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Alan Luis Figueiredo da Paz CAMINHOS DA DOCÊNCIA

Caminhos da Docência

Eliana Nobre do Carmo

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RESUMO

O trabalho apresenta um Relato de Experiência que evidencia os caminhos percorridos antes, durante e após a formação docente, inicial e continuada, sua importância e algumas contribuições para a prática docente. Ancorados em uma abordagem teórica, os registros descritos demonstram a importância da formação docente, bem como apontam algumas dificuldades enfrentadas no exercício do ato de ensinar. No relato da experiência em sala de aula, o trabalho apresenta a experiência com o ensino do gênero textual memórias literárias, uma categoria textual proposta pela Olimpíada de Língua Portuguesa. A metodologia de trabalho desenvolvida foi a sequência didática, seguindo e extrapolando as orientações do caderno do professor, material disponibilizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária/CENPEC, organizador da Olimpíada. O resultado da experiência demonstrou que tanto a formação docente quanto o compromisso social e profissional do professor são imprescindíveis para a formação dos alunos. Palavras-chave: Formação docente. Prática docente. Gênero textual.

INTRODUÇÃO

Para a construção deste Relato de Experiência, trarei, à luz de um suporte teórico, um breve relato da escolha da profissão, da trajetória acadêmica e da atuação docente. São apresentados também alguns desafios no ensino de Língua Portuguesa na educação básica do município de Tomé-Açu, nordeste paraense. O percurso apresentado neste trabalho vai desde a minha experiência de formação inicial no curso do magistério, posteriormente, a continuação nos cursos de Licenciatura em Pedagogia (FUNDEF/UFPA), seguido pelo curso de Letras/Língua Portuguesa (PARFOR/UFPA), até apresentar alguns recortes de uma experiência de trabalho durante a participação na Olimpíada de Língua Portuguesa/CENPEC. É explicitado ainda, neste relato, a importância de se obter o conhecimento científico por meio de uma graduação voltada para a área da educação. E como, através das políticas educacionais voltadas para o plano de ações articuladas de formação de professores da educação básica-PARFOR, pude realizar um grande sonho que de obter a formação adequada para a área em que atuo, professora de Língua Portuguesa. O trabalho está organizado de forma a apresentar os registros, sem, contudo, isolar-se numa fala neutra, pois eles são ancorados em autores que discutem a formação docente como LIBÂNEO (2003), BERTOLO (2000), CANDAU (1999), NÓVOA (1997), entre outros.

1 Professora de Língua Portuguesa/SEDUC/Pa. Especialista em Educação/SEDUC/Pa. Graduada em Pedagogia /UFPA, Graduada Em Letras/Língua Portuguesa /UFPA, com Pós-Graduação Lato-Sensu em Formação Docente/UFPA. Email: eliana.nobre@escola.seduc.pa.gov.br

Sabendo da complexidade que é descrever os caminhos da atuação docente ao longo dos anos, foram priorizados alguns fenômenos em estudo. O recorte destacado para este trabalho está centrado na experiência vivenciada com alunos do 8º ano do Ensino Fundamental, da Escola Luterana. Trata-se de um trabalho com o gênero textual memórias literárias, uma das categorias da Olimpíada de Língua Portuguesa, desenvolvido através de uma sequência didática. Por fim, pode-se perceber que a formação acadêmica é necessária e tem significativa contribuição. Autores como Marcuschi (2002, 2008, 2011); Schneuwly & Dolz (2004); Antunes (2003), entre outros, orientam a experiência com o ensino de língua, apresentada neste relato. Todavia, não se deve prescindir da atenção à realidade manifestada na sala de aula. Os desafios surgem e necessitam ser superados. É esse constante movimento que garante a dinâmica do conhecimento, da trajetória docente e da existência humana.

