
Biblioteca Senac RIB 2025
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Biblioteca Senac RIB 2025


Com o objetivo de integrar a instituição e incentivar a produção artístico-literária, abrimos inscrições para o 5º Concurso Literário para os funcionários e docentes do Senac.
O tema da Semana Senac de Literatura esse ano foi Cultura e convivência: A biblioteca além dos livros.
O tema é um convite para olharmos para a biblioteca como um espaço que vai muito além dos livros.
Mas o que isso significa?
Queríamos incentivar reflexões e criações sobre como a cultura em suas diversas formas nos aproxima, fortalece relações, cria pontes e favorece a convivência. É sobre partilhar saberes, histórias, vivências e reconhecer na diversidade cultural um caminho para o respeito, o diálogo e o encontro.
Convidamos os inscritos a escreverem sobre o tema de forma ficcional ou não e em formato livre.
Textos que agora estão reunidos nesse e-book.




Geralmente passava meus raros dias de folga no seu sofá az casinha, a qual chamava de alcova, com a cara dentro de um livro aproveitando da calmaria que só quem tem um raro dia de folga consegue ter. Amava meu cantinho. Amava também palavras no diminutivo, elas aumentavam os significados de suas essências. Mas naquele dia, por um algum motivo que não sabia dizer, quis ver o mundo. Ponderei por alguns momentos como podia alcançar tal objetivo tão ambicioso, mas, com a minha alma leitora, não precisei de muito para entender: iria a uma biblioteca. Joguei uma roupa confortável, tomei meu precioso café quentinho e me pus a andar no meio da gente que não podia desfrutar do seu dia como eu. Fui pensando no caminho qual obra leria, qual história me permitiria transportar e transbordar. Ia deixar pra lá o escritório, o banco, as contas e essas coisas chatas que a vida adulta insiste em nos impor. Fui sentindo o vento nos cabelos, o sol na testa e a energia caótica da cidade que não levaria muito, ficaria para trás. “Mais uns minutinhos e chego lá.” Encontrei-me, então, em uma biblioteca muito simpática, nem pequena, nem grande, nem nova, nem velha, que já havia tempos queria conhecer. Ah, aquele cheirinho característico no ar! Sem querer, sorri ao entrar. “Bom dia.” “Bom dia. Posso ajudar?” “Há tempos quero conhecer esta biblioteca e hoje consegui dar um pulinho aqui. Vou ver os livros. Posso?” “Claro! Fique à vontade!” Achei a atendente uma gracinha. Mas tinha um plano. Naquele dia, sem falta, escolheria um livro que já deveria ter lido, mas acabou que, por um motivo ou outro, acabei por não ler. Fui direto à estante de literatura brasileira e imediatamente senti uma fúria que há tempos não sentia. Achei que me impusera uma tarefa simples, a de achar um livro não lido, mas, ao perceber quantas obras imperdíveis


havia perdido, parecia-me que todas tinham o mesmo título: "ORA ESSA! QUE VERGONHA!". Com caixa alta e uma exclamação no final. Não me permiti me sentir assim por muito tempo, afinal o dia de folga é veloz, voraz, volátil. Ri só da escolha de minhas palavras. “Agora só falta o livro.” Queria sentir a ferocidade da caneta de um escritor, a volúpia com a qual lhe faziam sangrar os dedos durante a escrita. Completamente entregue àquelas prateleiras, não conseguia decidir. Enrubesci perante os títulos imperdíveis que havia perdido como se tivessem o poder de julgar alguém. “Qual será o da vez?” Dedilhei as capas como se fossem de cristal e sorri cada vez que passava por uma obra já finalizada. Foi quando uma delas me chamou a atenção: era completamente preta e não tinha título na lombada. Claro que a curiosidade não me permitiria passar imune àquela charada. Peguei o livro com cuidado para não desalinhar os outros que foram tão prestigiosamente guardados e expostos como joias raras e caras. O livro de lombada preta tinha um título maravilhoso na capa. “Além da Capa”, por ‘R. L.’ Olhou a contracapa e não havia nada escrito. Abriu o livro e nada nas resenhas ou informações sobre sua autoria. Claramente o autor ou autora não gostava de holofotes. Abri o livro e vi a dedicatória "Para todos os espelhos do mundo, pois nunca deixam de refletir." Achei um jogo de palavras magnífico. Decidi imediatamente que aquele seria meu livro do dia de folga. Dirigi-me à bibliotecária, cumpri com todas as burocracias de emprestar um livro de uma biblioteca e achei um cantinho aconchegante: um sofazinho laranja no canto do fundo e abri aquele que seria meu descanso. O primeiro capítulo do livro fora nomeado "Não me julgue." Achei extraordinário que tão poucas palavras pudessem fazer tanto sentido para o objeto que tinha em mãos. Fiquei imaginando qual seria a história, qual seria o enredo e quais mazelas sofreriam os personagens. Mas minha leitura foi

