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Hortas: do campo para a cidade

O cultivo de hortaliças e outras plantas pode melhorar a relação das pessoas com a natureza e sua alimentação, mesmo em centros urbanos.

Com a vida corrida, estímulos digitais e tantos dispositivos on-line, o contato com a natureza é cada vez mais difícil e breve. Além disso, manter hábitos saudáveis, como comer bem, torna-se cada vez mais desafiador. Quem nunca parou para engolir uma coxinha, com tantos afazeres para resolver na hora do almoço? Ou se pegou mastigando bolachas durante o trajeto do circular? Mesmo em casa, muitas vezes, é impossível ter tempo para comprar os ingredientes e cozinhar no mesmo dia.

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Diante de tal realidade, muitas pessoas procuram maneiras para incrementar a própria realidade com um pouco de verde e deixar hábitos nocivos em busca de qualidade de vida. Mais do que isso, estimular o contato frequente com a terra pode trazer inúmeros benefícios: redução de estresse e hipertensão, ajuste de níveis de cortisol, melhora da saúde mental, desenvolvimento da memória e até redução do risco de miopia para crianças.

São João da Boa Vista está em 50º lugar no ranking nacional de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), segundo os dados mais atualizados (2010) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além de fatores sociais, culturais e econômicos, ruas arborizadas, praças conservadas e a proximidade a matas, cachoeiras e outros espaços verdes, contribuem para essa posição por aumentar a interação entre pessoas e natureza.

Locais verdes, como as hortas urbanas, são uma alternativa moderna e ecológica de bem-estar e abastecimento para cidades – sobretudo as mais afastadas da zona rural. Algumas das principais vantagens do modelo, em quase todos os casos, é a redução no desperdício de alimentos; valores mais acessíveis para clientes; cultivo sem agrotóxicos; menos poluição (por usar pouca ou baixa automatização) e zero desmatamento.

HORTA URBANA

A empresária Cesarina Mattos (foto abaixo), proprietária de uma imobiliária, orgulha-se de sua horta, cultivada em uma área urbana próxima ao Tribunal de Justiça, a um centro universitário e a

Horta Urbana

A empresária Cesarina Mattos, proprietária de uma imobiliária, orgulha-se de sua horta e considera o espaço uma grande herança para suas netas.

“É um pedacinho de terra dentro da cidade, mas o valor é inestimável".

uma escola particular. “Eu tenho pepino, berinjela, limão galego, limão cravo, tomatinho cereja, um pé de goiaba com um sabor maravilhoso, amora, manga, três pezinhos de jabuticaba, vários tipos de plantas medicinais, como erva-cidreira, ora-pro-nóbis, guaco, hortelã e manjericão”, enumera. “Posso dizer que é minha recreação. Estar ali me faz muito bem, é um espaço maravilhoso”.

Quem cuida do espaço de cerca de 5 mil m² é o jardineiro Paulo Donizeti Roque. “As pessoas podem vir aqui e comprar as hortaliças diretamente com o Seu Paulo, é um senhor apaixonado por terra, que ama o que faz. Ele planta, colhe e vende, tudo com muito amor e carinho”, conta Cesarina. “Nós não usamos nenhum tipo de agrotóxico, o único adubo é o esterco de origem animal”.

A plantação é dividida entre horta, pomar e jardins com muitas flores. Além de proporcionar hortaliças, legumes, frutas e temperos frescos, a proprietária frisa os benefícios medicinais de algumas plantas. “O boldo ajuda o fígado; o limão cura problemas digestivos; o ora-pro-nóbis, a anemia e vários outros tipos de doença”, cita. “Toda noite, faço um chá de erva-doce em casa, a família vem e toma. É um estilo de vida que adotei, vindo do meu pai. Tudo é tirado da horta”. Ela considera o espaço uma grande herança para suas netas. “É um pedacinho de terra dentro da cidade, mas o valor é inestimável. Eu não pretendo vender nunca, e sei que meus filhos e netas também não vão, porque eles têm o mesmo pensamento”, afirma. “É uma bênção divina, tudo que se planta ali, nasce”.

V Nculo Natural

A conexão da proprietária da horta com o meio ambiente remonta à sua infância. “Meu pai adorava a natureza, tinha uma fazenda da qual adorava cuidar, pegando na enxada, tirando ervas daninhas e matos”, recorda. “Talvez seja por isso que eu tenha tanto prazer e alegria por estar em um espaço como esse. Sempre procurei mostrar, tanto para meus filhos quanto para minhas netas, o valor da terra, que devemos ter respeito por ela; e cada vez que eu estou na horta, de coração, eu me emociono por ver que tudo transcorre com muito amor”. Por ter sido uma propriedade inalterada por décadas, a ideia de Cesarina estruturar uma horta ali gerou incredulidade. “Meu marido fez as divisões na terra, já fazia uns cem anos que não era tocada, foi uma herança dos antepassados de seu avô, o Seu Felício Rossi. Disseram 'Você está louca, vai fazer o que aqui?' Na época, um menino estava ajudando a construir uma fazenda no Bairro Alegre, tirava muita terra de lá e precisava colocar em algum lugar. Ele me perguntou se podia ser nessa área, e eu achei uma maravilha”, recorda. “Ele botou vários caminhões de terra e, devagarzinho, nós fomos ajeitando, o Seu Paulo e eu”.

