31ª Bienal de São Paulo (2014) - Livro

Page 212

Mediação para além das instituições, por Cayo Honorato Em primeiro lugar, uma mediação crítica também deveria ser autocrítica, tanto em relação a si mesma quanto à mediação cultural em geral. Isso significa que ela deveria não só expor ou denunciar, como também se implicar no que ela critica. Minha percepção é a de que, no campo das relações entre as artes e a educação, isso a que nos referimos como mediação é, invariavelmente, uma iniciativa das instituições, o que nos apresenta, por si só, contornos de um regimento largamente impensado. Justamente, é o enquadramento político-institucional da mediação ou, melhor, de cada mediação, assim como as circunstâncias histórico-culturais em que ela tem sido chamada a trabalhar, o que de certo modo permanece inconsciente, fora de pauta. Suas motivações, nesse sentido, podem se tornar indesejavelmente neuróticas. Decerto, tal condição interfere/repercute noutras tantas questões: das concepções de públicos, invariavelmente a-históricas, à identidade profissional do mediador, invariavelmente ligada à precariedade. Diante disso, uma mediação crítica deveria ser capaz de sinalizar ou mesmo imaginar/realizar uma mediação trans- ou extrainstitucional. A função antipedagógica da arte, por Graziela Kunsch A mediação crítica é aquela que se recusa a oferecer respostas na ausência de perguntas. Mas isto não significa o mediador ficar calado e só falar se alguém pedir a sua ajuda. A mediação crítica pode ser propositiva, causando estranhamento/surpresa, desconfiança/dúvida. E também pode acontecer sem a presença do educador. Um dos curadores da 31ª Bienal me confidenciou que quer colocar um canto Maxakali como mediação de uma obra no audioguia da exposição. Esta talvez seja a maior contribuição da educação através da arte; abrir caminhos. A arte pode mostrar que o impossível é possível, que o errado pode ser certo, que não entender as coisas pode ser bom. A sobrevivência do espanto, por Jorge Menna Barreto Entendo que uma mediação crítica seria aquela que não busca facilitar a experiência do público, no sentido de tornar a obra mais transparente, mas a que busca estratégias de multiplicar a sua poeticidade (poética + opacidade). Gosto de pensar na diferença entre a homeopatia e a alopatia. A alopatia, diante de um sintoma, procura combatê-lo, silenciá-lo até. A homeopatia, por sua vez, busca salientá-lo, até intensificá-lo, para que então o corpo mesmo reaja. É assim também que os soros antiofídicos funcionam no caso de uma mordida de cobra. A cura (reação) não está na supressão, facilitação ou diluição do conflito presente em uma obra, mas na intensificação do sintoma, na concentração, na potencialização. Gosto de pensar que as boas obras são aquelas que nos picam e inoculam um veneno que não nos deixa dormir, que alteram o nosso eixo de equilíbrio. Uma mediação crítica é fiel ao veneno e consiste em uma segunda picada. O discurso edificante e benevolente da maioria dos departamentos educativos de instituições artísticas me dá enjoo, pois opera a partir do apaziguamento do conflito, garantindo digestibilidade e palatabilidade para a obra. Parece-me que essa lógica é a do consumo, pois busca garantir a “satisfação do público”, tornado consumidor, portanto. Dessa maneira, o educativo torna-se um prestador de serviço para a instituição, e o círculo patrocinador-instituição-consumidor satisfeito se encerra de maneira “bela e eficiente”. E se deixássemos o nosso público ir para casa insatisfeito, com indigestão, irritado e se sentindo traído na sua expectativa de “quero ir pra casa satisfeito”? Acho importante pensarmos um projeto educativo que garanta a sobrevivência do espanto e do incômodo, que acredito serem os dois maiores capitais pedagógicos, pois podem (sem garantia) ativar o antigo “desejo de querer saber mais”, base de toda a filosofia. Entendo que esse seria o real estado de participação, potencializado pela ação educativa. Ou seja, o público entra na exposição como espectador e sai como participador da obra, dando-lhe sobrevida e continuação para além-mar. Como pensar, assim, numa mediação que opere a partir de uma “garantia de insatisfação”?

210


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
31ª Bienal de São Paulo (2014) - Livro by Bienal São Paulo - Issuu