DIÁLOGO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

É comum observarmos nos trabalhos acadêmicos, tais como memorial e relatos de experiência, os impactos da formação recebida. Todo estudante viveu e/ou conviveu com os mestres durante sua trajetória escolar. No meu caso, não foi diferente. Se para alguns, as marcas são quase imperceptíveis; para mim, elas foram e são bem acentuadas. Ainda na infância, quando cursava as séries iniciais do ensino fundamental, nasceu o desejo de ser professora. Eu admirava o desvelo com que minha professora de 3ª série ministrava suas aulas. Por vezes muito séria e rigorosa, em outras, demonstrava gentileza e espírito materno. Frequentemente nos chamava de filhos e agíamos quase como tal. Porém, anos mais tarde, a paixão pela profissão sofreu duro impacto. Um professor encarregou-se de frustrar minhas aspirações profissionais. Ele utilizou como atividade de início de ano letivo, um teste de sondagem, no qual uma das perguntas era sobre a profissão desejada. Eu respondi com muita firmeza a minha opção – professora. No entanto, a argumentação do professor foi que nunca conheceu um professor rico e que o mais rico da escola possuía uma “Monareta” (uma marca de bicicleta). Acrescentou que, se eu quisesse alimentar meus futuros filhos e viver bem, deveria escolher outra profissão. Com minha submissão, sem nenhuma argumentação, e o pouco conhecimento, sufoquei o desejo e passei a pensar em ser advogada. Apesar de esse fato ter acontecido na década de 80, na minha cidade, Tomé-Açu, ainda predominava a concepção da “professora-tia”. Não havia uma valorização profissional quanto ao trabalho da professora, o que se percebia era uma importância à chamada vocação e às características pessoais, que incluíam ter paciência e jeito para lidar com crianças. Chegando, inclusive, a professora primária a ser intitulada “tia”. Esse fenômeno foi objeto de estudo, pois gerou, segundo Novaes (1992) uma grande preocupação entre os educadores. Vários artigos foram publicados apontando essa nítida desvalorização profissional da professora primária. Muitas professoras não pareciam satisfeitas com a profissão e, comumente, falavam que os salários não compensavam tanto trabalho. Hoje, é possível compreender que o exercício do ofício docente está perpassado por tantas variáveis e que todas as categorias merecem uma análise profunda para dar conta de propiciar o desenvolvimento profissional e educacional, e consequentemente econômico, cultural e social.

Buscar uma formação capaz de subsidiar uma prática transformadora tem sido o grito de todos os que se debruçam nos estudos do fenômeno educativo. Nesse sentido, muitos cursos, palestras e conferências têm sido postos à disposição dos/as professores/as e a grande maioria tem se engajado nestes, todavia pouco se tem visto em relação à transformação da prática docente, uma vez que

a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma identidade pessoal (NÓVOA, 1997, p. 25).

Há algum tempo vivenciamos uma realidade em que as questões econômicas sobrepõem -se às socioeducacionais. Nesse contexto, são traçadas novas diretrizes para a educação nacional visando uma maior economia de recursos financeiros. Novas reformulações são delineadas, e ao docente é repassada a responsabilidade de reverter os índices alarmantes do fracasso escolar. Assim, são pensadas as competências que deve ter o/a profissional da educação, onde e como ele/ela deve adquirir essas competências. A documentação de regulamenta as políticas educacionais é vasta e está sempre sendo ajustada aos mais variados interesses dos atores sociais.

Para discutir formação continuada de professores, é necessário primeiramente discutir o conceito de formação docente. Placco e Silva (2003) no sentido de conceituar a formação docente e ainda apresentar as dimensões que deve conter essa formação lançam uma pergunta fundamental: O que é formar? As autoras defendem a perspectiva do formar como um processo que proporciona referências e parâmetros, superando a sedução de modelar uma forma única, e que oferece “um continente e uma matriz a partir das quais algo possa vir a ser” (FIGUEIREDO Apud PLACCO E SILVA, 2003, p.25). Na visão das autoras, formar não se reduz ao oferecimento de novas metodologias e técnicas ou ao aparato tecnológico, sobretudo, é um processo contínuo, uma vez que se realiza no próprio homem e este é um ser inconcluso e inacabado. Contudo, imbricado a este processo está um determinante fundamental que é a concepção de educação de cada educador. Dependendo de qual seja ela, o produto poderá ser um sujeito crítico, preocupado com a transformação, ou um sujeito passivo e/ou predominantemente reprodutivista. Nóvoa (1997), faz uma crítica aos atuais cursos de formação de professores, pois a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Assim se verifica outros determinantes que contribuem para a repetição das velhas práticas, mesmo após a participação em cursos que apresentam propostas inovadoras e atuais. Entre alguns determinantes estão: o compromisso, que é predominantemente subjetivo; as condições estruturais, a forma como o sujeito é visto na sociedade; o modo como são traçados os objetivos e fins da educação e, ainda, as condições organizacionais da escola, que devem manter uma articulação constante entre todos os atores educacionais e nem sempre o faz. Bertolo (2000) observa que a vinculação entre educação e produtividade está na centralidade das discussões dos organismos internacionais. As preocupações em desenvolver políticas de formação continuada nascem no bojo das discussões desses organismos e visam o ajusta-

