Brasil Observer #53 - BR

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LONDRES

www.brasilobserver.co.uk

ISSN 2055-4826

SETEMBRO/2017

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Setembro 2017 | brasilobserver.co.uk

Conteúdo LONDON EDITION É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

Ana Toledo Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk Guilherme Reis Diretor Editorial guilherme@brasilobserver.co.uk Roberta Schwambach Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk Editor em Inglês Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk Design e Diagramação Jean Peixe ultrapeixe@gmail.com Colaboradores Antonio Veiga, Aquiles Reis, Christian Taylor, Daniela Barone Soares, Franko Figueiredo, Gabriela Lobianco, Heloisa Righetto, Márcio Apolinário, Nathália Braga Bannister , Wagner de Alcântara Aragão IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias Distribuição Emblem Group Ltd. Para anunciar comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 Para assinar contato@brasiloberver.co.uk Para sugerir pauta e colaborar editor@brasilobserver.co.uk Online 074 4529 4660 brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver facebook.com/brasilobserver twitter.com/brasilobserver O Brasil Observer, publicação mensal da ANAGU UK MARKETING E JORNAIS UN LIMITED (company number 08621487), não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não tem autorização para falar em nome desta publicação. Os conteúdos publicados neste jornal podem ser reproduzidos desde que creditados ao autor e ao Brasil Observer.

Setembro/17

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COLUNISTA CONVIDADA Fabiana Lopes da Cunha sobre patrimônio cultural

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ENTREVISTA

Gaël Le Cornec, uma atriz-diretoraescritora brasileira

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REPORTAGEM

Reforma política para quem?

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REPORTAGEM

Governo Temer recompensa os ruralistas

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CONECTANDO

Uma história de amor e dedicação aos animais

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CULT

Uma livraria online brasileira no Reino Unido

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DICAS CULTURAIS Teatro, literatura, música...

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COLUNISTAS

Franko Figueiredo sobre teatro e vida Heloisa Righetto sobre feminismo Cilene Tanaka sobre literatura Daniela Barone sobre comportamento


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ARTE DA CAPA Arquivo pessoal

Minha maior busca como artista é criar trabalhos expressivos que possam inspirar as pessoas a encontrar dentro delas mesmas novas maneiras de enxergar o mundo, ressignificando ideias e valores

Alfredo Maffei alfredomaffei.com instagram.com/alfredomaffeiart Alfredo Maffei é natural de São Carlos e formado em Artes Visuais pela faculdade de Belas Artes de São Paulo. O artista apresenta uma série de criações onde usa a rua como suporte para transmitir suas ideias e criar trabalhos expressivos para dar visibilidade para moradores de rua. Os trabalhos da série Olhares Invisíveis consistem em intervenções urbanas onde o artista retrata, através de grandes pinturas murais, moradores de rua que encontra e conhece em suas expedições e buscas mundo afora. Os trabalhos são pintados em paredes de lugares precários e abandonados, explicitamente ilustrando a condição dos moradores de rua. Suas pinturas carregam um forte significado político e social e já foram realizadas e expostas em diversos países, onde o artista busca traduzir suas experiências através das tintas e paredes. Tornando clara a rígida situação enfrentada pelos semteto, Maffei procura sensibilizar uma audiência que se tornou insensível a esta realidade. Além de sua produção artística, desenvolve pesquisas explorando o potencial de práticas artísticas como meio de encurtar as distâncias sociais e culturais e estimular novas conexões positivas entre pessoas de diferentes realidades e culturas, utilizando a arte como ferramenta. O trabalho da capa desta edição, intitulado ‘Guardião da Mata’, “foi criado para ilustrar a atual situação que estamos vivendo em relação à demarcação de terras indígenas na Amazônia”. “Esses territórios abarcam nossas raízes culturais quase extintas, e nos últimos dias houver diversas manifestação onde indígenas de todo o Brasil se uniram em prol da revogação desses decretos, lutando para defender seus direitos”. A capa desta edição foi feita por Alfredo Maffei para a Mostra BO, projeto desenvolvido pelo Brasil Observer em parceria com a Pigment e apoio institucional da Embaixada do Brasil em Londres. Cada uma das 11 edições deste jornal em 2017 contará com uma arte em sua capa produzida por artistas brasileiros selecionados em chamada pública. Em fevereiro de 2018, os trabalhos serão expostos na Embaixada.

APOIO:

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CONVIDADO

Lugares do samba e percepções sobre o patrimônio cultural no Brasil e na Argentina Dentre as várias categorias de patrimônio existentes, o patrimônio humano deve sempre perpassar e permear todos os demais, escreve Fabiana Lopes da Cunha

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Quando iniciei minhas pesquisas com o samba carioca, ainda na graduação, o intuito era analisar como a música, sua melodia, ritmo e letra, influenciava o ouvinte e até que ponto o compositor, os intelectuais e o próprio Estado teriam relação e conhecimento do tipo de “sentimento” que o ouvinte teria diante de determinados gêneros, ritmos ou melodias. Como o Carnaval era a maior de nossas festas, resolvi encarar o desafio de tentar compreender o gênero que foi consagrado nas festividades de Momo: o samba. Confesso que, para uma pessoa de minha geração, que cresceu ouvindo Elis Regina, Chico Buarque e Milton Nascimento e amadureceu com Cazuza, Raul Seixas e Legião Urbana, entrar neste universo musical, até então inédito para mim, foi extremamente rico e, ao mesmo tempo, instigante. Para efetuar este trabalho, tive a felicidade de conhecer, pessoalmente ou por contato telefônico, vários colecionadores de discos 78 rotações que me contaram histórias sobre o rádio, suas vidas e em que estado de conservação estava sua coleção. Contaram-me também que se reuniam, anualmente, num concurso para saber quem possuía melhor memória e mais dados sobre a música popular brasileira das décadas de 20 a 40 do século passado. Todos aqueles com quem tive a oportunidade de falar com mais vagar, tinham em comum a mesma opinião: a música popular brasileira teria terminado na década de quarenta. A partir daí, nada mais tinha sido feito de novo ou de qualidade. Os colecionadores são pessoas extremamente interessantes, pois, num primeiro momento, mostram-se meio desconfiados e com receio de que você não compreenda ou não dê o devido valor à sua coleção. Conversando um pouco mais, percebendo que seu interesse é sincero, eles abrem suas estantes e toca-discos e ficam, por horas a fio, a contar histórias sobre compositores, intérpretes e músicas. O primeiro encontro que tive com o Sr. Alcino Santos, o colecionador com quem mais tive contato durante toda a fase de minha pesquisa e mestrado, foi extremamente bizarro. Num primeiro momento, quase me expulsou, pois dizia que eu era jovem demais para me interessar por aquelas “velharias”. Depois de algum tempo de conversa na soleira de sua porta, o convenci de meu desejo em saber mais sobre sua coleção e suas histórias. Quando entrei em sua biblioteca e discoteca, me deparei com um verdadeiro santuário: ao lado do sofá e em meio às estantes com os discos catalogados e dispostos de forma extremamente organizada, havia um pequeno altar, com uma lâmpada verde que nunca se apagava, uma Nossa Senhora e a foto de Francisco Alves. Aquilo me revelou a importância daquele lugar e do intérprete e compositor (ou “comprositor” como muitos dizem) para a vida não apenas do Sr. Alcino, mas de milhares de pessoas de sua geração. Perguntei a ele se havia tido alguma relação pessoal com o “Rei da Voz” e ele me disse, emocionado, que ouviu quando o carro do cantor chocou-se na Dutra (o Sr. Alcino morava em Taubaté, na região onde Francisco Alves sofreu o acidente que o levou à morte) e todos correram ao local. Ele ainda conseguiu uma roda do carro como lembrança do dia fatídico. Essa foi apenas uma das muitas histórias que ouvi durante as diversas vezes que fui visitá-lo em sua cidade. Estou narrando estes fatos não apenas para mostrar como o pesquisador se envolve com seu objeto de pesquisa, mas porque acredito que foi neste dia que compreendi, de certa forma, a importância do que muitos chamam de a “Era de Ouro do Rádio” no Brasil. Foi neste período que comecei a me indag

gar por que o samba, gênero extremamente malvisto no início do século, teria se tornado um dos símbolos de brasilidade. A esta pergunta foram surgindo outras: qual o lugar do samba, quem o compunha, quem o interpretava, quem o ouvia e dançava, como e onde era divulgado. No decorrer do trabalho, fui captando as diversas vozes e sons que permeavam a cidade do Rio de Janeiro no correr das décadas de 1920 a 1940. Nesse período, a cidade foi se transformando, com novas tecnologias, avenidas e espaços de lazer e entretenimento. E da mesma forma, o samba também foi se modificando até chegar à sua máxima sofisticação timbrística, com os sambas-exaltação. Neste ínterim, surgiram diversas modalidades dentro do gênero, como o samba-canção, sambachoro, samba-enredo, dentre outros. Dessas várias modalidades de samba, apenas três foram escolhidas para se tornarem registro oficial como as principais matrizes do samba carioca como patrimônio imaterial: o samba de partido alto, o samba de terreiro e o samba-enredo. A seleção feita pela equipe que compilou o “Dossiê” levou em conta vários critérios e suas características particulares que são discutidos de forma mais aprofundada no primeiro capítulo do livro ‘Latin American Heritage: Interdisciplinary Dialogues on Brazilian And Argentinian Case Studies’, publicado pela editora Springer. O livro, organizado por Marcilene dos Santos, Jorge Rabassa e eu, contou com a contribuição de experts em várias áreas de estudo do Patrimônio Cultural e foi lançado no dia 31 de agosto de 2017, junto com a exposição de um seminário sobre o Carnaval de Notting Hill e suas conexões entre Londres e Brasil, através da música e dança. O evento promovido pelo King’s College London e organizado pelo Professor David Treece e eu contou com a participação especial da Paraíso School of Samba e do grupo Quintal do Samba. O livro, resultado do I Simpósio Internacional Patrimônios: Cultura e Sociedade no Século XXI, possui 14 capítulos que são divididos em quatro sessões temáticas: Tradições, Saberes e Patrimônio Intangível, Patrimônio Arqueológico, Patrimônio Natural e Paisagístico e Patrimônio Ferroviário e Industrial. Nele é possível perceber como, nas últimas décadas, a discussão sobre patrimônio se ampliou e que o universo que o conserva e o transmite se tornou cada vez mais amplo, heterogêneo e plural. Discutir sobre “Patrimônios” e seu significado, na atualidade, transcende não somente a dimensão do histórico ou do arquitetônico, mas também do artístico, arqueológico, paisagístico, etnológico, biológico ou natural, ferroviário, edificado, industrial e do imaterial ou intangível. O objetivo é mostrar ao leitor os debates que têm ocorrido no Brasil e na Argentina sobre o tema, através de distintos olhares, percepções e sentidos em análises que partem do global para o particular. Os resultados deste diálogo nos permite crer, com este livro, que conseguimos mostrar e dar mais relevo a uma América Latina pluralística, rica e diversa em seus patrimônios e na forma de compreendê-los, assim como desafiadora na valorização e conservação destes. Ao final, esperamos que o leitor conclua que dentre as várias categorias de patrimônio existentes, o patrimônio humano deve sempre perpassar e permear todos os demais. Não há o que se valorizar e conservar se o humano não for sentido e valorizado. Esse é o valor e patrimônio que devemos deixar para as gerações futuras.

