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FH | PENSADORES

pobre para pobres, ou seja, um sistema restritivo. É óbvio que precisamos reorganizar o sistema. Mas antes de estabelecer esses limites, temos outras questões como organizar o sistema, que hoje está desintegrado e fragmentado. Precisamos reordenar os fluxos, assegurar não só o primeiro acesso das pessoas, mas a continuidade dos trabalhos, diminuir a fila, estipular padrões com tempo máximo de espera, temos muito desafios antes de discutir a regulação. Primeiro, resolver o subfinanciamento, depois estabelecer uma nova relação entre o público e o privado, e, por fim, essa regulação precisará de redes integradas onde haja atendimento com fluxo corretos. Hoje se discute muito a atenção primária, quando se tem isso de forma resolutiva até 90% dos problemas de saúde são resolvidos. Se ela funcionar, se consegue outra qualidade de sistema de saúde, se diminui a pressão em cima das especialidades e dos prontos-socorros. Esta é uma solução viável e importante. Portanto, eu discordo que o problema maior do SUS é dar tudo para todos e, por isso, é preciso estipular o que se vai dar. É uma visão egoísta e simplista e não permite a discussão do sistema de saúde como um todo.

privado se dá pelo desembolso direto que é muito pouco. É importante dizer que a fonte de financiamento do setor privado conta com recursos públicos e é essa a questão que a sociedade não entende. Isso precisa ser colocado em praça pública, porque, por um lado, a fonte de financiamento é insuficiente e, por outro, o setor privado é financiado com recursos público pelas desonerações fiscais de prestadores privados, pela compra de planos que é um exemplo emblemático para o funcionalismo público, onde o governo federal gasta R$1 bilhão comprando serviços com dinheiro público. E, principalmente, pelo uso do SUS por clientes de plano de saúde sem o devido ressarcimento ao sistema público. Isso é muito relevante e pouco debatido. Esta injeção de recursos públicos no setor privado precisa ser conversada, isso está na raiz de muitos problemas. FH: Você comentou sobre o crescimento Dos planos de saúde e a insatisfação da cobertura. Mas existe o desejo da população que é adquirir a saúde que o SUS ainda não consegue oferecer. Dessa forma, a população está em uma encruzilhada, pois ela não é culpada. Scheffer: Isso tem a ver com o total desconhecimento dela sobre o SUS. Primeiro, porque as pessoas nem sabem que o SUS faz parte da vida delas. É sempre a visão da assistência médica, e isso é uma parte do SUS, ele deveria ser um sistema mais compreendido e defendido e, na verdade, é escorraçado o tempo todo. Esse desejo da população está muito localizado, precisamos deixar claro que essa solução não é para as necessidades de saúde. É uma solução para aquilo que hoje me parece o maior gargalo do

sejo das pessoas de acessar não transforma esses planos em algo que seja a solução. FH: Ainda sobre os planos de menor custo. Essas empresas que comercializam os planos estão no mercado que inclusive já é regulado. Você acredita que esses dois subsistemas podem viver integrados? Scheffer: Claro, acredito. Podem e devem viver desde que reposicionados, desde que cada um com seu tamanho natural. O sistema suplementar com esse perfil de crescimento é totalmente inadequado. À medida que eu tenho um fortalecimento e um financiamento adequado do sistema público, eu reposiciono o lugar do setor privado. FH: O subsetor privado tem um tamanho ideal? Scheffer: No sistema de saúde universal, os planos de saúde nunca superam os 25%. Tem uma grande exceção no mundo que são os Estados Unidos, que escolheram o modelo majoritariamente de planos e seguros de saúde e, não por acaso, é sistema mais caro e com pior indicadores. Tanto que a reforma do Barack Obama (presidente dos Estados Unidos) é isso: ele reconhece o fracasso de um sistema de saúde majoritariamente entregue a planos e seguros, que deixou uma parcela grande da população sem assistência alguma. Nos sistemas universais, os planos são residuais, no geral, são 10%, 15%, 20%. No geral, no mundo inteiro, com exceção dos EUA, os planos e seguros não chegam a 25% dos sistemas de saúde.

FH: No Brasil estamos com 25 %. Estamos num máximo que um sistema universal permite? Scheffer: Sim, mas com crescimento artificial, pois uma parte desse mercado, julgo, que não existir, porque são produtos ruins que ESSES PLANOS MAIS BARATOS, POR CAUSA DA REDE RESTRITA deveria não entregam aquilo que foi vendido. Isso aconE DE PAGAREM MAL OS MÉDICOS, SÃO ARTIFICIAIS. AS PESSOAS tece com total conivência e autorização da ANS, que durante muito tempo estava capturada ESTÃO PAGANDO, MAS NA HORA QUE NECESSITAREM VÃO pelo mercado regulado. A ANS é contaminada BUSCAR SOCORRO NO SUS pelos interesses de mercado, então, até outro dia o presidente da ANS era um executivo que FH: O SUS tem problema de finanSUS, me refiro à atenção secundária e as consultas tinha passado pela Qualicorp. Esses dias saiu uma ciamento. Mas há um financiacom especialidades, esse é o estrangulamento do reportagem no jornal Folha de S. Paulo mostrando mento feito várias vezes: existe a SUS. Porque o plano de saúde é assistência médica essa relação de promiscuidade. Isso contribuiu para cobertura universal (pagamento hospitalar: consulta, exame e internação. E esses a conivência de permitir o crescimento inadequado de tributos), as empresas pagam planos mais baratos, por causa da rede restrita e de de mercado. Acho que inúmeras empresas não devepara seus funcionários e recebem pagarem mal os médicos, serão planos artificiais, riam existir e inúmeros produtos nem deveriam ter incentivos públicos para isso, e as pessoas estão pagando, mas na hora que neces- sido autorizados. Não adianta, agora, querer consertar quando a população notifica isso sitarem vão buscar socorro no SUS. É um desejo, com medidas como ‘não pode demorar três meses no imposto de renda ela é reembolmas ele não está acompanhado da informação do para marcar um especialista, o prazo máximo é de 15 sada por ser um serviço de saúde. que é um sistema de saúde e do que isso, que elas dias’, isso não vai acontecer porque os planos não têm Há um desperdício de recursos? acham que acessam, vai representar. Porque elas quantidade de médicos, eles pagam R$ 25 a consulta e Scheffer: A fonte de financiamento já pagam via imposto por uma atenção pública e nem conseguem compor uma lista de médicos. Enfim, do SUS é pública, os recursos vêm vão pagar de novo ou via empregador ou por elas o plano de R$40 vai dar direito a apenas um hospital da arrecadação tributária. E o setor próprias por algo que não vão receber. Enfim, o de- e ele vai estar lotado. *Veja outros trechos da entrevista no portal Saúde Web: www.saudeweb.com.br

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MAIO 2013 REVISTAFH.COM.BR

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