Revista Redemoinho ano 12 nr 18

Page 1

Ano 12 • Número 18

Revista do Curso de Jornalismo do IESB - Brasília, dezembro de 2021

Inclusiva de fato? Apesar Apesar da previsão da previsão legal, legal, dificuldades dificuldades de acesso de acesso ainda atrapalham atrapalham a consolidação educação de dapessoas educação com inclusiva deficiência no Brasil

Nação verde Os desafios construção Os desafios para a construção de umpara paísasustentável de um país sustentável

Abre a roda eco do berimbau na capoeira O eco doOberimbau na capoeira corre o mundo corre o mundo

O futuro hoje IESB IESB ee Unesco Unesco buscam buscam soluções soluções para problemas sociais para problemas sociais



EDITORIAL Não é sobre a pandemia, mas contém a pandemia. Esta edição da Redemoinho, a segunda sob a Covid-19, não foca na doença e nos seus efeitos, mas este é um tema que perpassa boa parte das nossas reportagens. Faz todo o sentido, diante da guerra informacional que o jornalismo profissional e comprometido, como o feito aqui por estudantes-repórteres, tem travado contra a inundação de notícias falsas a respeito da pandemia e, principalmente, das formas de tratamento. Essa luta joga luz e valoriza o conhecimento científico, que ganha destaque ainda maior na Cátedra Desafios Sociais Emergentes, parceria entre IESB e Unesco que usa essa mesma ciência para buscar soluções para os problemas enfrentados em um país em desenvolvimento como o nosso. Entre tantos obstáculos a vencer, educação inclusiva. Como lidar na escola com crianças que apresentam alguma deficiência? O preconceito surge e é preciso combatê-lo, seja contra quem é deficiente, seja contra quem professa uma fé diferente, seja contra quem tem um tamanho menor. Tudo isso está nas próximas páginas. Aqui você ainda vai acompanhar os desafios dos idosos diante do isolamento social e, de forma ampliada, como nós, enquanto sociedade, podemos conviver num futuro chamado, já até de forma cansativa, de “novo normal”. A arte e o meio ambiente também ganham espaço. Confira os caminhos que podem ajudar o Brasil a ser uma potência em investimento sustentável e os efeitos positivos do uso de técnicas artísticas para combater sofrimentos, do corpo e da alma. A temática cultural prossegue na discussão sobre a representação da periferia nas telas de cinema. A quebrada não quer mais ser apresentadas pela zona sul, quer, sim, fazer as próprias produções. Por fim, surge também como resistência a capoeira, trazida há séculos por pessoas pretas escravizadas e que agora ajuda a divulgar o Brasil mundo afora. Boa leitura! RE D E M O IN H O | 1


Coordenação editorial e edição: Marcio Peixoto. Projeto gráfico: Gabriel Cordova, Maycon Cardoso e Thaynara Martins, sob a supervisão de Amaro Júnior, Cecília Bona e Noel F. Martínez. Direção de arte: Mônica Carvalho. Conselho editorial: Daniella Goulart, Luciane Agnez, Luísa Guimarães, Marcio Peixoto e Mônica Carvalho. Coordenação do curso de jornalismo: Daniella Goulart. Reitor do Iesb: Luiz Cláudio Costa. Redação: (61) 3445-4577. Repórteres e fotógrafos do 5º semestre de Jornalismo: Amanda Sales, Ana Beatriz Franco, Ana Cristina Morbach, Audrey Mendes, Brunna Feitosa, Bruno da Silva, Camila Saldanha, Fernanda Ferreira, Giovana Cardoso, Isadora Mota, João Vitor Rapousa, João Vitor Reis, Júlia Melo, Karoline Cavalcante, Khalil Santos, Larissa Alves, Marcela Cunha, Mariana Saraiva, Noreen Jaral, Rafaela Alves, Victória Cruz, Vinicius de Paula Carvalho, Vítor Bueno, Vitória Alice Silva, Vitórian Tito e Yousefe Sipp. Ilustração e fotografia da capa: Ana Cristina Morbach.


Ano 12 • Número 18

04

A dificuldade das famílias e das crianças com deficiência na educação

10

IESB e Unesco de mãos dadas por um futuro melhor

16

Os efeitos do isolamento social na vida de pessoas idosas

20

Novo normal: desafios para o convívio social pós-pandemia

26

A luta de quem tem nanismo contra o preconceito

32

Inovações podem levar o País a um caminho sustentável

38

Fé e resistência: muçulmanas combatem a islamofobia no Brasil Arte ajuda a resistir e a transformar vidas

50

A representação das classes nas telas de cinema

56

Capoeira: a ginga, o batuque, a resistência e o mundo

Fotografia :Vitorian Tito e edição: Gabriel Lucena

44


E DUCAÇÃO

Educação é direito, inclusão também! por: Ana Cristina Morbach, Vitória Alice Silva e João Vitor Rapousa 4 | REDEMOI NHO

Educação e inclusão… Rima, né? Na prática, as palavras que são tão semelhantes estão distantes por causa das dificuldades de acesso à educação no Brasil


Com o objetivo de promover igualdade e acessibilidade nas escolas, as normas previstas na Constituição auxiliam no desenvolvimento, na vida familiar e acadêmica, na convivência e na conscientização do respeito mútuo. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, de 2015, visa assegurar e promover o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais para pessoas com deficiência. Arquivo pessoal

Fabiana Andrade, cofundadora do Instituto Ninar, psicóloga, mestra em Ciências do Comportamento e pós-graduada em Análise Comportamental Clínica aplicada ao TEA

Contradizendo o que está escrito nas leis, a educação inclusiva está distante de ser completamente satisfatória. Nas palavras da psicóloga Fabiana Andrade, muitas das dificuldades existem por falta de financiamento governamental, uma vez que são necessários profissionais capacitados para lidar com estudantes com os mais diversos tipos de deficiências, além de estrutura adequada para este público. Um estudo da plataforma QEdu, realizado a partir de dados do Censo Escolar 2016, mostrou que pouco mais de um quarto das 37.593 unidades da rede pública do Brasil têm espaços acessíveis. Fabiana afirma que os problemas de inclusão estão também atrelados a uma dificuldade de implementação ligada ao sentido financeiro e social. “Hoje tem muita coisa boa disponível para ler, acessar, mas ou é muito caro para a escola ou para a família. É comum não ter incentivo”. O preconceito enraizado na sociedade também atrapalha. A ideia de que uma criança com deficiência pode de Ana Cristina Morbach

A inclusão social diz respeito a agregar e movimentar espaços com pessoas com as mais diversas características. É sobre oferecer oportunidades iguais de acesso a bens e serviços a todos. A educação, por sua vez, é direito de todos os indivíduos, conforme a Declaração dos Direitos Humanos e a Constituição Federal, que estabelece no artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania”. O termo educação inclusiva, portanto, parte das duas premissas e busca incluir todos dentro de um ambiente escolar único. Contudo, o Brasil está de fato preparado para a educação inclusiva? A pergunta ainda abre espaço para uma longa reflexão. Para Fabiana Andrade, psicóloga e diretora do Instituto Ninar, clínica com unidades no Distrito Federal e em Goiás, especializada no acompanhamento de pessoas autistas, a aplicação de uma educação inclusiva de qualidade no país ainda não foi alcançada. “Vemos que as escolas tratam a inclusão como se fosse um favor, e na verdade está na lei, toda criança tem direito igual à educação”, afirma. Em 2021, o cenário se tornou ainda mais desanimador. Em agosto, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou em vídeo que há crianças com “um grau de deficiência que é impossível a convivência”, dando a entender que tais estudantes atrapalham o aprendizado dos outros. A afirmação diverge dos princípios de uma educação que inclua todas as crianças em um ambiente de ensino, independentemente de suas diferenças.

O Instituto Ninar possui cinco unidades, três no Distrito Federal e duas em Goiás RE D E M O IN H O | 5


alguma forma atrapalhar o desempenho de uma sala de aula é perpetuada entre a população. “Um comportamento comum é que os pais privem a criança de ter o contato com o diferente”, lamenta a psicóloga. Para Maria Laura Gomes, musicoterapeuta do Instituto Ninar, a educação inclusiva dá passos lentos porque o sistema carece de formação adequada, especialmente na rede privada. “Falta preparação para os profissionais que trabalham nessa área, com possibilidade de estudar, fazer cursos, entender mais a fundo como trabalhar”, constata.

“A sociedade trata como se fosse um favor, e na verdade está na lei, toda criança tem direito à educação de maneira igual” Fabiana Andrade, diretora clínica do Instituto Ninar

Quadradinho inclusivo

O Distrito Federal se destaca como um dos precursores na implantação de centros de ensino especializado para diversos tipos de necessidades, sejam elas físicas ou neurológicas. De acordo com a Secretaria de Educação do DF, todas as escolas públicas da educação básica são inclusivas na capital federal. A professora Iêdes Soares afirma que há um total de 13 centros de ensino especial, além de mais um centro de ensino bilíngue para deficientes auditivos em construção no Plano Piloto. Com cerca de 22 mil matrículas na rede pública de alunos com alguma deficiência, foram fornecidos serviços de acompanhamento e atendimento especializado para 16.206 estudantes entre 2019 e 2020. A modalidade de ensino especial é garantida a crianças e adolescentes com deficiências motoras, Transtorno do Espectro Autista (TEA), altas habilidades/superdotação e bebês e crianças de 0 a 4 anos do Programa de Educação Precoce. Segundo a secretária de educação do DF, Hélvia Paranaguá, muitas das dificuldades que não permitem que o Brasil alcance uma educação inclusiva completa vem de um contexto histórico. A Constituição de 1988 implementou que o estágio de ensino médio deve ser organizado em âmbito estadual. Já a educação básica, é de responsabilidade dos municípios.

6 | REDEMOI NHO


João Vitor Rapousa

No Brasil, subiu de 87,1% para 92,1% o número de matrículas de alunos com deficiência em classes comuns,

“Independentemente de ele ser um estudante especial ou não, o direito da aprendizagem é um direito constitucional” Hélvia Paranaguá, secretária de Educação do Distrito Federal

de 2014 a 2018

Arquivo pessoal

Para a secretária, essa separação dificultou o acesso à educação para a maior parte da população, visto que há estados e municípios que não possuem as condições financeiras e sociais que garantem acessibilidade para alunos com deficiência. “Digamos que não há um envolvimento, não só em termo de estrutura da escola em si, mas sim estrutura física porque ela tem que ser pensada para o aluno, desde a rampa de entrada às salas de recurso”, justifica Hélvia Paranaguá.

Hélvia Paranaguá se tornou secretária da Educação do DF em julho de 2021

Para quem?

Desde o nascimento da irmã, a estudante universitária Sofia De Brot, 19 anos, acompanha de perto todos os passos da caçula no ambiente escolar. Isabela De Brot, 14 anos, tem síndrome de Down e enfrenta todos os desafios de uma educação inclusiva não tão inclusiva assim. Ela já passou por escolas particulares e públicas, e Sofia conta que a melhor experiência, até agora, veio da rede pública. Há cerca de 4 anos, ela estudava em um colégio privado no DF no qual a professora fazia pouco caso da presença da criança na sala de aula. Segundo Sofia, enquanto dava aula para os outros alunos normalmente, a professora colocava Isabela no fundo da sala para dormir. “Nada do que ela fazia naquela sala tinha de fato um objetivo pedagógico. Ela só ficava desenhando e rabiscando coisas sem sentido. Foi terrível! Minha irmã ficava lá jogada”, relata. Para a universitária, falta formação profissional para que os professores saibam lidar com esse público. Cientes das leis e dos direitos das pessoas com deficiência à educação, a família De Brot tentou resolver a situação

com a coordenação da escola, porém, foi aconselhada a procurar a rede pública. “Minha irmã começou a estudar na escola pública e foi a melhor escola pra ela comparado às duas particulares anteriores”. Contudo, em 2019, Isabela sofreu uma queda na escola e precisou ficar cerca de 6 meses em casa. Em 2020, com a chegada da pandemia da Covid-19 e a instauração do modelo remoto, o quadro educacional de Isabela se agravou. Sofia conta que, ainda hoje, é impossível que a irmã se concentre em atividades on-line ou as realize sem acompanhamento. Mesmo assim, para não deixá-la tão longe dos estudos, a estudante e sua mãe tentam auxiliar Isabela por meio de brincadeiras. “Ela gosta de brincar de sala de aula e finge ser a professora. Comecei a brincar dessa forma tentando ensinar algumas coisas, mas não sou a professora dela, não é a mesma coisa”. Com dois filhos diagnosticados com TEA, Tutilla Aragão, 41 anos, se identifica com os problemas da família De Brot. A filha mais velha, Isadora Aragão, 6 anos, é autista em nível 2 e diagnosticada com Transtorno Obsessivo Compulsivo RE D E M O IN H O | 7


Arquivo pessoal

(TOC). Ao entrar em sua primeira escola, com 3 anos de idade, a experiência passou longe de ser positiva. De acordo com a mãe, Isadora era deixada de lado e não participava de qualquer das atividades da sala. Tutilla destaca que a experiência foi traumatizante e Isadora foi aceita no Instituto Ninar, com o objetivo de auxiliar na sua trajetória educacional e no desenvolvimento pessoal. Após Isabela passar um período fora da escola, Tutilla foi orientada a matricular a filha na rede pública do DF. Nas palavras da mãe, a mudança foi fantástica.

Isabela De Brot, criança portadora de Síndrome de

Arquivo pessoal

Down, fazendo atividades propostas pela escola

Nicolas, à esquerda, é diagnosticado com TEA nível 1; sua irmã Isadora, à esquerda, tem o diagnóstico de TEA nível 2

8 | REDEMOI NHO

“Conheci pessoas realmente Na prática preparadas. Os profissionais da escola Desde 1973 em funcionamento, o Colégio conseguiram trabalhar a inclusão dela Maurício Salles de Mello, na Asa Norte, no em sala. Minha filha sempre foi de uma Distrito Federal, é um centro de educação turma reduzida, uma turma especial, com infantil e fundamental particular. Com 2 crianças e a cada 6 meses o potencial experiência em trabalhar com crianças dela era revisto”, comemora. Ainda assim, com deficiências físicas e neurológicas, a Tutilla diz que o ritmo da alfabetização escola aplica educação individualizada, de Isadora está lento. Para a mãe, apesar levando em consideração as dificuldade muito bem tratada, a criança não está des de cada aluno. Atualmente, com seis sendo estimulada o suficiente a ponto de alunos com necessidades variadas como Transtorno do Déficit de Atenção e Hipeestar no nível de sua turma. Com Nicolas, o filho mais novo, ratividade (TDAH), o colégio trabalha com nível 1 de autismo, a experiência com estratégias de ensino e inclusão negativa foi similar. O primeiro contato que auxiliam o aluno a superar a sua com a educação também foi pela rede dificuldade. particular, e Tutilla revela que não havia Como diferencial, a escola faz professores qualificados. Na época, a mãe celebrações como festa junina, festa da chegou a entregar à escola um diagnós- primavera e gincanas. De acordo com tico feito pelo Ninar sobre como lidar Raúl Maurício de Mello, coordenador e ensinar a criança com técnicas espe- pedagógico do colégio, os eventos são cíficas, porém, nada essenciais para a foi aplicado e Nicolas “A gente quer que equipe, pois é quando também vivenciou a inclusão é trabalhada diversos tipos de eles estejam felizes e a fundo. “Os alunos exclusão. participar integrados na escola precisam Após um longo dos projetos do jeito período de tentativas, deles. Por exemplo, como membros Tutilla revelou que o temos uma aluna com daquela classe” ensino público é a sua deficiência motora primeira opção para Raúl Maurício de Mello, coordenador que usa cadeira de pedagógico do colégio Maurício os filhos, tendo em rodas, a partir disso Salles de Mello toda a coreografia da vista que, no geral, turma dela na festa o sistema oferece às famílias educadores especializados para leva em conta essa condição”. a educação inclusiva. Entretanto, durante Apesar da normalidade de ter um a pandemia, a educação pública não foi aluno com deficiência nas salas de aula, completamente eficaz. A mãe revela que, o coordenador Raúl e a coordenadora do com os dois filhos, o acompanhamento ensino fundamental I, Dilma Moreira, está sendo feito de forma desleixada, enxergam as dificuldades da educação visto que o que é passado na sala de aula inclusiva. Pela dedicação em desenvolver virtual não é adaptado corretamente para a criança com a ajuda de profissionais as crianças. especializados e com os responsáveis pelo


do país, tendo em vista que, após essas informações chegarem às famílias e à população com mais facilidade, cada vez mais a inclusão será uma realidade. 