A Dra. Fabiana Lopes da Cunha é Professora de História da UNESP e Pesquisadora Visitante no King’s College London


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advertorial

ASPECT PLUS

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Reestruturar empresas com problemas por meio de consultoria financeira, jurídica e administrativa. Esse é o trabalho que a Aspect Plus desenvolve em Londres já há oito anos, com soluções inovadoras e viáveis, acompanhamento de finanças e conselhos profissionais e imparciais para empresários que procuram auxílio técnico. O carro-chefe da empresa é o direito de insolvência, que lida com empresas privadas ou pessoas físicas em situação de crise financeira. Dois dos quatro sócios são especializados em insolvência pessoal e os outros, em corporativa. O serviço é importante não apenas para empresas que pensam em decretar falência, mas também para aquelas que precisam ser restauradas ou até para as que querem evitar o problema, em primeiro lugar. “Existe o termo aqui na Inglaterra que é quando a empresa entra em administração, ou seja, não necessariamente está falida, mas pode ser re-administrada”, explica a brasileira e sócia da empresa, Bianca Edwards. O processo, geralmente, ocorre por etapas: primeiro, é feita uma auditoria, para identificar a causa do problema; em seguida, vem a prestação de socorro, que é pôr em prática o resgate da empresa através de uma nova visão administrativa ou até a venda de ações; e, por último, uma consultoria guiada para uma nova gestão. “Muita gente começa um negócio com uma ideia boa, mas sem conhecer nada da área administrativa, sem consultoria, então oferecemos também esse serviço”, acrescenta. O serviço de insolvência no Reino Unido é bem diferente do que se pratica hoje no Brasil. Enquanto aqui o trabalho é regulamentado e os profissionais da área estudam exclusivamente para lidar com isso, no Brasil, a insolvência geralmente é feita por advogados de outras áreas ou por empresas estrangeiras que atuam no país, levando a pessoa que vai decretar falência a gastar mais do que deveria com a consultoria. A insolvência não é o único serviço oferecido na Aspect Plus. A ideia inicial era de a empresa tratar exclusivamente da parte financeira. No entanto, com a entrada do departamento internacional, dirigido por Bianca, o leque de serviços foi além. “Hoje, se você precisar de uma tradutora, um advogado de imigração, um contador que fale português, espanhol ou italiano, nós podemos ajudar”, esclarece Bianca.

Dicas e soluções para reestruturar seu negócio

Bianca Edwards, de roupa preta, e Juliana Lima, uma das beneficiárias do programa de estágio oferecido pela Aspect Plus

OPORTUNIDADES Bianca confessa que o sonho é fazer a empresa se tornar uma “one stop shop”, concentrando vários tipos de serviços em um só lugar. Pensando nisso, a empresa decidiu investir também no mercado de oportunidades para novos profissionais, oferecendo vagas de estágio de até quatro semanas em diversas áreas de atuação, como administração, financeiro e comunicação. Juliana Lima, recém-formada em contabilidade, foi uma das beneficiadas pelo programa. Brasileira, mas vivendo em Londres há três anos, ela teve a oportunidade de estagiar por duas semanas na Aspect Plus, finalmente se inserindo no mercado de trabalho em Londres. A oferta veio enquanto estava trabalhando no caixa de uma loja no centro da cidade.

“A Bianca veio pagar as compras e, como brasileiras que somos, começamos a conversar e eu contei que havia me formado há pouco tempo. Ela me deu o cartão dela, eu liguei e logo depois comecei o estágio. A oportunidade foi incrível, pois, além de ter aprendido muito, eu já estou saindo com uma oferta de emprego”, conta Juliana. Apesar de a prática não ser novidade na Aspect Plus – a empresa já teve 12 estagiários até o momento –, Bianca explica que pretende receber mais estagiários daqui para frente. “Somos a única empresa na comunidade que oferece abertamente esse programa de estágios. Queremos com esse projeto ajudar os novos profissionais a conseguirem a tão exigida experiência nas entrevistas de

emprego”, explica Bianca. O estágio normalmente não é pago, mas a Aspect Plus oferece ajuda de custo de 100 libras por semana, pagos ao fim do período. Para aplicar para vagas na empresa, basta enviar o currículo para info@aspectplus.co.uk. Outra oportunidade interessante oferecida pela Aspect Plus para empreendedores brasileiros no Reino Unido ou aspirantes a futuros empresários é a realização de seminários e workshops, a fim de proporcionar ferramentas para a comunidade Brasileira, informar e educar; e assim colaborar para o fortalecimento das empresas brasileiras no Reino Unido. O último, realizado no dia 24 de abril deste ano, atraiu mais de 60 pessoas.


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ENTREVISTA

Gaël Le Cornec Não aceitam a força da mulher que denuncia um abuso


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Gaël Le Cornec é uma atriz, escritora e diretora brasileira baseada em Londres. Filha de pai francês e mãe brasileira, nascida em Belém, no Estado do Pará, Gaël mudou-se em 2002 para a capital britânica, onde está preparando mais uma peça, ‘Efêmera’, de 5 a 7 de outubro na Southwark Playhouse, parte do CASA Latin American Theatre Festival. O espetáculo surgiu de uma parceria do CASA Festival com a Queen Mary’s University London e o People Palace Projects, que estão realizando um estudo sobre violência contra mulheres brasileiras em Londres e no Rio de Janeiro. Com base no depoimento de 30 entrevistadas, Gaël escreveu a peça que apresenta duas mulheres, uma brasileira e uma inglesa, cujas histórias se revelam e se cruzam ao longo do caminho. Nesta entrevista exclusiva com o Brasil Observer, realizada em um café em South Kensington, Gaël Le Cornec fala sobre sua trajetória, revela detalhes da nova peça e tece suas opiniões sobre a condição da mulher nos dias que correm. “A vida”, como ela própria diz, “é efêmera”. Conte um pouco de sua história, como você chegou a Londres? Vim estudar inglês, cheguei em 2002 falando três palavras. Era pra eu ficar de seis meses a um ano, mas acabei ficando. Sou de Belém do Pará, mas morei em São Paulo, onde me formei em Biologia. Vim pra cá na verdade porque eu queria fazer um mestrado e precisava do inglês. Meu pai é francês e minha mãe brasileira. Moram no Brasil até hoje, em Macapá. Passei um tempo na França com meus avós, na época da escola. Quando cheguei a Londres queria fazer zooarqueologia, um curso de especialização. Mas, no Brasil, eu já trabalhava na área com mais de cem espécies em laboratório, aqui tinham só três, então fiquei entediada, tive uma crise e larguei. Foi quando me envolvi com teatro pra aperfeiçoar o inglês. Tinha feito teatro em Belém, onde cheguei a me apresentar no Teatro Margarida Schivasappa com 10-12 anos. Fui fazendo e não parei. Na verdade era algo que eu sempre quis, desde criança. Qual é sua relação com o Brasil e como isso afeta seu trabalho?

Atriz, escritora e diretora brasileira prepara peça ‘Efêmera’, que estreia em outubro dentro do CASA Festival Por Guilherme Reis

Tenho uma relação muito forte com o Brasil, ainda mais forte com a Amazônia. Meu trabalho é bem influenciado por uma coisa mais ritualística. Até queria explorar mais isso. Eu sou, e todos brasileiros somos, uma mistura de várias identidades culturais. E me orgulho disso, sinto essas influências todas. Eu acompanho o que acontece no Brasil e a gente se sente muito envolvido. Meu pai saiu com 18 anos da França e passou pelos Estados Unidos e pelo Caribe antes de chegar à Amazônia, que sempre foi o sonho dele. Ele foi sempre um exilado. E eu agora sou uma exilada aqui, como ele. Quando fui pesquisar minha ancestralidade, eu descobri que sou tão misturada que meus ancestrais todos devem ter feito isso, ido para outros lugares. Interessantemente, meu trabalho reflete muito isso. É sempre sobre exílio, identidade, sobre estar distante de casa e procurar conexões entre as pessoas, conexões culturais e transculturais. É uma coisa que acontece naturalmente, está em mim. Você acha que o artista brasileiro, ou de outra nacionalidade, que mora fora carrega certa obrigação com seu país de origem? Não necessariamente, mas acho importante. Não necessariamente porque a arte é livre, você

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pode falar sobre o que você quiser. Tem gente que não quer se encaixar dentro de uma coisa só. É importante expandir. Eu sinto que estou explorando muito mais temas brasileiros agora do que quando eu comecei, talvez por uma vontade de me conectar mais aos temas, por estar tanto tempo fora. A peça ‘Efêmera’ é um pouco isso. A pesquisa da Queen Mary com mulheres brasileiras em Londres descobriu que muitas já sofreram violência doméstica, então quero entender por que isso acontece. Ainda não entendemos direito por que está crescendo esse número de mulheres que chegam às organizações de apoio relatando casos de violência doméstica. Talvez antes as mulheres não tivessem coragem de falar. Esse projeto me fez reencontrar meus fantasmas, olhar pro meu passado e ver, no dia a dia, quanto você passa por ser mulher. Como você se organiza e sobrevive no sistema patriarcal. Sobre essa nova peça, como está sendo seu desenvolvimento? A gente começou a conversar em janeiro sobre a peça e vamos começar a ensaiar em setembro. A ideia é se basear nas entrevistas da pesquisa conduzida pela Queen Mary. Mas, é claro, preciso tomar decisões artísticas, então resolvi, em vez de contar a história de 30 mulheres, misturar todas em uma só. E por conta do Brexit, de todas essas tensões culturais, também quero contar a história de uma inglesa, pra falar que violência contra a mulher não acontece só no Brasil. Não quero que o público venha e pense “nossa que terrível o que está acontecendo na comunidade brasileira”, pois não é assim. Então resolvi contar a história de uma inglesa também, e as duas histórias vão se encaixando. Por que o título ‘Efêmera’? Acho que carrega ‘feme’, que remete ao que é feminino, à mulher, e acho que a mulher se encaixa no tema da efemeridade. Tem uma coisa muito feminina nessa palavra. E a palavra efêmera carrega poesia também. É um tema de extrema relevância não só no Brasil, como você disse. Como você enxerga isso e a luta feminista? A mulher nos últimos cem anos assumiu uma posição que nunca tínhamos assumido antes. Estamos vivendo um tempo de certa forma mais igualitário em relação aos gêneros, mas ainda assim os índices de violência contra a mulher estão aumentando. Por que isso está acontecendo? É uma questão que eu tenho, tanto em relação ao Brasil quanto em relação à Inglaterra. Morrem 15 mulheres por dia no Brasil vítimas de violência. E mais de um milhão de casos de violência contra a mulher foram registrados na Inglaterra no ano passado. Na pesquisa da Queen Mary, aliás, algumas mulheres contam que existe uma questão de estereótipo por parte da polícia britânica, de achar que as mulheres brasileiras são muito passionais, muito emotivas e estão exagerando. Temos que quebrar isso, violência é violência. Também tem a noção de que se você é vítima, você tem que se comportar como vítima. Não aceitam a força da mulher que denuncia um abuso. Vejo que fui vítima de vários casos quando olho pro meu passado. E é exatamente esse o tema da peça ‘Efêmera’. Uma hora uma dessas mulheres olha pra trás e vê tudo que aconteceu com ela, vê como ela não enxergou que aquilo era abuso. Você está tão acostumado que você acaba aceitando. Não é pra aceitar.


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REPORTAGEM

Dá pra ficar pior do que está

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Até o fechamento desta edição, estava prevista para a última semana de agosto a votação, pelo plenário da Câmara dos Deputados, de uma reforma nas regras eleitorais do Brasil. Boa parte das mudanças previstas, porém, pouco deve “reformar” a política nacional. As propostas sinalizam a continuidade de um modelo esgotado e desacreditado, mas bastante útil para os atuais detentores de cargos eletivos. A mobilização de parte da classe política em torno de pelo menos duas propostas dá evidências à lógica do “mudar para que tudo fique como está”. Uma delas está em estágio mais avançado, com chances de ser aprovada pela Câmara e, depois, referendada pelo Senado: a implantação do sistema majoritário para a eleição de deputados federais, deputados estaduais e vereadores (o chamado “distritão”). A outra é a da substituição do regime presidencialista pelo parlamentarista. Esta ainda não se encontra formalmente em tramitação – a proposta a ser votada pela Câmara não fala em implantação do parlamentarismo. Mas cada vez mais passa a ser explicitamente defendida pela classe dominante.

DISTRITÃO O sistema majoritário para a eleição de cargos do legislativo foi proposto pelo deputado federal Miro Teixeira (Rede/RJ). Embora seu partido seja de oposição ao do

governo de Michel Temer, a emenda do parlamentar coincide com o que defende Temer e o grupo político que o sustenta. Por esse sistema, o Brasil é divido em distritos (por exemplo, as próprias unidades da federação), com cada distrito tendo direito a um número determinado de cadeiras no parlamento. São eleitos os mais votados. Pelo sistema atual, o proporcional, para se eleger ao legislativo um candidato precisa alcançar um determinado número de votos, que varia de partido para partido (ou de coligação para coligação), resultado de um cálculo que envolve o número de eleitores do respectivo distrito (Estado, Município) e a representatividade do partido/coligação desse candidato. Miro Teixeira justifica sua proposição alegando que o sistema proporcional hoje vigente está “aparentemente esgotado”. De fato, além de mais complexo, o sistema atual permite que sejam eleitos candidatos com pouquíssimos votos, mas beneficiados pela eleição de correligionários que tenham obtido votação expressiva suficiente para abrir mais vagas a integrantes do mesmo partido/coligação. “Com o voto majoritário, as agremiações estão dispensadas de alcançar o quociente eleitoral para eleger um representante, sanando-se a injustiça de vermos alguém com grande votação ficar fora do mandato, frustrando o povo”, argumenta.