mento de políticas educacionais (vemos isto na LDB, PNE, PCNs) dos países em desenvolvimento à política do custo-benefício. Acreditamos que a proposta de formação continuada não pode ser gerada de cima para baixo, mas a formação de um educador crítico-reflexivo pressupõe, necessariamente, seu envolvimento na elaboração, produção e execução da nova proposta de formação continuada, onde novos desafios são acrescentados à docência.

Manter-se atualizado sobre as novas metodologias de ensino e desenvolver práticas pedagógicas eficientes são alguns dos desafios impostos para os/as docentes no atual contexto educacional. Quando na verdade vão sendo esquecidas as questões de cunho social mais amplas, como os debates acerca de temas como organização social, qualidade de vida na perspectiva coletiva e de valorização do outro, entre outros. Nota-se, contudo, que o discurso governamental sobre a formação profissional do professor situa-se num contexto ambivalente ou contraditório: de um lado, a retórica da importância dessa formação; de outro, a realidade da miséria social e acadêmica que lhe concedeu (Imbernon, 2004). O que se percebe é a defesa puramente econômica do custo-benefício, deixando de fora os investimentos em outros aspectos como: infraestrutura, salário dos professores e quantidade de alunos por turma. É visível o distanciamento entre os anseios de uma categoria e a fala da lei, porém a distância é maior ainda entre a fala da lei e sua materialização (FALEIROS, 2007). Os resultados gerados não são formulados pacificamente, mas são engendrados num espaço de correlação de forças entre os atores do processo social. E, conforme já exposto, tem tido uma predominância da classe dominante que julga suas ações a partir de uma maior economia de recursos quando se trata de investimentos nas políticas de cunho social. É neste conflito que está situada a formação continuada de professores. Formação necessária ao desenvolvimento do processo educacional e à profissionalização docente. O que se tem observado, portanto, é a desvalorização da educação enquanto direito público, pois ela passa a ser apenas um produto a mais a ser consumido de acordo com a escolha de cada um e as possibilidades do consumidor para pagar por um produto de boa qualidade. Torna-se necessário, portanto, pensar a formação docente (inicial e continuada) como momentos de um processo de construção de uma prática qualificada e de afirmação da identidade e profissionalização do professor. A categoria docente, atualmente, passa por momentos difíceis de desprestígio social, salários aviltantes e péssimas condições de trabalho. Mesmo estando permeados de mecanismos que forçam e reforçam as políticas de cunho, sobretudo, econômico, os reclames dos movimentos sociais continuam e devem ser fortalecidos por todos àqueles que não alienados sabem do compromisso maior da educação. O grande salto, segundo Candau (1999) é a superação de uma visão monolítica da situação, que apenas reforça a lógica do “pensamento único” e do discurso homogeneizador. Historicamente no Brasil, a educação não é prioridade e os investimentos destinados à mesma, ainda não ocupam parcela significativa no orçamento da União, dificultando melhores

condições de trabalho e a produção do conhecimento, o que compromete a construção do cidadão participativo, autêntico, autônomo, crítico, consciente do seu papel na sociedade. Reconhecer, pois, a importância da educação e valorizar os profissionais da educação são caminhos para o desenvolvimento do nosso país. Com a crescente incorporação de ciência e tecnologia aos processos produtivos e sociais, a serviço dos processos de acumulação do capital internacionalizado, configura uma aparente contradição: quanto mais se simplificam as tarefas, mais conhecimento se exige do trabalhador, e, em decorrência, ampliação de sua escolaridade, a par de processos permanentes de educação continuada. Torna-se necessário considerar, na formação de professores, estudos e práticas que lhe permitam apropriar-se das diferentes formas de leitura e interpretação da realidade que se constituem em objeto de vários campos do conhecimento. Essa visão mais ampla de formação precisa ser defendida pelos profissionais da educação de todas as áreas.

