Negra, crespa e empoderada

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NEGRA, CRESPA E EMPODERADA TEXTO E FOTOS POR CAMILA OLIVEIRA

NOVAS GERAÇÕES DE MULHERES NEGRAS AINDA PRECISAM LUTAR CONTRA O RACISMO E A DESIGUALDADE DE GÊNERO E FAZER VALER DIVERSOS DIREITOS AFIRMADOS NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL

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a sua escola, provavelmente, era assim. Havia o grupinho dos nerds, dos apaixonados por esportes, das patricinhas, do pessoal do fundão, dos descolados e dos mais tímidos. Na sala de aula da escola particular São Vicente Mártir, em Porto Alegre, onde Iarema Soares, 24 anos, estudou durante o ensino fundamental, não foi diferente. E como qualquer outra criança, ela tentou pertencer a um grupo. Essa poderia ser também a história de quem aprendeu a jogar futebol para andar com a garotada do esporte ou que acompanhava as tendências das revistas de moda para ter assunto com os descolados. A diferença é que, naquela turma, Iarema era uma das únicas que entendia os privilégios que a cor da pele pode ou não dar a alguém. Desde os seis anos de idade, de forma quase inconsciente, ela sentia-se obrigada a negar um dos traços mais marcantes de sua negritude: o cabelo crespo. Naquela época, não questionava o significado de abrir mão do cabelo natural e alisá-lo, afinal, praticamente todas suas coleguinhas esbanjavam fios iguais aos das propagandas de xampu e, até mesmo, as Barbies negras tinham cabelos lisos. Os fios alisados fizeram parte da sua vida dos seis aos 22 anos e, ao longo desse tempo, foi preciso vestir diferentes armaduras para ser aceita e respeitada pelos colegas. Ser a mais inteligente da turma era um dos conselhos dados por sua mãe, que lhe ensinava: você precisa ser, no mínimo, duas ve-

zes melhor que os colegas, pois a cor da sua pele cria uma barreira. “Isso era uma forma de eu me autoafirmar, de não ficar por baixo, de me sentir valorizada e ter respeito dos meus colegas”. A escola é um dos primeiros espaços de socialização de uma criança e é também um lugar que não está preparado para respeitar as diferenças. A estudante de relações públicas e militante do coletivo Juntos Kassiele Nascimento (foto da contracapa), 21 anos, explica que é sempre um embate porque, quando se é criança, não se sabe como lidar com piadas racistas. E pior: nem os professores estão preparados para isso, diz ela.

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