PROBLEMAS O maior problema do sistema majoritário é que esse sistema fere o princípio do Poder Legislativo, que é o de ser uma casa que reúna os representantes dos mais diversos segmentos da sociedade, e não representantes territoriais. O parlamento deve espelhar a diversidade dos eleitores – contar com representantes de trabalhadores rurais, urbanos, professores, profissionais liberais, defensores de determinadas causas, líderes empresariais –, proporcionalmente ao tamanho de cada segmento na sociedade. O legislativo perde em consistência ideológica com o modelo chamado de “distritão”, segundo opositores desse modelo. O sistema majoritário para eleição ao legislativo tende também a favorecer os candidatos com maior poder econômico e político – apoiados por detentores locais de cargo eletivo, ou financiados por empresas. Inibe o surgimento de lideranças emergidas das classes populares, por exemplo. Coincidência ou não, o fato é que justamente os parlamentares da situação são os mais entusiastas da proposta. Tanto o presidente Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como o do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), deram declarações defendendo o “distritão”. Outra proposta pretende alterar a duração dos mandatos – tanto do Executivo (presidente da República, go-

vernadores, prefeitos) como do Legislativo (senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores). Em vez de quatro anos, cada mandato passaria a ter cinco anos (o de senador aumentaria de oito para dez anos). A proposta também concentra as eleições municipais e estaduais num mesmo ano. Outra ideia é proibir as coligações nas eleições proporcionais.

E A DEMOCRACIA? Um sinal de que o “distritão” está longe de significar um modelo ideal para o Brasil é que raríssimos países no mundo adotam o sistema. Tem-se notícia da adoção do sistema apenas no Afeganistão, Kuait, Emirados Árabes Unidos e Vanuatu. Em nenhuma democracia medianamente consolidada o modelo é aplicado. As principais democracias do planeta optaram pelo distrital misto, que une o voto majoritário com o proporcional. Segundo o deputado Vicente Candido (PT-SP), as negociações buscam enfraquecer a defesa do “distritão” em prol da aprovação do distrital misto, nos moldes do modelo alemão, “o que seria bastante significativo”, conforme frisou o parlamentar à Agência Câmara. Na avaliação do cientista político Marcus Ianoni, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, o “distritão arruinará os partidos políticos”, o que tornará debates eleitorais vazios de ideias. “O distritão baseia-se


brasilobserver.co.uk | Setembro 2017

A reforma política em tramitação no Congresso mostra que a crise de representatividade pode ser ainda maior Por Wagner de Alcântara Aragão

Reprodução

em uma disputa personalista de candidatos, a partir da qual os deputados mais votados são eleitos sem contar com nenhuma transferência de votos dos partidos e coligações, que passarão a ser, em caso de sua aprovação, meras pessoas jurídicas necessárias apenas para a inscrição dos políticos nas eleições”, escreveu em artigo para o portal Brasil Debate, alertando para o risco à democracia que o modelo representa: “Após a criminalização da política pelo sensacionalismo liberalmidiático da Lava Jato, a direita quer avançar na destruição da democracia tirando o protagonismo dos partidos e substituindo-o pelo personalismo puro e simples”.

PARLAMENTARISMO Outro partido que, com o PMDB, dá sustentação ao governo Temer, o PSDB sinaliza fechar questão em torno tanto do “distritão” como do distrital misto, com a condição de que um ou outro modelo seja adotado como transição para a implementação do parlamentarismo no Brasil. Em propaganda partidária gratuita veiculada no rádio e na televisão no dia 18 de agosto, o PSDB, dizendo-se fazer um mea-culpa, afirmou que o partido “errou” em abandonar a defesa do parlamentarismo, e anunciou estar acoplando esse tema à sua plataforma. Dias depois, em declarações à imprensa, Michel Temer fez coro à defesa do regime parlamentarista.

O parlamentarismo, em pouco mais de 50 anos, já foi rejeitado duas vezes pela população brasileira. A primeira, em um plebiscito em 1963. O regime havia sido implementado dois anos antes, quando uma tentativa de golpe de Estado, em 1961, quase impediu a posse do vice-presidente João Goulart, depois da renúncia de Jânio Quadros. A posse de Jango só foi viabilizada porque a adoção do parlamentarismo foi imposta como condição pelos que tentaram o golpe. Em outro plebiscito, em 1993, o parlamentarismo foi rejeitado mais uma vez pelos eleitores brasileiros. O retorno desse tema à pauta está sendo considerado pela oposição ao governo Temer como uma vacina contra o ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas de intenções de voto para 2018, embora seja principal alvo da Operação Lava Jato. Justamente quando a reforma política esteve prestes a ser votada pela Câmara, nas duas últimas semanas de agosto, Lula realizava uma caravana por cidades do Nordeste. O parlamentarismo seria uma forma de, em caso de uma nova eleição de Lula, o governo ser exercido por um primeiro-ministro eleito pelo legislativo.

CASUÍSMO Para os pesquisadores Valter Carvalho, doutor em Ciência Política e professor na Universidade Federal do Piauí e na Uninassau, e Fábio Kerche, da Fundação Casa de Rui Barbosa e também doutor em Ciência Política, “a proposta [do parlamentarismo] nasce com o carimbo do casuísmo”, conforme escreveram em artigo no site da revista Carta Capital. “Lembra a manobra contra João Goulart e a história se repete como farsa e tragédia”, assinalaram. “Ao que parece, parcela dos atores políticos inseguros quanto ao resultado das eleições de 2018 buscam alternativas para garantir agendas conservadoras que não sobreviveriam à vitória de candidatos progressistas, como o ex-presidente Lula.” O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que foi secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores e depois ministro de Assuntos Estratégicos no Governo Lula, identifica no resgate da proposta do parlamentarismo pela “classe dominante” uma forma de esta restringir a participação popular nos rumos da nação. Em seu blog no site da revista Carta Capital, Guimarães lembra que, no parlamentarismo, o povo deixa de escolher o chefe do Poder Executivo (o primeiro-ministro, eleito pelo Legislativo). Isso esvazia a campanha presidencial, que “é um raro momento de debate e confronto de projetos e ideias para o Estado e a sociedade, enquanto que as campanhas para a eleição de parlamentares são paroquiais e ainda mais sujeitas à influência do poder econômico”.

CASA festival presents

OSMO by Movicena

03 -07 October at Southwark Playhouse

performed in Portuguese with English Surtitles

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10 Setembro 2017 | brasilobserver.co.uk

Hydro/Halvor Molland

Mina de bauxita em Paragominas

Temer recompensa os ruralistas Em uma vitória para mineradoras brasileiras e transnacionais, presidente Michel Temer decreta a abertura de uma vasta reserva nacional na Amazônia para mineração. Região contém grandes áreas conservadas e comunidades indígenas Por Zoe Sullivan

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Este artigo foi publicado primeiro pelo site Mongabay (mongabay.com), em inglês, e foi traduzido pelo Brasil Observer

Quanto custa para manter o cargo de presidente? No Brasil, Michel Temer pagou R$13,2 bilhões por esse privilégio – por meio de decretos e emendas destinadas a obter votos suficientes na Câmara dos Deputados para barrar uma investigação criminal pelo Supremo Tribunal Federal. A votação do dia 2 de agosto manteve Temer no poder, por enquanto. As promessas e pagamentos do presidente, feitos um atrás do outro nas semanas anteriores ao voto decisivo e revelados nas semanas seguintes, vieram sob a forma de uma enxurrada de emendas parlamentares, do refinanciamento da dívida do agronegócio, de um decreto que abre uma vasta região da Amazônia, maior do que a Dinamarca, para a mineração, e de um decreto que anuncia um novo código nacional de mineração. Em 23 de agosto, Temer emitiu um novo decreto presidencial abolindo uma gigantesca reserva nacional que havia sido criada em 1984, abrindo 4,6 milhões de hectares entre os estados amazônicos do Pará e do Amapá para a mineração. Seu decreto aboliu a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), uma área originalmente criada durante a ditadura civil-militar para fornecer riqueza mineral para a nação, o que nunca foi executado. A região é rica em ouro, ferro, níquel, manganês e outros minerais, mas também inclui nove áreas de conservação e indígenas.

O decreto diz que essas áreas seguirão protegidas, mas os críticos alertam que minas, estradas, linhas de transmissão e outras infraestruturas adjacentes comprometerão as florestas da região seus povos indígenas. O senador Randolfe Rodrigues denunciou o movimento de Temer como o maior ataque à Amazônia nos últimos 50 anos. O diretor-executivo da WWF-Brasil, Maurício Voivodic, disse que abrir a região para a mineração resultaria em explosão demográfica, desmatamento, destruição de recursos hídricos, perda de biodiversidade e criação de conflitos terrestres, repercussões vistas em outras partes do Brasil abertas à rápida expansão da mineração e da infraestrutura. O novo código de mineração decretado pelo presidente provavelmente também terá impactos sociais e ambientais abrangentes, não apenas na Amazônia, mas em todo o Brasil, uma nação rica em minerais. Embora o código revisado inclua tarifas de royalties mais elevadas que podem beneficiar o governo e custar mais ao setor privado, o novo plano de revitalização da mineração também prejudica o monitoramento ambiental da indústria existente, dizem os críticos. O plano, emitido por Temer como uma medida provisória, entra em vigor imediatamente, mas, em última instância, exigirá aprovação do Congresso para se tornar lei.


brasilobserver.co.uk | Setembro 2017 11

Daniel Beltra/Greenpeace

VOTOS E BENEFÍCIOS O Brasil vem considerando mudanças em seu código de mineração há alguns anos, e a indústria apoiou os legisladores para garantir que essas mudanças a beneficie. O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) analisou a influência da indústria quando o código de mineração foi revisado em 2014. O estudo descobriu que a maior parte dos membros do comitê do Congresso responsável pela elaboração do novo código recebeu doações de campanhas substanciais de empresas mineradoras. Um dos representantes, Leonardo Quintão, do PMDB, é de Minas Gerais, um estado com grandes interesses no setor, e recebeu 42% de seus fundos de campanha de 2014 do setor de mineração. O site Intercept Brasil publicou um gráfico interativo que mostra como cada membro da Câmara dos Deputados votou no dia 2 de agosto, juntamente com os fundos que o presidente aprovou. Um pouco mais da metade dos membros da comissão responsável pelo código de mineração, 29 no total, votaram contra a investigação do presidente Temer. Embora alguns desses votos possam ter sido comprados com o novo código de mineração e grandes emendas concedidas por Temer, alguns deputados que receberam benefícios votaram pela continuidade da investigação criminal. Gabriel Guimarães, o presidente da comissão responsável pelo novo código de mineração, é um exemplo. Ele representa Minas Gerais, e seu pai, Virgílio, recebeu R$8 milhões de investidores brasileiros para extrair ouro perto da região de Serra Pelada, no Pará. Guimarães, porém, é membro do Partido dos Trabalhadores, de oposição a Temer. Embora seus interesses políticos tenham recebido R$2,4 milhões em emendas entre junho e julho, Guimarães votou a favor de uma investigação da Suprema Corte sobre o presidente. Os dois estados brasileiros mais conhecidos por suas indústrias de mineração são Minas Gerais e Pará, o último localizado na Amazônia. Mas o deputado Mauro Lopes, de Minas Gerais, disse que o novo decreto do código de mineração não influenciou a forma como a delegação de seu estado votou. O voto seguiu em grande parte as linhas partidárias, com 33 dos 53 deputados de Minas Gerais e 11 dos 17 membros da delegação do Pará votando contra a investigação presidencial. A análise do site Intercept Brasil mostra que os deputados considerados parte da bancada ruralista votaram em grande parte contra a investigação de Temer. Temer almoçou com membros do grupo, incluindo 52 deputados, no dia anterior à votação. No almoço, ele anunciou duas medidas financeiramente benéficas para o setor agrícola.