A TRAJETÓRIA ACADÊMICA E AS CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE LÍNGUA

Quanto ao percurso de formação docente, deixo aqui registrado o meu olhar e minha opção pelo magistério, sem, contudo, querer definir e/ou encontrar “o culpado” pela ineficiência da formação dos docentes. Se por um lado tive o sonho abandonado na infância, por outro tive a oportunidade de resgatá-lo, quando cursei o antigo magistério. Foi então, que comecei a dar aulas de reforço em minha residência e já procurava instrumentos que me subsidiassem a prática. Ao concluir o magistério, pretendia entrar na universidade, mas não tinha como me deslocar para capital. Cinco anos após a conclusão do magistério, comecei a atuar como professora em escola pública – era o ano de 1994. A minha primeira experiência com a docência foi com a disciplina de Língua Portuguesa, na 4ª etapa da EJA. Isto se tornou possível porque havia carência de professores qualificados em nossa cidade. Sentia cada vez mais a necessidade de continuar estudando, pois percebia que a sociedade em transformação não permitia mais as práticas escolares mecanizadas. Eu queria fazer uma graduação em Letras, mas não tinha condições financeiras para me deslocar para outros municípios. Somente 12 anos mais tarde, foi ofertado em nossa cidade um curso de nível superior pela UFPA, era o curo de Pedagogia. Entre os quase trezentos professores do município, somente cinquenta puderam preencher as vagas ofertadas e fazer o curso (Contrato Prefeitura/UFPA, com recursos do FUNDEF). No início éramos apenas calouros, eufóricos por ter conseguido uma vaga na conceituada Universidade Federal do Pará, uma vez que ainda são poucos os cidadãos contemplados com a possibilidade de estudar em universidades públicas e de qualidade. Após o ingresso, vieram as disciplinas e com elas o conhecimento foi tomando novas formas, novos significados. A construção do conhecimento parecia dolorosa e, quando achávamos que estava construído era preciso desconstruirmos tudo. Percebemos que o conhecimento é polissêmico e nunca o desvelaremos na sua totalidade. Mas a busca, esta é incessante.

Para nossa turma essa busca chegava a ser quase desesperadora, pois havíamos chegado às cadeiras da universidade carregando as angústias do ofício docente. Já éramos todos professores e queríamos respostas para todos os porquês. Era preciso um certo distanciamento do cotidiano para poder refletir a gênese de alguns conflitos que permeiam o contexto socioeconômico, histórico e cultural e que por sua vez manifestam-se no universo escolar. Educar para transformar foi o nosso maior desafio. Não importaria o campo de trabalho, quer na empresa, quer na instituição escolar, enfim nas diversas atuações do pedagogo, víamos a possibilidade de construir um mundo melhor. Apesar de receber as grandes e imprescindíveis contribuições do Curso de Pedagogia, eu queria cursar Letras, pois desde o meu ingresso na docência (1994) até os dias atuais, trabalho com a disciplina de Língua Portuguesa. Ao concluir a referida graduação, pude confirmar o que já sabia, era necessário continuar o processo de formação. Em 2009 enfrentei outro processo seletivo a fim de aprofundar, construir, desconstruir e reconstruir saberes que me auxiliassem no exercício da profissão e no pensar sobre ela. Assim, consegui fazer a especialização em formação docente, também pela UFPA, Campus Universitário de Castanhal. Já em 2011, como resultado da Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica (Res. 6755 Janeiro/2009), através da Plataforma Freire, pude ingressar no tão sonhado Curso de Letras – Língua Portuguesa. O ingresso no curso de letras não poderia ser o único responsável pela mudança de minha prática docente. Foi preciso o contato com as disciplinas e o empenho em avançar no conhecimento para que, aos poucos, eu percebesse que a visão de ensino de língua que eu priorizava não respondia satisfatoriamente às necessidades dos educandos da atualidade. Como tirar a gramática, tão grandiosa e eloquente, de seu lugar privilegiado e colocar outros elementos, analisados à luz da sociolinguística, por exemplo, como também merecedores de créditos? Foi a minha primeira grande resistência. Nos caminhos da formação, autores como MARCUSCHI, 2008, ANTUNES, 2010, entre outros, que desde os anos 80 trazem a abordagem sociointeracionista nos seus estudos, ajudam na superação das dificuldades enfrentadas para superar o modelo tradicional do ensino de língua. Nessa concepção, a língua não é vista apenas como estrutura ou processo cognitivo, tampouco como mero instrumento de comunicação. A língua é efetivada em um meio social e histórico, em que os usuários fazem seu uso em práticas contextualizadas com propósitos definidos. Esse processo é dialógico, dinâmico, pois para que o significado seja construído necessita do outro.