João Vitor Rapousa

aluno, eles levantam o argumento de que, muitas vezes, a própria família não sabe como lidar com o ensino de seus filhos. Logo, uma das soluções que apresentam é a de que há uma grande necessidade de acesso às leis e direitos da educação inclusiva

Sala de aula do Colégio Maurício de Salles que atende o Ensino Fundamental I e II, que atende estudantes de forma inclusiva

RETROCESSO? Em agosto deste ano, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, em vídeo, proferiu uma fala que fere e vai contra tudo o que foi consolidado com as leis a favor da educação inclusiva. “Nós temos, hoje, 1,3 milhão de crianças com deficiência que estudam nas escolas públicas. Desse total, 12% têm um grau de deficiência que impossibilita a convivência. O que o nosso governo fez: em vez de simplesmente jogá-los dentro de uma sala de aula, pelo ‘inclusivismo’, nós estamos criando salas especiais para que essas crianças possam receber o tratamento que merecem e precisam”.

De acordo com Hélvia Paranaguá, secretária de Educação do Distrito Federal, a fala do ministro foi, em parte, infeliz; no entanto, houve falhas na comunicação. A secretária afirma que, de fato, é necessário promover e perpetuar a ideia de uma educação inclusiva, mas existem, sim, ressalvas, a depender do diagnóstico de cada criança. “Esse diagnóstico é fundamental, por que o que acontece se você coloca uma criança que não tem um diagnóstico definido para estar em uma sala inclusiva? Ele não vai se adaptar àquele ambiente. E por ele não se adaptar, ele acabará dificultando a aprendizagem dos outros”, afirma. RE D E M O IN H O | 9


Fotografia Vitorian Tito e edição Gabriel Lucena

E DUCAÇÃO

O futuro começa hoje

por: Isadora Mota, Larissa Alves e Vitórian Tito 10 | REDEMOI NHO

A Cátedra Desafios Sociais Emergentes, parceria entre o Centro Universitário IESB e a Unesco, incentiva a produção científica como meio para solucionar as adversidades da sociedade moderna


Ilustrações: Freepik

O planeta Terra se “Essa é a importância da Cátedra, trazer da economia, do progresso encontra em um processo e do desenvolvimento”, essas discussões e convidar gente de de rotação 24 horas por explica. Os caminhos entre dia. Para acompanhar fora, especialistas, professores, governo, IESB e Unesco se vinculaesse movimento incespara poder debater esses temas todos” ram oficialmente em 2008, sante, a espécie humana produz mudanças que Fábio Eon, coordenador da Cátedra Unesco no Brasil quando os projetos sociais e de pesquisa da instituição impactam significativamente o presente e o futuro. Na história Para Fábio Eon, coordenador da foram reconhecidos pelo órgão internaque se iniciou em 1992 com o Programa Cátedra Unesco no Brasil, nenhum cional. Por meio da Cátedra Desafios de Cátedras UNITWIN/Unesco, inicia- país é capaz de se livrar das desigual- Sociais Emergentes, o IESB promove tiva da Organização das Nações Unidas dades sociais e progredir em termos de há 13 anos um sistema integrado de (ONU), os protagonistas na construção desenvolvimento se não houver foco na pesquisa, formação, informação e docudo amanhã, na criação de ferramentas ciência. “Isso se dá pela academia e pela mentação no domínio dos novos desafios e desenvolvimento de habilidades para produção de artigos científicos. É dentro sociais, com foco nos jovens do Distrito enfrentar esse futuro e suas adversidades, da universidade que está o grande motor Federal, especialmente em Ceilândia. são os estudantes, a educação e a pesquisa. Nome originado da palavra em inglês para gêmeos, a iniciativa Cátedras OBJETIVOS DE Unesco envolve mais de 700 instituições DESENVOLVIMENTO acadêmicas em 116 países para desenvolSUSTENTÁVEL ver ensino, pesquisa e extensão nas áreas da educação, ciências naturais e sociais, SAÚDE E DE BEM-ESTAR 2 FOME ZERO 3 BOA 1 ERRADICAÇÃO DA POBREZA 4 EDUCAÇÃO QUALIDADE cultura e comunicação. O objetivo é fortalecer a cooperação interuniversitária ao redor do mundo. No Brasil, há por volta ENERGIA EMPREGO DIGNO DE LIMPA E ACESSÍVEL E CRESCIMENTO 5 IGUALDADE 8 EECONOMMICO GÊNERO 6 ÁGUA SANEAMENTO 7 LIMPAR de 20 instituições de ensino reconhecidas pelo projeto. A Cátedra IESB Desafios Sociais Emergentes é uma das quatro presentes na capital do país. INDÚSTRIA, CIDADES E CONSUMO E E 9 INOVAÇÃO 10 IGUALDADE DE GÊNERO 11COMUNIDADES 12 PRODUÇÃO Assim, com a produção, pesquisa, INFRAESTRUTURA SUSTENTÁVEIS REESPONSÁVEIS compartilhamento de dados e união de recursos humanos e materiais é possível PAZ, enfrentar os desafios sociais mundiais, VIDA ÀS VIDA DE JUSTIÇA E ALTERAÇÕES 14 BAIXO D’ÁGUA 15 SOBRE A 13 COMBATE 16 INSTITUIÇÕES TERRA CLIMÁTICA FORTES contribuir para o desenvolvimento das sociedades, atingir as metas da Agenda 2030 e vislumbrar a realidade de um futuro melhor. Criada pela ONU, a PARCERIA PROL 17 EM DAS METAS Agenda 2030 é um compromisso mundial entre 193 países para atingir 17 Objetivos Fonte: ONU de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas para a erradicação da pobreza, desenvolvimento econômico social e ambiental em nível global até 2030. RE D E M O IN H O | 1 1


Arquivo pessoal

A professora Eda Machado foi quem deu início ao processo de implementação da Cátedra no IESB

Idealizada pela professora Eda Machado, fundadora do IESB e diretora da Cátedra no Centro Universitário, a iniciativa foca na intervenção social para contribuir não apenas com o processo de aprendizagem dos estudantes, mas

também com a cidadania. “Nossos alunos precisam introduzir mudanças na sociedade e perceber como estas ações realizadas por eles interferem na vida daqueles que participaram dos projetos”, justifica a professora Eda.

Ilustração: Freepik

12 | REDEMOI NHO

A Cátedra IESB Desafios Sociais Emergentes se encaixa nos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, e em 2021, após a renovação da parceria com a Unesco, ficou decidido que o foco durante os próximos dois anos será a educação, o meio ambiente e a justiça social. De acordo com Fábio Eon, é imprescindível a existência de uma Cátedra que cuide desses temas na conjuntura brasileira. Ele enfatiza que o país é desigual, com muita pobreza, e enfrenta preconceitos, além de necessitar de políticas bem desenvolvidas para a juventude: “Essa é a importância da Cátedra, trazer essas discussões e convidar gente de fora, especialistas, professores, governo, para poder debater esses temas todos”.

Ciência transformadora

Atividade importante para instigar conhecimentos capazes de transformar o mundo, o investimento em ciência no Brasil tem passado por desmonte e desvalorização. Em setembro de 2021, proposta aprovada pelo Congresso Nacional remanejou mais de 600 milhões de reais do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações para outros ministérios. Do total esperado, apenas 55,2 milhões foram destinados à pasta, uma redução de mais de 90% do valor. Mesmo com os drásticos cortes em investimento, o relatório de ciências da Unesco publicado em 2021 sobre o panorama científico no Brasil aponta que a produção acadêmica resiste. Segundo o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, o país publicou cerca de 372 mil trabalhos em cenário internacional entre 2015 e 2020. Assim, apesar das dificuldades, o Brasil se mantém como o 13º maior


conteúdos, organizar mais encontros e eventos relacionados aos desafios sociais

produtor de conhecimento científico do hipóteses e soluções para problemas da mundo. sociedade. Para isso, dois princípios são O professor Luiz Cláudio Costa, fundamentais: excelência acadêmica e reitor do Centro Universitário IESB, relevância social. explica que boa parte dessa produção está “Nós sempre tivemos o sonho de centralizada nos cursos de pós-graduação. fazer com que o estudante do IESB tivesse “Estamos bem coloo desejo de mudar o cados [no ranking mundo com a compe“Nossos alunos tência e conhecimento de pesquisa], então, precisam introduzir técnico que adquire no Brasil eu vejo algo bom, que é preciso aqui. E isso parece mudanças na um sonho, mas não é. avançar mais. O DF sociedade e O mundo só é moditambém está crescendo porque assim ficado pelas nossas perceber como estas como o IESB, outras ações, e a Cátedra veio instituições também ações realizadas por com esse objetivo”, destaca o reitor. estão produzindo eles interferem na pesquisa”, diz. Professora do A partir da Cátecurso de jornalismo vida daqueles que dra Desafios Sociais da instituição, Luísa participaram dos Emergentes, o IESB Lima sempre fala incentiva a participaaos alunos a respeito projetos” ção de estudantes em da importância da pesquisas para plantar Eda Machado, fundadora do IESB pesquisa e da ciência. e diretora da Cátedra Unesco na a semente do conheciAlém das conversas, instituição mento e compartilhar ela também leciona

Arquivo pessoal

Arquivo pessoal

Segundo o reitor Luiz Cláudio, para os próximos anos, o IESB pretende produzir mais publicações e

disciplina de pesquisa em comunicação e convida os estudantes a produzir artigos, entender sobre metodologia e levantamento de informações para propor avanços, em menor ou maior escala. Para ela, “a produção científica colabora com o desenvolvimento social, sustentável e econômico de um país e nos ajuda a formular perguntas, entender quais são as reais questões a avançar e depois buscar as respostas”. Flávia Chalita, concluiu o mestrado profissional em Direitos Sociais e Processos Reivindicatórios do IESB em 2020. A dissertação se pautou na Cátedra Desafios Sociais Emergentes para abordar a realidade de mulheres grávidas encarceradas no DF a partir da decisão do Superior Tribunal Federal a respeito do habeas corpus coletivo. Para colocar os resultados obtidos em prática e conquistar mudanças reais, Flávia acredita que é necessário existir um diálogo em educação, infelizmente

Para Rafael Mesquita, o Brasil está cada vez mais preocupado em desenvolver trabalhos científicos que visam contribuir com a sociedade RE D E M O IN H O | 1 3


Arquivo do IESB

A ideia da Cátedra é que as pesquisas científicas produzidas em sala de aula colaborem com a formação de uma sociedade mais justa e sustentável

ainda distante, do setor público para a “Os direitos sociais visam a promo- Construindo o amanhã sociedade. “Mas nós, pesquisadores, deve- ção de equidade, então, é por meio deles Para incentivar ainda mais a pesquisa mos continuar acreditando na mudança e que nós alcançamos igualdade material”, acadêmica, o IESB lançou o primeiro incentivando o constante aprimoramento explica. Ao investigar um problema e Programa Institucional de Iniciação Ciencientífico”, sugere. apresentar propostas de intervenção, tífica – Cátedra Unesco IESB, com o tema Advogado, pesquisador “Desafios Sociais Emergentes: “Precisamos falar de problemas e professor do IESB, Rafael justiça social, meio ambiente e Mesquita também produziu, cidadania’’. Proposta de iniciaque tenham sentido socialmente e em 2020, dissertação relacioção científica voltada para os nada aos temas da Cátedra alunos da graduação, o projeto propor soluções. Essa é a grande para concluir o mestrado em contempla os planos futuros contribuição do IESB” Direitos Sociais e Processos definidos em 2021 após a Reivindicatórios. A partir do renovação do pacto entre IESB Luiz Cláudio Costa, reitor do IESB e coordenador do PIC Cátedra Núcleo de Práticas Jurídicas e Unesco por mais dois anos. (NPJ), uma iniciativa do IESB Como resultado, dez em Ação para oferecer orientação jurídica Rafael contribui com o avanço da ciência trabalhos foram aprovados. Desses, os à comunidade, Rafael analisou o funcio- no país ao lado de demais pesquisadores participantes de cinco projetos ganharão namento do NPJ como instrumento de que também instigam mudanças por como incentivo a Bolsa de Iniciação Cienmeio do conhecimento científico. tífica, que oferece descontos de 30% na concretização do acesso à justiça. mensalidade dos alunos. Os outros cinco 14 | REDEMOI NHO


Arquivo pessoal

a oportunidade perfeita para começar”, conta Hanife. Elas se mostram bastante motivadas e inspiradas para continuar a elaborar novos projetos científicos. Já Vinícius Vicente Lamb, aluno de Jornalismo do IESB, também foi selecionado para participar do PIC Cátedra, como voluntário. Orientado pela professora Kátia Balduíno de Souza, o estudante produzirá uma pesquisa com o tema “Voluntariado e projetos sociais como propulsores de melhorias psicomotoras e inserção social”. Participar de projetos que estudassem causas sociais é um sonho antigo de Vinícius, que viu no PIC uma oportunidade única de crescimento. “Tive como inspiração a minha mãe, que dá aulas de atividade física e melhorias na mobilidade para idosos, voluntariamente, há mais de 10 anos”, compartilha. Sobre projetos futuros para fortalecer a pesquisa acadêmica na instituição, o reitor Luiz Cláudio Costa conta que uma das discussões tem sido o caminho do IESB para se tornar uma universidade. Além de ampliar o mestrado e criar um programa de doutorado, ele acredita que ampliar o Projeto de Iniciação Científica na graduação também faz parte da trajetória para construir um mundo mais justo, igualitário e sustentável por meio da ciência, educação e cooperação internacional entre universidades. 

Ana Carla Machado, Diana Ribeiro e Hanife Koyuncu são alunas do curso de Psicologia do IESB e foram selecionadas para participar do PIC Cátedra Arquivo pessoal

projetos foram ofertados a estudantes na condição de voluntários, ou seja, sem o recebimento da bolsa. Hanife Koyuncu, estudante de Psicologia, foi uma das escolhidas para participar do PIC Cátedra, em conjunto com outras duas colegas, Ana Carla Machado e Diana Ribeiro. Elas serão orientadas pela professora Ana Rita Naves em artigo sobre o luto de pais de crianças com autismo ao receber o diagnóstico. Elas buscarão oferecer formas de trabalhar o sentimento para que estes pais possam dar o auxílio que as crianças precisam. O artigo das futuras psicólogas está interligado com o eixo temático da Cátedra Unesco - IESB, pois o acompanhamento terapêutico adequado do luto parental representa um desafio social emergente, para uma garantia de cidadania plena. Hanife ainda conta que a faísca necessária para a ideia da pesquisa se concretizar aconteceu após a apresentação da renovação da parceria do IESB com a Unesco. Para as estudantes, a sensação ao saberem que foram selecionadas para participar do PIC Cátedra foi única, de muita alegria e gratidão. “Somos alunas de segunda graduação, algumas de nós não tínhamos qualquer experiência com pesquisa científica, e essa nos pareceu

Participar de projetos que estudassem causas sociais é uma vontade antiga de Vinícius, que viu no Projeto de Iniciação Científica uma oportunidade única de crescimento

IESB EM AÇÃO O IESB em Ação, programa de responsabilidade social, atingiu o nível da extensão universitária nos anos 2000 e nasceu para representar o compromisso da instituição com o desenvolvimento social sustentável. O programa cria ponte entre o centro universitário e a comunidade a partir de atividades e ações de suporte ao público do DF, em especial aqueles em situação

de vulnerabilidade. Idealizado pela professora Eda Machado, mantenedora da instituição, o IESB em Ação transforma o espaço universitário em protagonista da integração comunitária a partir da união entre teoria e prática, insere os alunos na resolução de demandas da sociedade e os coloca como principais representantes da construção de um futuro melhor. Em 2008, as

iniciativas de incentivo à educação, informação e sustentabilidade do IESB foram reconhecidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Desde então, estabeleceu-se a Cátedra Desafios Sociais Emergentes com foco em pesquisa científica. Hoje, as duas iniciativas se complementam em prol de um mundo mais justo, igualitário e sustentável. RE D E M O IN H O | 1 5


Vinicius de Paula

S AÚDE

Isolamento compulsório

por: Vinicius de Paula Carvalho e Bruno da Silva 16 | REDEMOI NHO

Pandemia de Covid-19 impacta idosos brasileiros e seus familiares economicamente, socialmente e psicologicamente


