Jornal escolar Correio da Serra

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Abril 2024

Edição Especial Comemorativa dos 50 Anos da Revolução dos Cravos

• A PIDE

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• 6 coisas que não se podiam fazer antes do 25 de Abril

P. 05

• «E Depois do Adeus»? «Grândola, Vila Morena»!

P. 11

• O 25 de Abril em Portugal: Conquistas e Desafios na Transição Democrática

P. 15

• As faces da guerra em África - testemunhos de quem lá esteve

P. 10

• Viver em democracia

P. 15

• Po rtugal é um país justo?

P. 16

• A liberdade é importante?

P. 14

• Igualdade de género

P. 17

Jornal Escolar

Editorial

O25 de Abril de 1974 foi mesmo um daqueles “acontecimentos que fazem data”, na feliz formulação do sociólogo Pierre Bourdieu. A sua importância mede-se não só pelas consequências imediatas no derrube de um regime ditatorial de quase meio século, como pela circunstância de constituir o momento decisivo para a construção do Portugal moderno. Tendo a liberdade e a democracia como valores fundamentais da sociedade, foi no seu seguimento que pudemos construir o país onde vivemos, tão diferente daquele que existia nos tempos que antecederam a revolução. Então, apenas nos restava a submissão à ordem estabelecida ou o risco da resistência. Os que seguiram esta segunda via tiveram uma vida de sacrifício em prol da liberdade. Muitos morreram. Para os outros, restava o conformismo e a mesquinhez salazarista do “viver habitualmente”, tantas vezes na indignidade da resignação perante as humilhações sofridas.

Com o 25 de Abril, acabou-se a guerra colonial e possibilitou-se a independência das antigas “províncias ultramarinas”. Assistiu-se ao fim da censura, da repressão policial, dos julgamentos arbitrários e das prisões políticas. À liberdade de expressão e de imprensa, somaram-se a formação livre de sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais. Foram garantidos constitucionalmente os direitos básicos de cidadania e consagrado o sufrágio universal, direto e secreto. Possibilitou-se a melhoria acentuada das condições de vida e de trabalho da população portuguesa. Instituiu-se o salário mínimo, a segurança social e os direitos dos trabalhadores. Promoveu-se a generalização do ensino e o aumento da escolaridade obrigatória. Estabeleceu-se o serviço nacional de saúde.

Portugal tornou-se um país perfeito? Certamente, não. Mas conquistamos um horizonte de esperança que antes era inexistente. Acabou uma ditadura e nasceu uma democracia. Adquirimos, sobretudo, a possibilidade de nos ouvirmos uns aos outros, na pluralidade de opiniões e de anseios, e de encontrar soluções negociadas e, na medida do possível, consensualizadas, para as dificuldades existentes. Naquelas áreas tão bem sintetizadas por Sérgio Godinho na sua célebre canção “Liberdade” (1974) – canção de Abril – “Só há liberdade a sério quando houver/A Paz, o Pão, Habitação, Saúde, Educação […]”, e, em todos os outros desafios que se põem ao funcionamento de uma sociedade moderna e democrática, temos, desde o 25 de Abril, a oportunidade de expressar livremente as nossas convicções e sentimentos, de sermos tomados em conta, de termos um papel a desempenhar, sem outros constrangimentos que os da própria vivência da liberdade. Não é coisa pouca!

É por isso que os ideais de Abril estão em permanente construção, exigindo o envolvimento de todas e de todos, e requerendo a mesma urgência e júbilo desse “dia inicial, inteiro e limpo” de que falava Sophia de Mello Breyner Andresen. Festejar Abril é também contribuir para a sua comemoração de todas as formas possíveis e imaginárias. É o que se pretende com este jornal escolar. Ele é um singelo, mas empenhado, contributo de alunos deste agrupamento que, não tendo vivido esse dia histórico, procuraram conhecer a sua realidade e as suas implicações, contando também com a colaboração de outros elementos da comunidade educativa. Através de entrevistas, artigos de opinião, caricaturas, pequenas investigações e reflexões sobre o que é viver em liberdade e democracia, procurou-se aqui deixar uma marca numa efeméride que é de todos. Estamos-lhes gratos por isso. E por tudo aquilo que conquistamos, importa gritar bem alto, ontem como hoje, “25 de Abril, sempre!”

2 | Correio da Serra | abril’24 2 > Editorial 3 > Os valores de Abril 3 > A propaganda no país de Salazar 4 > A Censura durante o Estado Novo 4 > A PIDE 5 > 6 coisas que não se podiam fazer antes do 25 de abril 6 > A minha passagem à clandestinidade 8 > A ver navios… 9 > «E Depois do Adeus»? «Grândola, Vila Morena»! 10 > As faces da guerra em África - testemunhos de quem lá esteve 11 > O que foi a guerra colonial? 12 > A Madrugada da Esperança 12 > O 25 de Abril de 1974 e a saúde António Arnaut 13 > O 25 de Abril de 1974 e o ambiente Gonçalo Pereira Ribeiro Teles 14 > O que é a liberdade? 14 > A Liberdade é importante? 15 > Conquistas e Desafios na Transição Democrática 15 > Viver em democracia 16 > Os pilares da democracia 16 > Portugal é um país justo? 17 > O que é a Liberdade para ti? 17 > Igualdade de género 18 > Elas falaram 18 > A evolução da igualdade de género 20 > Em nome da Liberdade: Portugal rumo à justiça

Os valores de Abril

O Plano Anual de Atividades (PAA) consiste num documento de planeamento estratégico que visa a operacionalização contextualizada e articulada de todas as atividades a implementar no Agrupamento ao longo do de cada ano letivo. Esta contextualização e articulação implicam que, anualmente, ocorra a seleção de um tema aglutinador no intuito de estabelecer a linha orientadora de todas as ações a desenvolver. As sugestões neste domínio são apresentadas pelas diversas estruturas de coordenação pedagógica que vigoram no Agrupamento, sendo a concordância final da competência do Conselho Pedagógico.

Assim, no que concerne ao presente ano letivo, a escolha recaiu sobre a Comemoração dos 50 anos do 25 de abril. Trata-se de um momento marcante da História recente de Portugal e que, decorrido meio século, continua a elevar-se como um estandarte dos valores humanos, do direito à autodeterminação e à liberdade. Assumir este tema como o polo aglutinador das atividades a desenvolver ao longo do ano letivo 23/24 convida não só a uma abordagem interdisciplinar no que aos conteú -

dos programáticos diz respeito, mas também a uma imersão profunda nos valores que nos permitem desenvolver, em todos e em cada um dos nossos alunos, um perfil humanista, inserido numa “sociedade centrada na pessoa e na dignidade humana como valores fundamentais”, tendo em consideração o documento orientador Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO). Pretende-se, desta forma, consumar um trabalho educativo e pedagógico orientado, de um modo geral, para os valores universais consagrados e, em particular, para aqueles que surgem expressos no PASEO, tais como a liberdade; responsabilidade e integridade; cidadania e participação; excelência e exigência; curiosidade, reflexão e inovação.

Nesta senda, o projeto associado ao Jornal Escolar assumiu o desígnio de reunir um espólio de trabalhos levados a cabo pelos alunos nas mais variadas áreas, em contexto de diferentes disciplinas, adotando como fio condutor o tema geral que presidiu à conceção do PAA do Agrupamento para o presente ano letivo. A Comemoração dos 50 anos do 25 de Abril é, assim, homenageada pela escrita

A propaganda no país de Salazar

O espírito nacionalista dominava a cultura do Estado Novo. O que se produzia tinha o carimbo da propaganda

defendia os ideais do salazarismo e, ao mesmo tempo, apoiava as vanguardas modernistas.

Filmar atualidades para servir a ideologia do Estado Novo foi projeto de dois homens do regime que acreditavam no poder da imagem. Salazar desconfiava, mas concedeu.