interrompida pela voz alta e espalhafatosa de um jovem que entrou no recinto e foi instantaneamente cumprimentado com fervor e alvoroço por todos os funcionários e até por alguns frequentadores da biblioteca. Procurei com a cabeça e não vi ninguém. Levantei-me e vi um jovem em uma cadeira de rodas devolvendo uma penca de livros e já perguntando onde poderia achar os outros que ia querer pegar emprestado. A bibliotecária lhe passou as prateleiras onde deveriam estar o que aparentemente seriam as aventuras da semana e lá foi o jovem adentrar aquele labirinto que ele já sabia de cor. Deslizava e rodava numa coreografia que já havia performado tantas vezes, mas que, aparentemente, fazia sempre com o mesmo entusiasmo. Chegou perto de onde eu me alojara e o jovem rapaz percebeu que um dos livros que ele havia escolhido estava na última prateleira e não o conseguia alcançar.
Virou-se pra mim e pediu ajuda. Imediatamente me levantei, peguei o livro e lhe entreguei, não antes de dar uma olhada, claro. Na capa havia somente o rosto de um ser humano claramente no futuro. Entendi então que devia ser uma ficção científica. Uma distopia, talvez? Entreguei-lhe o precioso e ele agradeceu com um grande sorriso. Virou sua cadeira de rodas com todo o espaço que só um lugar que entendia suas necessidades lhe poderia proporcionar, saiu agradecendo minha gentileza e soltou "Boa leitura pra você!". Respondi "Igualmente!" Parecia ser o fim de nosso encontro, mas algo me fez perguntar "Por que escolheu este livro?". Ele virou a cadeira novamente em minha direção e respondeu um simples "Porque ele vai me levar a lugares que ninguém nunca vai conhecer." Achei interessante como ele colocou em poucas palavras o poder que todo livro tem: de nos teletransportar sem sair do lugar. "Boa viagem." “Obrigado. Pra você também." Enquanto via o garoto se despedir de todos com um" até semana que vem" carregado de livros que ele devoraria com

a mesma alegria que fora recebido naquele lugar tão vasto e cheio de oportunidades, voltei ao meu cantinho que já considerava ser só meu por algumas horas. Abri o livro de lombada preta e reli "Não me julgue." A curiosidade por saber o que estava por vir me encheu de ar os pulmões e soltei um suspiro aliviado. Abaixo do título do primeiro capítulo, as palavras ainda continuavam turvas, prestes a se formarem, quando se sentou à minha frente uma menina de cabelos vistosos. Muito escuros e enrolados, presos a um turbante colorido logo acima da cabeça que fazia que aquela imensidão de fios parecesse uma fonte jorrante. Lia uma história de uma heroína que me era desconhecida em folhas muito vibrantes, cheias de "pahs", "pows", "crashes" e analisava imagem por imagem, como se fosse uma acadêmica lendo um novo artigo publicado com uma nova descoberta estarrecedora para a ciência. Achei interessante como ela se doava àquela obra com sede do que estava por vir, mesmo talvez já sabendo que aquela heroína provavelmente ganharia as batalhas no fim. Observei-a por alguns minutos com a mesma sede de entender suas expressões, sua surpresa a cada virar de página. Era bonitinho demais de ver. Novamente a vontade de saber o porquê de ter escolhido aquela aventura me fez perguntar "Por que escolheu este gibi?". "História em quadrinhos", respondeu sem tirar os olhos das páginas coloridas. "Gosto de ver o que faz os vilões se tornarem vilões. Ser bom é fácil. Difícil é lidar com tantos conflitos internos." Completamente surpreendida pela maturidade daquela resposta, apelidei-a mentalmente de Mafalda. Ela, com certeza, era uma criança que tinha no sangue as perguntas para as várias respostas que o mundo lhe dá. Achei-a bárbara dos pés à cabeça, pensando em minha própria infância. Como teria sido bom ter mais perguntas que respostas. Não consegui conter a minha curiosidade de observá-la imersa naquele mundo que lhe era tão real.