ONDE FICA?

A horta urbana da Cesarina, cuidada pelo Seu Paulo, está localizada na Av. Dr. Octávio da Silva Bastos, 02. E se você está pensando em começar a cultivar uma horta, ela se coloca à disposição para ceder o fertilizante, bem como terra e mudas, e deixa o incentivo: “Tudo depende de você, de seu empenho e sua conexão com a Terra".

Cesarina também propõe aos leitores criar uma ligação espiritual com a natureza. “Eu sinto a terra como uma energia muito poderosa”, explica. “Gosto de colocar o pé no chão, há um descarregamento poderoso de energias negativas. Acho que todos precisamos nos transformar, nos voltar mais para o nosso interior, mudar a forma de pensar, sermos mais humildes e humanos, ter respeito pelo próximo. A humanidade está falhando, foi isso que me despertou o desejo de cuidar do planeta Terra”, conta. “E durante a minha vida inteirinha, Deus esteve ao meu lado. Eu só tenho que ter muita gratidão”.

A horta urbana da Cesarina, cuidada pelo Seu Paulo, está localizada na Av. Dr. Octávio da Silva Bastos, 2. E se você está pensando em começar a cultivar uma horta, ela se coloca à disposição para ceder o fertilizante, bem como terra e mudas, e deixa o incentivo: “Tudo depende de você, de seu empenho e sua conexão com a Terra. Tem que começar. Em apartamentos, pode-se usar vasinhos, floreiras. Só precisa querer”.

Indoor

Na cidade, muitas pessoas não dispõem de um terreno ou quintal com espaço suficiente para cultivar uma horta nos moldes tradicionais – ainda bem que, hoje em dia, existem outras opções, como as hortas indoor, ou seja “internas”, que podem ser cultivadas dentro de casa. A atividade pode se destinar à alimentação ou mesmo à decoração.

O professor de Paisagismo do curso de Arquitetura e Urbanismo do centro universitário Unifeob, José Edwalto de Lima Junior, é mestre em Sustentabilidade do Ambiente Construído pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele diz que as hortas indoor podem ser cultivadas em qualquer ambiente de uma residência. “Se o objetivo for a composição estética, como elemento decorativo, podem ser implantadas em quartos, banheiros e áreas externas; se visar também o consumo das espécies, o mais indicado seria dentro ou próximo à cozinha ou área gourmet”, indica.

De acordo com José Edwalto, os principais benefícios são o baixo custo de investimento em equipamentos e insumos; pouca área de ocupação; boa adaptabilidade a locais pouco utilizados; praticidade (não requer mão de obra especializada nem cuidados extremos); além do bem-estar (a prática pode ser tornar prazerosa e gratificante). “Na

Onde montar a horta?

arquitetura, as hortas indoor podem ser propostas como elementos de composição dos ambientes, complementando a ideia do projeto de interiores. São indicadas principalmente para apartamentos, que costumam ter ambientes bem limitados”, afirma o professor. “No paisagismo, são uma estratégia para quem busca um estilo de vida próximo à natureza, com consumo imediato de alimentos mais saudáveis, um público específico que gosta e encara o manuseio como um hobby doméstico”.

Trabalho E Paci Ncia

Mas ele alerta sobre a necessidade de dedicar um tempo definido para o cultivo e a manutenção: “É preciso ter paciência e satisfação no ato de cuidar das plantas. Muitas pessoas não simpatizam com a ideia, buscam mais objetividade no dia a dia; outras dizem gostar, mas não têm tempo, ou simplesmente não se arriscam na atividade”, exemplifica. “Por isso, profissionais de Arquitetura e Paisagismo precisam avaliar o perfil de cada cliente para indicar ou não essa prática. Implantar uma horta indoor em casa é ter um novo estilo de vida, e nem todos se adaptam”.

A paixão de Cesarina pela natureza,

Confira as dicas do professor de Paisagismo da Unifeob, José Edwalto de Lima Junior, e identifique o melhor ambiente para construir um espaço tão agradável quanto o de Cesarina. Priorize locais com boa iluminação natural e pouca ventilação: algumas espécies podem receber um banho de sol, desde que em um curto período de tempo –o mais apropriado é pela manhã. Evite lugares extremamente secos ou onde as plantas possam ficar expostas a fumaça (como churrasqueiras e fogões) e insolação direta: como estão compactadas em nichos ou pequenos vasos, suas raízes têm uma área de expansão limitada, então são mais vulneráveis a temperaturas extremas. Sempre tenha moderação e sensibilidade. Afinal, por mais que estejamos falando de alimentos ou decoração, são seres vivos, certo?