O país que se mostrava no cinema era quase ficção e o resto do mundo mal aparecia no magazine, interessando apenas eventos pró-regime em que a imagem passada era a de um país pacífico, pobre, mas feliz e cheio de orgulho nas suas obras.

dos alunos dos 2.º e 3.º ciclos da EB Abade Correia da Serra, constituindo-se como o produto final de um trabalho que resultou de um processo criativo impulsionado pela curiosidade e questionamento, cuja abordagem implicou planificação, estruturação, organização, pesquisa, seleção de conteúdos, responsabilidade e rigor. É no uso da palavra, tirando partido do seu poder de reavivar memórias, contar histórias, despertar emoções, convidar a pensar ou transmitir mensagens, que estes jovens dão mais uns passos no seu percurso de crescimento e aprendizagem.

Nesta altura em que se vivem dramáticos conflitos à escala mundial, assinalar intervenções pacíficas, incentivar a uma cidadania ativa e consciente, fomentar a capacidade de reflexão e análise nos nossos alunos, bem como proporcionar momentos de expressão e fundamentação de ideias afigura-se como o caminho a percorrer no sentido de promover uma educação alicerçada em valores e princípios de cariz humanista, tornando a humanidade “mais humana”.

A Diretora do Agrupamento, Prof. Ana Apolinário

O estilo do regime dependia da capacidade de conjugar a estética moderna com a tradição da história.

Com o surgimento de novas publicações, renovam-se e valorizam-se as artes gráficas; a fotografia ganha espaço nos jornais e revistas; a rádio e o cinema passam a ser veículos fundamentais desta máquina que, acima de tudo, quer manipular o povo e unir a nação à volta da imagem salvadora do líder único, mas pela primeira vez, os portugueses vão conhecer o país.

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5.º AS
Cartaz da série de cartazes “A Lição de Salazar”

A Censura durante o Estado Novo

Durante o Estado Novo (19261974), a Censura predominava. Os jornais, as revistas, as peças de teatro, os filmes e a televisão eram censurados, ainda antes de chegarem ao público. Esta censura chamava-se Censura Prévia. A Literatura também era censurada, mas, geralmente, só depois de ser publicada.

Não havia capacidade de examinar tudo antecipadamente. Hoje em

A PIDE

A 22 de outubro de 1945 foi criada a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), em substituição da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado.

Esta polícia política tinha a função de perseguir, prender e interrogar qualquer indivíduo que se opusesse à ditadura salazarista.

Estes opositores ao regime eram levados para prisões, onde eram muitas vezes vítimas de tortura, más condições alimentares, higiénicas e de saúde, o que levava muitas vezes à sua morte.

A PIDE também dirigia a censu -

dia, ainda se desconhece a exata extensão das atividades da Direção dos Serviços de Censura. As suas instalações, em Lisboa, foram invadidas por populares no dia 26 de abril de 1974 e parte da documentação perdeu-se.

Pensa-se que os censores tenham examinado entre 7 e 10 mil livros. Muitos destes livros foram proibidos e os seus autores foram vigiados ou

perseguidos pela Polícia Política do regime. Em alguns casos, as razões da proibição eram quase ridículas. Escrever a palavra “vermelho” podia levar a um corte, porque os censores empregues pelos Serviços da Censura podiam ficar na dúvida se o “vermelho” se referia ou não a comunista. Havendo dúvida, censurava-se!

ra. Nesta função, todos os artigos de imprensa e obras de arte – literatura, teatro, cinema, artes plásticas – eram cortados, editados ou proibidos com um lápis azul antes de serem publicados.

Em 1968, com a subida ao poder de Marcelo Caetano, a PIDE foi dissolvida, mas a 24 de novembro de 1969 foi oficialmente criada a DGS (Direção-Geral de Segurança) que manteve as funções da antiga PIDE.

O movimento militar ocorrido a 25 de abril de 1974 extingue esta polícia política, iniciando um processo que haveria de conduzir Portugal a uma

Caricatura

Democracia plena onde todos podem expressar livremente a sua opinião.

5.º CS

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5.º BS
© Carolina Leocádio 9ºAS
© João Abel Manta
6 coisas que não se podiam fazer antes do 25 de abril

Viver na ditadura de acordo com a nossa opinião era mau, pois não se podia fazer diversas coisas, tais como, por exemplo, falar sobre vários temas,

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Na escola, não se podiam misturar rapazes e raparigas (rapazes para um lado, raparigas para o outro).

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Não havia liberdade de expressão.

Não havia direito ao voto livre.

4 Enfermeiras, telefonistas e hospedeiras da TAP não se podiam casar.

5 Não era permitido grupos de pessoas juntarem-se para falar ou a discutir ideias.

6 Não era permitido festejar o Dia do Trabalhador.

principalmente sobre política. Nem sequer os meios de comunicação social eram livres de informar. Pelo contrário, os jornalistas que escrevessem

algum artigo ou notícia que não favorecesse o governo podiam ir presos.

Aqui tens seis exemplos de coisas proibidas antes do 25 de Abril:

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Gabriel Branco, Santiago Coelho, Gonçalo Piçarra e Afonso Piçarra (9.º AS) Turma de rapazes – Ensino no Estado Novo Turma de raparigas – Ensino no Estado Novo © Américo Ribeiro (Arquivo Fotográfico/Cms)
https://ensinoestadonovo.blogspot.com/2010/06/licao-de-salazar.html
A minha passagem à clandestinidade

Passaram este mês, no dia 7 de fevereiro, 50 anos sobre a minha passagem à clandestinidade. Ao escrever este pedaço das minhas memórias, dou-me conta de que será difícil para um/a jovem de hoje entender este conceito. O que era um/a clandestino/a antes do 25 de Abril?

Trocando por palavras simples, um clandestino, como eu, andava fugido ou escondido. Mas escondido de quê ou de quem? E porquê? Seria uma espécie de filme de aventuras ou haveria razões fortes e muito sérias?

Evitarei respostas longas. Escondíamo-nos da PIDE/ DGS, a polícia política da ditadura de Salazar e Caetano que, durante 48 anos (de 28 de maio de 1926 a 25 de abril de 1974) roubou a liberdade ao povo português. Nós e todas e todos os que lutávamos contra este regime, arriscávamo-nos a ser presos, torturados ou mesmo mortos, apenas porque lutávamos pela Liberdade e contra uma guerra em África que, durante treze anos, teimava em manter Portugal como o último império colonial do mundo.

não conseguiu evitar a madrugada libertadora do 25 de Abril.

Nenhuma ditadura consegue espiar toda a gente ao mesmo tempo, sobretudo quem aprendeu durante 48 anos as artes da luta clandestina. De acordo com o título de um livro do grande escritor brasileiro Jorge Amado, a clandestinidade era uma espécie de “Subterrâneos da Liberdade”.

Chega de conversa. Como foi o meu dia 7 de fevereiro de 1974, uma quinta-feira?

Primeiro: passar à clandestini -

dos informadores da PIDE – a quem chamávamos “bufos”.

Aceitei o convite, com a consciência de não ser uma decisão fácil. Em primeiro lugar, era um segredo que não se podia contar a ninguém, nem aos meus pais, até para proteger os que me eram queridos – quanto menos soubessem mais protegidos estavam, ninguém os podia acusar de nada.

“Escondemo-nos na clandestinidade não apenas para nos defendermos a nós próprios, mas também e sobretudo para garantir que a chama da luta pela liberdade continuaria acesa quando alguém fosse preso.”

Escondemo-nos na clandestinidade não apenas para nos defendermos a nós próprios, mas também e sobretudo para garantir que a chama da luta pela liberdade continuaria acesa quando alguém fosse preso. Por mais que a PIDE tentasse, com milhares de agentes e de informadores pagos ao seu serviço, eles não conseguiam saber tudo o que se passava no país e, às vezes, nas suas próprias barbas…

Foi o que aconteceu em 25 de Abril de 1974, com o triunfo da Revolução dos Cravos que devolveu a liberdade às portuguesas e aos portugueses. Sim, o governo da ditadura desconfiava que os militares conspiravam para o derrubar, mas

dade não foi uma decisão fácil, tomada no próprio dia. Eu já corria perigo: a PIDE tentara prender-me um ano antes, dias depois de ter assassinado o estudante José António Ribeiro Santos, da Faculdade de Direito de Lisboa, para travar as grandes manifestações de protesto que marcaram o seu funeral. Dessa vez, os pides chegaram atrasados a minha casa, às 11 da manhã, e eu já tinha fugido. Mas nunca mais me largaram, a vigilância era constante e o perigo rondava, podia ser preso a qualquer momento. Em novembro de 1973 eu e outros cem colegas fomos expulsos do Instituto Superior Técnico pelo governo fascista.