Talvez nosso mundo seja menos real que os das histórias em quadrinhos, com seus "plafts" atrás de "plafts". Após alguns minutos de meu deleite em observar aquela heroína da vida real, ela se levantou, colocou a história em quadrinhos em seu devido lugar e saiu com outro livro nas mãos. Não consegui distinguir qual era, mas tinha certeza que ela atingiria todas as camadas que a obra lhe pudesse oferecer. Achei uma gracinha. "Não me julgue." Ajeitei-me o mais confortável possível no meu sofazinho laranja que tanto convidava a uma boa leitura. Já havia passado da hora de passar do "Não me julgue." "Bom dia, meu raio de sol!" "Bom dia, minha linda. Como passou o fim de semana?" "Ah, minha filha, foi uma maravilha. A família reunida em casa, música e comida no forno. O que mais posso querer? Aliás, minha netinha amou o 'Pequeno Príncipe!'. Perguntou até se tinha parte dois! Imagine só!" E riram com o gosto que só a intimidade proporciona. A mulher começou então a limpar o chão da biblioteca enquanto contava para a bibliotecária as graças que os netos fizeram no domingo. "Pena que tudo acaba... " e continuou limpando e conversando com a velha amiga. Não sei se realmente eram velhas amigas, mas havia uma proximidade naquela relação que era tão gostosa de ver, que deixei o "Não me julgue." que já chegava a me torturar para um pouquinho mais depois. Fiquei observando as amigas falando de suas vidas e famílias com o otimismo que só a calmaria daquele lugar conseguia proporcionar. A senhora parou, se apoiou na vassoura e sorriu dizendo "Pois veja lá que beleza esses meninos! Como cantam e se divertem com estes instrumentos. Deviam formar uma banda!" Fui conferir e consegui distinguir de onde vinha a música que já ouvia havia alguns minutos. Era um grupo de amigos do outro lado da biblioteca com violões, pandeiros e um cajon. Era um verdadeiro sarau a céu fechado. Achei magnífico que aquele espaço lhes proporcionasse mais que

