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Texto: Ana Rita Sevilha Fotos: D.R. e Fotolia

ColorADD É um sistema universal de comunicação, e confere aos daltónicos a capacidade de reconhecer as cores. Miguel Neiva é o mentor desde projecto e contou à Traço toda a história “Eu não tinha a noção de que me estava a meter num projecto que fosse ter um impacto mediático, social e inclusivo como o que o projecto acabou por ter. Sabia que era uma coisa que ainda não existia no mundo, sabia que tinha um projecto que os daltónicos gostavam que existisse mas que não gostavam de reclamar por ele. Mas que isto

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fosse ter o impacto que teve não fazia ideia...”. Foi assim que Miguel Neiva, designer e autor do conceito do sistema de identificação de cor para daltónicos ColorADD, iniciou a conversa com a Traço.

Oito anos O conceito nasceu no âmbito da tese de

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mestrado que Niguel Neiva estava a desenvolver, contudo, tornou-se muito mais do que isso: “não o fiz com o intuito de ter uma nota no fim, se assim fosse tinha desenvolvido este projecto em um ano e não em oito, que foi o que aconteceu”. Na altura, em 2000, descobri que não existia nenhuma ferramenta deste tipo. O chamado design in-


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clusivo era um chavão interessante mas que ainda poucas pessoas haviam pegado, continua Miguel . “Todos os projectos que tinham que ver com a parte da inclusão estavam relacionados com as deficiências visíveis, e não com as doenças que, como o daltonismo, não são visíveis aos olhos. Miguel Neiva começou então a desenvolver este projecto sem pressa de o acabar. Formado em design, e portanto dotado de uma forma de estar directamente relacionada com a sua formação, procurou desenvolver uma metodologia de trabalho que permitisse desenvolver algo muito além de uma nota. “Tive dois anos a estruturar a metodologia a seguir neste trabalho”, explica. “Passados esses dois anos, comecei a falar com médicos, para perceber o que é que tinham a dizer sobre o daltonismo”. Para além disso, Miguel Neiva fez ainda um estudo com daltónicos – que sublinha, “teve resultados surpreendentes”, e seguiu-se todo um processo que tinha que ver com a linguagem universal

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ao nível da semiótica. Dos estudos levados a cabo, Miguel Neiva sublinha, entre outras coisas, que se estima que, por defeito, 10% da população mundial masculina é daltónica, e que 90% da comunicação ao nível mundial é feita através da cor.

Ideia A ideia, explica à Traço, “era criar uma ferramenta que acima de tudo fosse leve do ponto de vista psicológico, porque uma bengala ou uma cadeira de rodas tem um peso brutal. Se eles têm uma limitação que não é visível, a ideia era criar uma ferramenta que fosse inclusiva mas que não fosse discriminatória. O nome ColorADD surge exactamente para reforçar isso, a ideia de cor adição, cor mais. Tornar isto numa espécie de jogo”, mas universal. Tendo em conta que o daltonismo é transversal, só fazia sentido criar uma linguagem também ela universal. “Então, ainda no projecto académico, estudei a questão ao nível da semiótica, o código dos sinais de trânsito, o código das bandeiras, tudo o que fosse uma linguagem de comunicação universal. E com este contexto, alicerçado na minha formação, sabia que a cor e a forma eram a base que permitem que uma comunicação seja universal, independentemente de língua, localização geográfica, crença religiosa, seja o que for”. Depois, explicou Miguel Neiva à Traço, cheguei à fase em que “tinha de arranjar um pressuposto que fosse fácil, por-

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que criar uma linguagem nova que não assenta em pressupostos adquiridos só iria ser difícil de aprender, ia ser pesada, e ia obrigar o daltónico a aprender ou a ter de transportar nem que fosse um lembrete de como é que as coisas funcionavam. Por isso a minha ideia foi ir buscar o conhecimento adquirido que cada um tem, aqui ou em qualquer parte do mundo”. Quem não teve uma caixa de guaches? “Todos nós na escola tivemos uma caixa de

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guaches, e a base do meu projecto parte exactamente disso, do conceito das cores primárias - mesmo não as vendo correctamente o daltónico aprendeu que elas existiam e que a junção dessas cores transportavam para outras cores”. Assim sendo, o Sistema de Identificação de Cor para Daltónicos – ColorADd, foi desenvolvido com base nas cores primárias, representadas através de símbolos gráficos onde o código assenta num processo de associação lógica e de fácil memorização. O conceito de adição das cores torna-se num "jogo" que permite ao daltónico através do conhecimento adquirido, relacionar os símbolos - identificando facilmente as cores que representam, pela conjugação de formas simples aliadas às combinações cromáticas elementares. O preto e o branco surgem para orientar as tonalidades claras e escuras”. Contudo, sublinha Miguel Neiva, “os elementos gráficos foram rigorosamente trabalhados, porque primeiro tinham de ser simples de reproduzir em diferentes dimensões e técnicas, e depois tinham de ser facilmente integrados no vocabulário visual de cada um”. “Uma coisa é desenhar uma imagem para um designer interpretar que tem uma cultura visual mais apurada, outra coisa é desenhar uma coisa que qualquer pessoa pudesse entender”. Neste processo, Miguel Neiva diz que foi de crucial importância o conhecimento que trazia do que aprendeu com os médicos e do que investigou sobre o daltonismo: “já sabia que o símbolo do azul tinha de assumidamente ser diferente do amarelo, que são duas das cores que os daltónicos confundem. Depois tinham de se relacionar entre eles da mesma forma como aprendemos a relacionar as cores”. Depois, seguindo a mesma lógica da caixa de guaches, da mesma forma


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cisa é de saber que é um verde escuro e não um vermelho escuro, porque a confusão acontece também entre os verdes e os vermelhos”. Desta forma ficou a paleta definida, sendo que foi ainda adicionado o cinza claro e escuro, o dourado, o prata e o ocre.

