Brasileiros tem opiniões divergentes sobre a legalização do aborto

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Brasileiros têm opiniões divergentes sobre a legalização do aborto, mas a maioria discorda que as mulheres sejam presas por abortarem Aníbal Faúndesa, Graciana Alves Duarteb, Maria Helena de Sousac, Rodrigo Paupério Soares Camargod, Rodolfo Carvalho Pacagnellad a Pesquisador sênior, Cemicamp (Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas) e Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de Medicina, UNICAMP, São Paulo, Brasil. Contato: afaundes@uol.com.br b Pesquisadora, Cemicamp (Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas), São Paulo, Brasil c Estatística, Cemicamp, São Paulo, Brasil d Professor, Universidade de Medicina de Jundiaí, São Paulo, Brasil e Professor, Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de Medicina, UNICAMP, São Paulo, Brasil

Resumo: Práticas inseguras ainda são um grande problema de saúde pública em países com leis restritivas sobre o aborto. No Brasil, parlamentares - que possuem o poder de mudar as leis - são influenciados pela “opinião pública”, frequentemente obtida através de questionários e pesquisas de opinião. Esse artigo apresenta os resultados de dois estudos. O primeiro foi conduzido de fevereiro a dezembro de 2010, junto a 1,660 funcionários públicos, e o segundo, de fevereiro a julho de 2011, com 874 estudantes de medicina de três universidades diferentes. Ambos os estudos foram realizados no estado de São Paulo, Brasil. Os dois grupos de participantes responderam o seguinte conjunto de perguntas sobre sua opinião sobre o aborto: 1) em quais circunstâncias o aborto deve ser permitido por lei, e 2) se as mulheres em geral e as mulheres que, de acordo com seu conhecimento, já haviam realizado um aborto, deveriam ser aprisionadas, de acordo com a lei brasileira vigente. As diferenças nas respostas obtidas foram enormes: a maioria dos participantes posicionou-se contra a prisão de mulheres que já abortaram. Quase 60% dos servidores públicos e 25% dos estudantes de medicina declararam conhecer pelo menos uma mulher que abortou ilegalmente; 85% dos estudantes de medicina e 83% dos servidores públicos declaram acreditar que essa pessoa não deveria ser presa. É imprescindível que os parlamentares brasileiros que estudam atualmente a reforma do Código Penal tenham acesso urgente a esses resultados. Palavras-chave: leis e políticas sobre o aborto, prisão, criminalização, pesquisas de opinião pública, opinião pública, Brasil De acordo com estimativas globais recentes, enquanto o número total de abortos induzidos caiu entre 2003 e 2008, o número de abortos inseguros aumentou de forma proporcional1. Práticas inseguras de aborto continuarão sendo um fardo para a saúde e o bem-estar das mulheres nos países onde as leis restritivas criminalizam o aborto2. Felizmente, a mortalidade materna causada pelo aborto inseguro demonstra sinais de queda, provavelmente em decorrência do uso clandestino de métodos menos arriscados para interromper a gravidez3. Em muitas partes do mundo, as leis atuais sobre o aborto foram concebidas durante o período colonial e são herança das leis europeias do século 19 – esse é o caso da maior parte da África. Na América Latina, elas foram usadas como modelo para os Códigos Penais na primeira metade do século 20 (como no Brasil, por exemplo)4. O tratamento destinado ao aborto nesses Códigos Penais

continua praticamente intacto (com pequenas exceções), principalmente sob a pressão de grupos religiosos que tradicionalmente opõem-se ao aborto, especialmente a Igreja Católica e outras religiões cristãs. Um dos pressupostos dessas leis é de que a criminalização do aborto previne a sua ocorrência, o que não aconteceria em um cenário com leis liberais e com fácil acesso a praticas seguras de aborto5. Entretanto, a experiência demonstra que essa não é uma visão realista; de fato, nos países onde o aborto é legalmente restrito, as mulheres abortam com mais frequência do que aquelas vivendo sob leis mais liberais6. Sendo assim, ao que tudo indica as taxas de aborto estão relacionadas ao acesso e uso de métodos contraceptivos efetivos e não à restrição legislativa. Entretanto, a não disseminação dessa informação critica e a forte e contínua oposição de lideres religiosos contribuem significativamente para a manutenção de

www.grupocurumim.org.br/site/revista/qrs8.pdf

Doi: (do artigo original) 10.1016/S0968-8080(13)42726-X

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