Críticos temem que a Renca possa sofrer um destino semelhante à da terra perto do Parque Nacional Motanhas do Tumucumaque, que agora abriga uma mina de ouro e ferro

PREJUÍZO AMBIENTAL As novas taxas de royalties impostas pelo novo código deverão aumentar em 80% de receita de mineração para o governo brasileiro no nível federal, estadual e municipal. No ano passado, o governo arrecadou cerca de R$1,6 bilhão. O aumento previsto se dá em parte porque o governo agora vai tributar o lucro bruto das empresas em vez da receita líquida. O decreto de Temer tira toda a responsabilidade ambiental do governo e a transfere para as próprias empresas de mineração. Os críticos apontam para desastres como o colapso da barragem do Fundão em Minas Gerais para destacar os perigos de o próprio setor fazer esse monitoramento. Outra mudança: a criação de uma nova agência reguladora, a Agência Nacional de Mineração, que substituirá o Departamento Nacional de Produção Mineral. A nova agência, no entanto, não tem força e pessoal para realizar o trabalho efetivamente, dizem os críticos. O deputado Lopes alegou que a delegação de Minas Gerais desempenharia um papel importante na seleção da liderança da nova agência de mineração. “Apenas mudar o nome não vai resolver os problemas que temos na mineração”, disse o Dr. Mario de Lima Filho sobre a nova agência reguladora. O Dr. Lima Filho ensina geologia na Universidade Federal de Pernambuco e é ex-chefe da agência de mineração do estado. Lima Filho afirma que os novos regulamentos “definitivamente privilegiam certa classe”, e beneficiarão as maiores empresas. “Você precisa ter capital para empreender, e você deve ter capacidade para ser detalhado. Então, parece que isso foi feito para agradar as grandes empresas. Nossas pequenas empresas serão deixadas de fora porque não têm meios para participar de um processo de licitação, por exemplo.”

O novo código de mineração representa um sério golpe para as proteções oferecidas às comunidades indígenas e tradicionais, bem como às reservas naturais, de acordo com o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. Em uma declaração, o comitê escreveu que o governo parece não querer fazer investimentos em inspeções, uma vez que criou a nova agência de mineração sem passar pelo processo de contratação de serviço civil necessário para levar pessoal qualificado. Atualmente, por exemplo, todo o estado de Minas Gerais tem apenas quatro funcionários para inspecionar mais de 700 barragens, diz o comunicado. “A criação de uma agência sem um aumento significativo na força de trabalho não garante maior controle estatal sobre o setor”. A relevância dos inspetores de barragens é mais bem entendida à luz dos eventos de 2015. Naquele ano, Minas Gerais experimentou o maior desastre ambiental do Brasil. A barragem de minérios de ferro de Fundão desmoronou e despejou cerca de 50 milhões de toneladas de resíduos tóxicos no Rio Doce. A catástrofe matou 19 e despejou metais pesados​​ no abastecimento de água potável de cerca de 1,6 milhão de pessoas. Outros compartilham as mesmas preocupações. O professor Lima Filho disse que o verdadeiro custo da nova lei só se tornará claro uma vez que entre em vigor. “Nós vamos ver alguns problemas relacionados à identificação dos limites para as áreas indígenas, para as áreas ambientalmente preservadas”, disse Lima Filho. “Você compra uma área que tem uma boa reserva de algum mineral essencial, mas depois você não pode explorar porque o plano de mineração não foi aprovado na licença ambiental”. Isso, ele especulou, poderia levar a grandes empresas de mineração a aplicar “pressão para quebrar algumas proteções para áreas ribeirinhas, áreas indígenas, áreas florestais etc.”.

Dias antes do lançamento do novo código de mineração, o governo Temer aprovou uma recomendação que limita as reivindicações de terras indígenas ocupadas a partir de 1988, uma manobra legal apoiada por empresas agropecuárias e mineradoras conhecidas como “marco temporal”, causando um enfraquecimento significativo dos direitos territoriais indígenas que poderia fortalecer novos pedidos de mineração. Mas, em meados de agosto, o Supremo Tribunal Federal se posicionou indiretamente contra a arbitrária data de corte. No entanto, novas ações governamentais sobre o marco temporal são esperadas. Por enquanto, continua a ser ilegal que as empresas privadas explorem terras indígenas, embora um projeto de 1996 para desfazer essa lei (PL 160/1996) esteja voltado para a agenda do Congresso. Eduardo Costa, membro da assembleia legislativa do estado do Pará, disse que o aumento da renda para os estados e municípios com o novo código de mineração é bem-vindo. Costa também elogiou o fato de o novo código diminuir a burocracia que as empresas de mineração teriam que enfrentar para obter permissões. No entanto, ele também concordou com uma das críticas expressadas. Costa pediu ao governo que elaborasse regulamentos para a Lei Kandir, o que permitiria aos estados taxar significativamente bens não finalizados, especialmente minério e eletricidade para exportação – um imposto que provavelmente afetaria grandes empresas de mineração transnacionais. Costa não comentou os impactos sociais ou ambientais que podem resultar do novo código de mineração, mas apontou para os esforços do Pará para taxar as empresas de mineração, esforços que foram desafiados no tribunal.


12 Setembro 2017 | brasilobserver.co.uk

CONECTANDO

JoÃO PESSoA, PARAÍba

A protetora e os rejeitados Uma história de dedicação e amor aos animais Por Tiago Eloy Zaidan de João Pessoa, Paraíba g

N

Na madrugada do dia 16 de novembro de 2016, Andreia Medeiros, 37 anos, estava em vias de concluir uma faxina em sua casa, na região norte de João Pessoa (PB). Foi interrompida pelo sinal sonoro de um aplicativo de mensagens instantâneas. Descobriu que havia sido marcada em uma foto de um Pitbull ensanguentado amarrado a um poste no subúrbio da capital paraibana. O cão havia sido alvejado com dois tiros: um na cabeça e outro na região do tórax. Andreia deixou a faxina de lado e contatou a também ativista Michele Cristina Oliveira, 35 anos. Combinaram de ir resgatar o cão. Sem demora, partiram de carro. No local, Michele livrou o cachorro da corrente. Andreia o puxou pela guia. Ele se levantou e caminhou lentamente, ao lado da protetora, até o veículo. “Eu pedi a ele para entrar no carro. Ele colocou a pata para cima e eu puxei a traseira. Ele obedeceu. Eles sentem quando vão ser ajudados”, recorda. Questões envolvendo o cuidado animal sempre captaram a atenção de Andreia. Desde a tenra infância, quando ainda morava em sua terra natal, Santa Luzia, no sertão do estado. Já naquela época, sem o conhecimento prévio dos pais, recolhia bichos abandonados na

rua e levava para casa. Em dezembro de 2015, já em João Pessoa, formou um grupo com o qual passou a articular a fundação da ONG Missão Patinhas Felizes, entidade a qual lidera até hoje. O Pitbull resgatado foi levado, ainda de madrugada, para uma clínica veterinária com a qual Andreia mantém uma parceria. A bala da cabeça foi retirada. Já o projetil decorrente do tiro na paleta não foi removido, pois havia o risco de o animal perder os movimentos com a cirurgia. Andreia, no entanto, garante: “Hoje ele anda perfeitamente bem”. A essa altura, o cão baleado já possuía nome. Passou a atender pela alcunha de Lênin. Lênin, após sobreviver ao tratamento e ter alta da clínica, foi adotado por um agente da polícia ambiental. Além do Pitbull, o agente possuía mais seis cães. Infelizmente, todos contraíram leishmaniose. Cinco precisaram ser sacrificados. Lênin escapou da morte mais uma vez; apesar de contaminado, ainda se mantinha assintomático. A leishmaniose é considerada uma doença endêmica em muitos bairros de João Pessoa e da região metropolitana. É transmitida pelo mosquito palha, o qual possui como habitat a região litorânea de mata atlântica, explica o professor

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e coordenador do curso de Gestão Ambiental do campus João Pessoa do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), Arilde Franco Alves. Não é por acaso que a leishmaniose se tornou uma das maiores preocupações de Andreia, a qual, atualmente, abriga em sua residência cerca de 40 cães. Além destes, outros 20 animais estão sob sua tutela, abrigados temporariamente em residências de voluntários da ONG Missão Patinhas Felizes. Diante do novo contexto, a tutoria de Lênin voltou para Andreia. Atualmente, o Pitbull está abrigado na casa de Hanni Melo, 37 anos, vice-presidente da ONG. Ao longo do tempo, a Missão Patinhas Felizes se especializou no resgate e no acolhimento de animais em situação de quase morte. Casos como o de Lênin. Acostumada a situações extremas, Andreia decidiu não desistir do Pitbull. A protetora está em campanha para tentar viabilizar financeiramente um tratamento clínico para o cão, com uma droga nova no Brasil, o Milteforan, o qual já é utilizado em outros países. Todos que atuam na ONG são voluntários. Alguns vão além, e abrem mão da vida pessoal. Pode-se dizer que é o caso de Andreia. A ativista, que é divorciada,

Tiago Eloy Zaidan é professor do Instituto Federal da Paraíba (IFPB) e Coordenador de Articulação Pesquisa, Extensão e Sociedade do campus João Pessoa do IFPB


brasilobserver.co.uk | Setembro 2017 13

Missão Patinhas Felizes

Andreia Medeiros e o Pitbull Lênin

garante que o fim de seu casamento não tem nada a ver com a luta em defesa dos bichos. A casa alugada em Cabedelo, município vizinho à capital, onde a protetora paraibana vive desde junho de 2017, é também a sede da Missão. Lá se encontram abrigados os 40 cães que estão sob seus cuidados direto. “Eu moro no abrigo. Não são eles que moram comigo. Sou eu quem mora com eles”, diz, referindo-se aos animais. A mudança para Cabedelo se deu às pressas. Antes Andreia morava e tocava a ONG em uma casa alugada no bairro de Manaíra, em João Pessoa. Mas foi denunciada ao Ministério Público por uma vizinha, insatisfeita com o barulho que os cães faziam. Como havia o risco de os animais serem recolhidos pelo Centro de Zoonoses, alguns dos quais em tratamento por serem portadores de doenças crônicas, Andreia precisou agilizar sua “fuga” de João Pessoa rumo a uma região pouco habitada no município contíguo. Andreia dedica-se em tempo integral à Missão Patinhas Felizes. Seu rendimento pessoal é oriundo de investimentos feitos no passado. Parte de seus recursos é destinada à operação da ONG. Também conta com a ajuda da mãe, a qual, atualmente, mora com ela. Recentemen-

te, precisou recorrer a um empréstimo para providenciar a estrutura de canis da nova sede. Uma pequena carteira de doadores e a realização de brechós ajudam a complementar a renda da Missão. A ONG também promove feiras de adoção, oportunidade em que apresenta cães e gatos castrados e vermifugados a potenciais tutores. Somente durante o primeiro semestre de 2017, por exemplo, a Missão Patinhas Felizes esteve duas vezes no campus João Pessoa do IFPB, em eventos realizados pela Coordenação de Extensão. Somadas as duas ocasiões, cerca 20 animais, entre cachorros e gatos, foram adotados, segundo contabilização da vice-presidente da ONG, Hanni Melo. Estes 20 animais tiraram a sorte grande. Saíram de uma situação de vulnerabilidade e encontraram um lar. Enquanto isso, de focinho molhado, com uma língua enorme para fora, não será dessa vez que Lênin cumprirá a missão de ser o companheiro de alguém. Depois do diagnóstico de leishmaniose, a sua adoção se tornou praticamente impossível. Mas não significa que o Pitbull não esteja na labuta. Mesmo doente, o sobrevivente Lênin está cumprindo outra missão. A de inspirar ativistas como Andreia.