Poucos dias mais tarde, os meus camaradas propuseram-me passar à clandestinidade para continuar a luta bem perto de Lisboa, mas protegido dos olhos e ouvidos

Eu tinha 21 anos, já era maior de idade e casado, por isso tive de partilhar este segredo com a minha mulher e também camarada da mesma luta pela liberdade, que me apoiou desde o princípio. Sabíamos que a separação ia ser dura, não sabíamos por quanto tempo, embora com a esperança de que ditadura cairia um dia destes… Só não sabíamos quando, e muito menos que faltavam pouco mais de dois meses para o glorioso 25 de Abril. O dia 7 de fevereiro foi o culminar da preparação cuidadosa duma fuga de poucos quilómetros, em que nada podia falhar para garantir a nossa segurança e a dos camaradas que me aguardavam e me protegeram, longe dos olhos e dos ouvidos dos “bufos” da PIDE.

Saí de casa pelas 8h30m, como se fosse um dia normal, percorrendo a Avenida João XXI até ao Campo Pequeno, sempre olhando “por cima do ombro” para ter a certeza de que ninguém me seguia. Nas Avenidas novas fui ao barbeiro e, com muita pena minha, mandei cortar as barbas espessas e fartas que me acompanhavam havia três anos... Foi a primeira operação de maquilhagem, com um pormenor importante: deixei ficar o bigode, o que me tornava ainda mais irreconhecível, como tive oportunidade de comprovar nos meses seguintes, ao passar por co -

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nhecidos que nunca imaginaram um Alberto sem barbas…

De Metro e de autocarro cheguei à zona de Benfica. Lembro-me de passar à porta da livraria Ulmeiro, na Avenida do Uruguai, o que não foi boa ideia, pois os pides espiavam os lugares de cultura, onde se vendiam livros proibidos pela ditadura. Ninguém me seguiu e, mais confiante, subi a Avenida Gomes Pereira até à estação de comboios de Benfica. Mas não apanhei nenhum comboio e aí começou a segunda fase, mais audaciosa, da minha “fuga para a liberdade”.

Atravessei a linha de comboio e penetrei na mata de Benfica, que dá acesso à serra de Monsanto, o grande pulmão verde de Lisboa que tantas vezes percorrera de carro, onde era fácil despistar qualquer perseguidor. Conhecia as veredas e atalhos de Monsanto e nesse dia percorri a pé vários quilómetros, até ter a certe -

za de que ninguém me seguira. Atravessando Montes Claros, cheguei a Alcântara perto das 2 horas da tarde. Entrei numa tasca, comi uma sandes de presunto e queijo para matar a fome e bebi um copo de vinho.

Sempre “olhando por cima do ombro”, atravessei as Janelas Verdes e cheguei à estação de Santos, onde apanhei o comboio até Oeiras. Fui à praia de Santo Amaro contemplar a Torre do Bugio, onde o Tejo se faz ao mar, como um jovem vulgar que gosta de ver a paisagem. Mas um jovem solitário, cada vez mais ansioso à medida que a viagem se aproximava do fim. Percorri a Marginal até Paço d’Arcos, onde apanhei o comboio até à estação da Cruz Quebrada, com pouco movimento e já perto do meu destino.

Depois de tantas voltas e “cortes”, a pé, de Metro, comboio e autocarro, tinha (quase…) a certeza de que ninguém me seguira, pois quem o fizes -

Declaração Universal do Direitos Humanos

ARTIGO 2.º

Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional

ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.

ARTIGO 19.º

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o

se teria de se mostrar em qualquer parte da caminhada. Em menos de dez minutos a pé, subi a Rua Joseph Bleck e toquei à campainha do 1.º andar direito do prédio que me tinham descrito minuciosamente. Não havia engano possível. Entrei e obedeci à voz que me mandou entrar no primeiro quarto do pequeno corredor.

Aí encontrei o Carriço, um amigo e colega do Técnico, dono da casa que me acolheu e conheci o António, um alentejano do Espírito Santo (Mértola), desertor do exército por se recusar a combater na guerra colonial – estava eu longe de saber que passaria a maior parte da vida no Alentejo…

Trocámos abraços, partilhámos sonhos, sempre a planear os próximos combates pela liberdade e pelo fim da guerra, afinal as duas faces da mesma luta. Da família, em especial da minha companheira, sobrava a saudade imensa. Mas nesse tempo não havia telemóveis e os telefones fixos estavam sob escuta da PIDE…

Na casa clandestina, onde era suposto não estar ninguém durante o dia, tínhamos de evitar qualquer barulho que parecesse estranho aos vizinhos. Não havia Mp3 nem auscultadores, não podíamos ouvir música. Mas na minha cabeça ecoava a “Pedra Filosofal”, cantada pelo Manuel Freire: “Eles não sabem nem sonham que o mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos duma criança”.

Faltavam 77 dias para o 25 de Abril, outra quinta-feira… “Depois do Adeus” chegou a “Grândola, Vila Morena”.

de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.

Documento completo disponível em: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/ documentos/pdf/declaracao_universal_dos_direitos_do_homem.pdf

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Dr. Alberto Matos Alberto Matos, 1972 Alberto Matos, 1971 © AEIST e arquivo da PIDE © AEIST e arquivo da PIDE

A ver navios…

Joaquim Oliveira Neves é o meu avô paterno, nascido a 16 de novembro de 1940, em Pedrógão do Alentejo. Com 18 anos foi para a Marinha, tendo realizado duas comissões - uma em Angola e outra em Moçambique - durante a Guerra Colonial. Nos anos seguintes, ainda na Marinha, competiu na modalidade de tiro de pistola e venceu diversas

Rita: Quando esteve na guerra?

Joaquim: Eu estive lá por duas vezes, uma em Angola, outra em Moçambique. A primeira foi dois anos e meio e a outra, para não variar, foi também dois anos e meio.

Rita: Em que anos?

Joaquim: A primeira foi de 4 de julho de 1963 a setembro de 1966. Estive cá três meses, voltei novamente a África, pensando que ia novamente a Angola. Logo, surgiu uma tal “Guerra de Petroleiro”, em Moçambique, e não deixavam passar os navios. Tivemos de ir para lá e acabámos por fazer a comissão toda de dois anos e meio em Moçambique. Na primeira fase, fui quase sempre fazendo o controlo das entradas dos navios na Beira... Navios que vinham desembarcar… e andava tudo controlado por nós! Fazíamos ali saídas de quase um mês, sempre a trabalhar de costa a costa. E assim se passou o tempo…

Rita: E tem algumas histórias curiosas?

Joaquim: Histórias curiosas… não tenho assim muitas coisas. Foi tudo muito pacífico nas duas comissões, não tive muitas histórias. Graças a Deus, não houve muito que contar. Tenho a lamentar, de facto, que nas duas comissões morreu um elemento tanto numa como na outra e, por sinal, meus camaradas… da minha especialidade… amigos e colegas. Foram tanto de uma vez, como na outra, dois camaradas que ficaram.

Rita: Como era o seu dia a dia?

Joaquim: Na primeira comissão foi muito boa. Eu era ajudante, chamado moço de botica, empregado na enfermaria. Naquele setor era o doutor, o enfermeiro e eu que conseguimos resolver lá as situações e tratamentos

competições nacionais e internacionais. Um dos momentos mais marcantes da sua carreira ocorreu quando foi condecorado campeão nacional de “tiro”. Representou Portugal no Torneio de Tiro das Forças Armadas, na China, em 1982. Atualmente, está reformado e vive com a sua esposa no Laranjeiro (Almada).

de injeções e de alguma coisa que surgia na parte médica. Assim se passou o tempo, foi tudo muito bom.