Os impactos da pandemia no dinheiro que deixa de movimentar, deixa o marido para receber e normalmente mundo inteiro, sociais e econômicos, de ser ganho e deixa de ser gasto”, justifica. pagar as contas dele porque ele não anda mudaram a vida de muitas pessoas. Não Ana Amélia explica que o adoeci- sozinho, ele é deficiente visual”, explica apenas aquelas que pegaram Covid-19, mento dos idosos, não apenas a morte, Elza. mas também de todas aquelas que mora- causa diversos efeitos sociais, já que, por Para Elza, os impactos da política vam em países e cidades que adotaram exemplo, pessoas que faziam trabalho de distanciamento social, fundamentais políticas de prevenção contra a doença, doméstico foram dispensadas por causa para diminuir a disseminação em curto do isolamento. “Quando você faz isso prazo do vírus, trouxeram consequências entre elas, o distanciamento social. Os idosos estão entre os segmen- [demite uma cuidadora ou ajudante], negativas para a vida social. “Antes desse tos da sociedade mais impactados pela você sobrecarrega as pessoas da casa, negócio de isolamento social, eu adorava pandemia. Segundo dados analisados da mesma maneira nas instituições de viajar pra ir na casa dele, ver meus netos pelo jornal Poder360, no Brasil, pessoas residência de idosos as visitas foram e abraçar. Só que agora eu tenho muito com 60 anos ou mais representam 73,1% proibidas, para evitar o contágio, e isso medo de pegar novamente. Eu não tenho dos mortos por Covid até abril de 2021, aumenta demais o isolamento dessas mais vontade de fazer as coisas, sabe? Eu um aumento de dois pontos percentuais pessoas e impacta na questão da saúde era animada...”, lamenta. mental”. Segundo o Instituto Brasileiro em comparação com abril de 2020. Segundo Ana Amélia de Geografia e Estatística, em 2019, portanto, antes da pandeCamarano, pós-doutora em “Os domicílios brasileiros onde envelhecimento populacional e mia, mais de 9 mil pessoas com moram os idosos muitas vezes idade superior a 60 anos tiveram arranjos familiares e atualmente pesquisadora do Instituto de não têm apenas idosos, muitas diagnóstico de depressão por Pesquisa Econômica Aplicada profissionais de saúde mental. vezes têm filhos adultos, netos, e Já os pesquisadores do Instituto (IPEA), em Brasília (DF), os idosos estarem entre os principais Psicologia da Universidade uma boa parte da renda desses de grupos de risco da Covid impacta do Estado do Rio de Janeiro não apenas essa classe, mas todas (Uerj), com o objetivo de buscar domicílios, aproximadamente as pessoas ao redor, que dependados relacionados ao impacto 70%, vem da renda do idoso” diam diretamente desses idosos da pandemia na saúde mental, Ana Amélia, pesquisadora do Ipea vítimas da doença. entrevistaram 1.460 pessoas em 23 estados e constataram que os “Boa parte da renda desses A aposentada Elza Gomes Rabelo, casos de depressão praticamente dobradomicílios, aproximadamente 70%, vem da renda do idoso, então, na morte desse 64 anos, teve a doença e ainda convive ram durante o isolamento, enquanto as idoso, a renda per capita do domicílio cai com algumas sequelas. “Minha diabetes ocorrências de ansiedade e estresse tivee isso é um impacto grande na renda das ficou mais forte, agora tenho esqueci- ram aumento de 80% nesse período. famílias, aproximadamente cinco milhões mento, esqueço muito. Também sinto A psicóloga clínica Ana Luiza de pessoas ficariam com renda zero, ou muita dor nas costas, desenvolvi arritmia Chianelli reconhece que os efeitos da seja, sem nenhuma renda, depois da cardíaca. Até para forrar a cama eu sinto pandemia foram especialmente nocivos morte do idoso”, constata a pesquisadora. falta de ar”, diz. para os idosos. Ela participa do projeto Ela acrescenta que o impacto não Ela admite o temor de voltar Colletivos Online, que realiza enconse limita à família do idoso que perdeu a contrair a Covid. “Essa pandemia tros remotos semanais entre idosos do a vida para a Covid. “Se o idoso morre também me deixou com medo. Tenho Distrito Federal, em parceria com a rede aquela renda vai embora e ela pega não só medo de sair, tenho medo de estar no do Sesc. “A maioria deles [idosos do a família, a renda apenas da família, mas meio do povo e o ruim é que preciso sair projeto] era muito ativa, passava o dia também de toda a economia, porque é um para resolver as coisas, pagar conta, levar no Sesc ou fora de casa se envolvendo RE D E M O IN H O | 1 7


Vinicius de Paula

Elza Rabelo, idosa aposentada de 64 anos, ficou dois anos sem ver um de seus filhos por conta da pandemia

em atitudes físicas e sociais do idoso, é uma coisa muito “Essa complicada, porque uma e, de repente, perdeu tudo isso”, constata. Ela aponta das características dessa pandemia os principais efeitos obserclasse de pessoas é ser também me muito sociável, é querer tá vados sobre a terceira idade: sentimentos de solidão, de deixou com perto”, relata. desamparo, de impotência, Um estudo publicado medo. Tenho pela revista científica The de desesperança e de tédio Lancet releva aumento de e medo de morrer. medo de sair, 25% nos casos de depressão Outra psicóloga clínica, Izabela Borges, tenho medo e ansiedade no mundo em 2020 comparado com o ano que trabalha no Instituto de estar no anterior. Segundo o psicóMineiro de Gestalt-Terapia e é sócia de uma clínica de meio do povo logo social Marlon Costa, psicologia, confirma entre durante a quarentena, os e o ruim é que seus clientes os resultados idosos desenvolveram de aumento de transtornos e depressão. “O preciso sair ansiedade psicológicos entre idosos na envelhecimento por si já pandemia. “Infelizmente, para resolver traz todos esses sintomas que são ativados pela proxicom o distanciamento as coisas” midade da morte”. social, muitos e muitos Para a psicóloga idosos ficaram em casa Elza Rabelo, aposentada sozinhos, não conseguiam Izabela Borges, o trataver neto, ver filho, parentes, irmãos, enfim, mento para idosos que desenvolveram a família em geral. Isso desenvolveu uma depressão ou qualquer outro tipo de questão muito grave social, porque o isola- transtorno psicológico, além do acommento para questão do idoso, da solitude panhamento com psiquiatra, deve ser 18 | REDEMOI NHO

Impactos econômicos na pandemia para idosos

RENDA IMPACTADA Em 20,6% dos lares brasileiros, a renda dos idosos responde por mais de 50% dos rendimentos da família. O rendimento médio per capita desses domicílios cairia de R$ 1.621,80 para R$ 425,50, uma redução de quase 75% que afetaria cerca de 11,6 milhões de pessoas.

GRUPO DE RISCO 73,8% das mortes registradas pela Covid-19 até 1º de julho deste ano no Brasil foram de indivíduos com 60 anos ou mais

RENDA PER CAPITA REDUZIDA Se todos os maiores de 60 anos morressem, cerca de 30 milhões de não idosos teriam sua renda mensal per capita reduzida de R$ 1.380,60 para R$ 1.097,80 Fonte: Ipea


ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR Localizado no Lar dos Idosos Vila Vida, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos III, em Santo Antônio do Descoberto (GO), é um projeto que atende cerca de 247 idosos cadastrados na Secretaria de Desenvolvimento Social. Eles são separados em 3 núcleos: o primeiro é reservado à primeira infância, o segundo adolescentes e o terceiro atende usuários idosos com 60 anos ou mais e usuários não idosos com idade inferior a 60 anos (25 a 59 anos). O atendimento é feito através de atividades e oficinas que trabalham três eixos orientadores no sentido de contribuir e elaborar propostas que contemplem as formas de expressão, interação, aprendizagem e sociabilidade em conformidade com os objetivos do serviço. realizado não apenas mantendo as políticas de combate ao vírus, mas também incentivando o idoso a realizar tarefas que exigem o raciocínio lógico. “Muitos idosos acabaram tendo que fazer o que a gente chamou de ajustamento criativo, se ajustar perante aquilo, então, nós receitamos vários trabalhos manuais, como crochê, cozinhar, onde você não precisa ter um contato direto com outra pessoa, mas que de alguma forma ele, o idoso, está ali gastando seu tempo, perdendo o tédio”, completa. Para a psicóloga, é fundamental que os idosos busquem ações que promovam as chamadas ações automáticas e voluntárias promovidas pelos conjuntos de funções nervosas e musculares, além de estar perto da família. “São coisas assim, mais lúdicas, que vão demandar uma coisa mais da motricidade, e do raciocínio, que é muito bom para pensar e para

gastar energia. Caso o idoso consiga ter acesso à internet, consiga utilizar a internet, a gente sempre indica uma chamada de vídeo por dia com a família com as pessoas que gostam”, conclui. 

“Infelizmente, com o distanciamento social, muitos idosos ficaram em casa sozinhos, não conseguiam ver neto, ver filho, parentes, irmãos, enfim, a família” Izabela Borges, psicóloga

O Serviço de Convivência oferece diversas oficinas como a de alfabetização, artesanato, hidroginástica, atividade física e caminhadas. As atividades presenciais ficaram suspensas durante a pandemia, mas as oficinas continuaram sendo oferecidas virtualmente. O projeto só voltou presencialmente depois que todos os idosos receberam a primeira e a segunda dose do imunizante contra a Covid19. De acordo com a professora Elaine Gomes, os idosos estão começando a voltar para as atividades, mas ainda com medo de contrair o coronavírus. “Eles recebem esse acompanhamento com a psicóloga que conversa com eles toda quinta-feira”. Os diálogos com um profissional da saúde mental são extremamente importantes para combater diversas doenças mentais aparentes durante o período de isolamento social imposto pelo coronavírus. RE D E M O IN H O | 1 9


Aline Soares

20 | REDEMOI NHO


S AÚDE

O novo normal A seriedade dos danos causados pela pandemia e o futuro incerto que aguarda as próximas relações sociais

por: Audrey Mendes e Khalil Santos

Primeira coisa, é ir até o varal, tirar de lá uma máscara limpa, depois voltar para o quarto para pegar o tubinho de álcool em gel e guardar no bolso, colocar a máscara, checar se não esqueceu nada, chaves, celular, álcool, respirar fundo, abrir a porta e sair para um mundo de incerteza. Essa foi a realidade de muitos brasileiros durante todo 2020 e seu atual apêndice, também conhecido como 2021. A pandemia retirou uma das coisas mais naturais, o convívio, e introduziu o medo da interação social. Atos cotidianos, como abraço e aperto de mãos, foram sumariamente cancelados, já que o vírus pode ser contraído com contato de alguém infectado. A Covid-19 é um vírus com sintomas relativamente parecidos com os da gripe, como coriza, tosse, dor de garganta e dor de cabeça. O principal diferencial é a perda do olfato, perda do paladar e dificuldades respiratórias ou ainda pode gerar pessoas assintomáticas, porém, igualmente contaminadas, além, é claro, da letalidade muito maior na Covid. Com isso, a necessidade do distanciamento social emergiu, para que a saúde

fosse preservada e o vírus sucumbisse. Durante a pandemia, as poucas saídas eram geradas para aqueles que se metiam em cruzadas pelos supermercados, um dos poucos lugares que funcionavam normalmente. Ainda assim, era preciso, conviver com a incógnita de saber se voltaria contaminado. Por causa desse medo, as pessoas acabaram optando por pedir seus suprimentos via diversos aplicativos. Dados do Statista mostram um salto de 155% no número de usuários de março a abril do ano passado, quando o estimado para o período era de 30%. Com a restrição da interação social, e as pessoas trancadas dentro de casa, novos meios para entretenimento e contato tiveram de ser apreendidos. Shows e cinema foram substituídos pelo streaming, reuniões familiares no feriado foram substituídas por chamadas em vídeo. Cerca de 8,2 milhões de pessoas ao longo do ano 2020 tiveram seus trabalhos movidos para home office, passando a ver seus colegas de trabalho e clientes por uma tela. A música no caminho, o trânsito, o cheiro do café pela manhã, conversas informais nos corredores, tudo isso foi RE D E M O IN H O | 2 1


Khalil Santos

reduzido para pessoas de fones de ouvido numa sala mal iluminada e com eco. As pequenas coisas geradas pelo hábito é que fazem falta quando a rotina se perde.

Isolamento social

Assim que se instaurou o isolamento social, a faixa mais afetada foi de longe a dos idosos. Em 2020 o IBGE constatou que 4,3 milhões de pessoas da terceira idade vivem sozinhas no Brasil. Outras 5,1 milhões moram com parentes ou cuidadores. Na Obra Social Santa Isabel, que atende idosos em dois endereços no Distrito Federal, o desafio foi manter o funcionamento, já que os eventos sociais que geram interação tiveram de ser suspenso. Ainda assim, a vice-presidente da Obra, a freira Maria Tereza, se orgulha ao dizer: “A obra nunca fechou as portas desde sua criação, e através dos convênios e de outras fontes de recursos conseguimos manter a prestação de serviço”. Já a presidente da entidade, Luzia Pereira, enfatiza: “Estamos voltando com uma certa expectativa, todos os idosos e os envolvidos sentem saudades. A gente vai continuar com as atividades a distância também”. Khalil Santos

A Obra Social Santa Isabel funcionou durante a pandema, mas teve de suspender os eventos sociais

María Tereza , vice-líder da Obra Social Santa Isabel: dedicação aos idosos 22 | REDEMOI NHO

A maior marca deixada pela pande- exames, que também tinha pegado. mia de longe inclui as 606 mil famílias que Quando ele pegou essa Covid, a doença até o mês de outubro deste ano perderam terminou de matar ele mais rápido.” entes queridos, número que permanece Ela abriu o coração sobre a perda crescendo. As pessoas vão ter que convi- que mais lhe deixou marcas: “Esse meu ver com essa dor para sempre, tendo irmão, ele tinha 42 anos, levava e buscava as lembranças como conforto para seu meu tio pro hospital, comprava água de luto. Leidiane Viana, de 42 anos, viveu coco pro meu tio tomar, também não na pele, não uma, mas teve cuidado, ele duas perdas familiapegou do meu tio, “O problema do res: “Eu perdi um meu irmão tinha pessoal da terceira problema de prestio que morava lá no Amapá, ele não fazia idade não é financeiro, são alta e diabetes, nenhuma medida de meu irmão comeprincipalmente aqui çou a ter os mesmos proteção. Foi assim, sintomas da gripe, ele foi trabalhar na da Asa Sul, não é ele inclusive achou casa de um casal, ele era carpinteiro, financeiro, é ausência que fosse uma gripe, quando ele descoe então foi assentar de atenção e de uma janela, esse casal briu mesmo já foi tava com Covid e ele no hospital. Uma cuidado” não sabia, ele sem perda que eu não máscara, não se preve- Maria Tereza, vice-presidente da OSSl consigo esquecer niu enquanto fazia o nunca mais, nunca serviço, quando foi com dois dias ele foi mais eu fui a mesma”. saber que o casal estava contaminado. Outra pessoa que sofreu perdas Ele descobriu que estava com câncer, e na família foi Eunice Gomes, de 65 fazendo o tratamento, descobriu pelos anos, que assim como Leidiane perdeu


Khalil Santos

Fachada da OSSI na 906 sul, que atende idosos no Distrito Federal

Khalil Santos

dois parentes próximos, a cunhada e o irmão. “Perder um ente querido foi difícil, complicado, triste e traumático pra mim. A dor de perder meu irmão e minha cunhada praticamente no mesmo dia. Nós estávamos sempre nos vendo nos feriados e nos finais de semana. Ela pensou que era apenas uma gripinha, mas depois que fizeram o teste, ficaram internados oito dias e depois faleceram”, relata. Além das milhares de mortes causadas pela Covid-19, a pandemia aumentou a incidência de doenças psicológicas,

Líder da Obra Social Santa Isabel, irmã Luzia defende a importância de manter todos em convívio

como depressão, ansiedade e diversos tipos de síndromes sociais. De acordo com o The Lancet, os casos de depressão e ansiedade aumentaram 90% nos últimos meses e nessa estimativa as mulheres representam grande parte das pessoas afetadas pelos transtornos emocionais por se sentirem mais sobrecarregadas com a rotina. Com as pessoas tendo a convivência externa e social restringidas, a mente devaneia entre as quatro paredes da própria casa, podendo manifestar diversos tipos de doenças mentais, assim como o excesso de convivência prejudica certas relações, afirma a psicóloga Gabriela Silva: “Ela trouxe na verdade, essa coisa, de sair do piloto automático, dar importância aquele que não se tinha por conta da correria, por conta dos resultados imediatos, por isso algumas relações se deterioraram, porque houve um olhar atento, houve essa possibilidade de olhar para o meu companheiro(a) de uma forma que eu nunca imaginasse que ele fosse, além disso, essa convivência forçada pela pandemia trouxe uma necessidade de autocuidado, por isso que surgiram

