11. A Noiva Despida por Seus Celibatários, Mesmo 1. O Tema André Breton chamou O Grande Vidro de "uma espécie de grande legenda moderna"5 e aparentemente não se poderia encontrar nenhuma definição mais apropriada. O tema dessa obra é uma variação contemporânea de um dos mais antigos mitos que originaram um tabu quase universal: o hierático incesto entre o Céu (princípio urânico feminino) e a Terra (princípio ctônico masculino) personificados aqui pelo Celibatário (Mareei Duchamp) e pela Noiva (a irmã de Mareei: Suzanne). Desde que o coniunctio físico jamais ocorreu deixem-me esclarecer, desde já, que tal caso amoroso não poderia materializar-se, visto que aconteceu num nível puramente inconsciente - , foi substituído por uma atividade voyeurista que assistia à Noiva despida por seu Celibatário. Assim, o primeiro esboço preliminar (datado de julho de 1912) do Vidro sugere, de saída, que o relacionamento sexual foi deslocado do nível físico para o mental, desde que apresenta o subtítulo "Primeira Pesquisa para: a Noiva despida pelos Celibatários" e o título Mécanisme de la Pudeur/Pudeur Mécanique (Mecanismo do Pudor/Pudor Mecânico). Como que visando a compensar essa perda de tensão erótica, o prazer derivado do voyeurismo é acentuado pela modéstia da Noiva. Esse título não é indicativo, tão somente, do
estado mental da Noiva: Pudor Mecânico é um epítome da nat[Jreza da Noiva, que em O Grande Vidro é representada como uma complexa maquinaria "despida" de todas as conotações românticas. Mesmo a modéstia assume um aspecto "mecânico" e não sensual. O título original em francês de O Grande Vidro La Mariée Mise à Nu par Ses Célibataires, Même contém um trocadilho que oculta todo o tema da obra - um caso de amor impossível entre uma virgem pouco convicta e um ansioso celibatário. Basta substituir même por seu homófono m 'aime e o título resulta em: A noiva despida por seus celibatários me ama. A utilização do trocadilho no título revela não apenas seu tema como também sua natureza basicamente mítica. Como todos os mitos, este também envolve o emprego de uma linguagem alegórica e simbólica, na qual os jogos de palavras e as metáforas ocultam o conteúdo real. Perceberemos, ao discutir a seqüência de O Grande Vidro, que seu caráter fantástico e seu desenvolvimento incoerente "não analisável pela lógica" (nota 1)6 são, de fato, típicos de mitos e situações oníricas em que as leis de uma ordem aparentemente natural são ignoradas. Como Jung, a propósito, observou, "uma história contada pela mente consciente possui um início, um desenvolvimento e um fim, mas o mesmo não é verdadeiro para o sonho. Suas dimensões no tempo e 'no espaço são muito diferentes".7 O subtítulo do Vidro, que o descreve como uma "máquina agrícola", é igualmente revelador, sendo uma óbvia referência ao conceito tradicional da agricultura como o casamento simbólico entre a Terra
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~
!Jl (,
~ Nu em Pé/ Standing Nude, 1911
12
A Noiva Despida por Seus Celibatários, Mesmo (A Caixa Verde}/The Bride Stripped Bare by Her Bachelors, Even (The Green Box), 1934