Rita: Quanto tempo esteve lá?

Joaquim: Como já disse, estive lá dois anos e meio em cada comissão. Foi um tempo bom e ainda hoje recordo com uma certa nostalgia ter feito estas viagens…

Rita: E o que é que mais o marcou?

Joaquim: Como já referi, vou recordar-me sempre dessas duas pessoas que lá ficaram. Foi a única coisa que mais me tocou. Quanto ao resto era tudo mais ou menos normal. A gente saía para terra sem receio nenhum. Éramos sempre bem recebidos e

sempre em boa harmonia. Nunca tive grandes coisas com as pessoas de lá.

Rita: E voltou a África?

Joaquim: Voltei, as comissões foram lá, mas nesses intervalos íamos em reparações. Fiquei na África do Sul, em Krypton, cheguei a estar uma vez, sei lá, quase três meses. Estive em Darwin também. Fui pelo menos quatro vezes, quatro viagens à África do Sul, foi também um bom tempo lá. É uma história curta, e assim se vai andando até que Deus queira…

Rita: Muito agradecida.

Joaquim: De nada.

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© Fotografias cedidas pelo entrevistado
Chegada à Base Naval de Lisboa, 1969 Camaradagem, Moçambique, 1967
a 2.ª Comissão, 1968
Base
de
80
Rita Neves (8.º BS) Durante
C.E.F.A.
Naval
Lisboa, anos
«E Depois do Adeus»? «Grândola, Vila Morena»!

O golpe de estado de 25 de Abril de 1974 foi planeado por militares que discordavam da Guerra Colonial e, de um modo geral, da ditadura fascista que já durava há quase 50 anos nesta data. O povo desconhecia os planos dos militares. E tinha de ser assim! Tudo tinha de ser preparado em segredo para que resultasse. Muitas forças militares de Lisboa, e de vários pontos do país, estavam prontas para avançar com o plano para derrubar Marcelo Caetano, mas era preciso uma senha para terem a certeza de que estava tudo pronto para começar e uma segunda senha para saberem o momento exato em que podiam arrancar as colunas militares. Para que a Polícia Política, Polícia Internacional de Defesa do Estado (P.I.D.E) não descobrisse ou desconfiasse, escolheram como senhas duas canções que passaram na Rádio.

A primeira senha foi o tema «E Depois do Adeus», de Paulo de Carvalho, vencedor do Festival da Canção desse ano, que passou cerca das 22h55 do dia 24 de abril na antena dos Emissores Associados de Lisboa, pelo locutor João Paulo Dinis. A segunda senha foi o tema «Grândola Vila Morena», de Zeca Afonso, que passou noutra estação, a Rádio Renascença, às 00h25 do dia 25 de abril. Inicialmente, a segunda senha era a canção «Venham Mais Cinco», também de Zeca Afonso, mas como estava proibida, foi escolhido o tema «Grândola Vila Morena». Assim era mais seguro: não se levantavam tantas suspeitas e a mensagem de que as tropas podiam avançar passava na mesma. Ainda assim, a escolha de um tema claramente político de Zeca Afonso, autor censurado e preso político entre abril e maio de 1973, marca a

intenção deste golpe militar e terá passado a energia e a coragem necessárias para levar a cabo esta Revolução.

Durante o período da Ditadura, mas também após o 25 de Abril, a música (de intervenção ou de protesto) teve um papel fundamental no despertar da consciência do povo, dando coragem para continuar a lutar contra as desigualdades e as injustiças. Nos anos 60 e 70, músicos como Zeca Afonso, José Mário Branco, Fausto, Vitorino, Sérgio Godinho, entre outros, compuseram e interpretaram temas

que contribuíram para atormentar a Ditadura e perspetivar a Democracia. Nos dias de hoje, e sempre, a música de intervenção ou de protesto é uma necessidade porque a DEMOCRACIA e a LIBERDADE nunca são um dado adquirido.

A música é um veículo de comunicação e de expressão privilegiado, porque, ao ligar a emoção e o conhecimento, nos dá a energia e a lucidez para ir em frente, concretizar projetos ... Usemo-la para fazer o bem!

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José Afonso ao vivo no Coliseu, capa da edição especial limitada DVD+CD, Edição Histórica FNAC, novembro de 2010 © Imagem Rádio
Alfa

As faces da guerra em África

- testemunhos de quem lá esteve

A Guerra Colonial resultou de um conflito armado entre as tropas portuguesas e as forças organizadas pelos movimentos de libertação das províncias do ultramar Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Decorreu entre 1961 e 1974, obrigando à deslocação de um elevado número de portugueses para aquelas zonas de África. Entrevistámos alguns destes antigos combatentes do Ultramar. Alguns quiseram permanecer no anonimato, outros quiseram revelar só o nome, outros o nome e apelido. De quase todos ouvimos uma história curiosa.

«[Q]uando estávamos de descanso, tomávamos banho os rios, mas tínhamos de mandar granadas para os crocodilos fugirem, para não nos morderem.»

Testemunho anónimo, recolhido por Letícia Pica (8.º BS)

«[E]stivemos dois meses sem comida, porque o rio encheu demais e não conseguimos passar. As pessoas a quem nós tínhamos dado comida deram-nos, de seguida, a nós.

Testemunho anónimo, recolhido por Letícia Pica (8.º BS)

«Passei uns maus bocados durante o tempo que lá estive, mas o que mais me marcou foi o tiro que levei na perna, em combate. Fiz várias amizades que perduram até aos dias de hoje. Todos os anos fazemos um almoço dos antigos combatentes.»

Testemunho do Sr. Manuel, recolhido por Henrique Valente, João Figueira e Mário Martins (8.º AS)

«Foi uma Guerra muito intensa, na qual morreram muitos portugueses e onde muitos outros ficaram feridos. Passou-se nas colónias de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Mas, os momentos que lá passámos permitiram que fizéssemos muitas amizades.»

Testemunho do Sr. Manuel, recolhido por Henrique Valente, João Figueira e Mário Martins (8.º AS)

«Muitas coisas por lá aconteceram. Um dia, realizou-se uma festa

de Natal feita para o exército para a qual eu fui convidada, pois o meu pai foi autorizado a levar a filha. E, como em todas as festas, ofereceram prendas às crianças, mas eu fui esquecida… não tive prenda. O meu pai, triste com a situação, foi ter com o comandante e manifestou o seu desagrado. A verdade é que, para colmatar essa “falha”, pediram que o meu pai me levasse a um armazém cheio de brinquedos e eu podia escolher. Contava o meu pai que havia imensos brinquedos lindos e que me

Expresso)

disse: “Escolhe, filha, à tua vontade!”. E eu fui escolher a boneca mais pequena que lá havia… todos os que estavam presentes ficaram emocionados com a minha atitude. Sempre que ouvia contar esta história pensava em como a humildade se torna em honra.»

Testemunho de Carla Mósca, filha do antigo combatente António Paulino, recolhido por Tiago Mósca. (8.º BS)

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Foto sem título (1961), de Augusto Cabrita © Augusto Cabrita (Fonte Jornal

«Em 1970, o meu pai, António Paulino, foi para Luanda (Angola) cumprir serviço militar na guerra. No entanto, como tinha habilitações literárias, foi motorista do comandante e nunca foi combater.»

Testemunho de Carla Mósca, filha do antigo combatente António Paulino, recolhido por Tiago Mósca. (8.º BS)

O que foi a guerra colonial?

A Guerra Colonial Portuguesa foi um conjunto de conflitos armados travados entre as Forças Armadas portuguesas e os movimentos de independência em três das então colónias portuguesas em África (a saber: Angola, Guiné-Bissau e Moçambique), entre 1961 e 1974. Foi desencadeada em grande parte pelo desejo de independência e autodeterminação por parte das colónias africanas em relação a Portugal.

O modelo colonial português era caracterizado por uma exploração económica intensa e uma administração centralizada, o que gerou insatisfação entre as populações locais e levou à criação de importantes movimentos

de libertação, como o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde). Estas eram forças poderosas que trabalhavam para a independência nos seus respetivos países.

