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Irmãs quase gêmeas

Idênticas, mas com 30 anos de diferença. Black Knight e Kizbel juntas pela primeira vez para completar uma história artesanal regada de coincidências –e também o sonho do barco de pesca perfeito para a família

Por: Marilyn Mower

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Fotos: Kos Pictures

Adaptação: Brenda Leão

A série de coincidências que levou o encontro desses dois barcos deve fazer até o mais cético acreditar em destino. Mesmo idênticas, muitos fatores as separam: o tempo (30 anos), dois estaleiros e proprietários de continentes diferentes. O barco de casco escuro é Black Knight; o barco de casco branco é Kizbel. Eles viajaram juntos pela primeira vez e ancoraram no Caribe. A Boat International acompanhou esse momento, que simbolizou o fim de uma história que começou em Boston, Massachusetts, EUA, há 121 anos.

Walter J. McInnis nasceu em uma cidade da costa leste dos Estados Unidos, em 1893. Quando jovem, encontrou um emprego de verão em uma escuna de pesca, mas também era aprendiz de desenhista. Ele traçou seu caminho no renomado estaleiro George Lawley & Son, onde aperfeiçoou suas habilidades de projetar veleiros, lanchas e navios para a Primeira Guerra Mundial. Este último modelo foi fundamental para seu crescimento, especialmente para um iate de 21,6 metros, batizado de Valia, que se tornou o protótipo para um série de cruzeiros rápidos durante a “Lei Seca” (lei que proibia a produção, transporte e venda de álcool ou bebida alcoólica nos Estados Unidos durante o período de 1920 a 1933). Consequentemente, um barco de 23,7 metros foi encomendado pela Guarda Costeira do país para capturar os traficantes.

Os barcos de pesca ganharam fama. Até então, McInnis tinha formado a empresa Eldredge-McInnis em parceria com Albert Eldredge. A reputação era de projetos confortáveis, com boa navegabilidade e aparência. Em 1966, ele desenhou um 25,3 metros com decks abertos a meia-nau, chamado Lion’s Whelp, que causou problemas com a arqueadura do casco.

Dois anos depois, ele adaptou o projeto, desenhando uma versão de 25 metros com o arco da proa mais largo, que foi construído pelo estaleiro Goudy & Stevens Yacht, em Vila Velha Harbour. Batizado de Cassiar, o design foi pensado especialmente para a pesca de peixe-espada para

Mellon Bank. Nove anos mais tarde, em 1975, McInnis se aposentou e doou seus primeiros desenhos ao museu Mystic Seaport, em Connecticut, enquanto seu filho, Alan McInnis, estudava a fundo, desde 1950, os desenhos do pai.

Cassiar passou um tempo como barco de pesquisa e, em seguida, tornou-se propriedade de William Combs Jr, membro do New York Yacht Club. Rebatizada de Black Knight, o novo dono permitiu que o clube a usasse como barco de comissão durante a famosa Copa América de 1983, quando o veleiro Liberty de Dennis Conner perdeu para o Austrália II. Ela foi então vendida para um empresário sueco, que a levou para o mundo dos cruzeiros. Em 2001, Black Knight hospedou a princesa do Reino Unido Anne, em Cowes, Inglaterra, para a Copa América Jubileu. Em 2002 e 2003, ele era o barco de hospitalidade para o desafio sueco da Copa América de Nova Zelândia e o barco de comissão para Louis Vuitton Cup. O capitão, à época, era o americano Jason Berman.

Certo dia, em 2003, Berman estava polindo Ryco, um iate esportivo de pesca de 14 metros, pertencente aos filhos do proprietário da Cassiar, nas Bahamas, quando um homem com três filhas pequenas perguntou se o barco estava disponível para charter de pesca. “Eu respondi que não era realmente um capitão de charter. Eu só tinha levado amigos do proprietário. Mas o rapaz foi bastante insistente e eventualmente o levei para pescar”, relembrou Berman.