“Uma perda que eu não consigo esquecer nunca mais, nunca mais eu fui a mesma, era um irmão que eu gostava, muito às vezes eu choro quando lembro dele, vejo a fotografia dele e não consigo esquecer o que aconteceu, pra mim ele não morreu” Leidiane Viana, cozinheira

muitos casos de violência doméstica e igualmente programas de combate à violência doméstica”. Gabriela Silva ainda confirma que doenças podem ser desenvolvidas pela falta de convivência e enumera: “Tem transtornos de ansiedade de todos os gêneros, transtorno de ansiedade generalizado, tem a fobia social, a própria depressão, porque o isolamento também traz essa reflexão de não olhar para seus sentimentos da forma como poderia olhar, o convívio com o outro ele é importante, a socialização é importante, para que a gente possa criar e fortalecer nosso senso crítico, e com esse isolamento, surgem as doenças psicológicas. Muita síndrome de Burnout, diversos distúrbios alimentares”. RE D E M O IN H O | 2 3


Além do esperado

Khalil Santos

Gabriela Silva, psicóloga

Leidiane Viana lamenta as mortes do tio e do

Khalil Santos

irmão na pandemia

No começo de 2020, quando foi declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a situação de estado pandêmico em que o mundo se encontrava, havia uma expectativa não explanada entre as pessoas de que seria algo passageiro, danoso de qualquer forma, porém passageiro. Era muito simples querer acreditar que em julho tudo estaria nos conformes de novo, que todos estariam de volta a sociedade como se nada tivesse acontecido e que no ano que vem teria um carnaval três vezes maior do que o de 2020. Entretanto, não foi desse jeito. Todos esses fatos e relatos abordados confirmam a diminuição do contato humano no ano de 2020, e este que ainda recebeu seu apêndice por todo 2021 também, tornando esses dois anos memoráveis de forma especialmente negativa. É muito importante refletir acerca das turbulências que já se sucederam, mas o ponto principal aqui é outro, não sobre o presente, mas sobre como será nossa Khalil Santos

“A pandemia começou, mas os efeitos dela ainda vão perdurar…”

Eunice Gomes, de 65 anos, aposentada, perdeu a

A psicóloga Gabriela Silva constata o aumento do

cunhada e o irmão para a Covid

adoecimento mental na pandemia

24 | REDEMOI NHO

convivência depois de praticamente dois anos separados pela doença, como serão as relações sociais daqui pra frente? “Eu acredito que o pós-pandemia não vai mudar muita coisa não, as pessoas vão continuar se preocupando com higiene. Eu queria dizer para as pessoas se prevenir mais, ter mais cuidado, usar máscara, não deixar de usar máscara, levar a sério, não deixar de passar álcool, ter mais cuidado”, diz Antônio Oliveira, de 27 anos, gerente de restaurante, que usa do seu conhecimento atendendo as pessoas para responder ao dilema. Porém, Luciana França, de 38 anos, que também presta serviços para pessoas, vê a questão de outra forma: “Penso que a conscientização das pessoas não vai ser o suficiente. As pessoas são muito egoístas, pensam muito mais em si do que nos demais. Não sabemos o nível de higienização dos lugares e das pessoas, então, pelo menos, sejamos nós os higiênicos”. Apesar de tudo, o número de vacinados continua a subir, durante as últimas semanas de outubro deste ano, cerca de 54,7% da população brasileira estava completamente protegida contra o vírus, o que apresenta uma expectativa alta para a contenção da taxa de mortalidade. A população acredita na força das vacinas disponíveis e acredita que esse realmente seja o caminho para um futuro próximo mais sólido na saúde de todos. Hábitos como higienização em público, limpeza de produtos adquiridos e conscientização sanitária já fazem parte do cotidiano das pessoas, o que representa uma excelente forma de recebermos o futuro com os maiores cuidados possíveis. Aprendendo com o que passou e abraçando o que vem por aí. 


“Eu queria dizer para as pessoas se prevenir mais, ter mais cuidado, usar máscara, não deixar de usar máscara, levar a sério, não deixar de passar álcool, ter mais cuidado” Antônio Oliveira, gerente de restaurante

AGRAVAMENTO DA PANDEMIA A pior parte é saber que o nosso país não só passou maus bocados durante o desenrolar do ano, mas as piores partes da pandemia foram durante 2021. Em 2020, apenas no começo do mês de agosto o país completou 100 mil mortes por Covid-19, mas o aumento exponencial de mortes em 2021 foi assustador, em janeiro completou 200 mil, em março 300 mil, no mês seguinte abril 400 mil, em junho 500 mil, e no último dia 8 de outubro de 2021, o Brasil completou 600 mil mortes por coronavírus.

Khalil Santos

Khalil Santos

Fonte: IBGE, Projeção da população do Brasil e das unidades da federação.

Antônio Oliveira, gerente de restaurante, diz que a

Luciana França é motorista de aplicativo pela

preocupação com higiena vai continuar

empresa Uber e cobra consciência das pessoas RE D E M O IN H O | 2 5


João Vitor Reis

26 | REDEMOI NHO


S AÚDE

Tamanho não é documento Entenda como as pessoas lidam com o preconceito em relação ao nanismo

por: Brunna Feitosa e João Vitor Reis

“Minha família é grande, mas caso do Rafael, já esperado, pois sua mãe apenas eu e minha mãe temos nanismo, os tem nanismo e por genética as chances outros são comuns”. Rafael Campos de 24 eram grandes. “Meus pais descobriram anos não consegue se definir e falar sobre que eu teria nanismo ainda no pré-natal, si sem citar o nanismo. Ele é formado em durante a gestação”, lembra. jornalismo, faz pós-graRafael revela que “A pessoa com já sofreu preconceito duação e trabalha em uma agência de publicinanismo ainda é no ambiente de trabadade como redator. lho e em outros lugares. o anãozinho da Muitas vezes, o preconNanismo é um transtorno que se caracvem de crianças história e isso tem ceito teriza pela deficiência no devido à má influência crescimento, que resulta de adultos. O termo que mudar” Gabriel Yamin, fundador do em uma pessoa com certo é falar pessoa com movimento Somos Todos nanismo; anão, nanico e baixa estatura compaGigantes rando com a média da outros termos são pejopopulação de mesma rativos. Rafael faz parte idade e sexo. A partir dos dois anos de da associação Nanismo Brasil, que tem idade é manifestada, assim impedindo o como objetivo diminuir o preconceito e crescimento e o desenvolvimento durante informar as pessoas sobre o assunto. a infância e a adolescência. Segundo a Biblioteca Virtual em Normalmente, a questão é desco- Saúde, do Ministério da Saúde, mais de berta na infância, há casos em que 200 condições diferentes podem causar ninguém da família possui nanismo. No alterações no ritmo do crescimento. Uma RE D E M O IN H O | 2 7


28 | REDEMOI NHO

nanismo. Segundo a medicina, são mais de 400 tipos de nanismo, embora os mais comuns sejam acondroplasia e hipoacondroplasia.

faculdade e profissão, surgiram questões. “Eu sempre soube que eu tinha duas escolhas: ser feliz ou infeliz. Então, eu busquei a minha felicidade, e eu decidi seguir e lutar pelos meus sonhos”. Formou-se em geografia pela Universidade Estadual de Goiás, onde fez muitos amigos, mas recorda: “Sempre tive um bom relacionamento com os colegas desde a fase do ensino fundamental, e na universidade não foi diferente. Quando cheguei pela primeira vez na faculdade os olhares dos acadêmicos e professores foram voltados para mim, aquilo era novo para eles, eu, uma pequena, enfrenRafael Campos é formado em jornalismo e luta tar uma universidade e tudo que é novo contra o preconceito ao nanismo atrai olhares”. Além de ter feito pós-graduação, Ser feliz ou infeliz Maria Istela iniciou uma nova graduaMaria Istela tem 42 anos, é professora, ção, em edagogia, e hoje leciona. “Sou casada e tem um filho, de 5 anos. “Sou a professora efetiva do município onde caçula de sete irmãos e somente eu tenho moro e amo o que eu faço. Sei que foi nanismo”. Ela tem 1,23 metro algo novo para a Secrede altura e acondroplasia. “Mostrei que a taria de Educação da “Minha mãe contava minha região ter uma minha limitação que foi um choque saber que professora com 1,23 sua filha recém-nascida teria física não era metro de altura, será uma deficiência. Minha famíque ela vai conseguir? nada diante da lia procurou um pediatra em Mas eu consegui e Goiânia que conhecia sobre mostrei que a minha minha força nanismo e, durante a consulta, limitação física não era de vontade ele disse: ‘ela tem acondroplasia nada diante da minha e viverá como uma criança de força de vontade e e minha estatura normal, irá estudar, minha competência casar e ter filhos’. Acredito que competência profissional”, constata, admitindo alguns esse médico foi tão usado por profissional” desafios, como escreDeus, pois essas palavras foram o suficiente para minha família Maria Istela, professora ver no quadro negro entender que minha limitação e alcançar livros nas seria pequena diante de tudo que eu prateleiras da biblioteca. Ela ainda recopoderia conquistar”, detalha Maria Istela. nhece que há pessoas preconceituosas, Ela viveu infância e adolescência para quem avisa: “As pessoas precisam muito tranquilas, só entrando na fase abrir os olhos e ver que a pessoa com adulta, com responsabilidades como deficiência é um ser humano dotado de Arquivo pessoal

das mais frequentes é o nanismo, que pode ser classificado em duas categorias: – Nanismo hipofisário ou pituitário: causado por distúrbios metabólicos e hormonais, em especial pela deficiência na produção do hormônio do crescimento ou por resistência do organismo à ação desse hormônio. É conhecido, também, como nanismo proporcional, porque o tamanho dos órgãos mantém a proporcionalidade com a altura do indivíduo. – Acondroplasia: considerada uma doença rara, o tipo mais comum de nanismo desproporcional é uma síndrome genética que impede o crescimento normal dos ossos longos (fêmur e úmero, especialmente), porque acelera o processo de ossificação das cartilagens. Isso faz com que as diferentes partes do corpo cresçam de maneira desigual. Nos casos com acondroplasia, os sintomas típicos são baixa estatura, pernas e braços curtos, especialmente se comparados com o tamanho normal do tronco, cabeça grande (macrocefalia), com testa proeminente e achatamento na parte de cima do nariz. Além destas questões, é possível apresentar dedos curtos e grossos, mãos pequenas, pés planos, pequenos e largos, arqueamento das pernas, mobilidade comprometida na articulação do cotovelo, cifose e lordose (problemas de curvatura na coluna vertebral) acentuadas, deslocamento da mandíbula para a frente, desalinhamento dos dentes e demora para começar a caminhar, o que pode ocorrer entre os 18 e os 24 meses de idade. Vale enfatizar que nanismo é uma condição física decorrente de uma mutação genética, mas que não necessariamente é hereditária. Qualquer pessoa pode ter uma criança com


Maria Thereza e dois dos três filhos: vida normal

Arquivo pessoal

Maria Istela, professora

Arquivo pessoal

“Eu sempre soube que eu tinha duas escolhas: ser feliz ou infeliz. Então eu busquei a minha felicidade. E eu decidi seguir e lutar pelos meus sonhos”

capacidades e que a deficiência é apenas um detalhe”. Os homens adultos com nanismo chegam a uma altura máxima de 1,45 metro e as mulheres não alcançam 1,40 metro, em média. Pessoas com algum tipo de nanismo podem ter uma ligeira redução na expectativa média de vida, principalmente devido a doenças cardiovasculares. Esses sinais podem aparecer em níveis e graus diferentes. O tratamento, que pode durar vários anos, é feito quando a baixa estatura está correlacionada com a ausência ou a pequena produção do hormônio do crescimento (GH), a administração desse hormônio já demonstrou produzir efeitos benéficos. O hormônio do crescimento

faz parte da lista de medicamentos de alto custo que são distribuídos gratuitamente pelo SUS, o Sistema Único de Saúde, desde que a pessoa comprove que tem indicações médicas precisas para a reposição hormonal. Para a acondroplasia ainda não existe um tratamento específico que torne possível reverter o quadro, porém, a atenção a essa enfermidade deve ser multidisciplinar e os cuidados precoces são essenciais. O tratamento também deve ser multidisciplinar, envolvendo pediatras, endocrinologistas, ortopedistas, fisioterapeutas, psicólogos e dentistas, por exemplo. O nanismo pode afetar mulheres e homens indistintamente que, salvo raríssimas exceções, mantêm a capacidade intelectual preservada e podem levar vida normal e de boa qualidade. Em diversas situações, porém, pessoas com nanismo passam por preconceito e discriminação social e têm dificuldades de acesso em ambientes preparados para receber pessoas mais altas.

Maria Istela é professora e decidiu vencer a dismininação em todos os níveis RE D E M O IN H O | 2 9


Arquivo pessoal

“Abrir a janela para a aceitação é um dos princípios para nos considerarmos inclusos em meio a sociedade” Maria Thereza, diretora do movimento Somos Todos Gigantes

Todos Gigantes

Maria Thereza Coelho, 37 anos, mãe de três filhos, dois com nanismo, diz que a única diferença entre os três é a saúde, mesmo que os dois mais novos, Pietro, de 12, e Laura, de 4, tenham nanismo e a mais velha, de 13 anos, não. Thereza os cria igualmente, mas reconhece que os dois mais novos necessitam de atenção maior quanto ao acompanhamento pediátrico, devido à acondroplasia. Maria Thereza enfatiza que é possível levar uma vida normal, com ou sem nanismo. “Eles levam a vida como qualquer criança que não tenha a condição, ter nanismo é um detalhe para nós”. Na intenção de buscar e apoiar a inclusão social para seus filhos, Maria conta com o movimento Somos Todos Gigantes e defende a causa dizendo que se esconder do mundo dificulta experienciar a vida. O projeto foi idealizado por Gabriel Yamin, de 14 anos, quando tinha apenas 8. Ele teve de amadurecer rápido para lidar com os preconceitos sobre o nanismo. “Para a nossa surpresa, o alcance foi tão grande que, com um ano, lançamos o primeiro [e até hoje, único] site que trata exclusivamente sobre nanismo no Brasil, e hoje acolhemos famílias do Brasil inteiro

30 | REDEMOI NHO

Gabriel Yamin recebeu o diploma de honra ao mérito da Câmara Municipal de Goiânia no dia 21 de setembro de 2021

e de algumas partes do me ajudou a amadurecer mundo”, detalha o jovem. muito, pois tive que me “Eles levam O site somostodosposicionar à frente do a vida como gigantes.com.br nasceu projeto. Porém, eu contide uma campanha origi- qualquer criança nuo um menino de 14 nada em 30 de setembro anos que vai pra escola, que não tenha estuda, pratica tênis e vai de 2015, em uma audiência pública no Senado a condição, ter à academia. Fora isso eu Federal sobre o combate contribuo nos eventos da nanismo é um nossa associação”, detalha. ao preconceito contra Direitos são uma pessoas com nanismo. detalhe para nós” pauta recorrente do Atualmente, o instagram do Somos Todos Maria Thereza, diretora do instituto. “Nosso trabamovimento Somos Todos Gigantes possui 12,2 mil lho enquanto instituição Gigantes é passar a informação seguidores. para evitar o bullying Além de idealizar o projeto, Gabriel Yamin preside o Insti- contra pessoas com acondroplasia e que tuto Nacional de Nanismo, que atua na elas mudem esse modo de pensar, pois a promoção de políticas públicas favorá- mudança parte da pessoa que pratica o veis e na defesa dos direitos das pessoas bullying”, conclui o jovem.  com nanismo. “O Somos Todos Gigantes


VOCÊ SABIA? - Qualquer casal pode ter filho com nanismo; - O intelecto da pessoa com nanismo não é comprometido; - A palavra “anão” é um termo pejorativo; - O correto é “pessoa com nanismo”; - No pré- natal, por volta do 6º mês de gestação, é possível descobrir algumas displasias esqueléticas.

NANISMO Não é genético, e sim uma mutação genética. Significa que o nanismo não é necessariamente herdado de um dos pais, ou dos pais. Essa mutação genética causa o crescimento desproporcional dos ossos longos e da coluna vertebral, resultando num indivíduo com a altura abaixo da média nacional da idade adulta, entre 0,70 a 1,45 m de altura.

25 DE OUTUBRO Dia 25 de outubro é o “Dia Nacional de Combate ao Preconceito às Pessoas com Nanismo”. A data tem o objetivo de conscientizar a população sobre essa deficiência e a inclusão das pessoas com nanismo em todos os espaços da sociedade.

