A festa e a luta de Rincon Sapiência

RINCON SAPIÊNCIA

A festa e a luta de

Do futebol do bairro passou a ter contato com “todo tipo de gente, que faz todo tipo de coisa e tem todo o tipo de hábito, com todo tipo de idade”. Do caminho que fazia todos os dias enquanto voltava da escola para casa adquiriu o apelido de Rincon - pela (nem tanta) semelhança com o jogador colombiano Freddy Rincón. Dos encontros com rappers do bairro, ainda aos 15 anos, começou a formar suas principais referências na arte e na luta, a exemplo de Zumbi dos Palmares e Malcolm X.

_Texto por Camila F Oliveira _ Fotos por Lucas Neves

esquina que eu viro e já tô na lágrima”

“Eu vivo o momento do riso, mas é uma

noize.com.br

Se para o antropólogo brasileiro Roberto DaMatta, em seu livro clássico A Casa e a Rua (1985), o espaço de luta e individualização da rua a tornam uma área de confronto, para Rincon Sapiência, é isso que a torna sua área de conforto.

As ruas da zona leste de São Paulo, próximas à Cohab 1 de Itaquera, onde nasceu e cresceu, foram essenciais na formação do discurso combativo do rapper que hoje inspira outros jovens.

Viver e entender a rua também foi um processo de entender a si mesmo. Logo no início da sua imersão no rap, muito influenciada pelo irmão mais velho, Leandro, Rincon já teve contato com canções e pessoas que falavam sobre sua condição enquanto jovem, negro e periférico. “Muito cedo eu consegui ter a leitura sobre o que era fazer parte de um perfil que é tido como suspeito, e que isso resultaria em abordagem policial.

Desde muito novo ando na rua com RG, por exemplo. Então, as coisas vão se encaixando e aí você vai passando a entender a realidade da rua“, diz.

A caminhada até garantir seu lugar entre os principais destaques do rap nacional contemporâneo, com o disco de estreia Galanga Livre (2017), já soma mais de 15 anos. Desde a formação de sua primeira banda, Munições da 38, Rincon vive um processo de celebração e luta em que tanto a arte quanto a espiritualidade o auxiliam se manter no eixo.

Pontos de equilíbrio Quanto mais expõe e amplia o alcance de suas ideias, mais Rincon sente a necessidade de estar blindado.Vindo de uma família da roça paulista, cresceu em um ambiente no qual se rezava pelo fim da seca e pela proteção daqueles que saiam de casa em busca de uma terra melhor.

Assim como faz questão de deixar claro que sua relação com a religião não é nada fácil, admite que “a religião detém alguns conhecimentos que ajudam a gente a se equilibrar espiritualmente”. É no candomblé e na umbanda que hoje ele consegue entrar em harmonia.

A relação com a arte também é algo que lhe ajuda nas oscilações entre e o choro e a gargalhada. Ao mesmo tempo em que encontrou nela uma forma de ressignificar sua história, ele conta que toda energia que dedica à isso faz com que qualquer obstáculo tenha um peso muito grande. “Eu vivo o momento do riso, mas é uma esquina que eu viro e já tô na lágrima. Os extremos caminham juntos e os dois fazem parte da nossa essência. Mas os dois são necessários pra gente evoluir.

Não conheço uma fórmula para equilibrar isso, são coisas que andam quase juntas”, diz Rincon.

Unir os extremos e atribuir novos sentidos para questões que já parecem tão consolidadas na cultura e no discurso talvez sejam das coisas que Rincon faz de melhor. Ao mesmo tempo em que canta sobre as marcas do racismo e toda a luta dos negros e negras contemporâneos, consegue colocar todo mundo para celebrar esse encontro.

Intimidade com a escrita A habilidade em lidar com as palavras veio desde muito cedo.

Da mesma forma que, antes de montar a Munições da 38, Rincon já se percebia como artista, também foi antes de entrar na escola que desenvolveu sua intimidade com a escrita.

Assim como as revistas e quadrinhos que viviam espalhadas pela casa, a lousa que ficava no seu quarto foi responsável por grande parte de sua formação. “Decorei as tabuadas com essa lousa, desenhava nela… Era como se fosse um videogame porque a gente não tinha condições de ter os melhores brinquedos. A lousa era muito massa! Eu acabei me alfabetizando antes de entrar na primeira série e criei um lance muito forte com a escrita desde muito novo”, conta.

Na escola, essa afinidade foi se aprimorando e tornar-se compositor foi só uma questão de dar tempo ao tempo. Já envolvido com a cena do hip hop do seu bairro desde jovem, foi nas rimas próprias que encontrou uma válvula para falar sobre liberdade, nas suas mais variadas formas. A liberdade amorosa, a liberdade estética, a liberdade de ocupar espaços e, também, a liberdade de gozar os frutos do seu suor sem se sentir culpado por isso constroem o trabalho de Rincon em Galanga Livre.

Pós-Galanga O resultado disso tudo não é meramente artístico, interfere na sua vida. Após passagem por festivais musicais no continente africano, além de conhecer novas referências na arte, como o rock da Zâmbia, Nigéria e Mali, Rincon também se conheceu como uma pessoa renovada. O caráter cosmopolita dos países por onde passou, diz, o inspiraram a se entender muito mais enquanto cidadão do mundo. O mesmo mundo que, antes, parecia gigante e assustador, passou a ser um grande palco em potencial.

Novas experiências seguem como regra daqui pra frente.

Embora as questões sociais e da “pretitude”, como ele diz, estejam enraizadas na sua obra, o rapper se imagina ampliando suas composições para mais questões. “Eu diria que existem outras facetas do Rincon a serem mostradas pro mundo. Eu consegui mostrar muito de mim, das minhas experiências, do que eu já vivi, mas tenho ainda mais pra contar”, provoca.

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