CONECTANDO é um projeto do Brasil Observer cujo objetivo é promover experiências de comunicação ‘glocal’. Em parceria com universidades, movimentos sociais e jornalistas, nosso objetivo é levar conteúdos locais para uma audiência global. Para participar, escreva para o e-mail contato@brasilobserver.co.uk


14 Setembro 2017 | brasilobserver.co.uk


brasilobserver.co.uk | Setembro 2017 15

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Empresária Lucene Duarte faz sucesso nas redes com fotos de moda, gastronomia e viagens

I

Por Priscilla Castro

Instagrammer, blogger, influenciadora digital. Não importa o rótulo. A brasileira Lucene Duarte, 38, natural da cidade de Guarapuava, Paraná, faz sucesso nas redes sociais. Tendo a moda como carro-chefe, Lucene entretém os quase 40 mil seguidores com fotos dos “looks” que usa em viagens, no trabalho e nos momentos de lazer. Roupas, sapatos e bolsas são as paixões da blogueira, que faz coleção de todas as edições limitadas que consegue. Lugares e comida boa também entram na lista de momentos especiais. Ou seja, ela é de tudo um pouco, uma mistura de viagens, moda e gastronomia. Além disso, faz trabalhos como modelo e diz que ama ser fotografada. “Eu gosto do sex appeal, do glamour, de lingerie, amo me produzir”, admite Lucene. Em parceria com algumas lojas do Brasil, Lucene recebe os produtos diretamente de lá para promovê-los no Instagram. “Eu recebo muitas mensagens diretas; as pessoas comentam que querem usar a roupa que eu usei em determinado evento, me pedem opiniões sobre estilo de roupa para o corpo delas, entre outras coisas”, conta. Aos 21 anos, Lucene decidiu dar um tempo no curso de Letras no Brasil e veio para Londres para aperfeiçoar o inglês. Durante esse período, Lucene conheceu o ex-marido, com quem teve o filho Leonardo, hoje com 15 anos. Grávida, resolveu voltar ao Brasil para ter o filho perto da família e terminar

o último semestre da faculdade. Quando Leozinho, como ela chama o filho, completou três meses, ela voltou de vez para a Inglaterra. Na época, a internet não existia como conhecemos hoje. No entanto, ela conta que desde criança gostava de compartilhar as coisas que fazia e as roupas que vestia, e já tinha esse fascínio com a propaganda. “Eu tirava foto de tudo e mostrava para as pessoas. Na verdade, eu sempre fui uma blogueira e nem sabia, só descobri agora”, brinca ela. Só quando o Instagram se popularizou é que Lucene entrou de cabeça na vida de blogueira. Ela conta que começou compartilhando fotos do dia a dia, no trabalho, com a família, em viagens, mas acabou se voltando exclusivamente para o perfil quando viu que tinha potencial para crescer. Em quatro meses produzindo, editando e montando possíveis looks para as fotos – não só de roupas, mas também de cenário –, ela acumulou mais de 30 mil seguidores, número que nem ela mesma esperava alcançar tão rápido. O hobby virou um negócio e a expressão “cada mergulho é um flash” nunca fez tanto sentido. Ela atribui o sucesso na rede social principalmente à organização dos seus posts, que tentam sempre contar uma história através de cada roupa usada. Aonde vai, Lucene leva o fotógrafo, o maquiador e a personal trainer, para garantir as curtidas no Instagram. “Eu coloco sempre três fotos que mostram o meu estilo, e isso deixa o perfil bonito de se ver”, revela.

PARA TODOS OS GOSTOS Mostrar que magreza não é sinônimo de felicidade é um objetivo bem claro no Instagram de Lucene. Com o sonho de se tornar uma grande influenciadora digital, ela diz que quer acabar com a busca desenfreada pelo corpo perfeito, tão “vendido” pelas blogueiras de sucesso. Lucene usa e abusa das cores e das roupas coladas em cenários dos sonhos, como Milão, Londres, Suíça e vários outros. Poses de biquíni também estão na lista das fotos compartilhadas na rede. Com looks ousados e sempre bem produzidos, os decotes, as pernas e muita pele à mostra confirmam que um corpo mais torneado também tem o seu valor. “Eu gosto de mostrar que não é necessário ser magra para ser sexy e bonita, afinal as curvas estão aí para isso”, explica ela. Lucene faz questão de frisar a importância de uma vida saudável. Adepta de academia e uma alimentação balanceada, a blogueira de moda destaca a necessidade do equilíbrio. “Depois que eu aprendi que você pode ser feliz com curvas e pode controlar o seu peso sem deixar de comer, me tornei mais feliz. Eu sempre mostro minhas comidas quando viajo e vai ter um docinho no café-da-manhã, sim. Por que não?”. Siga Lucene Duarte no Instagram: www.instagram.com/luceneduarte Divulgação


16 Setembro 2017 | brasilobserver.co.uk

reprodução

Nara Vidal

divulgação

Uma livraria brasileira na Inglaterra Capitolina Books, iniciativa da escritora Nara Vidal, será lançada oficialmente em evento no dia 30 de setembro Por Priscilla Castro

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“O que você lê quando não precisa ler determina o que você será quando não puder evitar”. A frase do escritor e poeta britânico Oscar Wilde cai como uma luva para a iniciativa Capitolina Books, idealizada pela escritora Nara Vidal. Com o objetivo principal de divulgar a literatura contemporânea brasileira, a livraria digital pretende ser uma vitrine de autores e editoras independentes no mercado europeu. A ideia é nova, mas a necessidade é antiga. A falta de um espaço exclusivo na Europa que trouxesse literatura de qualidade do Brasil, lançando nomes ainda desconhecidos no mercado exterior e que provavelmente não seriam encontrados em livrarias como Cultura ou Saraiva, provocou na escritora a vontade de construir essa ponte. Na intenção de democratizar a literatura contemporânea no exterior, a Capitolina Books surgiu para disponibilizar os títulos ao mesmo tempo em que são lançados no Brasil.

A princípio, os planos são modestos: alcançar universidades e a comunidade brasileira na Europa. Mas não apenas isso. A Capitolina Books vai disponibilizar, em inglês, trechos das obras e entrevistas com os autores do catálogo para chamar a atenção do mercado editorial local. “Não tenho ambição de que consigamos vender milhares de títulos porque sei que é um nicho bem específico e a maior parte dos livros será em português. Tentamos alcançar universidades e a comunidade brasileira, que é muito vasta, mas muito heterogênea, com gente de diferentes interesses”, explica Nara. Formada em letras pela UFRJ, Nara começou a escrever ainda durante a faculdade, priorizando livros infantis e bilíngues, por causa do processo de aprendizado bilíngue da filha. A partir daí, começou a publicar livros também juvenis e, há dois anos, ingressou na literatura para adultos. Hoje, Nara tem dois livros de contos publicados e se prepara para lançar o primeiro romance da carreira.


brasilobserver.co.uk | Setembro 2017 17

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PASSO A PASSO O catálogo foi montado pela própria escritora em parceria com autores e editoras. Apesar de ser um início modesto, a loja online vai oferecer romances, contos e poesias de autores que recebem o voto de confiança das pequenas editoras. Essa cooperação, a propósito, é a alma do negócio. Nara acredita que o surgimento das pequenas editoras precisa ser valorizado por trazer obras de alta qualidade, de autores que não teriam oportunidade de serem publicados por outros meios. “Essa ebulição de novos talentos se deve especificamente a essas editoras independentes, que fazem um trabalho com pouquíssima tiragem, às vezes 700 livros, mas são essas obras que fazem a nossa arte literária pulsar”, argumenta. A disponibilização dos títulos já foi selecionada e, por enquanto, não há espaço para novos autores devido à condição limitada do estoque. “Precisamos primeiro testar as águas, ir devagar, afinal é uma coisa bem caseira. Conforme formos progredindo, vamos renovando o estoque, abrindo espaço para novos autores, mas sempre com uma pré-seleção para mantermos a ideia de literatura brasileira contemporânea de muita qualidade”, explica Nara. Quanto o assunto é a lei do mercado, Nara acredita que há mais oferta do que procura. “Então, temos autores e precisamos de leitores, precisamos de divulgação, contamos com a mídia, com as universidades, com o Consulado, porque não adianta ter a livraria se ninguém sabe dela”, conclui a escritora.

LITERATURA BRASILEIRA MUNDO AFORA A iniciativa de promover um encontro entre a literatura brasileira e o mercado europeu, tanto editorial como de leitores, chega num momento emergencial para a cultura brasileira, já que, no Brasil, o investimento na área cultural ainda é ínfimo, especialmente quando comparado a países europeus. A notícia tem sido recebida com entusiasmo no país. O gerente de relações internacionais da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Luiz Álvaro, acredita que o lançamento de uma livraria digital no exterior representa um canal de divulgação do autor brasileiro com forte espaço para os autores contemporâneos. “A Capitolina terá a oportunidade de ser um ponto de referência para todos aqueles que desejam adquirir ou conhecer

um pouco mais dos livros brasileiros”, complementou. Segundo a CBL, nos últimos anos o Brasil experimentou um protagonismo no mercado editorial mundial que não era visto há tempos, com homenagens em Bogotá (2012), Frankfurt (2013), Bolonha e Gotemburgo (2014), Paris (2015) e Medellín (2017). Para Luiz, promover o livro brasileiro no exterior tem que ser um programa do Estado Brasileiro. “Essa promoção tem que ser feita de maneira estratégica e focando o longo prazo porque só assim nosso país se tornará fornecedor de cultura para o mundo”, concluiu. Iniciativas sem fins lucrativos como a CBL fomentam o estímulo à leitura por meio de ações que visam democratizar o acesso ao livro, não só no Brasil, como também no exterior. Uma parceria firmada, em 2008, com a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) deu início ao projeto Brazilian Publishers, que tem como principal objetivo fortalecer as exportações do conteúdo editorial brasileiro. O mercado britânico, por outro lado, ainda precisa abrir mais espaço para a literatura estrangeira. Segundo uma pesquisa feita pela editora Jasmine Donahaye, em 2012, apenas 3% de todo o volume de literatura no Reino Unido é traduzida. “Não seria surpreendente ver uma queda desse número nos anos subsequentes, dada a crise financeira de 2008 e os consequentes cortes no financiamento público para editores e o aumento da cautela do mundo editorial”, escreveu a autora na conclusão das suas pesquisas.

PROMOÇÃO INTERNA A falta de investimento em conhecimento e cultura dificulta a profissionalização de agentes culturais em todas as esferas. “A cultura é exatamente aquilo que nos define e que nos diferencia; sua divulgação no exterior deve ser uma bandeira de estado, com planejamento estratégico e presença constante a fim de colher os melhores frutos no médio e no longo prazo”, acredita Luiz Álvaro. Mas não adianta investir fora e não fortalecer o mercado interno. Luiz acredita que um passo importante desse processo é também capacitar os empresários para a internacionalização e garantir que os autores e a produção editorial brasileira sejam bem expostos nos mercados alvo. “Nossa formação cultural foi e ainda é impactada por toda a nossa história colonial, pelas ondas migratórias, pela variedade religiosa, pela extensão geográfica, pelo nosso clima tropical e por nossas fronteiras com quase todos os países da América do Sul. O Brasil é hoje um dos países com maior diversidade cultural no mundo e a nossa literatura reflete exatamente isso. Costumo dizer que o Brasil leu o mundo para que o mundo possa agora ler o Brasil”, conclui ele.

Divulgação

A livraria será oficialmente lançada no dia 30 de setembro em uma festa inaugural. O evento acontecerá na Baldwin Gallery, em Blackheath, Londres, e contará com música ao vivo, comes e bebes e leituras dos autores. Os ingressos estão disponíveis para a venda pelo valor de 25 libras. Para mais informações, visite: http://bit.ly/2wiiHqK.

Favela Arts é o novo projeto do Made in Brasil Boteco Favela Arts é um espaço dedicado à recepção de exposições de arte, oficinas, aulas de música, palestras e outros eventos. Criado para ser um centro de artes no norte de Londres, o espaço estará disponível para que artistas mostrem seu trabalho, compartilhem sua arte, organizem talks, workshops e outras ideias criativas. O Made in Brasil Boteco está desenvolvendo este projeto em parceria com a curadora Clara Rocha, que tem anos de experiência com curadoria e envolvimento com as artes aqui no Reino Unido e também no Brasil. O lançamento do projeto será no dia 14 de setembro e dará as boas-vindas à artista Sylvia Morgado.