RE D E M O IN H O | 3 1


Pedro Ramalho

32 | REDEMOI NHO


M EIO AMBIENTE

Acordos verdes Como o Brasil lida com o incentivo a projetos verdes sendo um dos países com maior potencial para tal investimento

por: Amanda Sales, Giovana Cardoso e Mariana Saraiva

Apesar de ter um grande potencial de investimentos em projetos verdes, o Brasil não chega nem entre as dez nações mais sustentáveis. Mesmo assim, com o passar dos anos, vem buscando novas formas para incentivar o desenvolvimento e a infraestrutura sustentável. De acordo com a organização internacional CBI (Climate Bonds Initiative), o país é o segundo maior da América Latina a emitir títulos verdes, totalizando 9 bilhões de dólares investidos desde sua primeira captação, em 2015. Em vista disso, é notório o crescimento do interesse das empresas por práticas sustentáveis. O relatório disponibilizado pela Climate Bonds Initiative em 2019 constata que o Brasil pode chegar a investir em projetos verdes avaliados em 1,3 trilhão de dólares, principalmente nos setores de energia, construções, gestão de resíduos e eficiência energética industrial. Para o Brazil Green Finance Programme, o país é um ambiente favorável para novos mercados e inovação em finanças verdes,

disponibilizando produtos e serviços para desenvolver um conhecimento institucional. Para o economista verde Camilo Yunes, a previsão é que no futuro as empresas se adaptem e pensem de forma mais sustentável. Levando em consideração os impactos que os chamados projetos verdes podem gerar no país, “o Brasil é uma potência climática e, portanto, pode vir a ser um enorme player na nova economia mundial, podendo ser referência em áreas como geração de energia limpa, mercado de créditos de carbono, bioeconomia e biotecnologia”. De acordo com a engenheira ambiental Karolina Ferreira, os projetos com consciência ambiental oferecem sustentabilidade, bem-estar social e qualidade de vida. Em um dos projetos realizados pelo Instituto Arapoti, no qual trabalha, os conceitos ambientais estão presentes: “Tem um condomínio que está inaugurando um bosque, em uma área de recuperação ambiental, lá eles irão RE D E M O IN H O | 3 3


Principais avanços em finanças verdes Brasil

:

1995

fazer meditação com um princípio de floresta encantada, isso é qualidade de vida, é sustentabilidade, é meio ambiente”. Ainda Diretrizes voluntárias foram adotadas por 5 da Climate Bonds, a infraestruem concordância com o relatório bancos públicos de tura verde gera benefícios tanto ambientais como econômicos, desenvolvimento podendo(Green aumentar a competitividade, a produtividade e as Protocol). oportunidades de emprego, por exemplo. Lançamento do Índice

2005

de Sustentabilidade Empresarial do ISE

“O Brasil é uma potência 2016 climática e, portanto, Primeira emissão de pode vir a ser um títulos verdes Bonds (USD 1bi) pelo BNDS enorme player2017 na nova na Bolsa Sustentável Lançamento da Iniciativa de Luxemburgo. economia mundial, de Financiamento Sustentável do Brasil, podendo ser referência reunindo principais entidades da indústria e em áreas como: geração das finanças. 2018 de energia limpa, Ministério da Economia de créditos de propõe osmercado processos mais rápidos para emissão de 2020 e debêntures de carbono, bioeconomia Decreto nº 10.387 expande infraestrutura sustentável. os incentivos para biotecnologia” debêntures voltando para

financiamento de Camilo Yunes, economista verde

infraestrutura sustentável.

Principais avanços em finanças verdes Brasil

:

1995

Diretrizes voluntárias foram adotadas por 5 bancos públicos de desenvolvimento (Green Protocol).

2005

Lançamento do Índice de Sustentabilidade Empresarial do ISE

2016

Primeira emissão de títulos verdes Bonds (USD 1bi) pelo BNDS na Bolsa Sustentável de Luxemburgo.

2018 Ministério da Economia propõe os processos mais rápidos para emissão de debêntures de infraestrutura sustentável.

2017

Lançamento da Iniciativa de Financiamento Sustentável do Brasil, reunindo principais entidades da indústria e das finanças.

2020

Decreto nº 10.387 expande os incentivos para debêntures voltando para financiamento de infraestrutura sustentável.

Fonte: Uk Brazil Green Finance Programme

TÍTULO VERDE

DECRETO 10.387

Qualquer tipo de instrumento de títulos em que os rendimentos são aplicados exclusivamente para financiar ou refinanciar, parcial ou totalmente, projetos novos e/ou existentes elegíveis com resultados ambientais positivos.

Em 2020, o governo federal editou o Decreto 10.387 que propõe o incentivo ao financiamento de projetos de infraestrutura, desenvolvimento econômico e pesquisa, que visam benefícios à sociedade e ao meio ambiente.

34 | REDEMOI NHO


Arquivo pessoal

Telhado verde é uma opção para quem procura a climatização do ambiente

Soluções sustentáveis

Arquivo pessoal

Um grupo de estudantes de robótica de Nova Iguaçu (RJ) desenvolveu um protótipo de uma estação de tratamento de esgoto residencial para tentar resolver um problema na comunidade. De acordo com um dos participantes do projeto, Arthur Oliveira, apenas 0,5% do esgoto da cidade são tratados e, no país, 55% desse resíduo são jogados em locais inapropriados. O projeto tem como principal objetivo levar tratamento de esgoto para qualquer residência de forma acessível.

Arthur considera iniciativas assim essenciais para a sociedade. “A gente vive em um país que ainda está em desenvolvimento e que não trata esgoto suficiente. Acredito que inovações como a nossa podem resolver essa problemática, porque o esgoto traz vários problemas. Aqui nós temos um canal que transporta, sem contar que existe um prejuízo econômico, as casas desvalorizam e tem a problemática ambiental também”, diz o estudante. O grupo lamenta as dificuldades que enfrenta por conta da falta de apoio institucional para a realização do projeto, que

não foi implantado ainda porque faltam recursos e ferramentas. “Acho que há falta interesse do poder público e também das empresas interessadas. Não conseguimos fazer esse projeto escalar para ajudar as pessoas na vida real”, constata. O grupo de estudantes chegou a procurar a Câmara de Vereadores de Nova Iguaçu, entretanto, não obteve resposta. A sustentabilidade também pode partir de um simples projeto em uma residência, como a instalação de um telhado verde ou de placas de energia solar. Este é o caso do engenheiro civil Antônio Pedro, que resolveu construir sua casa, situada no Park Way, no Distrito Federal, levando em consideração os aspectos ecológicos. Ele conta que isso sempre foi um desejo pessoal, e pode se deparar com diversos benefícios, como o controle da temperatura interna para evitar uma intensa onda de calor e a vantagem financeira, com o menor gasto de energia elétrica. O engenheiro civil comenta que quase não há necessidade de usar ar-condicionado em sua casa, a temperatura sempre está agradável, devido ao telhado verde. A casa chama atenção de quem passa por ela. O telhado, além de sustentável, trouxe atributos visuais para a residência. Pedro relata que muita gente pede para fotografar o imóvel. Outro projeto que chama atenção é o do pedreiro Ed Mauro Aparecido, que construiu sua casa com garrafas PET recheadas de terra, em Extrema (MG). Ao buscar uma solução econômica e sustentável, Ed viu a oportunidade de reciclar e economizar. Ele contou com ajuda de sua comunidade para arrecadar os materiais e para encher as garrafas, e em cerca de 3 meses terminou esse processo e iniciou a construção da residência.

Além de garrafas PET, o pedreiro Ed Mauro utilizou pneus velhos para a construção de seu muro de arrimo RE D E M O IN H O | 3 5


Arquivo pessoal

Casa construída com garrafas PET em Extrema-MG

O alicerce da residência é feito de pedras e algumas colunas são feitas de concreto e ferragens. Já todas as paredes são feitas com as garrafas PET. No futuro, o pedreiro planeja fazer uma cisterna e construir uma área de lazer. “O que a gente puder reaproveitar é bem-vindo, tem muitas possibilidades de materiais que podem ser reaproveitados e dessa forma estamos ajudando o meio ambiente”, comenta Ed. Para o arquiteto especialista em sustentabilidade Thiago Meireles, construções com preocupação ambiental e de sustentabilidade são uma tendência. Benefícios como o custo de obra, rapidez na construção e a possibilidade de utilização de energias renováveis fazem com que muitos se interessem por esse tipo de infraestrutura.

Giovana Cardoso

Responsabilidade social

Giovana Cardoso

O selo LEED certifica construções que seguem padrões sustentáveis

O Laboratório Sabin é uma das empresas que conquistou a certificação LEED, de sustentabilidade 36 | REDEMOI NHO

Como apresentado, a preocupação com o meio ambiente está cada vez mais presente nos pilares das empresas, como o Laboratório Sabin. A empresa planejou a construção da sua sede, em Brasília (DF), levando em consideração valores sustentáveis, como o uso de energia renovável, implantação de um sistema de reuso de água, telhado verde, sistema de energia, de ar-condicionado e de iluminação totalmente automatizados. Para o representante de engenharia sustentável do Sabin, Andre Canton, existem inúmeros benefícios para investir em uma sede que siga princípios ambientais. “Além de você contribuir com o meio ambiente, consome menos recursos naturais, tem toda uma economia, diminuindo os custos de operação. Quando a gente fala de sustentabilidade, podemos citar três pilares: social, econômico e ambiental”. Por meio das suas ações sustentáveis, o laboratório conquistou em 2017 o selo de sustentabilidade entregue pela ferramenta LEED (Leadership in Energy and Environment Design), que busca incentivar e acelerar a adoção de práticas de construção sustentável. O certificado é concedido pela organização Green Building Council no Brasil. De acordo com os dados fornecidos pela Green Building, apesar da pandemia da Covid-19, a procura por certificações verdes não deixou de subir, havendo um crescimento de 28% nos números de novos registros. Essa expansão ocorre devido à maior procura por modelos de negócios sustentáveis. A questão financeira também é um fator relevante para essa procura, uma vez que há economia de água e energia, por exemplo.


Fachada verde

“Essa pegada verde está virando moda, as pessoas gostam. Até o ifood, quando você pede alguma coisa informa que o entregador é verde. Isso é bonito, é o que tem que ser feito, tem que virar lei”

Giovana Cardoso

Thiago Meireles, arquiteto verde

Apesar de diversas empresas se preocuparem com suas ações e investirem no meio ambiente, muitas promovem atitudes ambientais mínimas apenas para conseguir se camuflar entre as demais. Existem diversas legislações que incentivam práticas sustentáveis por meio da isenção de vários impostos, como a Lei 11.478/2007, que estabelece Fundos em Partições de Infraestrutura (FIP-IE). Trata-se de um fundo de investimento privado com isenções fiscais para projetos sustentáveis. O IPTU Verde também é uma prática adotada por alguns municípios, na qual se oferece descontos para as empresas que possuem imóveis com essas propostas. Muitos desses incentivos propiciam práticas sustentáveis, entretanto, alguns se aproveitam desse auxílio. Para o

O telhado verde também foi adotado pelo Laboratório Sabin, no Distrito Federal

economista Camilo Yunes, essa questão de muitas empresas procurarem adotar atitudes verdes vem no intuito de proteger o capital, não perder a competitividade, aumentar o reconhecimento para que assim mantenham os clientes interessados, uma vez que diversos consumidores se importam com essa questão ambiental. Para ele, a responsabilidade social e ambiental deve estar alinhada com as práticas empresariais: “Ao se promover ações com esse escopo, espera-se o aumento de valor de uma companhia, pois a empresa está aumentando seu engajamento e mitigando riscos no mercado”. Um conceito que devemos levar em consideração é o greenwashing, que pode ser traduzido do inglês como lavagem verde, ou maquiagem verde. É uma prática que algumas empresas usam para reproduzir discursos, campanhas, anúncios ou propagandas com viés ecológico, o famoso “eco-friendly”. Na verdade, elas estão usando como fachada o discurso ambiental para se promover, visando uma rentabilidade maior e a atração de consumidores. Para o arquiteto Thiago Meireles, mais leis deveriam ser implementadas: “Essa pegada verde está virando moda, as pessoas gostam. Até o ifood, quando você pede alguma coisa, informa que o entregador é verde. Isso é bonito, é o que tem que ser feito, tem que virar lei”. Também é comum observar instituições públicas utilizando informações ambientais em seu marketing, principalmente em época de eleições. Outdoors com palavras “cidade sustentável”, “cidade verde”, ou mesmo utilizando imagens que remetem à ecologia são consideradas greenwashing quando não é realizada qualquer ação efetiva para que a cidade se torne sustentável. 

RE D E M O IN H O | 3 7


Júlia Melo

38 | REDEMOI NHO


C OMPORTAMENTO

Sou muçulmana, sim! Em um país predominantemente cristão, ser muçulmana no Brasil é aprender a lidar com o preconceito refletido no olhar da sociedade

por: Júlia Melo, Noreen Jaral e Vítor Bueno

“Reduzi-la, pura e simplesmente, a uma mulher que segue uma religião é colocá-la como ser passivo de sua própria realidade, apagando dela sua personalidade, autenticidade e autonomia, e, consequentemente, essa narrativa acaba por reforçar o estigma de opressão tão comumente associado às seguidoras do islamismo”. A afirmação é da advogada e muçulmana Mehreen Jaral, de 26 anos. O relato traz à tona o debate sobre a visão preconceituosa do mundo ocidental sobre as muçulmanas, onde sua imagem é resumida à religião, deixando de lado seus aspectos sociais como mulher. Um dos grandes desafios na socialização e inserção das mulheres muçulmanas na sociedade se dá pela imagem que pessoas não adeptas à religião têm sobre elas. Desse modo, é muito importante que se tenha atenção no contexto em que a questão será abordada e reconhecer os seus dois lados, pois, enquanto fiel, a pessoa tem uma vida pautada por algumas regras religiosas, e como mulher é complexa como qualquer

outra. Uma mulher muçulmana tem interesses e experiências que vão além do campo religioso. Mesmo neste contexto, elas detêm o direito do livre arbítrio para fazerem as próprias escolhas diante das adversidades que possam encontrar. “Essas questões de regras da religião são muito entre a pessoa e Deus”, salienta Whelyda Meira, estudante, 23 anos, que segue o islã. A discussão sobre a vivência dessas mulheres no Brasil abrange muitos campos, sendo um deles as vivências no âmbito educacional brasileiro. Uso do lenço, roupas cobrindo o corpo, limitações na socialização com homens, práticas religiosas como o Ramadã (mês sagrado para os muçulmanos, quando realizam práticas como o jejum durante o dia), são alguns dos aspectos praticados na religião. Porém, são particularidades que, quando vistas por pessoas de fora, podem receber discursos preconceituosos, de modo a interferir em diversos fatores, até na socialização de muçulmanas dentro desse ambiente. RE D E M O IN H O | 3 9


Júlia Melo Arquivo pessoal

A descendente de bengalês (Bangladesh), Khaleda Bhuiyan, 26 anos, nasceu e cresceu na religião islâmica. Sempre seguindo os preceitos e buscando se esforçar para praticar os costumes do islã, decidiu ao iniciar a faculdade de Relações Internacionais, no Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), usar o hijab. Apesar de ser visto como forma de opressão por muitas pessoas, para ela o véu é a forma de expressar sua identidade e demonstrar submissão e obediência a Deus.

O hijab para Khaleda Bhuiyan é sinônimo de identidade e obediência a Deus 40 | REDEMOI NHO

que se diferem do cristianismo – doutrina praticada por 87% da população brasileira de acordo com dados do Datafolha, em 2020 – ainda se faz presente. Associados erroneamente ao conservadorismo e a atos extremistas, ao longo dos anos, diferentes estigmas e características foram designadas para classificar as pessoas dessa religião, seja por aspectos físicos ou de vestimenta. Principalmente no caso das mulheres muçulmanas, a vestimenta é o que mais chama a atenção à primeira vista.

Apesar de ter o apoio de amizades mais próximas durante os anos de faculdade, Khaleda ainda sofreu muitos Por que usar o véu? ataques no decorrer de seu curso por O Qur’an (Alcorão), livro sagrado dos conta de sua religião: “Eu era ponto de muçulmanos, contém os ensinamenreferência, falavam ‘ah, estou perto da tos de Allah transmitidos ao Profeta menina do véu’. Me chamavam muito Mohammad, e os deveres que os fiéis de Talibã, Al-Qaeda, tudo associavam precisam seguir. O capítulo 33, Surah com terrorismo, não entendo o porquê. Al-Ahzab, fala sobre o uso do lenço para O povo brasileiro vê o hijab como um as mulheres como meio de identificação e proteção, de modo a pratiabsurdo, e é uma questão de preconceito, você “Eu sempre car a modéstia. “Ó Profeta! Dize a tuas mulheres e a não vai ver ninguém sonhei em usar mandando as freiras tiratuas filhas e às mulheres rem o lenço. Então é um o hijab. Para dos crentes que se encupreconceito, intolerância bram em suas roupagens. mim, sempre Isso é mais adequado, para direcionada aos muçulmanos mesmo”, avalia. foi um passo que sejam reconhecidas e não sejam molestadas. E Quando se fala sobre as vivências de muçul- para completar Allah é Perdoador, Misericordiador”, diz o texto, manas em sociedade, a minha fé” conforme a tradução de especialmente quando analisadas pela visão Mehreen Jaral, advogada e Wami Brasil. muçulmana ocidental, é comum defiLenço, véu, hijab. Três palavras sinônimas, mas a ni-las à religião que seguem – o islã. No Brasil, um dos países mais depender de quem os usa, se transformam miscigenados do mundo, existem diversas em objetos diferentes, carregam significareligiões, provindas de diferentes países. dos opostos e um tratamento distinto a Com isso, contando com cerca de 35 quem os veste. Para as muçulmanas, o uso mil adeptos a religião islâmica, segundo do véu é um meio de seguir os preceitos da dados do IBGE publicados em 2010, o religião, assim como para freiras e evanpreconceito com essas diversas religiões gélicas que utilizam o véu nas suas igrejas.