Após o golpe militar em Portugal em 1974, conhecido como Revolução dos Cravos, o novo governo português iniciou o processo de descolonização dos territórios africanos ainda ocupados. Com a independência das colónias africanas, pôs-se fim à Guerra Colonial Portuguesa.

Salvador Medeiros, Afonso Guerreiro e Tomás Xavier (8.º BS)

«Sei que, no início, fui para um colégio, pois tinha apenas 2 anos, mas queixava-me muito quando chegava a casa, e contavam aos meus pais. Então decidiram colocar uma “ama” (babysitter) para tomar conta de mim em casa. A ama era prima do patrão da minha mãe que trabalhava num escritório de advogados. Mas, infelizmente, a “ama” também não se portou bem e roubou-nos tecidos, ouro, per -

fumes, dinheiro entre outras coisas. Em fevereiro de 1974, nasceu a minha irmã e em maio do mesmo ano viemos para o Portugal. O meu pai só regressou em junho quando terminou a tropa.»

Testemunho de Carla Mósca, filha do antigo combatente António Paulino, recolhido por Tiago Mósca. (8.º BS)

«Não trouxe muitas histórias para Portugal pois eu não enfrentava o inimigo, mas houve uma situação que aconteceu que me marcou. Foi no dia de São Martinho de 1972 em que íamos no riacho, pois íamos reabastecer as companhias operacionais em campo, mas as viaturas que iam à minha frente ficaram atoladas e não as conseguimos tirar. Esta situação durou todo o dia até que fomos a uma companhia operacional pedir ajuda. Já de noite, caiu uma trovoada e cortou-nos a picada, que era como se chamava em Angola a uma estrada, assim tivemos que sair de lá para a mata, cortando árvores para conseguir passar. Andamos toda a noite, até chegarmos à companhia que estava na mata, onde tomamos o pequeno-almoço e voltamos novamente para trás com essa dita máquina para tirarmos os camiões. Depois, continuámos viagem e regressámos à vila. No caminho, houve um camião que ficou encostado a uma árvore e não conseguiu sair de lá. Então, fui eu que o tirei, com a ajuda de um rebenta-minas. Acontece que, com esse trabalho, fiquei todo molhado porque chovia muito e apanhei paludismo, que era uma gripe muito forte da altura, e aí, quando cheguei à dita vila tive que ir para a enfermaria.»

Testemunho de anónimo, recolhido por Rita Nogueira. (8.º AS)

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Operação militar, Bafatá, 1969

A Madrugada da Esperança

Neste texto, iremos refletir sobre o que é a liberdade, como ela é vista e respeitada hoje e, mais importante, como ela o foi em Portugal. Mas, para isso, temos de chegar à questão mais importante: O que é a liberdade? A liberdade depende da expetativa de cada ser. Para muitos, a liberdade manifesta-se na expressão linguística; para outros, no direito ao voto votar: para outros ainda, na prerrogativa de manifestar os seus sentimentos e a sua forma de ser. Poder amar quem quer se amar, trabalhar onde se quer trabalhar, fazer o que lhe agrada e poder recusar.

Após a Segunda Guerra Mundial, a 10 de dezembro de 1948, foi criada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este documento não jurídico delineou a proteção universal dos direitos humanos básicos e foi adotado pela Organização das Nações Unidas. Porém, mesmo sendo uma declaração a favor de várias culturas, comunidades e pessoas, isso não significa que todos o respeitarão na sua globalidade e, em particular, no que

toca aos direitos humanos. Algumas situações que podemos apontar são: a guerra entre a Palestina e Israel, a guerra entre a Ucrânia e a Rússia e, é importante não esquecer, os regimes autoritários e ditatoriais de vários países e regiões da Ásia (como o da Coreia do Norte) e de África, nos quais as pessoas são constantemente atacadas ou sofrem algum tipo de violação dos seus direitos humanos.

Portugal já passou por um período em que viveu em ditadura, quando foi governado pelo Estado Novo, o regime político ditatorial, autoritário, autocrata e corporativista de Estado que vigorou durante 48 anos ininterruptos.

Durante quase meio século de ditadura, foram retirados aos portugueses os seus direitos: o direito de expressão e de voto. o direito a casar para pessoas que desempenhassem certos ofícios (como enfermeiras, telefonistas e hospedeiras); ou o direito a comemorar o Dia do Trabalhador. Também nesta altura, muitas músicas e programas de televisão e de rádio eram proibidos, pois eram contra a política do país. To-

O 25 de Abril de 1974 e a saúde

Antes da revolução existia uma grande desigualdade no acesso aos cuidados de saúde em Portugal. Após o 25 de abril de 1974, Portugal passou por reformas significativas em vários setores, incluindo o da saúde.

Uma das mudanças mais notáveis foi a expansão do sistema de saúde pública, visando fornecer cuidados de saúde abrangentes e acessíveis a todos os cidadãos. Isso resultou na criação do Serviço Nacional de Saúde em 1979, que se tornou um pilar fundamental do sistema de saúde em Portugal, proporcionando uma maior equidade no acesso aos cuidados médicos.

Além disso, houve um aumento dos investimentos em infraestruturas

de saúde, formação de profissionais de saúde e ampliação dos serviços de saúde em todo o país, através da descentralização dos serviços e desenvolvimento de um sistema de cuidados primários bem estruturado. Essas mudanças contribuíram para melhorias significativas na saúde da população portuguesa, com um aumento da esperança média de vida e redução da taxa de mortalidade infantil, entre outros indicadores de saúde positivos.

Em 1976, foi aprovada a nova Constituição, cujo artigo 64.º dita que todos os cidadãos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover. Esse direito efetiva-se através da criação de um serviço nacio-

dos estes aspetos estão ligados à liberdade que os portugueses não tiveram durante a ditadura.

A parte substancial da população portuguesa vivia em aldeias com habitações pequenas, escuras e dispersas, onde não havia, muitas vezes, saneamento básico, água canalizada, luz elétrica ou, até mesmo, uma casa de banho. Quando se chegava à adolescência, já só sobrava um quarto dos jovens da época, a maioria já se encontrava a trabalhar. Em cada casa vivia-se a tristeza de lhe faltar um ou mais elementos, que se encontravam longe, a combater numa guerra com que eles não concordavam. Pela defesa das colónias portuguesas, eram obrigados a partir, a lutar, a matar e a morrer, por ordem de Salazar. Com o 25 de abril de 1974, a vinda dos portugueses repatriados das ex-colónias, com a sua mente mais aberta e hábitos mais livres e modernos de viver, teve um papel importantíssimo na mudança do estilo de vida dos portugueses.

Íris Rocha e Laura Melo (9.º

nal de saúde universal, geral e gratuito. Para assegurar o direito à proteção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado garantir, por um lado, o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação, bem como, por outro, uma racional e eficiente cobertura médica e hospitalar de todo o país.

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BS)
https://www.sns.gov.pt/
António Duarte Arnaut

António Duarte Arnaut

António Arnaut desempenhou um papel fundamental na criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal. Como cofundador do Partido Socialista e Ministro dos Assuntos Sociais no início da década de 1970, Arnaut teve um papel preponderante na conceção e implementação deste sistema, que viria a ser uma das maiores conquistas do país em termos de política de saúde.

O SNS foi oficialmente criado em 1979 com o objetivo de fornecer cuidados de saúde abrangentes e acessíveis a todos os cidadãos portugueses. Este sistema baseado em princípios de universalidade, generalidade e gratuitidade proporcionou um acesso mais equitativo aos serviços de saúde, transformando o panorama da saúde em Portugal.

Arnaut é amplamente reconhecido como o arquiteto desta reforma, que teve um impacto significativo na melhoria da qualidade de vida e na saúde da população portuguesa. Faleceu no dia 21 de maio de 2018, mas a sua visão e compromisso com o acesso universal aos cuidados de saúde deixaram um legado duradouro, e o SNS continua a ser uma parte vital do sistema de saúde em Portugal até aos dias de hoje.