EXPOSIÇÃO ‘In Between’ é uma exposição que apresenta o resultado de ampla pesquisa, tanto na escrita quanto nas artes visuais, desenvolvida pela artista Sylvia Morgado nos últimos cinco anos. Com a curadoria de Clara Rocha, a exibição reúne experiências de paisagens imaginárias, memórias, ficção, interpretação e arquivo – muito presentes no trabalho de Morgado – através da escrita, desenho, pintura, vídeo e outras mídias. A exposição visa integrar o público com a experiência da arte e o intercâmbio de conhecimentos. Para tanto, a programação conta com oficinas sobre livros da artista para crianças e discussões sobre arte contemporânea. Projetada para todos os níveis de conhecimento sobre o assunto, as oficinas buscam atingir um número diversificado de pessoas independentes de idade e qualificações. Quando: 14 de setembro a 15 de outubro Onde: Made in Brasil Boteco (48 Chalk Farm Rd, Londres, NW1 8AJ) Aberto diariamente a partir das 17h sábados e domingos a partir das 12h Info: https://goo.gl/y6rbny Workshops: As oficinas Art in the Centre (para adultos) e Artists’ Books for Children (5-9 anos) acontecem as terças e quintasfeiras durante a exposição, nos períodos da tarde e noite. Para mais informações entre em contato através do e-mail favelaarts@ madeinbrasil.co.uk. Fique ligado: @MadeInBrasil1 – @madeinbrasilboteco


18 Setembro 2017 | brasilobserver.co.uk

DICAS

TEATRO CASA Festival, onde o teatro latino-americano se encontra festival oferece palestras, oficinas, festas, shows de música e arte. “É uma mistura. Continuamos voltando a uma questão: ultrapassa os limites do teatro? Se a resposta for sim, estamos interessados”, diz Catalina Herrera, administradora do festival. O CASA Festival começou em 2007 como um projeto liderado pelo diretor artístico Daniel Goldman. Para Catalina, o evento encontrou seu caminho para crescer e se aprimorar buscando diferentes públicos, trabalhando em diferentes locais, trazendo produções de diferentes países e atuando ao lado de uma grande e diversificada rede de parceiros e amigos. Ela explica que o festival é um espaço para o teatro e a cultura latino-americanos no Reino Unido, para públicos de todas as idades e origens. O objetivo é criar oportunidades para artistas britânicos e latinos se encontrarem, trocarem ideias, trabalharem e compartilharem práticas. “O que começou essa tradição foi o desejo de Daniel de construir uma ponte entre essas duas incríveis culturas de teatro”, acrescenta Catalina.

FALANDO A REAL Na programação deste ano, o CASA mantém a tradição de abordar questões sociais. É o caso da peça ‘Efeméride’, da atriz, diretora e escritora brasileira Gael Le Cornec, que aborda a violência contra a mulher. O texto é baseado em um estudo da Queen Mary’s University London sobre violência contra brasileiras em Londres e no Rio. Em outros exemplos, ‘Otelo’ usa Shakespeare para falar sobre feminicídio na América Latina; ‘Mendoza’ usa Macbeth para falar sobre o ciclo de violência rural que divide a sociedade mexicana; ‘Osmo’ e ‘The Only Thing a Great Actress Needs is a Great Play and the Desire to Succeed’ trata do que é permitido no palco, tornando político o espaço público. “O teatro é um espaço de debate e diálogo. É um espaço para apontar um espelho para o que está acontecendo em torno de nós. O programa deste ano faz isso. Venha e abra seus olhos”, convida Catalina Herrera. O CASA Festival acontece de 3 de setembro a 28 de outubro. Para mais informações acesse o site oficial www.casafestival.org.uk.

Imagem da peça ‘Otelo’

Julieth Méndez

Diversidade, qualidade e identidade latina são as marcas do CASA Latin American Theatre Festival, realizado em Londres, que este ano chega a sua décima edição oferecendo ao público adaptações, hiper-realismo, teatro novo e clássico, além de shows em português e espanhol. Uma das peças mais aguardadas é ‘Thebes Land’, de autoria do dramaturgo uruguaio Sergio Blaco e com direção de Daniel Goldman, criador do festival, que retorna ao teatro Arcola, para apresentações durante cinco semanas. A peça, vencedora do prêmio de Melhor Produção no Off West End Awards do ano passado, conta a história de Martin Santos, um jovem que cumpre prisão perpétua por matar seu pai. A produção fica em cartaz durante cinco semanas no Arcola Theatre. O festival traz ainda releituras de Shakespeare (‘Otelo’ e ‘Mendoza’), trabalhos originais (‘Efemérides’) e adaptações de histórias curtas (‘Osmo’, baseado em texto da escrita brasileira Hilda Hilst), entre outros. Além da programação principal, o

LITERATURA Considerada a irmã da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), o maior festival literário internacional da América do Sul, a FlipSide Festival celebra este ano sua quarta edição com uma programação estendida, em Snape Maltings (6, 7 e 8 de outubro) e Lowestoft (24, 25 e 26 de outubro), oferecendo literatura, música e diversas outras atividades. Apesar de ser recente, a FlipSide atrai cada vez mais pessoas. Uma das fundadoras e diretoras do festival, Liz Calder acredita que o sucesso se deve à diversidade e inovações que o programa traz para cada edição. “Acreditamos que as pessoas respondem à alegre e eclética mistura internacional de livros e literatura, os workshops, os jogos de capoeira e as aulas de dança, música e arte, com atividades para todas as idades”. Os escritores mexicanos Valeria Luiselli e Alvaro Enrigue trazem seus insights a partir do México e de Nova York; Nadia Kerecuk oferece uma viagem literária que percorre sua ampla experiência na literatura brasileira; Jelly Green exibe suas pinturas feitas durante o período em que viveu em meio a uma floresta brasileira no ano passado. Além de literatura, a FlipSide tem um vínculo especial com a música, especialmente a brasileira. Este ano o festival contará com apresentação da cantora brasileira baseada em Londres Mônica Vasconcelos. “A Mônica vai ser reconhecida pelos ouvintes da BBC World Service por suas interpretações emocionantes e sofisticadas do repertório da Bossa Nova, bem como suas próprias composições”, comenta Liz Calder. A programação também conta com Luiz Morais, jovem músico e compositor brasileiro que vai se apresentar em dois dias no palco externo; os irresistíveis sons afro-cubanos de Son Yambu; e o King’s Ensemble, que vai apresentar ‘A Noiva Do Condutor’; entre outros

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FlipSide Festival, maior do que nunca

PROGRAMAÇÃO INFANTO-JUVENIL Há este ano uma programação especial projetada especificamente para o público mais jovem – durante a segunda parte do festival, na cidade de Lowestoft. A produção criou uma floresta no meio da cidade, onde haverá aulas de capoeira, música, literatura e uma série de atividades artísticas. Para Genevieve Christie, uma das fundadoras do festival, o elemento familiar é muito importante na criação de um evento inclusivo que acolhe todas as idades e encoraja a participação popular. “Este ano, estamos programando oficinas de dança, percussão corporal e arte de grafite, além de novas ‘leituras completas’ de dois livros clássicos”, acrescenta. Outra novidade é o espaço verde, que funciona durante todo o fim de semana. “Nós acreditamos que é apropriado levar em consideração o estado atual do mundo, nas questões ambientais e políticas, e avaliar a maneira como vivemos agora através dos insights de nossos escritores e artistas. Novas ideias e motivos para refletir”, diz Liz Calder. Para mais informações visite o site oficial www.flipsideuk.org.


brasilobserver.co.uk | Setembro 2017 19

MÚSICA

EXPOSIÇÃO

Entender músicas nem sempre é tarefa óbvia. Tal como a famosa ‘Gostava tanto de você’, de Tim Maia, ou a sofisticada ‘Flores em você’, da banda Ira!, que falam de morte sem soarem fúnebres, surpreendendo os ouvidos desavisados. Nos anos de ditadura civil-militar (1964-1985), porém, dissimular a real mensagem não era somente questão de estilo, e sim uma necessidade imposta pela censura. Com o intuito de desvendar canções daquele período, a cantora Mônica Vasconcelos e o tradutor e professor David Treece estão oferecendo o Brazilian Resistance Songs Workshops. Trata-se de uma série de workshops em que músicas do mais recente álbum de Mônica, ‘The São Paulo Tapes’, são contextualizadas, cantadas e explicadas. Com apoio do Arts Council, os workshops são interativos, mais próximos de uma conversa do que uma palestra. De passagem por Londres, a professora da UNESP Fabiana Lopes participou do primeiro workshop, em julho, no King’s College: “Na plateia havia não apenas brasileiros, mas pessoas de vários outros lugares do mundo que se interessam e ouvem nossa música, e todos participaram”, comentou. Depois de uma contextualização histórica sobre a ditadura brasileira, o público tem o contato inicial com a música, com a letra sendo lida em português e em inglês, mas

ainda sem interpretação musical. Então Mônica e David articulam uma espécie de jogo de adivinhações: “Quem é o personagem desta música?”. “Alguém arrisca dizer por que a letra está dividida em duas partes?”. “Que instituição está sendo criticada aqui?”. Após os participantes serem ouvidos, chega o momento de Mônica cantar, acompanhada de Ife Tolentino no violão. É quando fica claro o contraste entre a dura realidade daquela época e a beleza das canções produzidas naquele tempo. “Eu contava com um evento de grande qualidade e de um excelente debate, mas não esperava me emocionar tanto com a interpretação das canções”, confessou a professora Juliana. Ao final, David volta à cena, relevando se as hipóteses da plateia sobre a música se confirmam ou não. O primeiro dos workshops trouxe as músicas ‘Agnus Sei’ (João Bosco e Aldir Blanc) e ‘Angélica’ (Miltinho e Chico Buarque). A plateia ainda teve seus cinco minutos de coro cantando ‘London London’, de Caetano Veloso, junto com Mônica. Os próximos workshops serão realizados no dia 24 de setembro, no Horniman Museum, e no dia 14 de outubro, no Vortex Jazz Club. Para mais informações fique de olho na página da cantora Mônica Vasconcelos no Facebook: www.facebook.com/monicavasconcelos.br. Ou escreva para mv@monicavasconcelos.com.

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‘Brazilian Resistance Songs Workshops’: entendendo as músicas da ditadura com Mônica Vasconcelos e David Treece

‘Diaspora’, por Rimon Guimarães A Maze Gallery apresenta a primeira grande exposição em Londres de Rimon Guimarães, o artista brasileiro cujos murais coloridos o tornaram um dos mais falados novos talentos na cena da arte urbana. Esta exposição segue um projeto realizado na Síria e no Líbano no início deste ano, que visava dar apoio aos refugiados sírios na forma de arte de rua. Depois disso, Rimon foi convidado para a cidade de Nova York, onde foi encarregado de pintar um mural em Queens. Junto com este conjunto de trabalho com duas dúzias de telas, Rimon criará um mural em Sho-

COMES E BEBES Londres ganha festival da caipirinha

DICA SECRETA Para mais informações visite www.londoncaipirinhafestival.co.uk. reprodução

O próximo encontro mensal do Brasil Observer, dia 12 de setembro, no Made in Brasil Boteco, contará com a participação da DJ Larissa Schlei (foto), do projeto Udigrudi. “Comecei a discotecar em 1999, no Brasil. Mudei em 2003 pra Londres, onde foquei na música brasileira. Coleciono vinis faz sete anos e adoro tocar com eles. Sou mais Seletora do que DJ, gosto de escutar e selecionar músicas para as pessoas que apreciam nossa cultura. Também coleciono música latina, africana, jamaicana e norte-americana”, explica Larissa. Para ouvir um set, acesse soundcloud. com/larissa-schlei. Para mais informações sobre o evento do Brasil Observer, fique de olho em nossas redes sociais! Divulgação

Para promover o Brasil como destino cultural, a associação VBRATA UK (Visit Brazil Travel & Cultural Association) realizará, de 5 a 17 de setembro, a 1ª edição do London Caipirinha Festival, com o apoio da Embaixada do Brasil em Londres e Embratur. Bares e restaurantes brasileiros com sede na capital da Inglaterra competirão para buscar a almejada coroa de vencedor da “melhor caipirinha em Londres”, entre outras categorias. A gastronomia brasileira está entre os itens mais bem avaliados pelos estrangeiros que viajam para o país. Na última pesquisa divulgada pelo Ministério do Turismo, 95,4% dos visitantes internacionais avaliaram positivamente a culinária brasileira. O público presente ao London Caipirinha Festival 2017 também poderá votar nas diversas categorias: a melhor caipirinha, o melhor bar de caipirinha, o melhor restaurante brasileiro, a melhor fusão da culinária brasileira, a melhor caipirinha de fruta, o melhor bartender, entre outras. Mais de 24 bares e restaurantes da capital inglesa estão confirmados para participar do festival.

reditch, coração da cena artística de Londres. A antropologia e a arte africana desempenham um papel importante no trabalho de Guimarães e grande parte desta coleção explora o tema da diáspora africana, que reflete a mistura cultural em todo o mundo. O trabalho de Guimarães lembra a cena artística Naïve do final da década de 1940. Cheio de cor, música e movimento, Guimarães tenta criar um estado de sonho pelo qual o indivíduo esquece sua monotonia diária. A exposição vai de 18 a 24 de setembro. Para mais informações, visite www.mazegallery.london.