não quer nada, puxei assunto e perguntei “Percebi que o senhor gosta de cozinhar. Gostaria de pegar um livro de culinária e não sei qual escolher. Poderia me sugerir algum?” O senhor riu com bastante humildade. “Ah, como eu queria que tivesse razão! Na verdade, estou tentando me aventurar na cozinha há alguns meses, mas ainda não tive o sucesso que esperava.” “Este livro ‘Receitas da Vovó’ parece bom. Quando devolvêlo, vou emprestá-lo e me aventurar igual ao senhor.” “Pois desejo-lhe mais sorte do que tive até agora.” E riu novamente. “Sabe, fiquei viúvo há pouco mais de um ano. Desde então venho tentando preencher meu tempo com coisas que nunca fiz ou que ficaram no passado e gostaria de retomar. Decidi então ir para a cozinha. Sinto falta do cheiro de comida no fogão que meu marido me deixou órfão. Eu sempre fui um zero à esquerda como cozinheiro, mas ele, não. Era um verdadeiro chef. Quando meus netos vinham passar o fim de semana, eram verdadeiros banquetes! Quero poder cozinhar para os netos também. Eles têm reconhecido meu esforço, mas sempre acabamos por lembrar essa ou aquela receita que o Luís fazia.” “Sinto muito por sua perda, mas me admira muito sua vontade de aprender. Sua postura é uma inspiração! Mas me conte... por que escolheu este livro?” “Porque o lado está sujo de todos os dedos que já passaram por ele. Foi manuseado muitas e muitas vezes. Deve estar recheado de delícias fáceis de fazer.” “De fato. Faz todo o sentido.” “Bem foi um prazer conversarmos, mas estou atrasado para minha aula de pintura. Como eu disse: só me resta preencher meu tempo agora que já não tenho mais meu Luís. Até a próxima.” Ao ver aquele senhor caminhar com um livro tão simples, mas com uma vontade de viver tão latente, coloquei-me e repensar como eu estava aproveitando meus próprios momentos. Voltei para meu cantinho laranja e desandei a fazer listas mentais do que gostaria de aprender antes de morrer, tudo o que me

agregava, tudo o que poderia deixa para trás. Foram tantas ponderações que não pude deixar de me emocionar com aquele rápido, mas tão significativo encontro. Algo simplesmente mágico. Nesta altura, a fome já me doía na barriga quando olhei para aquela obra ainda virgem em minhas mãos. Soube instantaneamente que ela continuaria assim pois tudo ao meu redor ia além daquela capa. Será que se eu tivesse escolhido qualquer outro livro o meu dia teria sido igual? Ou será que, mesmo fechado, ele me transportou a tantos lugares que eu nunca teria chegado se eu simplesmente o tivesse aberto e bebido de tudo o que ele poderia me oferecer? Uma coisa é certa: fiz uma boa escolha. Aquela obra, mesmo não lida, abriu-me horizontes, mesmo sem tal pretensão. Ri novamente quando percebi o poder de tudo aquilo. Daquele lugar, daquelas pessoas, daquele cantinho, de cada poema escondido, de cada palavra cantada, de cada aventura, de todos os sorrisos e até das tristezas escritas. Ah, como foi bom ir além... além daquela capa.

E isso poderia dar um retorno financeiro...
Falar sobre as diversas maneiras de inclusão, Mudaram o pensamento e o agir daqueles que se sentiam donos da razão. Sendo assim, desejo que esse espaço continue sendo de encontro,
E que muitas ideias inovadoras não sejam apenas uma imaginação dentro de um conto.

Do que é feita uma biblioteca?
De livros, diriam os mais literais.
De tijolos, argamassa e cimento diriam os mais concretos.
De uma comunidade leitora, os comunistas diriam.
De colaboradores; a burocracia taxaria.
De eventos, os mais desatentos.
Mas os poetas
Ah, os poetas (...)
Estes diriam que a Biblioteca é feita de afetos.
Que entre eventos, tijolos e cimento
circula essa argamassa invisível e poderosa unindo comunidade, colaboradores
histórias e seus leitores em um multi-verso com muitos outros
Do lado de dentro.

