Vista hoje, Wanda Svevo pode ter sido um daqueles personagens reais, como muitos retratados na literatura e no cinema, nascidos no entre guerras do século 20, cujas vidas foram profundamente afetadas por elas. São pessoas marcadas por um destino terrível, perderam tudo, sofreram perseguições, exilaram-se. Tiveram que mudar de país para poder sobreviver, buscar novas possibilidades, ter algum sonho, reconstruir uma vida marcada pela tragédia da história. Alguns acabaram tocados pela fortuna novamente, enquanto outros se perderam na imensa memória da brutalidade da espécie humana.
Wanda Svevo Wanda Svevo em foto oficial foto Arquivo Histórico Wanda Svevo
Nascida em Trieste, na fronteira da Itália com a Áustria, de uma família tradicional da região, ou, como dizia ela, “descendente de piratas e navegadores do fundo do Adriático”, Wanda Svevo era uma mulher bonita, loira, com profundos olhos azuis, inteligente e culta, que falava seis línguas e era parente do grande escritor italiano Italo Svevo. Não se sabe bem quando chegou ao Brasil e por que veio parar em São Paulo. Deve ter sido durante a Segunda Guerra, pois conhecemos um retrato seu, uma mulher jovem, feito pelo artista também refugiado Ernesto De Fiori, que morreu em 1945. Teve um filho, mas pouco se sabe dela antes de 1950, quando foi trabalhar no Museu de Arte de São Paulo (Masp), com Pietro Maria Bardi. A partir daí tornou-se um dos personagens mais conhecidos e queridos do meio artístico paulistano naquele tempo, tendo trabalhado ainda na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e como diretora de uma das primeiras galerias de arte moderna da cidade, a Ambiente, onde revelou artistas importantes como Fernando Odriozola, Raimundo Oliveira e Spacal. De onde vinha seu conhecimento de arte não se sabe, mas o fato é que foi uma grande incentivadora e amiga dos jovens artistas, uma profissional empenhada e comprometida com as organizações em que trabalhava, e, sobretudo, uma trabalhadora competente e preparada para as tarefas e os procedimentos necessários a essas instituições. Convidada por Ciccillo Matarazzo a colaborar também com o Museu de Arte Moderna (MAM) e envolver-se especialmente com a organização das bienais, pois era uma mulher cosmopolita e com ligações profissionais em toda parte, em 1954 ela foi encarregada de organizar os Arquivos Históricos de Arte Contemporânea do museu, que segundo ela era o lugar para “uma coleta contínua de dados, todo o conhecimento vivo da atualidade artística, não só em relação direta e imediata com a realização das bienais, mas ainda em um corolário à margem desses certames artísticos, na ordem de uma ligação com os acontecimentos paralelos, os museus, as exposições, as iniciativas que ocorrem no mundo das artes, no país e no exterior, e que possam interessar a nossa organização. (…) Em sentido amplo, os Arquivos não consistem, portanto, em colher e registrar os dados, mas em sistematizá-los, atualizando-os sempre, dandolhes uma função a serviço da divulgação das coisas das artes, nacionais e estrangeiras, funcionando não só consultivamente, como na própria promoção dos esforços de divulgação e propaganda dos objetivos da nossa instituição (o MAM e a Bienal), particularizados em fatos artísticos, nomes e trabalhos, em intercâmbio cultural, numa ativa mediação entre os acontecimentos e o seu conhecimento, local e exterior”. Com o desligamento da Bienal do MAM e a criação da Fundação Bienal de São Paulo, em 1962, Wanda Svevo foi nomeada secretária executiva da nova organização, responsável direta pela organização das mostras bienais, em reconhecimento a sua competência, profissionalismo e dedicação. Infelizmente, quando viajava ao Peru, a serviço da 7ª Bienal, em 1962, morreu prematuramente em um desastre aéreo na cordilheira dos Andes. Como registrou o crítico Geraldo Ferraz por ocasião de sua morte, ela era a “imagem da dedicação” aos artistas, à Bienal e à arte, uma mulher comprometida com a difusão do conhecimento e o desenvolvimento do seu país de adoção. As premissas conceituais e programáticas delineadas por ela ainda orientam os trabalhos dos arquivos na Fundação Bienal, hoje nomeados Arquivo Histórico Wanda Svevo, uma afirmação e homenagem da importância de sua contribuição para consolidar a Bienal de São Paulo.
Ivo Mesquita curador da 28ª Bienal
28b -----6+++ sexta-feira 28.11.2008
O PERSONAGEM
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