Hortas Indoor

De acordo com José Edwalto, entre os principais benefícios são o baixo custo de investimento em equipamentos e insumos, praticidade, além do bem-estar.

“Se o objetivo for a composição estética, como elemento decorativo, podem ser implantadas em quartos, banheiros e áreas externas; se visar também o consumo das espécies, o mais indicado seria dentro ou próximo à cozinha ou área gourmet”.

por outro lado, é tão grande que, mesmo dentro de sua casa, no quintal, arranjou mais um espacinho para um pequeno pomar. “É só um quadradinho, mas tem dois pés de manga, pé de limão, etc”, conta, orgulhosa. “Eu sinto que nossa Mãe Terra nunca vai deixar faltar nada para os seus filhos, desde que estejamos em conexão com ela, porque nós já praticamos muito desamor, estragamos e machucamos demais o planeta. Por isso, eu só tenho gratidão, gratidão e gratidão pela vida.”

Microplantas

E se um dos principais benefícios das hortas – especialmente aquelas mais próximas de onde a maioria da população vive – é a melhora na qualidade dos alimentos, vale a pena mencionar uma predisposição cada vez maior na horticultura: o cultivo e consumo de microplantas ou microverdes. “São espécies que deixaram de ser um broto, mas não atingiram a fase baby leaf, em que podem ser colhidas precocemente para consumo e comercialização”, explica o professor José Edwalto. “Por serem bem pequenas, podem compor pequenos espaços para efeitos estéticos ou de consumo, já que se caracterizam por serem mais saborosas e concentrarem maior quantidade de nutrientes”.

Segundo o blog Plantei, onde há disponibilizados vários materiais informativos sobre hortaliças e plantas em geral, a colheita dos microverdes deve ser feita entre 7 e 21 dias após a germinação, quando as primeiras folhas estão totalmente desenvolvidas e já ocorre a presença de folhas verdadeiras. Algu- mas, como o manjericão, chegam a concentrar 40 vezes mais nutrientes do que em sua fase adulta. Além disso, elas têm um ciclo de cultivo muito mais rápido e necessitam de um espaço mínimo para se desenvolver, por serem cultivadas em bandejas ou mantas de fibra de coco. “Está se tornando uma tendência atual, principalmente no mercado gastronômico; a competitividade por pratos exóticos e sabores personalizados entre os estabelecimentos alimentícios e amantes da culinária, cresce cada vez mais”, finaliza José Edwalto.

Modernidade Na Terra

A elaboração de uma horta indoor não precisa estar separada da tecnologia. Uma releitura feita pela startup Yes We Grow, por exemplo, propõe espalhar plantas com o objetivo de ajudar pessoas a resgatarem o hábito milenar do cultivo. A grande diferença é a assistência prestada: eles desenvolvem a terra perfeita para o plantio, composta por turfas (material decomposto de origem vegetal) misturadas a bionutrientes e pedras vulcânicas, para segurar melhor a água no vaso.

O apoio a jardineiros de primeira viagem segue com a possibilidade de adquirir vários outros produtos totalmente pla-

Cultivo Simples

Muito fala-se no cultivo indoor, ainda assim muitas pessoas não fazem ideia do que se trata. O cultivo indoor é um método de cultivo viável e que pode ser praticado por qualquer pessoa, inclusive as que não dominam os conhecimentos necessários para o desenvolvimento de plantas de qualidade.

nejados: kits de microplantas, kit de mudas, vasos autoirrigáveis, adubos e outros acessórios, além de uma completa horta inteligente – com sistemas de irrigação e iluminação automatizados.

“Desenvolvemos pensando nos apartamentos, que geralmente não têm incidência suficiente de luz solar”, conta o fundador e diretor executivo Rafael Pelosini. “Cresci vendo meus avós e minha mãe plantarem. Queria retomar esse hábito, mas me vi adulto sem saber cultivar um pé de manjericão. Quando a pessoa começa a plantar, ela ganha um novo ritmo, porque é impressionante como a gente perdeu isso no mundo digital. As coisas são muito rápidas”.

Para conhecer mais sobre o negócio, acesse o site oficial da startup: yeswegrow. com.br. “A proposta é apoiar todo mundo que quer cultivar e permitir que os usuários sigam alguém que cultive o mesmo tipo de planta, interajam com outros participantes e se conectem a produtores para comprar direto deles. Nossa ideia é deixarmos de ser o único fornecedor para virarmos um marketplace”, finaliza. A

STARTUP

A startup de agricultura urbana Yes We Grow deseja difundir um novo conceito: “from kitchen to table”, ou seja, da cozinha (do consumidor) para sua própria mesa. Resumindo, você pega na hortinha ou no vaso que plantou ali na cozinha mesmo alguns dos ingredientes que vai usar para preparar uma refeição. A partir da esquerda: Rafael Pelosini, André Moraes e João Levy, fundadores da Yes, We Grow.