20 Setembro 2017 | brasilobserver.co.uk

COLUNISTAS FRANKO FIGUEIREDO

Encontrando o positivo na crítica

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Franko Figueiredo é diretor artístico da Companhia de Teatro StoneCrabs e associado artístico do New Theatre Royal Portsmouth g

Nós, artistas, desejamos ter os méritos e falhas do nosso trabalho julgados por especialistas. Mas quem são esses especialistas? Qual é a bagagem deles? Quão profundamente eles conhecem a forma de arte que estão julgando? E como fazer o melhor uso da crítica que recebemos, seja ela construtiva ou não? Acabo de regressar do Festival Fringe de Edimburgo, onde foram realizados mais de 3.000 eventos, todos esperando bons públicos e comentários positivos. Uma boa crítica pode significar um bom público, mas muitos shows não são avaliados, e poucos entram nas listas de indicações das maiores publicações, de modo que cresceu consideravelmente o número de críticos e publicações. Na verdade, este ano houve uma grande discussão em torno de uma nova publicação on-line que estava planejando cobrar por suas críticas, mas os protestos foram tantos que o projeto não foi adiante. Mas, ainda assim, há centenas de críticos no festival, muitos no início de suas carreiras e poucos com anos de experiência. Quando você vai ver um show, há uma série de elementos que podem influenciar a opinião do público, que carrega expectativas positivas ou negativas que definitivamente influenciarão sua opinião. Também é importante ressaltar que não importa se o show foi criado durante um período de ensaio de duas ou quatro semanas, ou se já é um produto estabelecido, pois o processo não conta, só o produto final é julgado. Dale Carnegie, autor de ‘Como fazer amigos e influenciar pessoas’, diz: “qualquer tolo pode criticar, condenar e reclamar, mas é preciso caráter e autocontrole para ser compreensivo e tolerante”. Todos nós esperamos receber o maior número de estrelas possível, mas em que se baseiam essas estrelas? Às vezes, leio uma crítica que parece oferecer quatro ou até mesmo cinco estrelas, mas que no final valem três; ou leio algo que me parece três estrelas e é dado cinco. Qual é o jogo aqui? Seu palpite é tão bom quanto o meu. Ao longo dos anos, aprendi a receber críticas com desassombro. Valorizo muito ​​a opinião do público, mas é impossível agradar a todos. Alguns críticos não têm autoridade sobre o assunto que estão escrevendo e outros escrevem de maneira tão abrupta que os artistas se sentem pessoalmente atacados. Já li muitas críticas que são pura mesquinharia, algumas até se limitando ao bullying.

Entendo que a crítica e a rejeição são parte da vida, mas não podemos negar que isso pode ser perturbador e até mesmo deixar um sabor amargo duradouro. Podemos nos sentir miseráveis, irritados, feridos e assim por diante. Podemos até retaliar, mas eu tomaria cuidado isso. De qualquer forma, é preciso bloquear o pensamento negativo, pois ele só prejudica a autoestima e desperdiça valiosa energia. Se pudesse, eu evitaria ler qualquer crítica sobre meus próprios trabalhos, mas é impossível. Então eu leio as avaliações, e tudo bem se forem positivas; as avaliações negativas, porém, são realmente difíceis de aceitar. O que fazer? Ao longo dos anos aprendi que para crescer tenho que me certificar de que entendo perfeitamente a pessoa que me criticou, e se eu tiver a oportunidade faço perguntas, descubro mais sobre seus conhecimentos e tento entender o que contribuiu para que formasse determinada opinião. Se eu não concordar com a crítica, sigo em frente. Por outro lado, se eu concordar com a avaliação negativa, tento absorver a crítica, assumindo a responsabilidade pelo que deu errado. Muitas pessoas não são admitem seus erros, colocando a culpa nos outros, o que impede uma evolução. Uma vez que você assume o erro, você pode melhorar. É preciso tentar encontrar o positivo na crítica. Certamente, algumas críticas podem ser grosseiras. Mas, na maioria delas, é possível encontrar uma pepita de ouro, uma avaliação honesta e uma sugestão de melhoria. Às vezes é apenas alguém tendo um dia ruim, mas muitas vezes há pelo menos um grão de verdade na crítica. Atitude é a chave, e se você não se empenhar para ser mais positivo sobre as críticas que você recebe isso sempre irá derrubá-lo. Olhe a crítica como uma oportunidade para crescer e melhorar; ou mesmo para superar a pessoa que faz a crítica, provar que você pode fazer melhor no seu próximo projeto. Foi-me dito uma vez que, se sua produção for ruim, realize uma produção melhor assim que possível, pois você é tão bom quanto o seu último show. É mais fácil dizer do que agir, é claro, mas conhecer suas forças e estar pronto para ouvir e aceitar suas fraquezas é a coisa mais poderosa que você pode fazer.


brasilobserver.co.uk | Setembro 2017 21

HELOISA RIGHETTO

Boazinha não mais

Heloisa Righetto é jornalista e escreve sobre feminismo (@helorighetto – facebook.com/ conexãofeminista) g

Feminazi. É assim que muita gente define as feministas ativistas. O resultado de uma combinação de palavras tão errada, tão chocante, que demora a ser compreendida para quem escuta ou lê pela primeira vez. Começa bem, terminal mal. Um jargão que oprime, diminui, ofende e tem como objetivo calar um grupo de pessoas que luta justamente contra opressão. Muitas ativistas têm como estratégia se apropriar da palavra (como foi feito com o termo ‘vadia’ com o surgimento da Marcha das Vadias mundialmente) ou então banalizá-la, mas ainda assim acho impossível ignorar o ódio e insulto escancarados. Eu não recebi esse xingamento logo que me descobri feminista. Ele apareceu na minha vida – ou melhor, na minha timeline – depois que avancei algumas casas e incorporei o ativismo no meu dia a dia. Ele veio quando eu percebi que ser boazinha não estava surtindo efeitos. Foi apenas quando eu resolvi atirar uma pedra na vidraça que recebi o carimbo na minha carteirinha: feminazi! Eu cansei de ser boazinha. Cansei de escutar que preciso falar mais baixo, ser mais discreta, mais ‘feminina’. Cansei de receber conselhos não solicitados falando que eu devo cuidar mais da minha aparência. Cansei de ler matérias em revistas anacrônicas me mostrando

tudo que está errado com o meu corpo. Cansei de falar e ser interrompida, cansei de dar satisfação sobre o fato de não ter filhos, cansei de ouvir como sou sortuda porque tenho um bom marido. Cansei de disfarçar minha frustração, cansei de reprimir minhas palavras para não incomodar os outros. Cansei de me diminuir, fisicamente e intelectualmente, para não ser rotulada de ‘aparecida’. Cansei de não discutir com pessoas preconceituosas porque ‘elas são de outra geração e não vão mudar’. Estou brava, estou com raiva, e, como deixei bem claro, estou cansada. Eu não vou ‘pegar leve’ como feminista. A ideia de que eu preciso ser paciente, sorridente e manter minha calma diante as afrontas machistas que recebo diariamente apenas reforça os estereótipos de gênero que tanto queremos que desapareçam. Eles não vão sumir sozinhos, e para mim não basta me rotular como feminista. Sou uma feminista determinada a destruir o patriarcado. Muitas mulheres antes de mim abriram caminho para que hoje eu tenha direitos (muitos dos quais atrelados aos meus privilégios) impensáveis para elas há séculos (ou pior, décadas) atrás. E elas não esperaram pacientemente sentadas para que homens brancos, ricos e velhos de repente se transformassem em seres humanos razoáveis e benevolentes e decidissem mudar tradições, leis e regras

sociais que enchiam esses mesmos homens de privilégios. Mary Wollstonecraft escreveu a ‘Reinvindicação dos Direitos das Mulheres’ em 1791, quando outras antes dela haviam sido assassinadas por falarem o mesmo. Emmeline Pankhurst foi presa diversas vezes e alimentada à força na prisão quando fazia greve de fome, no início do século 20, por lutar pelo direito ao voto feminino. Sojourner Truth, que nasceu escrava, e até sua morte lutou pelo abolicionismo e pelos direitos das mulheres, fez o magnífico discurso “Ain’t I a Woman?” (Eu não sou mulher?) em 1851. Angela Davis, uma das mais icônicas ativistas do feminismo negro radical da atualidade, já esteve na lista dos 10 mais procurados do FBI. Eu tenho certeza de que nenhuma delas pensou que precisava ser ‘boazinha’ ou ‘calma’ para atingirem seus objetivos. Há séculos que toleramos machismo e misoginia. Há séculos que a maioria de nós mantém a compostura enquanto lida com injustiças. Não quero mais esperar pacientemente. O que alguns chamam de feminazi eu chamo de continuar a luta dessas mulheres nada boazinhas que vieram antes de mim. Eu vou colocar o pé na porta, eu vou levantar a minha voz, eu vou me fazer grande, eu vou colocar a busca pelo que me é devido em primeiro lugar. Reforcem as vidraças!

DANIELA BARONE SOARES

Deixando nossa marca

g

Daniela Barone Soares é parte da equipe do Inner Space. Para mais informações, palestras gratuitas em português, cursos, meditações e artigos acesse www.innerspace.org.uk

No alto de uma montanha, bem cedinho, eu observava o homem lavando o chão de um templo na Índia. Havia leveza nos seus gestos, e ele transmitia tal sensação de amor por aquela tarefa que resolvi perguntar: “há quanto tempo você faz esse trabalho?”, esperando que esse aparente entusiasmo e dedicação fossem por causa da novidade da tarefa. Ele disse “há 15 anos, todos os dias”. Isso aconteceu há vários anos e não consigo deixar de ser inspirada por esse homem e de relembrar essa estória. Ele não tirava significado da tarefa (limpar o chão), mas sim imbuía a tarefa de significado e valor – o valor dele, o significado de fazer a ação com amor. Eu senti esse amor naquele momento. E coisas assim não passam despercebidas. Assim como ele, a cada gesto, a cada ação ou interação com os outros, temos a oportunidade de deixar nossa marca: nos outros, na natureza, no planeta. Essa marca é o resultado de inúmeras impressões que deixo ao longo de cada dia, de cada hora, de cada minuto. Essas

impressões são geradas sim pelos meus atos, mas não só por eles: pois ainda que eu não esteja fazendo nada posso estar criando uma impressão, deixando uma marca. Ou seja, as impressões que deixo são criadas pela energia que eu emito, consciente ou inconscientemente. Por trás das minhas ações e interações com os outros, existem intenções, motivações e ‘filtros’ (através dos quais eu vejo e percebo as coisas, situações e pessoas). A qualidade dessas intenções, motivações e filtros irá dar cor às minhas ações, relacionamentos e atitude frente aos outros e às situações. Muitas vezes nem percebemos conscientemente essa energia – que, conscientes ou não, emitimos, vibramos e atraímos de volta, em consequência. Portanto, se quero construir um futuro onde atraio positividade, bons relacionamentos e boa qualidade de vida, preciso começar por estar consciente da energia que transmito: examinando minhas reais intenções, motivações e sentimentos. Tomando consciência dos filtros que tenho, e que bloqueiam minha visão do outro

como ele é (acabo vendo o outro como “a projeção interna que tenho sobre o que acho que ele é”, ou seja, impressões passadas do outro, informações sobre o outro, meus próprios pré-conceitos sobre essas informações). Essas informações e julgamentos formam dentro de mim a ‘personalidade’ do outro: através dela é que eu ‘filtro’ o outro: desde sua forma física até suas palavras e ações. Interpreto tudo a partir desse filtro. E respondo com a energia correspondente a ele. Para mudar isso e melhorar a qualidade da minha energia, preciso tomar consciência dela: desde a energia intrínseca (eu, o ser espiritual) até àquela que emito aos outros e ao mundo. A meditação que praticamos tem como objetivo ajudar o entendimento do eu autêntico: sem ‘contaminação’ por pré-conceitos, filtros, julgamentos ou energias negativas. Esse eu ‘puro’ então interage com os outros, com a natureza e com si próprio a partir dessa energia ‘pura’: que é positiva, e que atrai positividade e qualidade de vida. Quero deixar essa marca!


22 Setembro 2017 | brasilobserver.co.uk

CILENE TANAKA

‘Cinquenta Tons de Cinza’ é uma obra prima?

