17ª Bienal de São Paulo (1983) - Exposição: Arte Plumária

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PLUMÁRIA KARAJA Maria Heloisa Fénelon Costa

Os registros de Ehrenreich e Krause (viagens de 1888 e 1908) e dados resultantes do exame de coleções de plumária Karajá de até meados deste século, comparados a resultados de observações efetuadas em 1979/80, na região de Araguaia e particularmente na aldeia de Santa Isabel do Morro, na ilha do Bananal, sugerem que vem ocorrendo há longo tempo o empobrecimento da plumária Karajá, em conseqüência das modificações sobrevindas à vida indígena, através do contato da sociedade Karajá com a sociedade nacional. Tal empobrecimento manifesta-se de duas maneiras: pela desaparição de tipos plumários presentes no fim do século passado e começos do XX, os quais foram estabelecidos por Berta G. Ribeiro, a partir do estudo de peças no acervo do Museu Nacional; e pela menor variedade de espécies ornitológicas empregadas na confecção dos adornos, porquanto se intensifica, cada vez mais, o processo de rarefação da avifauna local. Em alguns casos, deixou de ser usado material ornitológico como elemento complementar a peças de outra natureza, por exemplo, em se tratando dos mosaicos de penas e dos pingentes usados nos capacetes das máscaras de dança em trançado de palha. Há cerca de vinte anos (1957 e 1959/60) já começavam os Karajá a substituir o material plumário destes mosaicos, colocando, no lugar das penas, pedaços coloridos de pano. Hoje, conforme registros efetuados em 1979/80,

Cinta -

Karajá (116).

só utilizam na confecção dos mosaicos fazendas compradás na cidade próxima de São Félix (Estado de Mato Grosso). (Os pingentes das máscaras ainda são constituídos de penas.) Uma equipe do Setor de Etnologia e Etnografia do Museu Nacional (UFRJ), sob minha coordenação, vem realizando pesquisas na região do Araguaia, com apoio da FINEP: entre os pesquisadores contam-se o ornitólogo Dante Luiz Martins Teixeira e a etnóloga Edna Luísa de Melo Taveira. Esta documentou, em fevereiro de 1980, o uso de adornos plumários na festa de Hetôhokã (de iniciação à Casa dos Homens, dos rapazes Karajá com cerca de 12 anos). O ornitólogo Martins Teixeira efetuou na ocasião registros que apresentam relevância para a pesquisa proposta. Eram usados em fevereiro de 1980, durante o Hetôhokã, os seguintes adornos masculinos: o leque para o occipício (ahetô), ornato de cabeça usado só pelos jovens que já estão incluídos nos últimos graus etários da Casa dos Homens, ou pelos já casados; e a cinta (uétekâna), adereço de cintura que apresenta pingentes plumários. Usavam também os rapazes mais velhos brincos em forma de roseta, com o interior em madrepérola. Os meninos de 12 anos, iniciandos, ostentavam coifas de penas de arara-vermelha. O ornitólogo Martins Teixeira arrolou as aves observadas nos arredores de Santa Isabel, e ainda elaborou um trabalho sobre os elementos plumários das máscaras de danças dos Karajá. Segundo suas observações, há dois núcleos principais de aves que fornecem penas para os adornos e também para complementar a decoração de objetos vários: a saber, "aves aquáticas" e "xerimbabos". Entretanto, as aves aquáticas são predominantes. Empregam agora os Karajá penas de aves domésticas (galinhas, galinhas-d'angola) para enfeitar alguns objetos de uso não ritual. É possível que, mais tarde, mesmo os de uso ritual passem a receber também penas de aves domésticas, ou quaisquer outros materiais estranhos, à semelhança do que ocorreu quanto aos mosaicos de penas das máscaras de dança. O declínio da arte plumária poderá ser uma das conseqüências da crise que atravessa a sociedade Karajá, quando se constata a desvalorização da própria cultura, e mesmo da própria pessoa humana Karajá, o que se manifesta através da violência e da embriaguês.

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