Sons Itinerantes: O encontro multicultural da Orquestra Mundana Refugi

“Acho essa música linda e o Gu definitivamente colocou o Bras vez no mapa com ela”.

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música linda e o Gui Boratto nte colocou o Brasil mais uma a com ela”.

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Daniel Kersys/Divulgação

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S O N S ITINERANTES O encontro multicultural da Orquestra Mundana Refugi

Passaporte. Partitura. Mudanças de rumo. Sequência de acordes. Descompasso em busca de um novo país. Consonância em busca de uma sonoridade que se complementa.

Os caminhos percorridos por quem chega ao Brasil à procura de um novo lar pouco se parecem com os caminhos seguidos por uma orquestra. Pouco há de harmônico e fluído na situação de imigrantes no Brasil, que muda conforme tempos históricos e o contexto social, econômico e político, mas abrange cerca de 0,3% da população do país, conforme Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra 2019).

No entanto, essa relação entre nativo e estrangeiro passa a ter outra narrativa quando se trata da Orquestra Mundana Refugi. Criada em 2016 por Carlos Antunes, é uma orquestra que reúne músicos refugiados e imigrantes enquanto caminha na contramão do sentido histórico, como ele mesmo define: “A história real oprime, é racista. Nessa orquestra, a gente faz o oposto, há respeito pela diversidade, pelas diferença e pelas expertises de quem estudou tanto na universidade quanto na aldeia”.

E a orquestra funciona assim mesmo, acolhendo pessoas de diferentes lugares, culturas, etnias, línguas e contextos sociais. O encontro e as conexões acontecem da melhor forma, por meio da música. São mais de 20 artistas que se encontram para compartilhar suas referências musicais e vivência de mundo, criando juntos um som capaz de unir povos que a história insistiu em separar. "É uma orquestra multicultural, não uma colcha de retalhos, pois ela acaba soando como se fosse um corpo único”, diz o também diretor musical da orquestra, Carlos Antunes.

Se praticar a escuta é um dos caminhos que pode nos tornar mais sensíveis e receptivos tanto com quem escolheu o Brasil como lar quanto com quem precisa de refúgio ou acolhimento no Brasil, convidar os artistas da Orquestra Mundana Refugi para contarem suas próprias trajetórias e relação com a música é nosso dever nesta matéria. A seguir, você pode imergir na história do turco Chadas Ustuntas, da guineana Mariama Mamoref, do congolês Leonardo Matumona, que está presente em APKÁ! a convite do coprodutor Pupillo, e do cubano Luis Cabrera.

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Chadas Ustuntas Multi-instrumentista Turquia

Mariama Mamoref Dançarina, cantora e percussionista Guiné

Eu já conhecia a música brasileira e sempre despertei meu interesse por ela, queria conhecer mais. E a melhor forma de conhecer era vir para cá, tocar por aqui e aprender com as pessoas. Então, depois de participar pela segunda vez do Festival de Guitarras del Mundo, na Argentina, me mudei para lá e, em 2005, vim para o Brasil.

Saí do meu país, Guiné, da cidade de Conakry, e cheguei no Brasil em 2008. Como sou artista e conheço o meu trabalho, decidi sair de lá para difundir minha cultura e ver oportunidades em outro país. Lá, o pessoal não pode falar do governo, não pode sair e protestar, pois, se você sair pra protestar, vai levar bala perdida. Não é uma guerra, mas sempre tem essa coisa brutal dos políticos e dos militares com o povo.

Sou multi-instrumentista, invento, fabrico e toco vários instrumentos tradicionais de diversos lugares, como África e Turquia. Já tive contato com saxofone, piano, violão, flautas e violinos, sanfona, acordeões, mas também me percebo como um instrumento para alcançar ao divino, ao máximo – o que nós chamamos de Deus. Somos apenas um instrumento, então a minha relação com a música é isso: eu não sou ninguém que manda em nada, que define nada, não sou maestro de nada, nada de mais. E a música é uma coisa que mexe com a sua alma, seu espírito, não somente com o seu físico.

Participando da Orquestra, o que eu mais aprendi é a humildade porque, quando você precisa tocar com um outro músico que não é da sua cultura, que não é da sua língua, você tem que dar lugar, ser abrangente, tem que escutar. Ao mesmo tempo que você está sendo escutado, você tem que escutar. As pessoas precisam de humildade para que possam entender o próximo como um ser humano, não como uma pessoa diferente, uma pessoa estranha.