Cilene Tanaka é uma escritora de ficção e não-ficção g

Aviso: você não precisa ter lido esta ou nenhuma das obras que discutimos aqui pra aproveitar esta coluna. A ideia é justamente discutir literatura sem frescura. ‘Cinquenta Tons de Cinza’, então. Pois é. Vamos falar de um dos maiores sucessos editoriais de todos os tempos. Não por coincidência, um sucesso literário de vendas não parece competir dentre os finalistas nos concursos online que diariamente premiam os maiores gênios da literatura. E esta primeira contradição já me incomoda: onde é que tá escrito que mega sucesso não pode ser gênio literário? Na bíblia, logo ao lado de: “Oprimirás a comunidade LGBT”? Você pode estar esperando que eu conceitue o gênio literário ou algo assim, mas eu não vou. A super obra de arte não é ontologicamente (essencialmente) super obra de arte. Ela só vira uma grande obra porque acaba sendo reconhecida assim pelos pares, por quem importa ou, às vezes, pelo povo. Eu não compartilho da ideia de que o gênio literário é especial. Honestamente, sempre que vejo alguém sendo chamado de gênio (e geralmente este alguém é homem e branco), o imagino chorando com prisão de ventre, invejoso do amigo que faz cocô todo dia. Eu me treinei para, aos poucos, parar de achar a ideia de gênio assim tão genial. Acho que isto me dá uma visão mais lúcida de literatura em particular e de cultura e arte em geral. Progressivamente passei a ver quem acredita em gênio como vejo quem acredita em Deus: fã de ficção científica. Então a premissa quando formos discutir qualquer obra daqui pra frente é sempre a de que a obra é o resultado do trabalho mecânico de alguém que, como todos nós, sabe que ou só faz merda, ou só não foi descoberta a merda ainda. Partindo desta premissa, Beethoven e Chitãozinho & Xororó são, pra mim, ambos elementos legítimos da cultura de seu tempo. Aí você já pode começar a entender por que razão eu quero falar de ‘Cinquenta Tons de Cinza’ duma perspectiva mais intelectual. A maioria dos que leem literatura não se importa com gênio, mas com entretenimento. Por mais intelectual que você seja, gosta de se divertir quando lê. Então, além da minha vontade, o que será que torna ‘Cinquenta Tons’ uma obra interessante? Deixa-me começar com uma digressão curtinha – tem que ser curtinha, senão os que detestam a simplicidade de ‘Cinquenta Tons’ não têm paciência pra acompanhar, não é mesmo?

Eu sou palhaça formada. E o que isto tem a ver com literatura erótica? Não, meu argumento não tem a ver com perversões sexuais envolvendo nariz vermelho. Pare com isso, palhaço é coisa séria. Mentira. Meu professor de palhacice, Mauro Zanata, ensinava, sobretudo, improvisação. No curso dele não tem palhaçada sem improvisação, e improvisação envolve usar o material emocional que você tem da sua história de vida. Em outras palavras, o Mauro ensinava a gente a usar a própria tragédia pra transformar em comédia. Pra fazer isto, a gente precisava aceitar o lixo interno que a gente realmente é. A ideia é que com o tempo você aprenda a reciclar. No jogo de improvisação, o mais difícil era aceitar que, não importa o quão genial você acha que é, na verdade, na verdade mesmo, você é só mais uma bostona nadando neste oceano de cultura e biologia. Na improvisação, todo Shakespeare se descobria mesmo era Paulo coelho. Na improvisação a gente aprendia a falar qualquer merda que viesse primeiro à mente e aceitar que aquilo era a gente; sem edição ou revisão; a gente. O que vem primeiro à mente mostra um pedaço nada elaborado do que a gente é quando tem um mês pra escrever uma coluna literária, por exemplo. E a dificuldade da improvisação, pra todo mundo, era justamente aceitar este pedaço simplório, não elaborado, bobo e piegas. A dificuldade do curso de palhaço era aceitar que o palhaço era a gente, não o outro. E por que estou falando isto? O que isto tem a ver com um dos maiores bestsellers da história pós-moderna? Eu acho que muita gente reclama de livros como ‘Cinquenta Tons’ porque tem dificuldade em aceitar o jogo do palhaço. Muita gente tem dificuldade em fazer as pazes com seu ‘Cinquenta tons de Cinza’ interior. No âmago de todos nós há uma Annabelle adormecida; um pequeno Christian bilionário querendo tirar OB de dentro da vagina dos outros. No fundo, no fundo, todo mundo repete expressões e escreve frases simples usando vocabulário não muito elaborado – tá nem sempre no fundo. Mas a gente quer mais da literatura. A gente espera mais. Mas então, se a gente espera mais da literatura, porque ‘Cinquenta Tons’ vendeu mais do que, não sei, qualquer David Foster Wallace, por exemplo? Todos nós temos um ‘Cinquenta Tons de Cinza’ guardado dentro da gente, ansioso pra subir à superfície e respirar o ar puro do mercado editorial. Todos nós somos um pouco ‘Cinquenta Tons de

Cinza’, com sua simplicidade presenteada com sucesso de vendas, e sua inelaborada prosa sendo criticada pelos intelectuais invejosos do sucesso, mas não do conteúdo – como se isto não fosse em si já uma contradição simplória. Se você não consegue conversar sobre literatura com leigos, você não gosta de literatura de verdade, gosta do status. ‘Cinquenta Tons de Cinza’ é representativo de tudo da nossa cultura contemporânea: nossa inclinação à superficialidade, nossa idealização do criativo e do artístico – desde que só no jeito de vestir, nossa deslegitimação de certas perversões e aceitação de outras ainda mais absurdas. O retrato que ‘Cinquenta Tons de Cinza’ oferece da gente para as gerações futuras é bastante fiel. Sexo vanila, deusa interior e tudo. Se eu estou falando de “retrato fiel”, então quer dizer que estou analisando esta obra duma perspectiva realista/naturalista. Os movimentos literários do realismo e do naturalismo tinham justamente a premissa de “reproduzir”, “imitar”, “fotografar” a realidade. O nome disto na teoria literária é mimesis – um conceito de Aristóteles que a gente na academia usa errado até hoje, por sinal –, um problema de tradução e interpretação que vem se arrastando desde o século 15, mas que eu não posso explorar agora – se estiver curiosx, leia ‘O Demônio da Teoria’, de Compagnon. Pelo conceito errado de mimesis como imitação, ‘Cinquenta Tons’ me parece uma ótima fotografia da gente, tanto a obra em si quanto o fato de que fez tanto sucesso de público, quanto ainda o fato de que é completo insucesso de crítica. Sabe quais outros autores eram realistas/naturalistas? Charles Dickens, Jane Eyre, Jane Austen, Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim Manuel de Almeida, só pra citar alguns brits e brazucas. Mas tem uma galera do resto do universo ocidental considerada gênio que faz pouco mais do que ‘Cinquenta Tons’ em termos estéticos. Em termos de escola literária, ‘Cinquenta Tons’ figura entre os grandes e em termos de público também. Mas por alguma razão estranha, nenhum crítico literário quer levar sucessos enormes de público a sério, e isto pra mim é como não levar o público que leu a obra a sério. E, bom, se o crítico não está levando o público a sério, então o crítico não me interessa. Na academia (que geralmente é quem pariu estas desgramas críticas) a gente costuma chamar este crítico de “crítico de gabinete”. Se for


brasilobserver.co.uk | Setembro 2017 23

reprodução

pra ficar enfurnado na tua universidadezinha ou na tua classezinha branca burguesa, nem venha criticar pro meu lado. Prefiro o mundo múltiplo que, ao contrário do que o crítico de gabinete pensa, é mais variado. Muita crítica foi feita, por exemplo, a detalhes da narrativa: “Uma virgem que nunca se masturbou aos 21 anos?”; “ela perde a virgindade sem nenhuma dor?”; “sério que alguém tão bilionário pode ser também bonito?”. O nome deste gênero de detalhe chama-se, na teoria literária, “verossimilhança”. A verossimilhança é esta característica da prosa de ficção em se esforçar para se parecer com a realidade. Então quanto mais parecido com a realidade, mais verossímil; se não parecer com a realidade, é inverossímil. Aristóteles, Grécia antiga, gente, considerava a poesia inverossímil ruim. Então, sim, Aristóteles não ia curtir ‘Cinquenta Tons’, mas de acordo com a nossa interpretação errada do conceito dele de verossimilhança, então... A maior parte das críticas atuais feitas a ‘Cinquenta Tons’ se baseia na inverossimilhança das personagens e eventos da narrativa... sério? Se a gente fosse criticar a literatura de Sartre, Veronica Stigger ou Machado de Assis só com base na inverossimilhança, não sobrava livro sobre livro. Outra crítica comum é à pobreza vocabular e à estrutura semântica simples da obra. Bom, Jane Austen fez sucesso e é aclamada precisamente pela potência com que elabora coisas complexas através da linguagem simples; e nem me fale do Cordel e da poesia modernista brasileira cuja simplicidade chega a alterar a pronúncia de algumas palavras só pra fazer rimar. Isto tudo sem expandir a discussão para a música, teatro e cultura pop, né? Rap, improvisação, dança e TV têm como ingrediente essencial, adivinha, a simplicidade. E eu não estou vendo ninguém protestar contra TV. Cadê o Occupy Television? Occupy Chocolate e sua simples receita de cacau com açúcar? Alguém? Achei mesmo que não. A estrutura semântica simples até hoje gera preconceito, e não só no Brasil. A gente tem mania de achar que literatura é coisa de intelectual e que, portanto, não pode escrever como fala, sabe, é feio. Minha escrita de “tá” ao invés de “está” até hoje dá ojeriza em alguns dos meus colegas escritores brasileiros. O curioso é que muitos destes colegas se dizem até Beatnicks, o movimento da poesia da oralidade nos EUA – hilário, né? Pode falar errado, desde que seja em Engrish.

Se a tua especialidade não é literatura, fica a vontade pra falar besteira a respeito, agora se você é doutor em literatura brasileira e não vê valor em escrita oral, gente... é como um chefe de cozinha que não sabe fritar um ovo. Como um palhaço sem nariz. Como um sadomasoquista sem chicote. Como OB sem o fiozinho azul. Quanto à crítica de que as personagens seriam “pouco elaboradas”, vou fingir que o termo significa alguma coisa e argumentar, tá? Já que a perspectiva é da Anna, uma menina tonga e virgem, é natural que tudo pareça tongo e virgem. Considerando o brilhantismo de qualquer menina no começo dos seus vinte anos, a elegância e sofisticação toda do Christian pode muito bem ser, se visto por uma mulher de trinta anos, reles pretensão e pompa. Estamos vendo o Christian e todo o resto pela perspectiva dela, e ela nunca se pretendeu genial – nenhum autor se colocaria nesta posição a não ser num sitcom porque, sim, a ideia é risível. Também li crítico de respeito reclamando que o livro não é erótico o suficiente... gente... repete a frase em voz alta antes de escrever. Eu já estourei meu limite de caracteres, não posso explicar. A inverossimilhança não é o problema, e se os ditos intelectuais estivessem aceitando seus best-sellers interiores, o público geral ia certamente estar lendo mais Sartre. Eu sei, parece um salto meio grande este. Então me deixa tentar criar uma ponte pra me explicar: se a crítica literária, tanto acadêmica, quanto da mídia, estivesse mais preocupada em ser lida, talvez fosse mais lida. Se as pessoas que se julgam mais inteligentes ou educadas estivessem preocupadas em escrever para um público geral, talvez as críticas a ‘Cinquenta Tons de Cinza’ fossem mais inteligentes. Além disto, tudo tem ainda o americanismo malfeito, o feminismo e as repetições. Se a crítica estivesse fazendo o seu trabalho, não sobrava tanta coisa pra eu discutir em 1500 palavras, né? Então se você, critico, quer ajudar a literatura de qualidade a não morrer, vai ter que ir mais a fundo; só usar palavrinha bonita pra aplicar conceito errado de Aristóteles não cola. A gente precisa de mais. E enquanto a gente fica metendo o pau em ‘Cinquenta Tons’ por preconceito porque é muito vendido, a Bíblia continua sendo o maior best-seller de todos os tempos, mesmo com o surgimento de novos autores, melhores do que os apóstolos, e de personagens mais complexos do que Jesus. Mas, bom, quem sabe? Vai que eu mordo a língua em vez do lábio?


24 Setembro 2017 | brasilobserver.co.uk

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