Arquivo pessoal

Alessandra Silva se converteu ao islamismo com 16 anos e começou a usar o lenço nos primeiros meses da faculdade

do seu cabelo”, comenta. Em outro relato, Khaleda conta que quando estava aguardando por um ônibus para ir à faculdade, em Brasília, um dos passageiros puxou seu lenço completamente, desrespeitando a escolha de não expor parte de seu corpo. Diante desses casos, com as inconveniências e os traumas gerados pelos assédios e preconceitos sofridos, muitas muçulmanas acabam por abdicar de Júlia Melo

A diferença de aceitação e de não evitaram que passasse por algumas comportamento daqueles de religiões situações desagradáveis. diferentes é nítida quando se referem ao “Tinha gente que dizia que eu estava modo de se vestir das muçulmanas. O só tentando chamar atenção, outros uso do hijab, niqab e da burca faz parte diziam na minha cara que eu estava muito da identidade da mulher muçulmana. feia e que deveria tirar o lenço. Já tive um Muitas vezes vistos como modo de apri- professor que uma vez ficou sozinho sionamento instaurado por uma doutrina, em sala comigo e falou ‘tira o lenço para na realidade tem a função simbólica ao mim, por favor’, foi uma situação muito representar a submissão por obediência estranha. Então tiveram momentos muito a Deus. Dessa forma, muitas vezes, o uso bons que usar o hijab me proporcionou, e tiveram momentos do lenço é um meio de conexão com a própria “Ó Profeta! Dize muito ruins de chegar fé. “Eu sempre sonhei em casa e pensar ‘não a tuas mulheres quero voltar amanhã’, em usar o hijab. Para mim, sempre foi um e a tuas filhas e mas eu sobrevivi”, conta Alessandra. passo para compleàs mulheres dos tar a minha fé”, relata Mesmo com o Mehreen. hijab tendo a intenção crentes que se de proteger a imagem “Eu sobrevivi” encubram em suas da mulher e exerA entrada na univercer a modéstia, para roupagens. Isso é sidade é um período algumas pessoas é de amadurecimento mais adequado, difícil compreender o conceito. No Brasil, por na vida acadêmica e para que sejam ser uma prática incopessoal. No caso da mum, algumas pessoas farmacêutica Alesreconhecidas sandra Silva, 22 anos, internalizam com efeito contrário, causando não foi diferente. Ela e não sejam mais atenção à mulher, se converteu ao islã molestadas. E há mais de cinco anos e muitas das vezes as e decidiu começar a Allah é Perdoador, colocando em situações usar o hijab durante o desconfortáveis em que Misericordiador” sofrem assédio. mês de Ramadã, em Este é um dos seu primeiro ano de Tradução do Alcorão feita porWami Brasil motivos que dificulta Farmácia na Universidade Paulista, em o uso do hijab no dia a Brasília. As boas lembranças ela ainda dia, como experienciou Khaleda. Mesmo carrega, como seus primeiros lenços não tendo intimidade ou contato regular, terem sido presentes de seu amigo judeu um colega de classe a abordou relatando da faculdade. No decorrer da graduação, que sonhava e a imaginava sem o lenço. também não teve problemas com a insti- “Eles pedem pra tirar o hijab, e acham tuição devido ao uso do hijab durante as que é muito simples, tipo ‘tira só pra eu aulas, no entanto, as experiências sociais ver’, ou então ficam perguntando detalhes

No Brasil, muçulmanas que usam hijab sofrem preconceitos e estigmas negativos da religião islâmica RE D E M O IN H O | 4 1


algumas práticas religiosas. Umas acabam cedendo ao uso do lenço para evitarem os inúmeros olhares de assediadores por, simplesmente, estarem usando a vestimenta. Os relatos são parecidos, para Alessandra, Khaleda e Mehreen. As pessoas não as enxergam como pessoas livres e fiéis a uma religião e se veem no direito de “salvá-las” de suas próprias crenças. Não é por escolha, não é uma opção. O que a sociedade ocidental vê como dar-lhes liberdade, na realidade tira a escolha de usar o hijab como expressão da religião. A tentativa de muçulmanas viverem em paz e seguirem a fé sem aflições faz com que, muitas vezes, a solução seja descobrirem suas cabeças, mesmo que não signifique para elas liberdade. Isso não as tornam menos muçulmanas, pois a própria religião prega que a doutrina deve ser seguida sem causar sofrimento aos fiéis. Porém, abdicar do uso do véu é um sacrifício e carrega tristezas a quem queria poder seguir a religião como escrito nos mandamentos. “Eu estava com medo de ser ferida, de ser machucada fisicamente por alguém, tem louco para tudo nesse mundo. A intolerância é alta. Então, eu achei melhor parar de usar, e eu fiquei bem triste, mas Deus sabe mais, Deus deseja a facilidade, não a dificuldade. Deus sabe que a gente está em um país que não é islâmico, que tem intolerância”, lamenta Khaleda.

Para não confundir O uso do lenço para as mulheres muçulmanas é um meio de obediência a Deus, assim como para praticar a modéstia. Toda mulher tem seu livre arbítrio para decidir usá-lo ou não e qual a melhor maneira de fazê-lo. Alguns dos nomes mais conhecidos para essa vestimenta são:

Hijab

O hijab é o véu utilizado ao redor da cabeça, cobrindo os cabelos, orelhas, e o pescoço, e pode ser estilizado da forma que a mulher preferir.

Niqab

Hijab é resistência

Ser brasileira muçulmana no âmbito educacional pode ser difícil. Imaginar uma estrangeira entrando na rede de ensino sem compreender a cultura, o tipo de ensino, e o principal, sem falar o português, pode ser muito mais desafiador. Esta é a história da paquistanesa Nimra Bibi de 17 anos, que se mudou com sua família para o Brasil em 2014. Júlia Melo

O niqab vai além do hijab, cobrindo cabelos, orelhas, o pescoço e também o rosto da mulher, deixando somente os olhos em evidência.

Burca

A burca é uma vestimenta que cobre todo o corpo e o rosto, não mostrando nenhuma parte do corpo da mulher. Para permitir a visibilidade da usuária, a parte dos olhos é constituída por uma tela fina ou com buraquinhos. No âmbito educacional, mulheres muçulmanas buscam inclusão 42 | REDEMOI NHO


Júlia Melo

Iniciando o sexto ano do Ensino espaço para o respeito, a tolerância e a Fundamental, logo quando chegou ao união. Brasil, foi matriculada na rede pública de A estudante de Design Gráfico do ensino, em Samambaia (DF). Apesar do Centro Universitário IESB, de Brasília, padrão de dificuldade que sua situação Whelyda Meira, se converteu à religião apresentaria por estar em um novo país islâmica há cinco anos. Adepta ao hijab, com diversas experiências desconhecidas, iniciou a graduação durante a pandemia Nimra teve sorte ao encontrar pessoas que e não teve muito contato presencial com a acolheram. Na escola recebeu muito seus colegas e professores, mas o que teve, suporte, principalmente, da professora foi positivo, sendo respeitada e acolhida de inglês e português, Vicentina Couto, por todos. Para outras muçulmanas, a luta tendo suas provas e atividades traduzidas principal vai além do ambiente educaciopara o inglês, até aprender e dominar a nal, tornando difícil a procura por estágio língua portuguesa, assim e empregos, como enfa“Tinha gente como aulas no turno tiza Whelyda: “Enquanto contrário para desenvolo movimento feminista que dizia que ver a escrita do idioma. aqui no ocidente está eu estava só Para se adaptar aos discutindo igualdade costumes do novo país, tentando chamar salarial das mulheres no inicialmente Nimra não mercado de trabalho, atenção, outros a mulher muçulmana usava o hijab dentro da escola, mas ainda ainda está tentando ser diziam na minha inserida, porque nem isso chamava a atenção e olhares, o que a deixava a gente tem ainda”. cara que eu constrangida. Isso fez Os relatos são estava muito feia com que voltasse a usar o parecidos. A espera por véu em todos os locais, e e que deveria tirar liberdade para expressarem sua crença com posteriormente adotasse o lenço” o uso do niqab, como segurança e sem intolemeio de resguardar-se. Alessandra Silva, farmacêutica e rância é incessante. O que muçulmana No entanto, em sua nova para muitos é apenas um escola, ao fazer a matrípedaço de pano, para elas cula, foi instruída de que não poderia usar é um símbolo não só de fé, mas também o niqab nas dependências da instituição, de resistência. Por isso, ser muçulmana no mas poderia fazer o uso do hijab, trazendo Brasil é estar sempre em posição de defesa, à tona, mais uma vez, a necessidade de resistindo às imposições de pessoas que readaptação. nem sequer conhecem a religião. A liberAssim como não se pode generali- dade é um direito para viverem com seus zar as vivências de mulheres muçulmanas, lenços, niqabs, burcas, ou a vestimenta não é um padrão o modo de recepção que escolherem usar. Se perguntarem “o dos brasileiros. A troca de experiências que elas querem?” a resposta será sempre pode ser agregadora para ambos os lados, a mesma: o direito de exercer a fé e poder desconstruindo preconceitos e dando dizer “eu sou muçulmana, sim!”. 

Mulheres muçulmanas buscam mais tolerância, respeito e liberdade para exercerem sua religião

CONHECENDO O ISLÃ O islamismo, como é chamada a religião, vem da palavra “Islam”, significando em árabe “submissão”, e é derivado da palavra “sal’m”, que em seu sentido literal significa “paz”, como apresentado no livro “História e Ciência da Sunnat (resumo)”, do Sheikh Mabrouk Said. Tratando-se de uma religião que prega a submissão e a obediência a Allah (Deus), seus seguidores são chamados de muçulmanos – aqueles que submetem sua vontade à vontade de Deus. Com o aumento de adeptos à religião no Brasil, muitas muçulmanas passaram a dedicar-se a perfis em rede sociais que retratam em seu conteúdo sobre o islamismo e seus costumes, trazendo uma representatividade ativa e compartilhando conhecimento para aqueles que buscam compreender melhor a religião. Alguns perfis são: Mariam Chami (@ mariamchami_), Shadia Salamah (@shadiasalamah), Carima Orra (@carimaorra) e Mag Halat (@mag_halat). RE D E M O IN H O | 4 3


Deborah Cruz

44 | REDEMOI NHO


C OMPORTAMENTO

Brilho na escuridão Muitas vezes em meio às adversidades da vida, o sol perde o brilho e as pessoas andam em meio a caminhos difíceis. Como forma de liberdade para a alma, a arte vem para trazer luz ao que estava nas sombras

por: Ana Beatriz Franco, Fernanda Ferreira e Victória Cruz

A capacidade de abstrair, de admirar a beleza de uma canção ou de refletir sobre uma história contada é algo crucial para estimular a criatividade e a capacidade intelectual de qualquer pessoa. Essa influência da arte no dia a dia ajuda a encarar a vida de uma forma mais leve e a superar obstáculos. Seja no artesanato, no teatro, na dança, na escrita, nas pinturas e nas tatuagens, a arte está presente, ajudando a superar problemas e dores. E servindo como forma de liberdade para os sofrimentos interiores. A arte dá voz ao que está silenciado pela vida. Traz luz ao que estava na escuridão da alma, além disso, possibilita que as pessoas se conheçam melhor internamente e exercitem a saúde física e mental. Na psicologia, o psicodrama vem, cada vez mais, ganhando espaço e ajudando pessoas a enfrentarem questões como medo e insegurança. Ele é uma abordagem terapêutica que utiliza a dramatização como ferramenta para a expressão de questões vividas pelos

indivíduos, com o objetivo de incentivar espontaneidade e autoconhecimento. De acordo com a psicóloga Alessandra Ferreira, o psicodrama traz facilidades saudáveis que propõem melhorar a percepção de si. “A ajuda vem no processo do autoconhecimento, na melhora da percepção sobre si e sobre o outro. O foco é na saúde mental. A arte traz a criatividade que leva à espontaneidade, que são conceitos que o psicodrama busca para a saúde do indivíduo”, relata. “Cada pessoa se identifica com uma linha na psicologia. Eu gosto do psicodrama, me identifiquei com ele na terapia. Fiz vários cursos e, trabalhando com ele, vejo muitos resultados nos pacientes”, completa a terapeuta. A professora aposentada Isabel Veloso, 67 anos, também usa os palcos como forma de expressão. Ela é integrante do GMV, Grupo dos Mais Vividos, no Sesc do Gama (DF). Além do teatro, o projeto inclui aulas de dança, ioga e passeios. No GMV, são realizadas atividades como oficinas de trabalhos manuais, RE D E M O IN H O | 4 5


Fernanda Ferreira

da realidade e me enfiar num caderno, as e educadora, encontrou na escrita e na canetas eram mágicas, eu podia ser qual- leitura uma forma de liberdade. Veio quer coisa e o mundo era lindo”, constata. do Ceará para o Distrito Federal entre Escrever veio como uma salva- as décadas de 1970 e 1980, em busca de ção para a ansiedade e a um novo começo. Numa “Escrever me depressão. Danielle não época em que não havia conseguia entender como salvou mais de muitas opções de cultura, o mundo real funcionava começou a escrever suas e a caneta lhe permitiu uma vez. Cada próprias poesias. criar um ambiente só seu. coração partido, Passou 22 anos morando no Gama, que “Escrever me salvou mais de uma vez. Cada coração cada decepção, ela chama de “cidade parapartido, cada decepção, íso”. Em sua autobiografia frustração, Uma História Verdadeira, frustração, cada paixão, tudo rendia um capítulo. cada paixão, dona Judite conta sua Hoje sigo na luta, publihistória e de sua família. car meu livro, escrever tudo rendia um “Escrever me ajudou a me conhecer e a conhecer um roteiro, ou apenas capítulo” fazer alguém sorrir com o mundo ao meu redor, minhas histórias. Porque Danielle Silva, vendedora hoje posso dizer que sou essa sou eu, eu vivo mais mais feliz graças a esses nas minhas escritas do que no mundo real poemas”, ressalta. Em 1993, ela voltou e sou muito mais feliz”, garante. para o Ceará e hoje vem a passeio ao Já Judite Costa, 76 anos, é uma Distrito Federal, sempre passando por forte mulher, que além de mãe, amiga sua cidade paraíso. Fernanda Ferreira

memória, atividades físicas, recreativas, palestras educativas, entre outros. “Nunca me imaginei capaz de subir num palco vestida de palhaço ou de fazer uma dança cigana, mas foram umas das melhores experiências que tive! Subir no palco me proporciona uma liberdade que nunca tive, nunca me permiti ter”, garante. Isabel define sua experiência no GMV como uma terapia, onde conquistou, ainda mais, sua independência. Também passou a se sentir mais confiante e otimista. “O medo de subir no palco apagou outros medos. E quando consegui, de fato, subir no palco, os outros medos foram se diluindo”. Como a encenação, a escrita pode ser terapêutica. A vendedora Danielle Silva, 35 anos, usou o ato de escrever para transformar o seu mundo. Muito tímida, ela se escondia atrás de um caderno e passou a criar um mundo só seu. Coleciona diários e histórias, que divide, com muito prazer, com pessoas que encontra pelo caminho. “Como era gostoso fugir

Danielle começou a escrever por volta dos dez anos de idade e hoje coleciona várias

Para Isabel Veloso, pisar no palco é uma forma de

histórias dentro de seus diários

enfrentar seus medos, inseguranças, frustrações e ser livre para ser quem é

46 | REDEMOI NHO


Arquivo pessoal

Fernanda Ferreira

Judite Costa têm quatro livros publicados e mais

Os carros chefes de Kellen Moura são os itens personalizados e os scrapbooking

um a caminho

(termo em inglês para definir um livro com recortes)

Artes manuais

“A ajuda vem no processo do autoconhecimento, na melhora da percepção sobre si e sobre o outro. O foco é na saúde mental. A arte traz a criatividade que leva a espontaneidade, que são conceitos que o psicodrama busca para a saúde do indivíduor” Alessandra Ferreira, psicóloga

O artesanato é uma das formas na qual muitas pessoas buscam refúgio. A habilidade manual se transforma em criatividade e liberdade. A dor e o sofrimento se transformam em belas artes que podem se tornar fonte de renda. Dessa forma, o artesão tem a liberdade de se expressar criativamente as suas emoções. Em março de 2018, a artesã Kellen Moura, 44 anos, foi diagnosticada com depressão, e lembra a grande desmotivação enfrentada. Kellen relata que, temporariamente, perdeu o interesse por tudo, inclusive pelo artesanato, que ficou sem cor. Com apoio familiar, de amigos e profissional, por meio da terapia, ela voltou a fazer o que lhe dava tanto prazer. “Devagar fui voltando a fazer o que me trazia alegria e tranquilidade, o trabalho manual funcionou como terapia”, expressa. A artesã garante que voltar a usar as mãos fez parte da sua cura e defente o uso terapêutico da arte. “Com certeza a arte ajuda as pessoas a passarem por esses momentos difíceis que estão suscetíveis a

qualquer um”. Ela é uma de várias pessoas que vivenciam todos os dias o poder da arte em sua melhora emocional. Outra pessoa que teve uma experiência positiva com a arte é a aposentada Judith Nonato, 65 anos, que vê no artesanato também uma forma de passar o tempo e de prazer. “Não sei se cura, mas ajuda não ficar pensando nas dores, porque o foco é concluir o trabalho para fazer o presenteado feliz ou o cliente que fez e a encomenda. Eu sempre tenho algo para fazer, ainda que não seja em grande escala estou sempre planejando algo, daí não sinto solidão do tédio. Entendo que, ocupar a mente com coisas bonitas é uma forma de ficar mais saudável,” observa. É também com as mãos que a arte da tatuagem acontece. Vista ainda com maus olhos por parte da sociedade, as tatuagens são mais que um desenho definitivo. Muitas vezes, há histórias e momentos especiais por trás de cada tinta registrada na pele. Os primeiros registros históricos mostram tatuagens feitas entre 4000 e 2000 a.C.