O enfoque no confronto entre gramática tradicional, normativa, que dita regras e, gramática entendida como a explicitação dos conhecimentos que o falante tem de sua língua, foi se ampliando dentro do curso. No entanto, as discussões não trouxeram uma substituição de uma por outra proposta. O que se percebe é um debate rico e que cabe ao docente, necessariamente, apreender essas reflexões e encontrar a forma adequada para se trabalhar essa criatividade linguística na atividade de produção/compreensão do texto: as duas dimensões do fato linguístico – a frase e o texto – são bem diferenciadas na prática.

Desfazia-se, assim, a concepção mecanicista de atividade de linguagem como sendo uma simples rotina escolar e, aos poucos, ia compreendendo a atividade de linguagem como uma atividade humana, histórica e social. Percebia o deslocamento da unidade do processo ensino/ aprendizagem no âmbito da frase para o discurso ou texto. O texto falado ou escrito é constituído na interação, vale dizer que essa concepção interativa dá ênfase “ao processo de construção e não ao produto”. Isso significa que esse processo de construção envolve “reflexão sobre a experiência e experiência de reflexão”, o que leva a uma compreensão dialética da interpretação e da instauração do sentido, conforme ANTUNES (2003). São muitas as contribuições do curso para o melhor desempenho de minha prática docente. Entre essas contribuições, posso citar o meu olhar para a escolha do livro didático, e a eleição das atividades. Para a escolha das atividades, o que tento levar em consideração é a forma como o texto é explorado nas questões. Se nelas, o aluno é questionado sobre quais argumentos usará para justificar um ponto de vista, o que parece ser uma estratégia interessante, uma vez que uma não aceitação de um argumento pode gerar o contra-argumento. Para isso, afirmase que um bom texto argumentativo é aquele que equilibra os dois tipos de argumento: a verdade e a opinião. Também escolho questões que propiciem a discussão oral. Uma vez que a discussão oral, segundo a perspectiva teórica bakhtiniana, revela que ao discutir oralmente o tema usa-se um gênero primário; ao elaborar o que foi discutido e transpor isso para um texto escrito, usa-se um gênero secundário. Para que os alunos tenham um bom conhecimento dos gêneros textuais através do livro didático e para que esse material esteja de acordo com o que indicam as Orientações Curriculares Nacionais, é imprescindível que os estudos avancem no sentido de ampliar o debate acerca da necessidade de sair de uma abordagem centrada nas estruturas do texto, ou até mesmo no produtor desse texto, na qual a linguagem é uma expressão monológica, individual, racional estática, para considerar as influências de fatores de ordens diversas, sejam sociais, culturais, históricas, políticas, econômicas ou ideológicas. Afinal, não se pode conceber alunos passivos, como se pensou há décadas. O desenvolvimento educacional dos sujeitos e consequentemente do país depende também dessas questões. Cabe ao professor posicionar-se como orientador do conhecimento. Que aja como um profissional que aproveita o que o livro tem a oferecer. Ainda que o material didático deixe a desejar em termos de conceitos, propostas e exercícios, o professor tem o dever de ir além das propostas do livro didático, analisando o que funciona para cada turma, utilizando exemplos e textos atuais, entre outros, pois o educador não deve se tornar dependente do livro didático, pois nenhum manual didático ou qualquer outra literatura produzida dará conta de esgotar todos os questionamentos e possibilidades acerca da apropriação, funcionamento e desenvolvimento da linguagem. São questões que sempre fomentarão os estudos. Todavia aí está um poderoso combustível que move o conhecimento: sua inesgotabilidade. Como resultado das contribuições da trajetória acadêmica exposta neste trabalho, farei um relato sucinto da experiência vivenciada com alunos do 8º ano do Ensino Fundamental, da Escola Luterana.