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O 25 de Abril de 1974 e o ambiente

Após a revolução do 25 de abril de 1974, Portugal também passou por mudanças significativas nas suas políticas ambientais. Com a transição para um regime democrático, houve um crescente reconhecimento da importância da proteção ambiental e da necessidade de políticas para preservar os recursos naturais

do país. Um dos marcos importantes foi a inclusão do tema ambiental na Constituição Portuguesa de 1976, estabelecendo as bases para a proteção do meio ambiente.

Nos anos seguintes, o país adotou legislação ambiental mais abrangente procurando proteger os ecossistemas naturais e a biodiversidade, controlar a poluição e promover o desenvolvimento sustentável. Algumas das leis mais importantes incluem a Lei de Bases do ambiente, que estabeleceu os princípios gerais da política de ambiente e Lei da Água, que regula a gestão dos recursos hídricos. Portugal também assinou acordos internacionais e protocolos sobre questões ambientais na área das mudanças climáticas, da conservação da biodiversidade e da proteção dos recursos naturais.

8.º AS e 8.º BS

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles foi um arquiteto paisagista português e uma figura chave no movimento ambientalista português. Nascido a 25 de maio de 1922, em Lisboa, Portugal, era conhecido pelas suas contribuições significativas para o planeamento urbano e para a arquitetura paisagística, bem como pela sua apaixonada defesa

das questões ambientais.

Ribeiro Telles enfatizou a importância dos espaços verdes nos ambientes urbanos e defendeu a integração dos princípios ecológicos no planeamento e desenho das cidades. O seu trabalho destacou, frequentemente, a necessidade de equilíbrio entre o desenvolvimento e a conservação da natureza, sublinhando o papel dos espaços públicos na melhoria da qualidade de vida dos habitantes das cidades.

Ribeiro Telles também assumiu o seu compromisso com a esfera pública, desempenhando vários cargos políticos ao longo da sua carreira, o que lhe deu uma plataforma para promover ainda mais as questões ambientais e de ordenamento paisagístico.

Ribeiro Telles teve um impacto considerável na política ambiental em Portugal: assumiu a primeira Secretaria de Estado do Ambiente, em 1975, no primeiro governo constitucional e foi Subsecretário de Estado do Ambiente no I, II e III Governos Provisórios, Secretário de Estado do Ambiente e Ministro de Estado e da Qualidade de Vida. Enquanto ocupou cargos públicos, foi responsável pelo lançamento das bases de uma política de ambiente e de ordenamento do território em Portugal, promovendo legislação sobre o tema e inúmeras iniciativas.

“Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”, lê-se no nº1 do artigo 66 (Ambiente e qualidade de vida) da Constituição da República Portuguesa que Gonçalo Ribeiro Telles ajudou a escrever.

O seu legado continua a inspirar novas gerações de arquitetos paisagistas, urbanistas e ambientalistas, tanto em Portugal como internacionalmente. Gonçalo Ribeiro Telles faleceu no dia 11 de novembro de 2020, deixando uma rica herança na área da gestão ambiental.

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Gonçalo Ribeiro Teles

https://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/comissao-comemorativa-dos - -50-anos-do-25-de-abril-dedica-programa-de-2023-a-movimento-sindical

O que é a Liberdade?

Militares com cravos nos canos das espingardas, uma imagem que ficou associada ao 25 de Abril

Para nós, a Liberdade é uma forma de estar na vida. É a capacidade de podermos fazer o que quisermos sem restrições ou opressões. No entanto, citando o inglês Herbert Spencer, “a minha liberdade termina onde começa a dos outros”.

Para vivermos em sociedade temos de seguir as regras, as normas e até mesmo a cultura onde vivemos, para

sermos aceites e estarmos integrados uns com os outros. Neste sentido, podemos dizer que a Liberdade também pode ser uma forma de pensar, sentir e de compartilhar.

Porém, devemos ter uma liberdade responsável, consciente daquilo que fazemos e não devemos prejudicar ou agredir os outros, para termos essa autonomia.

A Liberdade é importante?

A Liberdade é muito importante para o desenvolvimento humano e para o bom funcionamento da sociedade em geral, permitindo a liberdade de expressão e de pensamento contribuindo para o progresso social. E, claro está, é ela que dá o direito de ser livre sem restrições ou opressões, permitindo às pessoas terem autonomia, escolha e expressão pessoal.

À medida que o tempo foi passando, foram muitas as

https://www.drooker.com/illustrations/d8o

vezes que se tentou tornar a liberdade um direito, mas a predominância de ditaduras nos tempos passados impe-

Censura, cartoon de Eric Drooker

Por forma a proteger os princípios básicos da liberdade individual e coletiva de cada indivíduo, cada estado tem um conjunto de regras que protege os indivíduos que vivem no seu território, mas estes, por vezes, também podem ser cruéis para os mesmos.

Por exemplo, Portugal já passou por uma ditadura e as pessoas tiveram de lutar pela Liberdade, que foi alcançada em 25 de Abril de 1974. No entanto, hoje em dia, ainda existem países que vivem esta opressão, como, por exemplo, o Irão, a Eritreia, a Coreia do Norte e a Arábia Saudita, entre outros.

Neste sentido, foi criada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que defende a liberdade nas suas várias formas e, apesar de não ser totalmente eficaz (porque sempre existirão aqueles que são mais oprimidos ou desfavorecidos), consegue minimizar e proteger a maioria das pessoas.

Podemos concluir que todos temos um papel importante e que, se todos cumprirmos a nossa parte, o mundo poderá ser melhor, nem que seja no local onde vivemos, com todos os que nos rodeiam.

Guilherme Silva, Fábio Cavaco, Inês Canhita e Henrique Mestre (9.º BS)

dia essas lutas, pois nesses regimes a liberdade de expressão era negada a quase toda a população. Infelizmente, estas situações são uma realidade em diversos países nos dias de hoje.

A Liberdade permitiu à população ter acesso a alguns dos direitos mais importantes, tais como: a liberdade de expressão, a liberdade de religião e a liberdade de associação.

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Vicente Bicó, João Louzeiro, Tiago Rufino e Rodrigo Soares (9.º BS)
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Conquistas e Desafios na Transição Democrática

Quando pensamos no dia 25 de abril, uma sensação de paz envolve os nossos pensamentos, como se o dia em si exalasse tranquilidade. Apesar de não termos vivido esse momento histórico, conseguimos imaginar o impacto transformador que teve na sociedade portuguesa.

O 25 de abril trouxe consigo uma libertação coletiva, um suspiro de alívio após anos de opressão, limitações e, sobretudo, medo caso essas limitações fossem desrespeitadas.

Ao refletirmos sobre esse acontecimento, é inevitável ignorar o sofrimento e a sensação de prisão que as pessoas experimentavam devido ao regime ditatorial que estava implantado. A nossa imaginação e até os factos históricos guia-nos para um tempo em que a liberdade era um privilégio raro, e as vozes do povo eram sufocadas pela censura.

A Revolução dos Cravos não destruiu unicamente as “correntes” da ditadura, mas também plantou as sementes para que uma sociedade mais livre e aberta florescesse no seu esplendor.

Essa liberdade conquistada pelo povo influencia-nos a apreciar profundamente as oportunidades e possibilidades que temos hoje em dia e que, antigamente, não tínhamos o privilégio de as ter.

É uma recordação vívida de que a estabilidade e a democracia são conquistas valiosas e que, muitas vezes, estas são conquistadas com sacrifícios significativos. A sensação de viver num ambiente onde as ideias podem florescer, as opiniões são respeitadas e a expressão é livre, reforça a importância de preservarmos e valorizarmos esses princípios fundamentais para a felicidade de qualquer um de nós.

Assim, o 25 de abril não é apenas uma data no calendário, mas um acontecimento significativo que continua a motivar-nos a valorizar a liberdade e a cultivar um dever renovado, com a construção de uma sociedade justa e aberta, onde todos possam viver bem e em paz, sem quaisquer receios de virem a ser punidos por usufruírem da liberdade.

Cartaz MFA: Povo-Voto/Voto-Povo, 1975

Viver em democracia

Viver em democracia geralmente significa ter a oportunidade de participar no processo decisório, liberdade de expressão e proteção dos direitos individuais.