RE D E M O IN H O | 4 7


Fernanda Ferreira

Judith Nonato em seu ateliê faz por encomenda bonecas, toalhas de banho e

“Eu não faço esse trabalho para divulgar a loja, eu faço esse trabalho para devolver para a sociedade o que ela me traz como tatuador. A importância desse trabalho é ajudar a aumentar a autoestima das mulheres e também dos homens. Então quando eu finalizo o procedimento e eles se olham no espelho, é difícil não se emocionar junto” Cleison Rosa, o PH, tatuador

para bebê para vender e complementar a renda

48 | REDEMOI NHO

das pessoas. “A realização desse trabalho é muito importante porque além de conversar e lidar diretamente com mulheres fortes e guerreiras, nós conseguimos devolver a autoestima delas, seja pela sobrancelha ou pela reconstrução mamária”. Ana Beatriz Franco

Desde então, as técnicas, assim como os materiais utilizados nesse processo, foram aprimorados e, atualmente, ajudam a recuperar a autoestima de mulheres e homens que enfrentaram e venceram o câncer, por exemplo. Mesmo que raro, o câncer de mama também pode afetar o público masculino. Com objetivo de apoiar quem passa por esse processo delicado, o tatuador Cleison Rosa Leite, conhecido como PH, responsável pelo Estúdio PH Tattoo, em Taguatinga (DF), começou a ofertar o trabalho de micropigmentação paramédica, processo de disfarçar ou corrigir cicatrizes devido a procedimentos como a mastectomia, que é a retirada total ou parcial da mama. PH conta que foi por meio de uma amiga que teve de realizar o procedimento que ele começou o trabalho, feito voluntariamente. “A importância desse trabalho é ajudar a aumentar a autoestima das mulheres e também dos homens. Então, quando eu finalizo o procedimento e eles se olham no espelho, é difícil não se emocionar junto”. A esposa de PH, a biomédica e micropigmentadora Carolina Mota, entrou no projeto e, também de forma voluntária, faz micropigmentação de sobrancelhas na busca do fortalecimento

Cleison Rosa Leite, o PH, oferta o trabalho de micropigmentação paramédica de forma gratuita em seu estúdio, localizado em Taguatinga Norte


Bruno Cavalcante

Samuel Henrique já viajou a mais de vinte países graças à dança

Dança como cura

A amputação da perna direita decorrente de um câncer não foi motivo para que Samuel Henrique, 24 anos, mais conhecido como Samuka, desistisse da dança. Antes mesmo da descoberta da doença, o Bboy já se aventurava no breaking ou breakdance. Nascido nos anos 70, no Bronx, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, o estilo de dança pertencente à cultura do Hip Hop foi criado pelas comunidades negra e latina com intenção de pacificar as disputas territoriais na região. O primeiro contato de Samuka com o breaking aconteceu em 2010, no Centro de Ensino Fundamental 115, no Recanto das Emas (DF). Aos dez anos de idade, veio o diagnóstico de câncer no fêmur, que resultou na amputação da perna. A princípio, os médicos diziam que as constantes dores na perna eram “dores de crescimento”. A descoberta da doença veio em um momento delicado: Samuel havia perdido o pai em um acidente de trânsito.

A dedicação e paixão pela dança, junto com o apoio da família e amigos, ajudaram o Bboy a atravessar esse momento. Depois de dois meses de cirurgia, Samuka já tinha voltado a treinar. Era só questão de tempo e prática para adaptar os movimentos da dança à sua atual condição. E foi assim que o Hip Hop levou Samuel a mais de vinte países e a uma participação em cena do filme Dançarina Imperfeita, da Netflix. Seja por meio de uma pintura, uma música, um filme, a arte está presente no cotidiano, há até quem consiga ver valsas de Chopin nas nuvens. Quem nunca se deparou com um artesão nas ruas? Um poeta declamando? Ou um ator arrancando sorrisos? Isso é uma espécie de cura, para quem faz e também para quem assiste e participa. A arte faz parte de nossas vidas, é um brilho que todos nós temos e que, em cada um, brilha diferente, acende em tempos diferentes. Mas está lá. 

ESCRITA LIBERTADORA Confira o depoimento da repórter Victória Cruz, uma das autoras desta reportagem, que usou a arte como forma de superação. Uma doença sem um diagnóstico conclusivo, três trocas de remédios controlados, exames de sangue a cada 15 dias, consultas mensais que me assustavam a cada ida ao consultório; um término de um relacionamento muito doloroso; brigas e afastamento com amizades muitos importantes; um primeiro ano de faculdade nada fácil podem resumir o meu ano de 2019. Muitas situações ruins que precisei sentir na pele sem entender o porquê. E como lidar com tudo isso? Não podia surtar, gritar ou esbravejar sem alguém estranhar. Então, a forma que lidei com esse ano atordoado foi escrevendo. Percebi que o ato de colocar para fora minhas palavras sem dizer nada, era libertador, poderia gritar em forma de frases, descontar minha raiva e meu sofrimento sem ninguém me perguntar o porquê. Hoje tenho a plena convicção que escrever é um ato de liberdade. Somos livres para sofrer, esbravejar, ficar tristes e até mesmo chorar através das palavras. 2019 foi um ano difícil, mas ao mesmo tempo foi o ano que comecei a explorar a minha escrita e ela me deu esperança de que um dia tudo aquilo iria passar. E hoje, dois anos depois, tudo passou. E eu continuo escrevendo, sendo livre para ser quem sou através das palavras, me imagino daqui a uns anos publicando um livro, dando possibilidade e encorajando as pessoas a escreverem sobre seus momentos tristes como forma de colocar tudo para fora e também seus momentos alegres.

RE D E M O IN H O | 4 9


Donato Viero

50 | REDEMOI NHO


C U LT U R A

Da periferia para as telas Nos bastidores da capital do País, o cinema independente busca um lugar para chamar de seu e assim reescrever as narrativas cotidianas daqueles que vivem nas periferias e áreas mais carentes do Distrito Federal

por: Rafaela Alves e Camila Saldanha

Criado em 1895 pelos irmãos fran- XX e teve um papel importantíssimo, ceses Auguste e Louis Lumière, o cinema por exemplo, na propagação de inforrapidamente eclodiu como uma forma mações na 2º Guerra Mundial. Hoje, de entretenimento apreciada pela maio- com a possibilidade do streaming, o ria. Por ser caracterizado como mudo, cinema é consumido, segundo o Google o início da sétima Survey, por 55,68% das Os criadores de pessoas ao redor do arte, nome pelo qual mundo. Entretanto, o cinema também é audiovisual das conhecido, paradoxalo cinema não precisa mente se propagou com periferias e regiões necessariamente ser velocidade, sendo um administrativas do uma ferramenta usada entretenimento acessíapenas para grandes Distrito Federal vel e contando com o produções visuais e fato de que as pequenas sonoras, mas sim uma se colocam na falas escritas agregadas forma lícita de relatar aos vídeos poderiam posição de agentes um espaço ou uma facilmente ser entendivivência do cotidiano, produtores do das ou traduzidas. Com independente de qual 126 anos de história, o seja. cinema Nesse contexto, cinema já teve diversas fases que simbolizam uma representação vale inserir a periferia ou aqueles que ou uma releitura da vida humana. não têm acesso aos grandes estúdios e Atualmente com o acesso à infor- produções, pessoas que cada vez mais mação, a internet e a meios mais dignos vêm se articulando para fazer uma autorde produção, o cinema é uma indús- representação da sua realidade, contando tria gigantesca que eclodiu no século histórias reais ou fictícias e se alicerçando RE D E M O IN H O | 5 1


Rafaela Alves

na ideia de que independentemente de onde você está, a sua voz merece ser ouvida. Agindo como seus promotores, os criadores de audiovisual das periferias e regiões administrativas do Distrito Federal deixam de ser apenas consumidores da sétima arte e se colocam na posição de agentes produtores do cinema. O cinema informal ou independente de Brasília vem surgindo como forma de resistência ao método “convencional” de fazer uma arte de ricos para ricos. Habitualmente, quando as cidades ou pessoas de renda mais baixa são retratadas no cinema, a ótica não é a de quem vive e sim sob o olhar simbólico de quem acha que conhece a vida periférica. O movimento cinematográfico que cresce nas regiões administrativas do DF e nas cidades do Entorno tem como base não apenas falar sobre o pobre, o negro ou o periférico, e sim deixar que eles falem por si próprios. Os jovens em Ceilândia comparecem regularmente às aulas práticas sobre edição de vídeo e filmagem

Localizado na Praça do Cidadão de Ceilândia Norte há mais de 10 anos, em jovens da comunidade e mudar a imagem 2021 o Jovem Expressão, projeto social de que o cinema é elitista. que promove cultura nas ruas, resolveu Marcelo Vinícius, 22 anos, idealivoltar totalmente para a produção cine- zador do Cine Expressão e morador de matográfica, e no meio da pandemia da Ceilândia, avalia que agora pode contar Covid-19 nasceu o a própria história “Às vezes, a Cine Expressão. Tratausando aquilo que -se de um circuito de ama, o cinema. Ele pessoa assiste um enfatiza que o cinema oficinas voltadas para o audiovisual. As documentário aqui pode ser produzido oficinas, que incluem por quem quiser, e com a gente e sai que o letramento Direção, Direção de Arte, Direção de com a visão alterada oferecido pelo projeto serve como base para Fotografia, Roteiro e Atuação, são finaliza- acerca de diversos que o jovem da peridas com a produção feria perceba outros assuntos” de um documentário. caminhos. “Às vezes, A intenção é trazer a Marcelo Vinicius, criador do Cine a pessoa assiste um Expressão parte técnica para os documentário aqui 52 | REDEMOI NHO

cinematográfica Rafaela Alves

Cine Expressão

Rayane Soares coordena o projeto Cine Expressão e foi uma das mentes ativas na criação do programa


Rafaela Alves

Ricardo Palito foi de aluno a editor de vídeos através das oportunidades dadas no Cine Expressão Rafaela Alves

com a gente e sai com a visão alterada acerca de diversos assuntos”, detalha. A coordenadora do Cine Expressão, Rayane Soares, 29 anos, afirma que um dos focos é mudar o padrão usado no cinema para mostrar jovens de baixa renda. “Quando se fala de nós [comunidade], normalmente é na terceira pessoa, então, queremos trazer esses jovens para falar mais sobre a vida deles e levantar esse diálogo através do audiovisual”, aponta. Um desses jovens é Ricardo Palito, 28 anos, que ingressou no Jovem Expressão como aprendiz e hoje é editor de vídeo do projeto. Ele alega comemorar o fato de a iniciativa dar oportunidade de entender e aprender a fazer cinema. “É uma área que muita gente tem interesse só que nem todo mundo tem oportunidade de ter acesso, não é algo acessível. E o projeto meio que expande isso para pessoas que antes não tinham oportunidade”, comemora. Hoje, o Cine Expressão tenta atender ao máximo a comunidade da Ceilândia e tem uma busca assídua entre os moradores, um exemplo disso, conta Marcelo, é a dificuldade de atender a todos que se inscrevem e buscam as oficinas. Ele relata que quando foi aberto o curso de Direção de Fotografia, em dois dias as 50 vagas foram preenchidas.

Marcelo Vinicius trabalha com cinema há 6 anos e é o idealizador do Cine Expressão

“Quando se fala de nós [comunidade] normalmente é na terceira pessoa, então queremos trazer esses jovens para falar mais sobre a vida deles e levantar esse diálogo através do audiovisual” Marcelo Vinicius, criador do Cine Expressão

PERIFERIA NUA E CRUA Na década de 2000 houve uma certa glamourização da vida periférica no cinema, abrindo espaço para trabalhos de natureza semelhante ao clássico Cidade de Deus (2002), filme que retrata uma juventude periférica, negra e sensível, que cresce em uma favela conhecida por ser um dos locais mais violentos do Rio de Janeiro, desencadeando o fenômeno que busca estudar o cinema feito na

periferia para a periferia. A ênfase da diversidade cultural presente neste ambiente heterogêneo afeta diretamente a forma de produzir e de consumir o audiovisual fora do Plano Piloto do Distrito Federal, construindo diversas narrativas e reforçando discursos de várias naturezas. Podemos notar também dentro de certos ambientes uma tensão entre o que é real e o que é simbólico

e as formas de manifestação de cada pensamento. Mesmo com a popularização do estilo “na periferia nua e crua”, esse movimento que ocorre nas margens da capital do Brasil, busca fazer uma abordagem distinta do que já conhecemos, reforçando o espírito comunitário e a solidariedade.

