24ª Bienal de São Paulo (1998) - Roteiros / Routes

Page 219

exibindo o dom político inestimável de ser capaz de dormir com os olhos abertos-e a beleza disso tudo-só um pouquinho apertados. Como os olhos de uma pessoa atenta, prestando uma atenção receptiva e benevolentemente crítica ao que quer que esteja acontecendo, grita: Vive la Sécheresse!41 A sessão plenária se encerra na maior balbúrdia. Caliban assume o controle da conferência e instala Mudimbe e Ngugi na mesa dos conferencistas. CALlBAN: Em relação ao Continente Negro, começa-se a entenderque o verdadeiro poder deles não estava absolutamente nos canhões da primeira manhã, mas naquilo que se seguiu aos canhões. Assim, por detrás dos canhões estava a nova escola. A nova escola possuía a natureza tanto do canhão quanto do ímã. Do canhão, ela extraiu a eficiência de uma arma de guerra. Mas, melhor do que o canhão, ela tornou a conquista permanente. O canhão força o corpo e a escola fascina a alma 42 . NGUGI WA TH ING'O: O verdadeiro objetivo do colonialismo era controlar a riqueza do povo: o que produzia, como produzia e como isso era distribuído; controlar, em outras palavras, toda a esfera da linguagem da verdadeira vida. O colonialismo impôs seu controle sobre a produção social da riqueza por meio da conquista militar e da subseqüente ditadura política. Sua área de dominação mais importante foi, porém, o universo mental do colonizado, o controle, pela cultura, de como as pessoas se viam e como viam sua relação com o mundo. O controle econômico e político jamais poderá ser completo ou eficaz sem o controle mental. Controlar a cultura de um povo é controlar seus instrumentos de autodefinição em relação aos outros. Para o colonialismo, isso envolvia dois aspectos do mesmo processo: destruirou subestimar propositalmente a cultura de um povo, sua arte, danças, religião, história, geografia, educação, oratória e literatura, e exaltar conscientemente a língua do colonizador. O domínio da língua de um povo pelas línguas das nações colonizadoras foi fundamental para o domínio do universo mental do colonizad0 43 . A SOMBRA DE LÉOPOLD SÉNGHOR: Nós nos exprimimos em francês, pois o francês tem uma vocação universal e nossa mensagem também se dirige ao povo francês e a outros povos. Em nossas línguas, a aura que rodeia as palavras é, por natureza, meramente constituída de seiva e sangue; as palavras francesas irradiam milhares de raios, como diamantes 44 . FRANTZ FANON: Não percamos tempo com litanias estéreis 45 . V.Y.MUDIMBE: Sugiro considerarmos as obras de arte africanas do mesmo modo como consideramos os textos literários, isto é, como um fenômeno (narrativo) lingüístico, assim como circuitos discursivos 46 • ••• Em primeiro lugar, coloca-se a questão de saber quem pode ou deve falarvalidamente sobre a África e a partirde qual ponto de vista. Em segundo lugar, existe a questão de se promover "discursos" sobre os outros, agora que aprendemos uma lição essencial com a crítica ao discurso missionário e antropológico: os "selvagens" sabem falar, não apenas quando sua própria existência e suas tradições estão em jogo, mas também quando se trata de avaliar procedimentos e técnicas que dizem respeito à descrição de sua existência, de suas tradições e crenças47 . CALI BAN: Sim, não se fica parado num lugar para se observar uma pantomima48 . v. Y. MUDIMBE: Para o artista formado nas oficinas e escolas de arte da era colonial, o currículo ali adotado prescreveu reflexos e reações vigorosas. Até mesmo nas instituições mais conservadoras, a educação significava uma conversão, ou pelo menos uma abertura, para outra tradição cultural. Para todos esses artistas, a realidade orgânica de uma modernidade se incorporava ao discurso, aos valores, à estética e à economia de troca do colonialismo. Em conseqüência, poderíamos ser seduzidos pelo sistema geral de Edmund Leach, de oposições entre as duas tradições, e poderíamos formular uma hipótese sobre uma cautelosa competição entre elas: quanto mais tradicional a inspiração para uma obra de arte, menos sua configuração geral e seu estilo possibilitariam uma PROSPERO,

Candice Breitz Rainbow series #5 Série arco-íris nº5 edição de 3+PA [edition of 3+AP] 1996 cibacromo 152x102cm

217 África Lorna Ferguson e Awa Meite


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
24ª Bienal de São Paulo (1998) - Roteiros / Routes by Bienal São Paulo - Issuu