BREVE RELATO DO ENSINO DE LÍNGUA A PARTIR DAS ATIVIDADES DA OLIMPÍADA DE LINGUA PORTUGUESA

Trata-se de um trabalho com o gênero textual memórias literárias, uma das categorias da Olimpíada de Língua Portuguesa/CENPEC, desenvolvido através da sequência didática, como orienta Schneuwly & Dolz (2004). Participar da 3ª Olimpíada de Língua Portuguesa foi, simultaneamente, um desafio e um privilégio. Desafio, porque a árdua tarefa de estimular a leitura e desenvolver competência de escrita nos alunos exige muito estudo, pesquisa e conhecimento. E privilégio, por estarmos envolvidos em um projeto rico e bem planejado, que oportunizou não só o desenvolvimento das produções escritas dos alunos, como também a formação dos professores de língua portuguesa de nossa escola. Formação que, para mim, foi ampliada, pois pude participar do curso on-line

Sequência Didática: Aprendendo por Meio de Resenhas. Além dos materiais da Olimpíada, o

curso me ajudou a pensar em metodologias mais eficientes para o trabalho com gêneros em sala de aula. Assim, vi-me diante de uma oportunidade singular. Consciente do desafio, iniciei apresentando a Olimpíada. Falei da sequência didática, expliquei os objetivos e finalidade. Conforme o projeto, caberia às turmas de 8º ano o trabalho com o Gênero Memórias. Todavia, para trabalhar esse gênero, precisei primeiramente vencer uma inquietação: como falar de memórias para uma classe de adolescentes que despreza o antigo, o passado e a velhice? Era preciso conquistá-los. Propus-me a isso. No início tudo parecia estranho. Afinal, o que era ser um memorialista? O próprio gênero memórias era novo no ambiente escolar. Produzir memórias de outras pessoas, mas relatando como se fossem suas, parecia muito complexo para as turmas. Apesar das novas exigências de escrita do mundo atual, nossas escolas ainda lutam para romper com a tradição livresca. E, sem tirar o mérito, vemos que predominam as produções de textos conhecidas como “redações escolares”. Então, como estimular os alunos a ir em busca da matéria-prima a fim de transformá-la em obra-prima? Esta questão parecia crucial. Depois das primeiras conversas sobre o gênero, partimos para as leituras. Lemos alternadamente todos os textos do material. Tentei motivá-los a cada leitura. Sabia, no entanto, que eram necessárias muitas outras leituras, releituras e discussão. Percebia que meus alunos não se sentiam capazes de produzir textos semelhantes aos até então apresentados. Imediatamente comecei a esclarecê-los que aquelas produções eram resultantes de escritas e reescritas. Dito isto, colocamos a “mão na massa”. Os alunos pesquisaram muitos outros textos do mesmo gênero e, aos poucos, foram elencando diferentes formas de escrita. As distinções entre textos narrados em primeira pessoa e em terceira, foram sendo percebidas, e assim, íamos sendo envolvidos com o gênero. A seguir, comecei a falar do privilégio de ouvir os moradores mais antigos da cidade contarem suas experiências. Dizia que, ao entrevistar um morador da comunidade, os alunos deveriam estar atentos a todo tipo de manifestação, física ou não. Caberia aos alunos-autores das memórias tornar aquele depoimento um texto vivo, real e contagiante. À medida que discutíamos, outros elementos iam sendo compreendidos. Seguimos com os debates. Falávamos das crescentes e velozes transformações econômicas, culturais e sociais