RE D E M O IN H O | 5 3


Polo de Cinema

prêmios na Mostra Brasília do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB). André Ristum, diretor do filme, destaca a importância do Polo de Cinema na maior produção de toda a sua carreira, argumentando que o lugar foi ideal para a realização do projeto. “O espaço foi revitalizado, foi investido um recurso para deixá-lo usável, usamos, estava ótimo, poderia ter sido usado por outras produções. Muito triste que não foi utilizado”, lamenta André. Ristum acredita que o maior fator limitativo para o uso do Polo de Sobradinho é a falta de recursos dos produtores, que com baixo orçamento têm dificuldade de fazer uso de estruturas mais complexas e elaboradas, desencadeando um impasse de utilização e restringindo o acesso apenas para produções com receitas extensivas. Ele conta que o espaço sofria de algumas carências, como falta de internet e problemas de infraestrutura

que dificultam o uso por produções com recursos limitados – muitas vezes, dinheiro saído do bolso dos próprios produtores. Existem várias conjecturas que buscam explicar a inatividade desse espaço cinematográfico no Distrito Federal, e uma delas é a precariedade do estúdio e da locação, além do fato da área ser isolada e distante dos centros comerciais. A dúvida recorrente que pode permear a mente de quem se interessa pelo cinema da capital é um paradoxo: há incontáveis jovens buscando espaço para crescer no mundo cinematográfico enquanto existe uma zona cinematográfica em total desuso há quase oito anos. Com a finalização da reforma anunciada pela Secretaria de Cultura, prevista para até o fim de 2021, os futuros projetos do Polo ainda são incertos, com algumas propostas de ocupação já em pauta, mas nada concretizado. Rafaela Alves

Em reformas constantemente e utilizado a última vez em 2014, no filme O Outro Lado do Paraíso, de André Ristum, o Polo de Cinema e Vídeo Grande Otelo, localizado em Sobradinho (DF), foi inaugurado em 1991 e agora sofre com a ausência de trabalhos e a precariedade na infraestrutura. Em meio a ameaças de desativação e dez anos de negligências no setor de reformas, o Polo de Sobradinho recebeu em julho deste ano uma revitalização de cerca R$ 231 mil da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal e é especulada a sua reativação no cenário cinematográfico. “Outro Lado do Paraíso é considerada a maior obra audiovisual feita no DF e o palco dessa grande realização é o Polo de Sobradinho, onde foi construído uma cidade cenográfica de 15 mil metros quadrados para remeter a periferia de Brasília em 1964. O filme venceu sete

“Poderia ter sido usado por outras produções. Muito triste que não foi utilizado” André Ristum, diretor do filme O Outro Lado do Paraíso sobre o Polo de Cinema de Sobradinho

O Polo de Cinema em Sobradinho, em desuso desde 2013, passa por reformas custeadas em cerca de R$ 231 mil 54 | REDEMOI NHO


Brasileiro na Mostra Brasília

Benevolentes

retrato da descriminação e das dificulO documentário Benevolentes, dades da vida periférica. produzido este ano, busca entender as Questionado sobre a dificuldade origens do racismo na capital do país, de produzir filmes independentes no entrevistando pessoas por todo DF. O Distrito Federal, Vinicius aborda que as curta-metragem de Thiago Nunes tenta próprias leis de incentivo ao cinema, que, plantar uma semente antirracista na alma em nível nacional, permitem a pessoas de cada espectador, mostrando que essa físicas e jurídicas fazer aportes na cultura desconstrução é feita dia após dia, além com incentivo fiscal. “Em 2020 eu tive de visar dar voz às minorias que sofrem meu primeiro projeto aprovado pela Secretaria da Cultura, se chama Casos racismo no Distrito Federal e Entorno. Vinicius Pinheiro, 24 anos, produ- Ocultos, só que após a aprovação atrator de Benevolentes e vés de alguma lei de “É você estudante de Cinema incentivo à cultura, no IESB, conta que competindo com o você entra na fase de tudo começou como captação de recursos, uma ideia simples de DF inteiro, então é então, vem o contato apenas gravar e editar com as empresas e as mais uma questão tentativas de venda do relatos de pessoas que sofrem racismo, mas de erros e acertos” projeto, porque a lei de conforme o documenincentivo permite que tário ia sendo gravado, Vinicius Pinheiro, produtor do as empresa possam doar documentário independente mais personagens até 6% do seu imposto Benevolentes de renda para projetos surgiam para a integração da narrativa, culturais, tendo abatigerando inúmeras entrevistas e histórias mento fiscal de 100%, ou seja o projeto de pessoas que lidam todos os dias com sai de graça, e aí que está a dificuldade, preconceito racial. O resultado é um porque o governo facilita a aprovação do

Arquivo pessoal

Arquivo pessoal

O documentário Benevolentes foi indicado a melhor curta-metragem no 54º Festival de Brasília do Cinema

projeto e as empresas dificultam a captação”, constata. Benevolentes recebeu até agora uma indicação a melhor curta-metragem de 2021 no 54º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, na Mostra Brasília desse ano, que acontece em novembro e também foi indicado ao Festival de Cinema de Floriano (PI), que vai acontecer em dezembro. Depois de tantos anos do nascimento com os irmãos Lumière, hoje o cinema tem grande influência no corpo social e age como um moldador de opiniões, sendo um dos filtros usados para enxergar diversos mundos e realidades que merecem ser produzidas de dentro para fora por quem as vive. No Distrito Federal, esse é um campo que precisa ser explorado e investido, para haja uma diminuição do fenômeno de privatização da cultura nas regiões administrativas, abrindo espaço para as narrativas cotidianas para garantir o audiovisual para todos, e não apenas para as elites. 

Benevolentes, que tem como personagem principal Moisés da Silva, morador da Estrutural, tem como objetivo documentar o racismo no Distrito Federal RE D E M O IN H O | 5 5


Yousefe Sipp

C U LT U R A

O eco de berimbaus e tambores por: Karoline Cavalcante, Marcela Cunha e Yousefe Sipp 56 | REDEMOI NHO

Capoeira é a batalha de dançarinos, a dança de lutadores, o embate de camaradas. A simbiose perfeita de poder e ritmo, poesia e destreza, uma experiência única de música e canto


Talvez muitos não saibam, mas até o ano de 1930 a capoeira era impedida de ser realizada no Brasil Originada no século XVII, a capoeira foi criada pelo povo escravizado da etnia banto, habitantes das regiões que hoje compreendem Angola, Congo, Gabão e Cabinda. A luta se difundiu por todo o Brasil como forma de sociabilidade e solidariedade entre os africanos

escravizados, estratégia de resistência para lidarem com o controle e a violência. O pós-doutor em História Comparada e mestre capoeirista Luiz Renato, 57 anos, expõe como o conjunto de expressões culturais se estabeleceu no cotidiano brasileiro a partir do passado escravagista. “Essas manifestações de matriz africana vão se firmando de diferentes formas: como folguedo, religiosidade, práticas corporais diversas e na musicalidade do país”, afirma. Atrelada às raízes racistas da nação, foi somente na era Vargas que o mestre Bimba, importante capoeirista brasileiro, expôs a luta para o presidente, que cedeu aos encantos da arte e resolveu transformá-la em um promissor esporte nacional. Na década de 1930, Getúlio Vargas legalizou a capoeira como profissão. A capoeira é uma luta de defesa e ataque em que os oponentes utilizam, sobretudo, os pés e a cabeça. Por sinal, o exercício do esporte baseia-se no alinhamento dos capoeiristas na roda, batendo palmas no ritmo do berimbau enquanto cantam para dois praticantes se

Arquivo pessoal

Arte-marcial, esporte, dança e música. A capoeira é o símbolo que constrói relações de sociabilidade e familiaridade entre as ruas e academias do Brasil. Reconhecida pela Unesco em 2014 como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, a arte marcial possui um passado ancestral extenso.

Luiz Renato, em seus estudos, analisa a conjuntura histórica da capoeira a partir das expressões culturais que se estabeleceram no Brasil

enfrentarem. Em 1995, a capoeira recebeu o reconhecimento e vinculação da Confederação Brasileira de Capoeira ao Comitê Olímpico Brasileiro. O que diferencia a capoeira de outras lutas é o fato de ser acompanhada da musicalidade e não visar machucar os participantes do grupo. A música dita o ritmo e o estilo do jogo, que é praticado no decorrer da roda de capoeira. A roda tradicional conta com berimbau, pandeiro, atabaque, agogô e o caxixi para dar vida ao jogo e ginga

RE D E M O IN H O | 5 7


Capoeira há de curar

Yousefe Sipp

Hoje, a capoeira é um dos maiores símbolos da identidade brasileira e está presente em todo território nacional, além de ser praticada em mais de 160 países, em todos os continentes.

A capoeira é um símbolo social e familiar entre quem se conecta com o esporte Yousefe Sipp

no corpo. O musicista Givas Demore, 36 anos, explica a dinâmica sonora da capoeira: “O berimbau é um instrumento musical de corda feito de madeira, bambu, arame e uma cabaça. Outros instrumentos utilizados são o atabaque, que tem por função dar a marcação e a sensação rítmica. O pandeiro, que é um instrumento muito comum na nossa cultura, e o agogô, feito de castanha do pará, coco, às vezes de ferro, que também faz parte da marcação. Alinhado a tudo isso, tem a voz”. O capoeirista canta acompanhado dos instrumentos, todo mundo responde o coro e é essa a energia envolvente que dá o ritmo. “A música é o grande elemento que chega na mente do capoeirista e dá aquela sensação de euforia, ela que ajuda o capoeirista no seu bailar corporal, é meio poético isso, mas é uma forma de você disfarçar a marcialidade, então, as pessoas pensam que a gente tá dançando, né? Mas os golpes são potentes, eles são traumatizantes”, explica Givas.

A capoeira é uma batalha defensiva e ofensiva em que os adversários usam, sobretudo, os pés e a cabeça na composição dos movimentos 58 | REDEMOI NHO

Presente em inúmeros espaços como comunidades, escolas, ruas e academias, a capoeira é uma atividade praticada pelas pessoas que se relacionam intensamente com a cidade e suas transformações. O interesse daqueles que desenvolvem a luta é o de construir uma identidade brasileira com a valorização da capoeira perante a sociedade. Na troca de conhecimentos e experiências entre os mestres e praticantes, são reafirmados os valores e saberes transmitidos pela capoeira. Entre as origens da nação brasileira, evidenciando em destaque as vivências de populações originárias da África, construiu-se as bases da capoeira na compreensão social. Para muitos, é instrumento responsável pelo desenvolvimento da consciência crítica sobre a sociedade. Com mais de 40 anos de dedicação à capoeira, o mestre Jorge Benson comemora o reconhecimento e defende que o esporte deve ser gerido por capoeiristas que não estimulam preconceitos. Sem ser levados em consideração gênero, sexualidade ou faixa etária, a capoeira é capaz de abraçar e tem espaço para todos e todas. Jorge utiliza a capoeira como ação social para pessoas em situação de vulnerabilidade. Os encontros e aulas do mestre têm o objetivo de desenvolver ações positivas em Santa Maria, a 30 quilômetros do centro de Brasília, no projeto Ginga com Valores. “Trazemos temas que têm alta relevância na sociedade e fazemos de uma forma que a gente consiga trazer cidadania para o capoeirista, não trazendo só a capoeira como esporte mas sim como cultura”, completa Jorge. Por meio do esporte, o mestre manifesta um caminho para a formação cidadã, tornando-se um líder que dissemina


Yousefe Sipp Yousefe Sipp

Na capoeira, o som e o ritmo do pandeiro acompanham a roda

Jorge Benson iniciou na capoeira na em 1980, época em que a capoeira era muito discriminada. Hoje, o mestre tem em suas ideias propagar a verdadeira história da capoeira

valores humanos positivos e éticos por meio da capoeira. “Trazer a questão do respeito, do trabalho em equipe, um leque de opções que se dá para um aluno para ele se formar um cidadão de bem, como exemplo, querer voltar a estudar ou quem está estudando ter a obrigação de mostrar que está tudo bem na escola, isso é um dos pré-requisitos para se manter treinando com a gente”, esclarece Benson. À medida que se pratica o esporte surge a progressão de habilidades pela graduação. Na capoeira estão presentes 11 cordões graduados feitos a partir do traçado de nove fios de seda. Essa é uma jornada que acompanha o capoeirista por muitos anos, de acordo com a Confederação Brasileira de Capoeira (CBC), o sistema que organiza e unifica a graduação da capoeira é feito por cordas seguindo as cores da bandeira nacional. No grupo do mestre Benson, Fernanda Feresin, conhecida como Angolinha, participa dos programas regulares de capoeira com aulas, eventos e seminários para valorizar e disseminar a prática e seus aspectos educacionais, culturais e sociais. “Tenho 44 anos, comecei a capoeira com 19 e é o que me impulsiona, por ser um símbolo de resistência, principalmente por eu ser mulher; em vários obstáculos que a gente enfrenta, a capoeira sempre me ensinou isso, a ser resistente”, diz Fernanda. Ao falar da experiência e contribuições da capoeira, Jussara Pereira, 44 anos, conta como superou percalços por meio do esporte. Durante a pandemia de coronavírus, Jussara e seu cônjuge foram contaminados pela Covid-19, entre as consequências da doença, acabou com 50% do pulmão comprometido e viúva. Após passar por tudo isso, ela se reencontrou na capoeira, os momentos em que se dedica a prática do esporte vêm contribuindo para a superação da perda.

“Nesse início do ano eu tive Covid, eu e o meu esposo, eu fiquei internada dez dias, fiquei no oxigênio e respondi bem ao tratamento. Já o meu marido foi entubado e Deus o levou. Por mais que seja muito difícil, eu encontrei na capoeira toda essa coragem e força para dar continuidade na vida” Jussara Pereira, capoeirista RE D E M O IN H O | 5 9


“Nós estamos passando um momento muito complicado, mas na capoeira eu tenho encontrado um equilíbrio físico e emocional, tem me dado força para seguir em frente, até porque não tem outro jeito”, constata Jussara. Praticar capoeira vai além do exercício físico, a intenção de fazer com que as pessoas se desenvolvam nos aspectos sociais está ligada ao esporte. Enquanto ferramenta pedagógica da realidade social, o objetivo maior da capoeira é reconhecer e valorizar a diversidade nacional. Desenvolver cultura, divulgação de saberes, expressão corporal e conectar pessoas é o que a capoeira perpetua na sociedade há mais de 300 anos.

Paranauê pelo mundo

O misto que forma a arte da capoeira ultrapassa as fronteiras e finca bandeira em todos os continentes. A luta foi ganhando o mundo a partir dos anos 1970, quando mestres passaram a ser reconhecidos em locais como os Estados Unidos e países da Europa. 60 | REDEMOI NHO

Guigo Dedecek

Organização da graduação da capoeira de acordo com a Confederação Brasileira de Capoeira (CBC)


Yousefe Sipp Yousefe Sipp

O som e o ritmo do pandeiro acompanham a roda

A capoeira é carro-chefe dessa troca de brasilidade com as outras culturas

A capoeira é uma luta de defesa e ataque em que os oponentes utilizam, sobretudo, os pés e a cabeça Yousefe Sipp

Aulas de capoeira ajudam na contribuição cultural para o desenvolvimento humano além do território nacional. São propagadas as ações históricas desenvolvidas nos fundamentos e metodologia de capoeiristas brasileiros em diversas partes do mundo. Segundo relatório do Ministério das Relações Exteriores, existem 538 associações que promovem o ensino da capoeira em 72 países. Claudio Rocha de Curto Lemos, conhecido como mestre Samara, 69 anos, atualmente administra o grupo Senzala na Holanda, onde vive, além de estar ligado a grupos na França, Bulgária e Finlândia. As aulas e eventos recebem alunos de graduação e moradores da região, o intuito do grupo é desenvolver as artes brasileiras internacionalmente por meio da capoeira. “Esses eventos ocorrem muito aqui na Europa, eu diria que quase todo fim de semana tem um evento internacional, esse inclusive é o meu maior trabalho. Geralmente nos eventos de capoeira daqui, a gente foi botando desde o começo outras atividades, como o forró, dança… Então, a convivência é realmente onde rola a troca intensiva de cultura”, conta o mestre capoeirista.

Em um grande exemplo do acolhimento da capoeira, uma criança que passava pelo local, se encantou pelo esporte e foi recebida na roda RE D E M O IN H O | 6 1


Guigo Dedecek

Arquivo pessoal

Desbravador da capoeira na Europa, Samara conta em que momento conheceu a prática, a escolheu como meio de vida e como foi parar fora do Brasil. “Eu iniciei de verdade a capoeira aos 22 anos, tive algumas experiências quando adolescente, assim que entrei na faculdade eu comecei a luta, em 1980. Eu fui para a França no ano de 1984, com 5 anos incompletos de graduação no esporte. Eu era muito convencido de que a capoeira é maravilhosa, eu tinha certeza que ia cair muito bem e que esse era o caminho”, recorda. José Luiz Cirqueira Falcão, 61 anos, participante do grupo Beribazu, teve o seu primeiro contato com o esporte no exterior ao acaso. Conhecido como mestre Falcão, José utilizou do processo de internacionalização da capoeira em seus estudos acadêmicos. “Em 1995 eu fiz uma viagem a Paris para visitar um amigo que estava cursando o doutorado e tive a oportunidade de jogar capoeira em frente a Torre Eiffel e percebi que as pessoas ficavam bastante intrigadas com o que viam. Eu

Mestre Samara está ligado a grupos de capoeira na Holanda, França, Bulgária e Finlândia

62 | REDEMOI NHO


Yousefe Sipp

me percebia como um agente portador de algo exótico e bastante diferente para aquele povo”, relata Falcão.José, durante o doutorado, teve a oportunidade de realizar uma intensa interlocução com capoeiristas na Europa. Com mais de 5 países em suas pesquisas, o mestre analisou a forma na qual a capoeira é tratada pelos professores brasileiros responsáveis pela sua difusão no continente. “Esse complexo e desafiador movimento de internacionalização da capoeira certamente contribuiu para que ela adquirisse grande visibilidade e poder simbólico e se transformasse em um dos principais cartões postais do Brasil no exterior e, ainda, ser a maior difusora da língua portuguesa na Europa”, diz Falcão. No intercâmbio cultural da capoeira é justamente onde se propagam as origens e raízes da identidade nacional. Dos saberes tradicionais, artísticos e acadêmicos, a capoeira tem crescido exponencialmente ao redor do mundo, contribuindo com a evolução das interações e experiências pluriculturais. 

A capoeira une dança e luta num gingado que vem encantando o mundo

A CAPOEIRA ENTRE AS CULTURAS

RE D E M O IN H O | 6 3




Campus Sul Edson Machado • Asa Sul • SGAS Quadra 613/614 • Lotes 97 e 98 L2 Sul • Brasília-DF • CEP: 70.200-730 Call Center: (61) 3340-3747 • www.iesb.br • E-mail: atendimento@iesb.br


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.