E estar morto é diferente de morrer. Não sei exatamente o porquê, mas dizer que morreu parece cimentar o passado, coisa concreta. É o mesmo que empacotar, ir de arrasta, como dizem os mais jovens. Estar morto é outra coisa, é poético, como se o papa quase vivesse, como se o corpo ainda estivesse quente, como se pudesse até ressuscitar, como fez Jesus. O que me faz pensar: será que Jesus morreu ou está morto? A culpa disso tudo é do verbo “estar”, que fica me dando a esperança de que tudo pode ser diferente de repente. Além disso, dizer que o papa morreu me dá a impressão de que as suas ideias morreram com ele, enquanto dizer que está morto me faz questionar onde elas estão. Estariam vagando por aí, como espíritos? – Espera, acho que essa religião é outra. Desculpa, não sou muito bom em religiões. Será que o papa também não era bom em religião? Ouvi dizer que ele tocou até os ateus e teve gente que não gostou disso. Para ser sincero, eu também senti sua perda. Talvez porque o papa era latino-americano, tendo como seu primeiro milagre minimizar a rivalidade Brasil-Argentina. Se não fosse papa (e não tivesse pudor), com certeza viria ao Brasil pular carnaval, como a gente faz. O papa desfilaria na Sapucaí fantasiado; estariam ainda hoje tirando glitter do seu caixão. Falo isso porque o Jorge, vulgo Francisco, valorizava a cultura. Certa vez, em entrevista, ele disse, com voz de papa, que “as várias culturas, cuja riqueza se foi criando ao longo dos séculos, devem ser salvaguardadas para que o mundo não fique mais pobre.” Deve ser por isso que o mundo (Deus, quem sabe?) criou não só o carnaval, mas também os livros, para salvaguardar a história, então os comportamentos, os costumes, a cultura, a fantasia. Mas, sinceramente, não sei se nos dias

de hoje sobra tempo para ler, muito menos para escrever. No meu caso, porque comecei a trabalhar em dois empregos para pagar as contas de casa, atendendo demandas em uma rotina super acelerada. E livro, por outro lado, exige calma para viajar. Além disso, com a lógica da produtividade santificada na nossa sociedade, já que só assim parecemos validar nossa existência, ler um livro pode parecer até tempo jogado fora.
Aquela história de sentir o cheiro de um livro enquanto suas páginas são folheadas ficou no passado, tão antiga quanto a Bíblia. E não porque agora o negócio seja arrastar para o lado e sentir o cheiro de metal do Kindle. Para ler em um Kindle é preciso, primeiro, ter dinheiro para comprá-lo; depois, educação primária para que se torne possível o exercício da leitura. E as escolas no nosso país não sei se estão das melhores. Escuto, frequentemente, os jovens reclamarem do ensino público. Entendo os alunos, mas entendo também os professores. Os cortes de verba que resultam em baixos salários, a quantidade de alunos por sala de aula, a infraestrutura das escolas que não chega nem perto da opulência do Vaticano. Por alguns segundos, imaginei o contrário: a escola tendo a força da igreja e a igreja tendo a força da escola, mas esse assunto pode ficar perigoso. Por isso, vou me contentar em dizer que tanto alunos quanto professores, quanto quaisquer outros brasileiros, não estão lendo porque não sobra tempo quando param de produzir. Mas, o que talvez não saibam, é que a literatura pode ser justamente um escape disso tudo, a fuga do capitalismo e da meta alcançada. Ninguém precisa ler para bater meta, nem dobrar a meta quando alcançar a meta, já que a leitura nem está sendo tão valorizada assim. Então, podemos ler para viver diferente, conhecer outras culturas do nosso Brasil tão adoradas pelo Francisco morto, outras formas que o nosso povo encontrou para resistir, assim, podemos encontrar amparo para as nossas angústias, sonhar de
novo com a mudança e nos rebelar contra a inércia dos tempos modernos. Talvez, dessa forma, sejamos até mais unidos e menos pobres - e, ainda que soe esquisito para alguns, não estou falando de dinheiro. Veja só, escrevo isto exausto depois de doze horas de trabalho, tomando um vinho na varanda de casa enquanto a chuva ameaça cair. Ainda tenho que fazer a janta, me alimentar, lavar a louça, tomar banho, separar a roupa e a comida do dia seguinte e dormir, porque ele começa bem cedo amanhã. Então, vamos caminhar para o encerramento dessa crônica. O papa Francisco também disse, em tom de brincadeira, com seu olhar gentil, que “o Brasil não tem salvação, é muita cachaça e pouca oração.” Sr. Papa, eu até concordo com a parte da cachaça (e dou graças a Deus!), mas acho que o que tem sido pouca não é a oração, e, sim, a literatura. A Literatura parece estar morta, assim como você, mas ela ainda não morreu. Não tenho certeza se há tempo, mas, pelo menos, há esperança.

