Revista Entrelinha

Page 12

Foto: Studio Geremia/Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami

M EMÓR IA S

Pipoca e calçadas Epicentro da cultura de Caxias do Sul no século passado, cinemas de rua permanecem vivos na memória caxiense

Alison Patrick Oliveira Machado apoliveira3@ucs.br

U

ma parte da história de Caxias do Sul está atrelada ao cruzamento das ruas Pinheiro Machado com Dr. Montaury e ao número 1729 da Av. Júlio de Castilhos. Esses locais hospedaram, respectivamente, dois dos mais famosos cinemas de rua da cidade: o Cine Ópera, com seus três andares, interior luxuoso e mais de 1500 lugares, e o antigo Cine Theatro Central, de fachada neoclássica com o trio de estátuas do artista Estácio Zambelli, dois protagonistas de um capítulo esquecido da cultura da cidade, mas imortalizados na memória afetiva dos caxienses. No auge dos cinemas de rua, nas décadas de 50 e 60 do século XX, Caxias do Sul chegou a contar com cinco cine teatros funcionando simultaneamente. Além do Ópera e do Central, operavam o Cine Teatro Guarany, o Cine Teatro Imperial e o Cine Teatro Real. O número de estabelecimentos se justificava por sua importância para a cidade, como grandes pontos de encontro e um raro entretenimento em uma região em desenvolvimento. Além de filmes, esses locais recebiam diversas atrações, como peças de teatro, apresentações de artistas e companhias nacionais e internacionais e de sediar os eventos sociais da cidade. Segundo Kenia Pozenato, doutora em Informação e Comuni-

12

Cinema Guarany em 1960

cação, os cinemas de rua tiveram um forte impacto na cultura de Caxias do Sul, pois eram uma das únicas fontes de informação e cultura na cidade, o que influenciava fortemente a moda e os costumes locais, contribuindo para o desenvolvimento da cidade. Foi nas cadeiras de couro do Cinema Imperial e em assentos de madeira, como os do Guarany, que várias gerações de caxienses tiveram contato com obras como “Tempos modernos” de Charles Chaplin e “Sansão e Dalila”, de Cecil B. De Mille, clássicos que emocionaram plateias de todo mundo. Como conta a servidora pública Anabel Maria Meirelles Modena, de 55 anos, que viveu no Cine Guarany uma de suas memórias mais marcantes: “Não tínhamos muitas condições para ir ao cinema. Tanto financeiramente, quanto em termos de locomoção, então quando íamos era em matinês. Um filme que me marcou foi “E o vento levou”, romântico e envolvente. Pois fiz uma surpresa para minha mãe. Minha satisfação maior foi ver o encantamento dela, uma mulher batalhadora que teve poucos momentos de lazer.” Relembra Anabel. Decadência Durante a década de 60, os cinemas de rua começaram a perder público

e espaço na cena cultural caxiense. Embora o crescimento da audiência da televisão tenha sido um fator determinante, Kenia Pozenato também aponta para outros dois fatores: o aumento da criminalidade, e a censura praticada pelo regime militar, que prejudicou a diversidade do conteúdo apresentado. “Com a censura, a variedade e a qualidade dos filmes apresentados caiu demais. O que se via em cartaz eram só filmes de luta violentíssimos ou obras leves, que tinham sido aprovadas pela censura. Além disso, vários cinemas começaram a exibir obras de sexo explícito. Isso afastou o público. Várias gerações de cinéfilos foram perdidas, pais deixaram de levar seus filhos ao cinema, porque, além da criminalidade, a qualidade dos filmes apresentados era péssima”, explica Kenia. Devido à queda de frequentadores e, por consequência, de receita, os cinemas de rua foram fechando suas portas. Alguns com notas nos jornais da época como Real, outros no esquecimento, como o Guarany e o Central. O trágico incêndio que destruiu o interior já sucateado do Ópera, na madrugada de 24 de dezembro de 1994, foi a derradeira despedida deste pedaço da história caxiense.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.