Viver em democracia apresenta várias vantagens como, por exemplo: a participação ativa na tomada de decisões, uma governança mais transparente e a possibilidade de mudanças políticas através de eleições de 4 em 4 anos. Numa democracia, a diversidade é valorizada, através da promoção de debates abertos e inclusivos para tomar decisões coletivas. A justiça e a igualdade perante a lei também são pilares, garantindo que todos os cidadãos sejam tratados igualmente. No entanto, as experiências podem variar dependendo do país e do funcionamento.

Vicente Bicó, João Louzeiro, Tiago Rufino e Rodrigo Soares (9.º BS)

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Os pilares da democracia

Viver em democracia pode ser uma experiência enriquecedora e desafiadora ao mesmo tempo. Para que uma nação se possa dizer democrática, ela deverá respeitar os princípios que a sustentam:

• Liberdade de expressão

Numa democracia, as pessoas têm o direito de expressar suas opiniões livremente, seja por meio de protestos pacíficos, por media independentes ou por participação em debates públicos. Isso cria um ambiente onde diferentes pontos de vista podem ser ouvidos e debatidos.

• Estado de direito

Numa democracia, o estado de direito prevalece, o que significa que todos, incluindo líderes políticos, estão sujeitos às leis e instituições estabelecidas. Isso ajuda a garantir a igualdade perante a lei e a proteção dos direitos individuais.

• Participação cívica

Os cidadãos são encorajados a participar ativamente na vida política e social de seu país, seja votando em eleições, servindo em cargos públicos, participando em organizações comunitárias ou exercendo o direito de petição.

• Pluralismo político

Uma democracia geralmente apresenta uma variedade de partidos políticos e ideologias, oferecendo aos cidadãos uma gama de opções para escolher seus representantes e influenciar a direção do governo.

Portugal é um país justo?

Portugal é um país que tem feito esforços para promover a justiça social e económica. Possui um sistema democrático consolidado, no qual os cidadãos têm direitos e liberdades garantidos pela Constituição. Além disso, Portugal tem implementado políticas para combater a pobreza, promover a igualdade de género e proteger os direitos humanos.

No entanto, como em qualquer país, existem desafios e áreas onde a justiça pode ser aprimorada. Por

• Proteção dos direitos humanos

Os direitos fundamentais, como liberdade de expressão, liberdade de religião, igualdade perante a lei e direitos das minorias são protegidos e valorizados em democracia.

• Responsabilidade e transparência

Os líderes políticos são responsáveis perante o povo e devem prestar contas de suas ações e decisões. A transparência nas instituições governamentais é fundamental para garantir a confiança dos cidadãos no governo.

• Negociação e compromisso

Em uma democracia, é comum que diferentes grupos e interesses entrem em conflito. No entanto, o processo democrático incentiva a negociação e o compromisso para alcançar soluções que atendam ao bem comum.

• Mudança pacífica de poder

Uma das características mais importantes de uma democracia é a transferência pacífica e regular do poder, geralmente por meio de eleições livres e justas. Isso ajuda a evitar instabilidade política e conflitos violentos.

No entanto, é importante notar que nem todas as democracias são perfeitas e enfrentam desafios únicos, como a corrupção, a desigualdade e a polarização política. Viver em democracia, muitas vezes, requer compromisso e engajamento contínuo para fortalecer e proteger as suas instituições fundamentais.

exemplo, questões como a desigualdade económica, o acesso à saúde e educação, a corrupção e a discriminação ainda são desafios que Portugal enfrenta, como muitos outros países ao redor do mundo.

A perceção de justiça pode variar entre diferentes indivíduos e grupos dentro de um país, dependendo de suas experiências e circunstâncias pessoais. Portanto, enquanto alguns podem sentir que Portugal é um país justo, outros podem ter preocupações ou críticas

Comemoração dos 45 anos do 25 de Abril, Lisboa, 2019

específicas sobre questões de justiça no país.

Ana Rita Figueira, Diogo Melão e António Martins (9.º BS)

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O que é a Liberdade para ti?

Igualdade de género

Em primeiro lugar, o que é a igualdade de género? A igualdade de género exige que, numa sociedade, homens e mulheres consigam obter as mesmas oportunidades, rendimentos, direitos e obrigações em todas as áreas.

Contudo nem sempre o ideal foi este em Portugal: mãe, esposa e dona-de-casa foram os papéis femininos valorizados e incentivados durante o Estado Novo. O regime “fabricou” a mulher perfeita, afastada do espaço público, sem acesso a certas profissões e com direitos bastante limitados. Os homens mandavam, as mulheres obedeciam.

Para nós, a Liberdade é um conceito multifacetado, que abrange várias dimensões da vida humana. Na sua essência, a liberdade é a capacidade de agir, pensar, expressar-se e fazer escolhas de forma autónoma, sem coação externa ou restrições excessivas. Aqui estão algumas das dimensões que a liberdade pode abranger: liberdade individual, liberdade política, liberdade de expressão, liberdade de associação, liberdade econômica, liberdade de movimentos e liberdade religiosa.

Em resumo, a Liberdade é fundamental para o florescimento humano e para o funcionamento saudável da sociedade. Ela permite que as pessoas vivam de acordo com seus próprios valores e aspirações, contribuam para o desenvolvimento da comunidade e busquem uma vida de dignidade e realização pessoal.

Ana Rita Figueira, Diogo Melão e António Martins (9.º BS)

Apesar de a Constituição de 1933 estabelecer o princípio da igualdade, no dia a dia essa lei não era a mesma para homens e mulheres. Principalmente as casadas, que não podiam trabalhar nem ir para o estrangeiro sem autorização do chefe de família, que poderia ser o pai, o irmão e mais tarde o marido. E as mulheres ganhavam quase metade do salário pago aos homens.

A mulher ideal era a que ficava em casa, a manter a ordem e o aconchego do lar, a cuidar da educação dos seus filhos, numa total submissão ao marido. As escolas seguiam sem hesitar estes valores, as meninas eram educadas para as alegrias do casamento e desincentivadas a seguir estudos antes do ensino secundário.

A igualdade de género foi uma luta árdua para as mulheres. Apenas no dia 2 de abril de 1976 foi publicada a nova Constituição da República Portuguesa, cujo n.º 2 do Artigo 48.º preconizava o sufrágio universal, igual, secreto e reconhecido a todos os cidadãos maiores de 18 anos, ressalvadas as incapacidades da lei geral, e o seu exercício é pessoal e constitui um dever cívico.

A ditadura pode ter acabado, mas nem tudo ficou perfeito. Portugal ainda está abaixo da média europeia, com 2.8 pontos abaixo da média da União Europeia. Considerando os dados do Barómetro do GEP, que utilizou dados salariais do ano de 2022, os homens receberam um salário médio de 1.344, 50€ enquanto as mulheres receberam 1.128,30€. Isso significa que as mulheres em Portugal trabalham, em média, 48 dias sem receber uma remuneração por isso. Na minha opinião, os homens e as mulheres têm de ter o mesmo direito.

Eu concordo com a existência da igualdade de género, pois, a meu ver, jamais deveria ser permitido o homem ter mais direitos do que as mulheres. Afinal, no fim da vida, todos morremos e ninguém quer saber se foi um homem ou uma mulher. A morte não escolhe quem vai atacar e nem vai favorecer a pessoa de acordo com o seu género.

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Militares e populares envergando uma faixa com a palavra “Liberdade”, Lisboa, 1974
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Elas falaram!

«Mudou muita coisa [após o 25 de Abril]: as mulheres passaram a ter mais voz, a poder vestir calças… mudou muita coisa!»

Testemunho de uma avó, recolhido por Sofia Gemas, Layla Fenmino, Beatriz Martins e Margarida Ventura (9.º A)

«Eu fui educada para que, quando chegasse aos 22/23 anos, casasse e tivesse filhos. Até para

os meus pais, era o objetivo mais importante a atingir. [O] meu pai, sobretudo, tentou que minha mãe me educasse de maneira a saber fazer todas as lidas de casa e para ser boa dona de casa. Posso dizer que a minha mãe chegou a fazer um enxoval, quer dizer acumular paninhos, louças para meu casamento. Já era certo que eu

A evolução da igualdade de

A meu ver, a igualdade de género em Portugal tem vindo a evoluir positivamente, principalmente quando comparada à igualdade de género durante a ditadura de Salazar.