Na verdade, nos três anos seguintes, o homem, um empresário britânico, tinha reserva para pescar com Berman a bordo em uma série de barcos durante as férias de primavera de suas filhas. “Nós conversávamos muito sobre barcos enquanto ele estava a bordo. Ele me disse que gostava de iates de estilo clássico e adorou as fotos do Black Knight. Então, ele me pediu para eu encontrar um barco de 80 a 100 pés (em torno de 24 a 30 metros) que poderia navegar nas Bahamas sem a necessidade de uma grande tripulação. Eu fui em muito lugares e procurei vários barcos. Então, um amigo me contou que a irmã da velha Black Knight estava à venda”, detalhou Berman.

Entretanto, McInnis nunca projetou a irmã e nem o estaleiro Goudy & Stevens a fabricou. Esse novo barco tinha, de fato, sido construído por um dos estaleiros mais antigos dos Esta - dos Unidos, o Hodgdon Yachts, localizado na costa do rio Damariscotta. Em 1979, Tim Hodgdon, da quinta geração da família, buscou expandir os horizontes de sua empresa e começou a anunciar-se como construtor de projetos pré-moldados. Não demorou muito para ter seu primeiro cliente. Um homem da Flórida gastou tempo e energia consideráveis tentando comprar a Black Knight, já que tinha se apaixonado pelas linhas do iate. Depois da tentativa frustrada, ele apostou em uma saída melhor: se apoderou dos planos de construção originais do barco de Alan McInnis e se aproximou de Hodgdon. “Já que Goudy & Stevens estava fora do negócio, ele perguntou se gostaríamos de construir uma réplica, modernizando alguns detalhes mas mantendo a antiga forma: prancha dupla em quadros de vapor”, contou Tim Hodgdon. Não era o tipo de contrato que Hodgdon estava esperando, mas o proprietário de 29 anos do estaleiro aceitou o acordo. O barco tornou-se o primeiro grande iate da nova geração de Hodgdons que seria construído e o último

QUASE

O interior de Kizbel é mais volumoso porque o posto de comando começa um pouco mais à frente do que na Black Knight de estrutura de anteparas a deixar a fábrica. O iate Yorel foi finalmente lançado em 1989 após quatro anos de construção.

Dezessete anos depois, em 2006, esta foi a embarcação que Berman foi conhecer em nome do empresário britânico. “Eu não podia acreditar no bom estado em que ela estava. Na verdade, eu voltei para vê-la mais três vezes. O layout deixava a desejar para uma família jovem, mas havia mais espaços abertos do que a Black Knight. Eventualmente, pedi para o meu cliente ver o barco. Ele me perguntou se eu o tinha amado. Eu comecei a contar para ele sobre outra coisa e ele me interrompeu e perguntou de novo: ‘Você amou o barco?’. Dessa vez, eu claramente disse sim. Então, ele disse: ‘Ok, vamos comprá-lo’”, contou Berman.

Uma das primeiras coisas que o novo dono fez foi mudar o nome do iate para Kizbel, uma mistura dos apelidos de duas de suas meninas. Um barco de corrida leva o nome da terceira filha – para evitar ciúmes. “Eu fiquei muito feliz por ter conseguido este barco e eu não queria mudar muita coisa tão rápido”, disse o proprietário. Mas algumas modificações foram definitivamente necessárias. O trabalho foi elaborado em conjunto de Berman e o estúdio Mlinari Henry & Zervudachi. O proprietário teve algumas ideias: criar uma cabine VIP adequada para convidados, refazer um quarto para acomodar as meninas, aumentar o banheiro da suíte máster e reconfigurar o salão principal para o desenho original do ambiente. A área de estar coberta na popa seria um bar e o mobiliário proporcionaria refeições ao ar livre. “Minha prioridade era fazer com que todos os assentos fossem mais confortáveis. É impressionante a quantidade de iates que eu estive sem um único lugar confortável para sentar”, revelou o dono.

Uma vez que os planos foram trilhados, o proprietário pediu ao fabricante Hodgdon cotar o projeto. “O casco estava em ótima forma quando retiramos a embarcação da água. O novo dono tinha ótimas ideias. Ele tinha usado e sabia que as mudanças a tornariam melhor”, disse Hodgdon. E para o estaleiro ter a chance de melhorar seu primeiro grande contrato foi um grande desafio profissional.