e, diante disso, salientamos a importância do registro das memórias dos sujeitos que as carregam. Alguns alunos já compreendiam que muitas dessas memórias explicavam o porquê dos nomes de ruas, praças, monumentos e manifestações culturais de nossa cidade e que, muitas delas, não eram encontradas nos documentos oficiais. Já envolvidos com o gênero, propus a primeira produção escrita. Como muitos não possuíam quaisquer meios eletrônicos para gravar as entrevistas, orientei a listarem os fatos relatados pelos entrevistados para depois produzir a escrita. No momento das leituras e discussões acerca da primeira escrita, senti que não íamos avançar. Diversos textos apresentavam parágrafos desconexos e com fuga do principal fato narrado (culpei-me pela orientação em forma de listagem). Vacilaram na coesão, apresentaram desvios ortográficos e gramaticais, entre outros. Não me vi capaz de orientá-los em todos os problemas até então detectados. Três turmas estavam envolvidas e eu não queria que ninguém ficasse de fora, então, como dar conta da empreitada? Eu não poderia apenas dizer como deveria ser a reescrita, nem tinha como proceder dessa forma. Primeiro, porque a rotina da escola envolve muitas outras atividades. Segundo, porque não era apenas apontando as falhas no texto que os alunos seriam capazes de produzir aprendizagem para escrever com competência. Defendo a ideia de que a boa escrita é resultante de um exercício articulado e bem elaborado do pensamento. Assim, era necessário fazê-los perceber as lacunas do texto e instruí-los a buscar os recursos necessários para a reescrita. Enquanto me indagava se era possível continuar, conversava com os professores envolvidos no projeto, com professores de outras disciplinas e com a diretora. Também lia os materiais da Olimpíada, e, sobretudo, lia o caderno do professor. Nessa interação, recobrei as energias. Passada a angústia, comecei a perceber, através das oficinas propostas, que a tessitura era lenta. De posse do material, procurei elencar os problemas e tratá-los um de cada vez. Os alunos que apresentaram maior compreensão e habilidade nas produções foram convidados a auxiliarem os demais e, assim, pudemos prosseguir. Com a permissão dos alunos, utilizei seus próprios textos para orientá-los. Os exemplos utilizados ajudaram a demonstrar que não necessitamos de muitas palavras para expressar sentimentos e emoções, mas de algumas habilidades no uso da escrita. Seguindo o passo-a-passo de cada oficina avançamos para as próximas produções. Na penúltima leitura dos textos, havia muita empolgação. Num espírito descontraído, muitos já se sentiam memorialistas. Algumas memórias quase completavam outras. Curiosidades acerca de nossa história puderam ser compartilhadas nas turmas. Isso era gratificante. Vieram as produções finais e, nesse momento, tive uma grata surpresa. Ao analisar os textos para encaminhá-los à comissão escolar, vi que alguns alunos com bastantes dificuldades nas primeiras produções, agora, apresentavam maior domínio do gênero e surpreendiam pela forma com que captaram olhares significativos do lugar onde vivemos. Era tão rico o material que, enquanto os textos selecionados estavam com a comissão escolar, os debates continuavam em sala de aula. Eu estava de posse de memórias de pessoas do anonimato, que construíram suas histórias e, concomitantemente, a deste lugar.

Ao encerrar as atividades do projeto e fazer a avaliação, eu percebia que, embora os textos não fossem selecionados na olimpíada, tampouco tivéssemos ali grandes escritores, tínhamos sim, grandes atletas. Entre várias barreiras quebradas, uma me enchia de orgulho, já falavam dos idosos com mais respeito. Tinham deles se aproximado e de alguma forma o admiravam. Não eram mais os mesmos. As discussões em sala de aula pareciam incorporadas às suas memórias. E eu, na olimpíada da educação, já tinha a minha medalha.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Posso afirmar que sou apaixonada pela profissão docente, sem contudo, deixar de perceber todas as contradições que permeiam o campo educacional. Essas reflexões fazem parte de minha história profissional. E, como integrante de uma categoria, acredito que, nós professores/as, devemos nos apropriar das regulamentações impostas à classe não apenas para constatá-la enquanto camisa de força, mas também perceber nelas mesmas as falhas e/ou possibilidades de transformação e assim contribuir para novas reformulações dentro da esfera sócio educacional. Ao apresentar alguns passos da minha trajetória docente apresento vários ganhos no caminho da formação e da prática docente. O trabalho com o ensino exige muitas habilidades. E o ensino de língua não foge à regra. Formar leitores/escritores proficientes não é tarefa fácil. É preciso compreender os movimentos linguísticos que o aluno opera no processo de produção textual e refacção da escrita. O que dizer, como dizer, que palavras usar; que tratamento dar ao texto ou ao novo texto, são alguns dos desafios que devem ser enfrentados. O trabalho com o gênero memória proporcionou desenvolvimento no processo do ensino de Língua Portuguesa. Esse avanço pôde ser percebido tanto no uso da modalidade escrita da língua, pois todos produziram memórias literárias; quanto no uso da modalidade oral, nos momentos em que os debates foram realizados em sala de aula. Portanto, no percurso percorrido, podemos afirmar que o conhecimento teóricoacadêmico, aliado ao compromisso social do professor, contribui para o desenvolvimento de boas práticas de ensino. Sem pretender dar conta de esgotar as questões que envolvem os estudos acerca da formação docente e/ou do ensino de língua, este trabalho apresenta um relato de experiência ancorado na visão sociointeracionista e convida os docentes/leitores a pensar em um projeto de sociedade menos injusta e excludente.

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