundial de vela adaptada, pessoalArquivo tão pesado. E, de repente, isso aqui é uma abertura muito grande para o horizonte, da minha mente, do meu corpo e da minha alma”, explica Sandra, emocionada com essa nova perspectiva de vida.

Cris

REDEMOINHO | 101 “A vela mudou minha vida, me trazendo de volta ao convívio, me mostrando que eu ainda podia ser útil e de que a vida vale a pena ser vivida, sim”

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Cris Koressawa encontrou amparo no remo e no contato com a natureza

Ana Paula, atleta da vela adaptada fato de estar na natureza e com mulheres que tiveram o câncer cria empatia e sororidade” Koressawa, estrategista digital

“Com certeza a vela mudou minha vida, me trazendo de volta ao convívio com outras pessoas, me mostrando que eu ainda podia ser útil e que a vida vale a pena ser vivida, sim”, comemora. Respire o agora A atividade física pode ser utilizada como válvula de escape para lidar com proble mas psicológicos e até sequelas de uma doença. Foi nessa situação que o estu dante de ciências contábeis, Luan Aguiar, se encontrou há cerca de um ano, no pico da pandemia em 2021, quando precisou ser internado após contrair o vírus Covid19 pela segunda vez.

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REDEMOINHO Após 10 anos, quando estava fazendo fisioterapia no hospital Sarah Kubitschek, foi incentivada a praticar algum esporte. No começo, corrida de cadeira de rodas; depois basquete e tiro com arco. Até que um passeio de barco revelou uma paixão. Foi amor “à primeira velejada”, em um barco adaptado para pessoas com deficiência. E nunca mais a vida de Ana Paula foi a mesma. “A vela me trouxe motivação para continuar a vida de forma mais leve, animada e cheia de aventura”, relata. No primeiro torneio internacional, o terceiro lugar chamou a atenção. Em 2017, na Alemanha, na segunda partici pação oficial, uma colocação de destaque: Ana superou nomes de expressão no esporte e conquistou o vice-campeo nato mundial da modalidade. Em 2018, depois de disputar nove regatas e ficar entre as primeiras quatro colocações, ela se superou e se tornou campeã mundial da modalidade de barco à vela adaptado, um feito inédito e histórico para o Brasil.

O jovem de 23 anos foi parar em uma UTI com dificuldades respiratórias. “Quando fui internado, uma tomografia constatou que eu estava com embolia pulmonar e cerca de 70% do meu pulmão estava comprometido”, relembra. Por conta das crises de ansiedade, os médicos não queriam intubá-lo, pois seria muito arriscado. “Eu estava muito nervoso e a intubação poderia piorar meu quadro”, relata o estudante, que precisou de 13 litros de oxigênio para conseguir respi rar, enquanto o limite por paciente era de cinco litros, naquela mesma situação.

Luan enfrentou 20 dias de interna ção. Quando recebeu alta, só pensava em voltar logo a praticar atividades físicas, mas encontrou pelo caminho sequelas e desafios. “Eu não conseguia andar direito, arrastava o pé, e para caminhar ou até mesmo subir uma escada eu ficava muito ofegante”, diz. De início, os fisioterapeutas disse ram que ele iria demorar um pouco para voltar à rotina. Mas depois de realizar exames com um cardiologista, o univer sitário teve a boa notícia de que precisava regressar às práticas físicas para ajudar na recuperação.Hojeele entende o quanto a ativi dade física é fundamental. “Minha endorfina vai lá em cima e ajuda tanto na questão com a ansiedade quanto nos problemas respiratórios”, completa. “Fazendo atividade física minha endorfina vai lá em cima e ajuda tanto na ansiedade quanto nosrespiratórios”problemas Luan Aguiar, estudanteA vela trouxe motivação para Ana

Hoje, Rogério tem uma vida muito mais saudável do que tinha há três anos.

“Depois de 12 meses nessa pegada, minha glicemia não está mais alterada, estou feliz com todo esse resultado”.

“Isso mexeu com meu psicológico. Fiquei abalado por alguns dias, me entupindo de medicamentos durante o dia e aplicando insulina injetável”, relembra. Em uma das consultas, foi orien tado para que começasse uma dieta combinada com a prática de atividades físicas para perder peso. Na época, ele estava pesando cerca de 100 quilos. Apesar de todos os cuidados, Santana não estava satisfeito com a rotina, porque não estava se adap tando aos exercícios na academia. Foi aí que teve a ideia de começar a pedalar. “Resolvi tirar a bike da garagem e passei a pedalar três vezes na semana, com dieta e musculação cinco vezes na semana”, explica ele.

com a notícia sobre seu estado de saúde, pois conhecia algumas pessoas que tinham a doença e por falta de cuidado um deles perdeu a visão e outro teve que amputar as pernas.

Quem desejar participar, basta entrar em contato com a idealizadora do projeto Larissa Lima pelo número 61 99216-1806.

“Fazendo um trabalho de formiguinha, tento motivar as pessoas a pedalar e cuidar da saúde” Rogério Santana, servidor público Pedalar é a maior paixão de Rogério

REDEMOINHO | 103 Xô, insulina! Rogério Santana é uma pessoa apaixonada pelo ciclismo. Pedalar por quilômetros e admirar a paisagem enquanto passa pelas vias de Brasília se tornou algo prazeroso. Mas as coisas nem sempre foram assim. Em 2019, o contador de 43 anos passou mal enquanto estava trabalhando e teve que ser levado para o hospital imediata mente. Lá, para sua surpresa, recebeu o diagnóstico de diabetes tipo 2. No contamomento,primeiroRogérioqueficoupreocupado

TREME TERRA O projeto está aberto para qualquer pessoa que tenha interesse em participar da peda lada, inclusive os iniciantes. Para mais informações, entrar em contato com o Rogério pelo número 61 98202-8413 ou pelo perfil do projeto no Instagram @tremeterramtb.

CANOMAMA Projeto formado por mulheres que recebem o diagnóstico de câncer de mama. Acontece todas as terças e quintas-feiras, sempre às 8h, no clube Ascade, de forma gratuita.

Agora, incentiva outras pessoas a fazer o mesmo com o projeto Treme Terra, mas sem que seja preciso passar por um problema de saúde para começar a se cuidar. “Me sinto na necessidade de devolver toda essa gratidão ao universo, fazendo um trabalho de formiguinha, tentando motivar as pessoas a pedalar e cuidar da saúde”.

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Ele começou a perder peso e a partir daí as coisas melhoraram. Em uma consulta, o médico tirou os medicamentos para pressão arterial e, logo em seguida, já não precisava mais injetar insulina.

Campus Sul Edson Machado • Asa Sul • SGAS Quadra 613/614 • Lotes 97 e 98 L2 Sul • Brasília-DF • CEP: 70.200-730 Call Center: (61) 3340-3747 • www.iesb.br • E-mail: atendimento@iesb.br

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