Escrito por: Felippe Andrade
A biblioteca do Senac seguia acesa, mesmo já passando d sempre, o silêncio não reinava muito, era o último refúgio dos alunos antes da chamada do Uber, do ônibus ou da mamãe esperando no carro com farol aceso.


Uma noite morna de outono, como outra qualquer, quando Lara empurrou a porta de vidro com a ponta dos dedos. Seus fones ainda vibravam com batidas coreanas de K-pop, enquanto se encaminhava para as escadas, os olhos já procurando uma mesa mais escondida lá no mezanino. Precisava terminar o trabalho de sociologia sobre o tema “Cultura & Convivência”.
Na verdade, não pretendia demorar, mas o destino como os bons livros, adora reviravoltas.
Em seu caminho, entre duas poltronas, sentada com um livro de etiqueta branca do Senac, estava uma senhora de cabelos grisalhos, lendo em voz baixa, com a coluna ereta e os olhos atentos.
Lara então, diminuiu o ritmo dos passos. Não sabia explicar o porquê, mas queria ouvir melhor.
Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer.
A frase a fisgou no meio do peito. Era Conceição Evaristo.
Lara reconheceu, talvez por sorte do destino, ou talvez algum algoritmo obscuro da vida, desses que as aulas de sociologia trazem e que sem querer, ficam em nossas cabeças e apenas são encontrados.
A senhora levantou os olhos devagar, percebeu o interesse da menina, e sorriu. Apontou, com um gesto sutil, para a cadeira ao lado.
Gosta de literatura de resistência?
Lara hesitou, surpresa. Eu… tô começando a conhecer.
Desde que entrei aqui nesta escola, tenho tentado participar dos

Mas olha que curioso: o grupo de dança da minha sala criou uma coreografia misturando Trap com maracatu. Eu que editei o vídeo.
Bombou no TikTok e no Insta.
Zuleika franziu o cenho, intrigada.
Trap com maracatu? Tem batida? Mensagem? Espera que eu te mostro! disse, pescando o celular na mochila, animada.
Zuleika se inclinou com interesse para assistir ao vídeo e após seu término, soltou com um sorriso:
Engraçado... e eu achei que fosse ensinar alguma coisa para você hoje. E eu que achei que você fosse só uma leitora aposentada perdida aqui rebateu Lara.
As duas se encararam por um instante.
Depois, caíram na risada leve, solta, como quem deixa uma janela aberta por dentro.
Mas o riso foi interrompido pela vibração do celular em sua mão.
Ai, desculpa, é minha mãe disse Lara, levantando-se rápido. Se eu não atender agora, ela já vai começar a mandar mensagens no grupo da família.
Zuleika riu, compreensiva.
Vá tranquila. As mães são o relógio emocional do universo.
Lara saiu ainda sorrindo, com o celular no ouvido, indo até o hall da entrada.
Enquanto isso, Zuleika se levantou com cuidado. Alisou a saia, ajeitou o xale nos ombros. Seus passos a levaram até uma das estantes menos visitadas da biblioteca, onde os livros pareciam sussurrar saudade.
Passou os dedos pelas lombadas, devagar, como se reconhecendo velhos

