Celuzlose 10

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Caderno

Crítico

Les mouches bourdonnaient sur ce ventre putride, D’où sortaient de noirs bataillons De larves, qui coulaient comme un épais liquide 3 Le long de ces vivants haillons. (BAUDELAIRE. 2006:174) Também Cruz e Souza iria explorar esse efeito em suas descrições poéticas do corpo. Alfredo Bosi, em História concisa da literatura brasileira, comenta que as leituras desse poeta, anteriores à publicação de Broquéis, eram as mesmas que serviram de embasamento aos naturalistas: Darwin, Spencer, Haeckel, Taine, Flaubert, Zola, Eça, Baudelaire, Antero, Guerra Junqueiro, Cesário Verde (BOSI 1994: 270) – o que pode ter favorecido a habilidade do poeta quanto à minúcia descritiva de aspectos fisiológicos. Há que se apontar, ainda, que a biografia de Cruz e Souza – marcada pelo preconceito, pelo desprezo à sua arte, pela loucura da esposa e pela morte dos filhos – contribuía para uma visão desiludida e desencantada dos relacionamentos interpessoais, embora a verificação disso em sua poesia só tenha se revelado mais claramente em seus poemas últimos e mais maduros. Cruz e Souza empregou, diversas vezes, o abominável na construção da figura feminina, retomando temas e estratégias d’As flores do mal. Em “Lésbia”, por exemplo, a mulher é descrita sob total descontrole, tal qual um “Cróton selvagem, tinhorão lascivo, / Planta mortal, carnívora, sangrenta” e como uma “cruel e demoníaca serpente” (CRUZ E SOUZA 1994: 13-4). Essa fêmea “mortal e carnívora”, cujo lábio é “mordente e convulsivo” e a expressão é “violenta”, parece resgatar o mito das mulheres fatais, demoníacas e devoradoras de homens, como a deusa Kali, Salomé, Eva, Pandora, entre outras (ver SANT’ANNA). Aqui o corpo não é descrito sob a lente do realismo, mas metonimicamente, por pedaços, órgãos, sempre em exagero perturbador: Dos teus seios acídulos, amargos, Fluem capros aromas e os letargos, Os ópios de um luar tuberculoso...” (CRUZ E SOUZA 1994: 14) O tema da lésbica também se encontra em Baudelaire, nos poemas “Femmes damnées”, “Lesbos” e “Sed non satiata”. No primeiro, encontramos a mesma ferocidade que em “Lésbia”: Étendue à sés pieds, calme et pleine de joie, Delphine la couvait avec dês yeux ardents, Comme un animal fort qui surveille une proie, 4 Après l’avoir d’abord marquee les dents. (BAUDELAIRE 2006: 474)

3. “Zumbiam moscas sobre o ventre e, em alvoroço, / Dali saíam negros bandos / De larvas, a escorrer como um líquido grosso / Por entre esses trapos nefandos.” 4. “Posta a seus pés, serena e cheia de alegria /Delfina lhe lançava à carne olhos ardentes, / Como animal feroz que a vítima vigia, / Após havê-la antes marcado com seus dentes.”

Celuzlose 10 • Dezembro 2013 75


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