A igualdade de género é um conceito que define a procura da igualdade entre os géneros humanos, tentando lutar contra todas as formas de injustiça, discriminização e desigualdade existentes no mundo.

Primeiramente, podemos observar essa evolução na forma de viver das mulheres antes do 25 de Abril. Por exemplo, durante a ditadura de Salazar, as mulheres eram tratadas de forma inferior aos homens. No Estado Novo, as mulheres existiam para ser boas e dedicadas mães e esposas e, desde pequenas, eram ensinadas e educadas para esse fim. Eram, assim, expostas ao poder dominador dos pais, dos irmãos e, mais tarde, dos maridos. Basicamente, o futuro que ambicionavam era poder ter um bom casamento que garantisse o sustento

tinha de casar, ser dona de casa e mãe que era a mulher que naquela altura deveria ser. A minha sorte foi nascer em França.»

Testemunho da professora

Cândida Santos, recolhido por Sofia Gemas, Layla Fenmino, Beatriz Martins e Margarida Ventura (9.º A)

género

da família. As senhoras, não podiam votar, não podiam ser juízas, diplomatas, militares ou polícias. Para trabalhar no comércio, sair do país, abrir conta bancária ou, até mesmo, tomar contracetivos, as mulheres eram obrigadas a pedir autorização

oportunidades para as mulheres em diferentes setores, como o trabalho e a educação.

Em terceiro lugar, e depois do 25 de Abril, constatou-se um aumento do número de mulheres na educação e no mercado de trabalho, assim como se observou um acréscimo da presença de mulheres na política. Apesar dessas melhorias, os obstáculos persistem, como as grandes diferenças salariais e a representação desigual em cargos de liderança.

aos pais ou maridos e, para além disso, apenas ganhavam cerca de metade do salário pago aos homens.

Em segundo lugar, cabe notar o avanço que houve quando, em 1976, a Constituição Portuguesa foi promulgada e incluía princípios fundamentais de igualdade, impedindo a discriminação com base no sexo, seguida de várias leis que foram implementadas para garantir as mesmas

Em suma, apesar de todos os desenvolvimentos, é importante constatar que a luta pela igualdade de género subsiste em todo o mundo, inclusivamente em Portugal. Desafios recorrentes, como discrepâncias salariais, representação desigual em cargos de liderança e problemas relacionados com violência de género permanecem o centro de atenção e esforço por parte de ativistas e organizações em prol dos direitos das mulheres.

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Manifestação pela igualdade de género, 2018 | © António Pedro Santos, Agência Lusa https://observador.pt

Em nome da Liberdade: Portugal rumo à justiça

A liberdade é importante, porque é um pilar fundamental para o desenvolvimento e a prosperidade de uma sociedade. Ela transcende a mera ausência de coerção, abrangendo a capacidade de indivíduos exercerem os seus direitos, expressarem as suas ideias e perseguirem os seus objetivos pessoais. A liberdade fomenta a diversidade de pensamentos, catalisando a inovação e o progresso. Numa sociedade livre, as oportunidades são ampliadas, permitindo que os cidadãos explorem o seu potencial e contribuam de maneira única para o coletivo. A liberdade de expressão nutre o debate saudável, essencial para o desenvolvimento de ideias e soluções robustas. Além disso, a liberdade individual está intrinsecamente ligada à dignidade humana, conferindo autonomia e respeito pela escolha pessoal. Contudo, é crucial reconhecer que a liberdade não é absoluta: ela deve ser exercida com responsabilidade e respeito pelos direitos dos outros. Em suma, a importância da liberdade reside na sua capacidade de criar sociedades dinâmicas, inclusivas e progressistas, nas quais cada indivíduo contribui para o bem comum, promovendo o florescimento coletivo.

Portugal é um país justo, porque a avaliação da justiça é complexa, pois envolve uma análise multifacetada de vários setores e dinâmicas sociais. Embora o país tenha avançado significativamente nas últimas décadas em termos de desenvolvimento económico e social, persistem alguns desafios. No campo da justiça social, observam-se disparidades económicas e regionais, destacando a necessidade de políticas inclusivas para mitigar essas assimetrias. O acesso equitativo à educação e saúde bem como oportunidades iguais para todos os cidadãos são elementos cruciais para uma sociedade justa. No sistema judicial, há esforços contínuos para fortalecer a independência e eficiência, mas desafios como a morosidade processual ainda demandam atenção. A luta contra a corrupção e a garantia da igualdade perante a lei são fatores determinantes na perceção da justiça no país. Em resumo, enquanto Portugal avança em direção a uma sociedade mais justa, persistem questões que exigem atenção contínua. A busca

por maior equidade e coesão social deve ser uma prioridade para garantir que os princípios fundamentais de justiça permeiem todos os estratos da sociedade portuguesa.

Para aprimorar a qualidade de vida em Portugal, é imperativo adotar uma abordagem holística que atenda às necessidades em diferentes esferas. No domínio económico, é essencial promover políticas que estimulem o crescimento sustentável, incentivem o empreendedorismo e reduzam as desigualdades económicas. Investimentos em infraestrutura e tecnologia podem impulsionar setores-chave, criando empregos e fomentando a inovação. No contexto social, é crucial fortalecer os sistemas de educação e saúde, garantindo acesso universal e qualidade. A promoção de programas de inclusão social e igualdade de oportunidades é fundamental para reduzir disparidades. Além disso, a implementação de políticas ambientais progressivas pode preservar os recursos naturais e enfrentar desafios relacionados com as mudanças climáticas.

Na esfera governamental, é vital fortalecer instituições democráticas, promover a transparência e combater a corrupção para garantir uma administração pública eficaz e confiável. A participação cidadã ativa, por meio de consultas públicas e canais de diálogo, pode fortalecer a democracia.

Em resumo, um plano abrangente que aborde as dimensões económicas, sociais e ambientais é essencial para melhorar a qualidade de vida em Portugal, promovendo um desenvolvimento sustentável e inclusivo.

A nossa opinião relativamente à liberdade é que esta é crucial, permitindo o desenvolvimento individual e a diversidade de pensamento. Quanto a Portugal, ponderamos se o país é verdadeiramente justo, levantando questões sobre igualdade e oportunidades para todos. Para melhorar a vida no nosso país, sugerimos um foco renovado na educação e na saúde e medidas que promovam a equidade social.

Madalena Vieira, Maria Mira, Mariana Rendeiro e Rita Carapinha (9.º BS)

FICHA TÉCNICA: Propriedade: AE n.º 1 de Serpa | Capital social: 990 alunos | Sede: Rua Dr. Edgar Pires Valadas, s/n 7830-479 Serpa, PORTUGAL | Contacto: (+351) 284 540 090 | Redatores: Alunos do Agrupamento de Escolas n.º 1 de Serpa | Outros colaboradores: Dr. Alberto Matos, Prof. Ana Cristina Silva, Prof. Cidália Teodoro, Prof. Fernanda Paula Coelho, Prof. Lisandra Sousa, Prof. Rita Valério, Prof. Helena Soares, Prof. Hugo Fernandez. | Revisão dos textos: Prof. Hugo Fernandez, Prof. Maribel Paradinha e Prof. Palmira Rodrigues | Design gráfico e impressão: Amélia Fernandes, Serviço de Informação, Comunicação e Imagem do Município de Serpa | N.º de exemplares: 200 exemplares | Site do Agrupamento: https://aeserpa1.edu.gov.pt/site | Site da Biblioteca Escolar: https://biblioteca870. wixsite.com/agr1serpa | Blogue da Biblioteca Escolar: https://bibliotecaescolaracs.wordpress.com/

abril’24 | Correio da Serra | 19
© Marusia Vulpe 9ºAS
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