amigos, parando diante de um título. Sorriu de canto, Aqui está você.
Puxou-o com carinho sacando uma caneta da bolsa...
Lara voltou pouco depois, ainda com os fones balançando abaixo do pescoço.
Desculpa mesmo… se eu não atendesse, ela ia surtar. riu. Mas valeu a pena. Que papo, hein?
Zuleika apenas a olhou, com um brilho sereno tornando a sentar-se.
Esse encontro merecia uma história, não acha? Na real... com mais uns encontros desses, dava até pra virar um romance. disse Lara em meio a risos, encantada.
Zuleika soltou uma risadinha curta. Daquelas que guardam segredos antigos.
Quem disse que já não estão escritos?
Lara franziu a testa.
Zuleika apontou com o queixo para as prateleiras do canto, à direita da escada do mezanino.
Vai lá. Terceira prateleira. Procura um livro de capa roxa. A lombada é torta, mas ele ainda tá de pé.
Lara foi sem pensar. O coração acelerado. O som dos tênis ecoando no porcelanato como borracha nas curvas da rotatória.
E lá estava o livro. Real. Exatamente como Zuleika descrevera. Se aquietou por um tempo analisando a capa e lendo o prefácio.
Voltou-se para agradecer… mas a poltrona onde a senhora estivera… estava vazia.
Dona Zuleika...? chamou. Nada.
Sentou-se de novo, desabando com os fones pendurados.
Meio desapontada, abriu o livro com cuidado, como quem abre uma porta antiga.
Na primeira página, em letra firme, grafadas pelo offset: Zuleika Barbosa
Professora, cronista, guardiã de histórias esquecidas.
E abaixo, uma dedicatória em azul, datada de 1989:
"À minha aluna e amiga Lúcia A., que me ensinou que cultura não se ensina, mas, se vive. Que esse livro passe por outras mãos que também farão parte desta história."
Margens rabiscadas, outras dedicatórias tatuando as páginas através dos tempos. Nomes, datas, linhas feitas de amor às palavras.
Lara descobriu um tesouro... folheou mais.
E lá no final, uma anotação recente.
"Para Lara que saiu para ouvir sua mãe e que chegou no capítulo certo. Bem aqui! Continue a história menina."
Ela suspirou e desejou um reencontro. Fechou o livro com carinho. Como quem guarda uma relíquia do tempo.
Naquela noite, não terminou o trabalho de sociologia.
Mas naquele instante, ela compreendeu que a cultura só permanecia viva quando atravessava o tempo de mão em mão como naquelas páginas do tempo e que a convivência formava fios invisíveis que costuravam suportes entre as pessoas e as gerações.

Escrito por: Marcus Facini
aula. A criatividade estava em prontidão, primeiro pelotão. Ao seu lado, se preparavam a intuição, a percepção e a expressividade, todas afiadas até os dentes. Prontas para o ataque. Seus pés se alinham ao chão.
A biblioteca ao redor, à sua forma, brilha e transpira sua própria poesia, reluzindo cada radiante pináculo em cada minúsculo detalhe que flutua de suas histórias, ali preservadas, e transpassam a barreira fluída e ilusória da porta de acesso.
O jovem se levanta num impulso certeiro! Transbordando potência, argumento e repertório de suas vivências! Peito estufado! Pronto para todes que cruzarem seu caminho! Certo de cada passo! Decidido de sua trajetória para a Sala de Aula.
- Oi, você... - Quem é ele? Persiste atento. - Gostou do livro?
A batalha foi desfeita pela sincronicidade da vida.
Uma nova amizade se inicia.

por: Maio
A poesia mora ali,

Ali mesmo onde o ouvido alcança, o olho enxerga e a palavra dança.
Ela mora nos saberes, nos sabores e nos quereres.
Hoje ela mora em mim, quando aqui de longe vejo as andanças de quem se sente em casa, e nem mora aqui, aí, ou lá, sei lá...
Não tem espaço para se apropriar, pois propriamente dizendo, é tudo nosso, e se eu acreditar nas histórias daqueles papéis que nos foi mostrado... tudo posso.
Primeiro eu estava lá, agora ela está em mim, e toda vez que me renovo, de novo eu me ponho a voltar.
Lá os saberes me olham, as vezes eles andam e se perdem entre os livros e os espaços de percepção. Cada momento partível, cada individuo vivido, cada livro lido ou não lido, leva pra vida um pedaço de tudo que já foi ou será construído.
Ninguém passa por aqui sem carregar consigo, um pedaço de um mundo munido, de tudo que há de bão.

Escrito por: Fabiana Pott

A Biblioteca Senac de Ribeirão Preto agradece a todos os participantes, comissão julgadora e pessoas envolvidas na construção do 5° Concurso Literário de 2025.
"Somos o resultado dos livros que lemos, das viagens que fazemos e das pessoas que amamos.” (Airton Ortiz)