“O que me surpreendeu foi a forma como o bronze usado no casco estava degradado. Quando eu tirei alguns itens do interior, a área ao redor dos escapamentos apresentou um nível inteiramente novo de preocupação. Mas tínhamos os desenhos originais e alguns rapazes na tripulação que, assim como eu, sabiam o que fazer. Trabalhamos juntos para concertá-lo”, revelou Tim. Kizbel passou cinco meses com Hodgdon, que substituiu os silenciadores, reconstruiu o sistema hidráulico e chumbou todo os sistemas de água do mar e de drenagem. O estaleiro também substituiu toda a parte de iluminação, corrente, âncoras e equipamentos de comunicação e navegação eletrônica.

O novo espaço no sundeck atrás do posto de comando no flybridge torna Kizbel diferente da Black Knight, assim como um bar destinado para os charutos do proprietário em frente ao leme. Na proa, por sua vez, Hodgdon criou um novo mobiliário para corresponder à disposição da sua irmã mais velha. Um bar grande foi descartado para dar lugar a melhores assentos e mesas, que podem ser usados para refeições. Estantes foram colocadas em cada canto disponível para aproveitar o espaço para o armazenamento de utensílios. Um pequeno assento estofado a estibordo e uma mesa dobrável são as únicas concessões para uma sala de relaxamento.

Kizbel tem um interior mais volumoso porque oposto de comando começa um pouco mais a frente do que na Black Knight. Essa condição significa mais espaço para a tripulação no deck inferior, redesenhado para parecer com o interior de um J Class. A nova cozinha garante mais espaço, além de ser equipada com uma adega de vinho. Na sala de máquinas, os estabilizadores originais Vosper foram substituídos por Naiads, que são mais po - tentes. Unidades de geradores 32kW em caixas de som com silenciadores foram colocadas no lugar de geradores 50kW. Para aproveitar ao máximo tudo o que Kizbel pode oferecer, o proprietário a deixa disponível para os executivos de sua empresa e para reuniões de negócios, ao invés de fretamento para desconhecidos.

Uma vez de volta à água, o empresário britânico teve mais uma excelente ideia e promoveu um encontro épico. Mesmo sendo, efetivamente, o mesmo barco, Kizbel e Black Knight – gêmeas nascidas com 30 anos de diferença – nunca se encontraram. Na primavera de 2014, as agendas das duas embarcações coincidiram pela primeira vez e o proprietário da irmã mais nova decidiu documentar o encontro (e o resultado pode ser visto nessas páginas). Os dois iates cruzaram juntos as águas de Bahamas, escrevendo um novo capítulo dessa história de dois barcos separados por décadas, mas ligados por um projetista, um capitão e um proprietário que queria levar suas filhas para pescar.

MESMA

FORMA

O casco foi construído idêntico ao de Black Knight

PROA

Área social com mesa de jantar, assentos confortáveis e bar

Comprimento total : 25 metros

Boca : 6 metros

Calado :1.7 metro

Tonelagem Bruta : 63GT

Propulsão : 2 x Duetz

Velocidade (Máx/ Cruzeiro): 14.5 nós / 10.5 nós

Autonomia de 1.600 milhas náuticas a 10 nós

Geradores : 2 x Kohler 32kW

MODERNIZADO

No posto do comando do flybrigde, uma nova cadeira foi colocada

SALÃO equipado com um pequeno bar, sala de estar e jantar

Kizbel

Estabilizadores : Naiad

Tanque de combustível : 10.600 litros

Capacidade de água doce : 3.030 litros

Proprietário e convidados : 6

Tripulação : 3

Tender : 1 x 7.6m

Hurricane Zodiac

Construção : madeira

Classificação: iate a motor

Arquitetura Naval : Hodgdon Yachts

EXTRA a mudança no posto de comando do deck superior permitiu mais espaço para a tripulação

Reconfigurado

Kizbel agora tem uma suíte maior e um camarote VIP adequado à necessidade do proprietário

Design Interior : Mlinaric, Henry and Zervudachi

Ano de construção: 1989 / Hodgdon Yachts

Ano de refit : 2014 / Hodgdon Yachts