Eu vim sozinha pra cá e a minha família ficou lá, mas hoje estou feliz de estar aqui com a minha filha, que está trabalhando comigo. Desde criança, com sete ou oito anos, eu dançava a dança tradicional do meu país, mas como uma criança mesmo, brincando. Com uns 13 ou 14 anos, comecei a fazer formação de dança, que é mais próximo do que estou fazendo aqui hoje, como a Guiné Faré – que quer dizer "dança da mulher".

Hoje, eu trabalho com percussão, tenho meu próprio grupo de dança e tô na Mundana também. Sem música, sem essa cultura que eu aprendi no meu país, sem isso aqui no Brasil, eu ficaria louca, doente. Música é toda minha vida, é tudo para mim. Eu respeito o meu trabalho, eu respeito o trabalho dos outros; é isso que faz o mundo andar, progredir. Estou aprendendo muitas coisas que eu nunca soube e está sendo uma mistura muito bacana e que abre a cabeça.

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Luis Cabrera Multi-instrumentista Cuba

Cheguei em agosto de 1999 no Brasil, com uma banda grande de música cubana, do Issac Delgado. Íamos ficar por 15 dias e eu decidi vir morar aqui. O Brasil, pra Cuba e para os cubanos, sempre foi um mito. A gente conhece muita coisa da cultura brasileira, mas não é um destino comum pros cubanos. E, quando eu cheguei, a cultura cubana aqui era pouco conhecida.

Para mim, isso foi uma coisa estranha porque eu já vinha de turnês europeias com tudo lotado, passagem pela Colômbia, México e vários festivais de dança pelo mundo, mas a gente veio pra cá e foi um negócio de um país que ninguém conhecia nada. Eu consegui me expandir aos poucos e ser bem recebido, mas você ser um estrangeiro ou um cubano sempre pesa na questão de escolha, né?! As pessoas, quando vão te chamar pra trabalhar, colocam em você um estigma do tipo: “Ah, ele é cubano então é 'arriba, arriba' e 'chica na buticha'”, você sabe?

Acham que é tudo ligado à música caribenha, mas não é bem assim. A música é um catalisador da nossa vida. Ela é uma maneira que a gente tem de, em primeiro lugar, desviar a atenção dos problemas, reais ou irreais, te tirar do mundo mesmo que seja por cinco minutos. Ela serve como um portal de fuga, pra gente refletir e voltar com respostas. Na Orquestra é muito legal porque desenvolvemos um outro tipo de linguagem. Tocando, conseguimos nos comunicar de outra maneira, onde as palavras sobram.

Leonardo Matumona Cantor Congo

Nasci no Congo e, aos oito anos de idade, passei a morar na Angola, por conta mesmo de algumas questões de política do Congo. Minha irmã estava aqui no Brasil e meus pais decidiram que eu deveria vir para cá me encontrar com ela porque era mais seguro. Isso foi em 2012 e, agora, já sou naturalizado brasileiro.

Eu canto desde a infância, na Angola já cantava meio que profissionalmente, mas foi recentemente que eu tomei essa identidade como cantor, como músico. Meu primeiro contato com a música foi pela Igreja, em um grupo instrumental e no coral, mas também tenho um tio que é músico e fica muito contente de ver o caminho que eu segui.

Trago um pouco da música do Congo para cá, apesar das diferenças de ritmo e do modo brasileiro de tocar ser diferente, na Orquestra sempre tem aquela riqueza de tocar em vários lugares, sempre acaba se aprendendo mais, convivendo com pessoas diferentes e aprendendo a ter respeito e tolerância.

Além da Orquestra, também trabalho numa subprefeitura da Sé, mexendo com negócios e empreendedorismo, participo de um quarteto de vozes com músicos congoleses e recentemente participei, com o Antonio Pinto, da criação da trilha do filme O Menino que Descobriu o Vento e fui convidado pelo Pupillo para fazer parte de "Off (Sad Siri)" e de “Todos Estão Surdos”, faixa do disco do Nando Reis em que ele canta Roberto Carlos.

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