Notoriedade

como existe o branco e o preto que servem para clarear ou escurecer os tons, aqui o branco surge para representar os tons claros das cores e o preto para os tons escu-

ros. “O daltónico precisa de ser orientado, ele sabe que há um azul mais escuro que outro pela tonalidade ele consegue distinguir o mais ou menos escuro. Agora ele pre-

Mas a história não fica por aqui. Posteriormente à definição da paleta, Miguel Neiva elencou um onjunto de congressos na área científica pelo mundo com o objectivo que lhe validassem o projecto. “Submeti artigos a esses congressos, fui aceite, fui lá apresentá-los e eles validaram isto como uma linguagem importante ao nível da cor, da semiótica, do design inclusivo, das artes, da moda, do design, da alimentação, da responsabilidade social, e houve um reconhecimento pela acreditação dessa comunidade científica”. Actualmente são diversas as áreas de actuação que já utilizam o sistema, apoiadas nas características de unicidade, transversalidade, universalidade, e reforçando e valorizando o “design for all” do projecto. Entre os parceiros deste projecto – que sublinham a sua transversalidade, está a Viarco - “desde Setembro de 2010, a paleta de cores dos lápis Viarco inclui uma linha de produtos adaptada ao có-

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digo ColorADD. A Viarco, única fábrica portuguesa de lápis, marca de grande notoriedade nos mercados de material didáctico e artes gráficas, fortemente conotada com a cor e muito especificamente na educação, associou-se a este projecto”; A CIN – que adoptou o código ColorADD de forma a possibilitar e facilitar o processo de escolha da cor, garantindo o sucesso na sua correcta aplicação; O Hospital de São João - “as pulseiras de triagem de Manchester e a sinalização horizontal estão em utilização no Hospital de São João, tornando-se o primeiro hospital do mundo inclusivo ao utilizar o código ColorADD”; O Centro Hospitalar de Lisboa - “O Hospital Santo António dos Capuchos (Centro Hospitalar de Lisboa Central) adoptou o código ColorADD na etiquetagem de seringas, visando a qualidade e segurança no serviço de anestesiologia”; As Cerâmicas Aleluia - “adoptaram o código ColorADD de forma permitir a leitura das cores por daltónicos, incluindo-o no seu catálogo de tendências para 2011”; O Metro do Porto - “A rede metropolitana do Porto será a primeira a utilizar este sistema, facilitando a leitura das linhas pelos daltónicos através do ColorADD”; A Valentine - “A Valentine produz tintas e vernizes para seg-

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mentos decorativos e industriais e também adoptou o código ColorADD para facilitar a leitura das cores por daltónicos, incluindoo no seu catálogo de tendências para 2011”. E a Fundação Champalimaud para o Desconhecido – onde o código ColorADD será utilizado para identificar as várias áreas do parque de estacionamento que são designadas por cores. À Traço, Miguel Neiva revelou ainda que a utilização do sistema poderá rumar aos semáforos brasileiros, e que o sistema está integrado no regulamento de um concurso que visa a criação de ecopontos acessíveis a pessoas com necessidades especiais. Miguel Neiva lembra ainda que ao nível didático, das primeiras coisas que lhe pediram para desenvolver foi um jogo de UNO - “aí tive de perceber que este projecto tem de ser inclusivo mas não discriminatório. Ou seja, tudo o que for feito não pode ser direccionado para o daltónico. Se for só para ele ele não vai pegar. O projecto tem de aparecer integrado com outros sinais de comunicação que são normais: no caso do metro o nome das linhas; no caso dos lápis a cor, no UNO permitindo jogar sem que se saiba se é daltónico ou não”. Em Março vai ainda sair uma colecção de selos dos CTT alusiva ao projecto.

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Melhorar sempre, corrigir nunca “Este é um projecto que pode e deve ser melhorado todos os dias, mas não vou permitir que possa ser corrigido. Ou seja, tudo o que sair, tem que sair perfeito para não criar confusão em quem vai interpretar as cores,

em quem não as vê”. Para Miguel Neiva, este é um projecto com um argumento social muito grande do qual não abdica, “o que quer dizer que todo o licenciamento do projecto nunca é visto como um custo, porque o licenciamento é sempre feito em função de quem o vai usar. Para ser acessível a todos e para não corrermos o risco de só quem pode poder beneficiar. Os daltónicos vão benificiar mas não vão gastar dinheiro para o usar. E as marcas vão utilizá-lo não só como um factor e inovação como um factor de diferenciação, mas essencialmente como factor de inclusão”. Em jeito de conclusão, Miguel Neiva revelou à Traço que está a criar uma ONG orientada para a questão escolar do primeiro ciclo. “Em tudo o que tiver que ver com miúdos até aos 10 anos de idade, todo o processo de licenciamento é feito probono. Essa ONG vai funcionar fazendo rastreios de daltonismo nas escolas porque isso ainda não existe. O que vai ajudar a prevenir possíveis traumas futuros que as crianças vão acabar por sofrer. E vai viver de uma percentagem do valor que as licenças do projecto vender noutras áreas para se poder desenvolver e funcionar”. http://www.coloradd.net/

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