Jornal da Filosofia nº0

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universidade e política. 12

democracia, controle social e repressão Mariana Luppi Costuma-se associar às ideias de ditadura e autoritarismo certas formas fixas, como a censura e a ausência de voto popular. Nesse sentido, é uma contradição absurda considerar um Estado como o brasileiro ditatorial, afinal, nenhuma dessas formas existe. Ainda assim, é preciso questionar se essas formas são obrigatórias para a expressão de um conteúdo autoritário. Embora o Brasil certamente não seja uma ditadura, não se pode esperar que o conteúdo autoritário assuma hoje as mesmas formas assumidas no século XX. De fato não possuímos, por exemplo, órgãos de censura, mas nem por isso pode-se dizer que o acesso à informação é livre. Aqui não se trata de um problema nacional, mas de fatores que se refletem e desenvolvem no Brasil. Trata-se do monopólio da indústria de comunicação e das restrições à internet discutidas atualmente em todo o mundo. O limite à liberdade, nesse caso, é a renda. Os altos custos dos produtos culturais exemplificam isso, bem como a dificuldade de encontrar meios para expor as próprias opiniões publicamente. Receber e compartilhar informações tem esse limite. Aliás, renda é limite também para o acesso a outros direitos: o direito de ir e vir é limitado pelo preço dos transportes, o direito ao aborto pelo preço das clínicas particulares que sabidamente o praticam, apesar da proibição. Todos os elementos formais para a garantia dos direitos democráticos estão no lugar, mas esses direitos não se realizam. Também como elemento autoritário, podemos considerar a repressão direta. Sem órgãos formais direcionados a

esse fim, ela é uma realidade em diversos âmbitos. Ainda que desconsideremos casos que podem ser objetados como particulares, ou que os próprios órgãos responsáveis consideraram abusivos, podemos encontrar casos de repressão direta exigidos e autorizados pelo Estado democrático. A ocupação dos morros cariocas é um exemplo emblemático. A “guerra ao tráfico” exerce no Brasil a mesma função que a “guerra ao terror” exerce no Oriente Médio. Trata-se de uma justificativa democrática para manter sob vigilância e controle certos setores da população, nesse caso novamente os mais pobres. A marcha da maconha, a desocupação do pinheirinho, a reintegração da reitoria da USP, todas são ações, ao mesmo tempo, formalmente legais e claramente repressivas e abusivas. Também é certo que é preciso discutir o caráter da polícia militar – que tem uma situação dúbia a ponto de ter foro privilegiado e fazer greve -, mas é importante que, mesmo quando essa instituição segue apenas as resoluções da justiça, há repressão. Afirmar que existe hoje uma ditadura no Brasil é uma posição que pode nos levar a ter dificuldades de discernir o perigo se certas formas autoritárias se aprofundarem. Por outro lado, não se pode esperar o renascimento do Doi-codi, o fechamento do congresso e a reinstituição do AI5 para questionar e se opor ao autoritarismo no Brasil. É possível que nenhuma dessas formas volte e ainda assim o recrudescimento do controle social e da repressão nos levem a uma situação menos democrática e livre do que as ditaduras do século XX.

todo ponto de vista é vista de um ponto

quadro: Inauê Taiguara

segurança nos campi: reitoria e mídia USP Destaques, nº57. 29/03/2012 “Cidadania, qualidade de vida, participação, compartilhamento. Essas são as palavras que nortearão o trabalho que será desenvolvido pela superintendência de Segurança, recém-criada pelo Conselho Universitário, segundo o especialista em segurança, gestão comunitária e direitos humanos, Luiz de Castro Júnior, que acaba de assumir a gestão da área na Universidade.” [http://migre.me/9cvdU]

O Estado de S.Paulo. 29/03/2012 “Os alunos da USP pediram “Fora, PM” no ano passado. Nesta quinta-feira, o reitor João Grandino Rodas oficializou logo três coronéis para comandar a Guarda Universitária. Além de Luiz de Castro Júnior, superintendente de Segurança, ex-diretor da Polícia Comunitária e Direitos Humanos da PM, vão ajudar a administrar o efetivo de 380 homens nos sete câmpus do Estado (127 na Cidade Universitária), o coronel Jeferson de Almeida (expoliciamento ambiental), e o coronel Valter Alves Mendonça, que estava no 19.º Batalhão e já passou pela Rota.” [http://migre.me/9cvi5]

outros ângulos O coronel Luiz de Castro Jr. terá uma superintendência com orçamento próprio para reforçar e aumentar a estrutura da segurança nos campi. A USP tem reservado cerca de R$10 milhões para modernização de sua guarda e compra de equipamento, como câmeras. Oficialmente, o órgão foi criado em fevereiro passado. A cúpula da USP viu nessa contratação uma forma de “afinar a sintonia” entre a Guarda Universitária e a PM.


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