Incorporando a saúde e os direitos reprodutivos a uma perspectiva transformadora de desenvolvimento

Page 1

Incorporando a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos a uma perspectiva transformadora de desenvolvimento: lições extraídas das metas e indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) Alicia Ely Yamina, Vanessa M Boulangerb a Professora de Saúde Global, Escola de Saúde Pública de Harvard, Diretora do Programa de Direito à Saúde de Mulheres e Crianças do Centro de Saúde e Direitos Humanos François-Xavier Bagnoud (FXB), Universidade de Harvard, Boston, MA, EUA. b Coordenadora do Programa de Direito à Saúde de Mulheres e Crianças do Centro FXB, Universidade de Harvard, Boston, MA, EUA.

Resumo: Esse artigo explora as consequências esperadas e não esperadas da escolha do ODM 5 – junto com suas metas e indicadores - como um objetivo global, ampliando a análise e situando-a no contexto do modelo de desenvolvimento proposto pelos ODMs. Na década passada, à medida que os ODMs ocuparam o centro do palco do desenvolvimento e à medida em que evoluía a sua aplicação, os objetivos foram inapropriadamente convertidos em metas nacionais de planejamento. Essa conversão foi particularmente evidente no caso do ODM 5, ao reduzir o escopo de políticas e programas e produzir um enorme impacto no discurso sobre o desenvolvimento, reestruturando o campo de ação em termos de organização e disseminação de conhecimento, em uma demonstração clara da presença de valores normativos no processo de definição de metas e indicadores, que está longe de ser neutro. Pensando adiante, portanto, não parece adequado propor um quadro para os ODM+ baseado nessa mesma estrutura. A saúde e os direitos sexuais e reprodutivos devem ser reinseridos no debate global, utilizando-se o desenvolvimento para empoderar mulheres e populações marginalizadas e para combater desigualdades estruturais, o que é fundamental para mudanças sociais sustentáveis. Um novo marco referencial para o desenvolvimento deve incluir uma forte narrativa de transformação social na qual as metas e indicadores associados aos objetivos certamente cumprem um papel, mas não dominam nem restringem os objetivos mais amplos de fazer avançar a justiça social, política e de gênero. Palavra chave: Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, saúde sexual e reprodutiva, direitos humanos, desenvolvimento humano, programas e políticas de saúde Já é bem conhecida a história da redução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) ao campo relativamente apolítico da saúde materna, reduzindo a ampla agenda da saúde e direitos sexuais e reprodutivos estabelecida durante a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD) e a Quarta Conferência Mundial sobre Mulheres (Beijing)1-5. Após as primeiras incursões iniciadas em Viena em 1993, onde os direitos das mulheres foram declarados direitos humanos, o movimento das mulheres alcançou um sucesso extraordinário, e até mesmo inédito, avançando a agenda progressiva na CIPD e usando esse avanço como base para construir uma agenda ampla na Conferência em Beijing1,2,6,7. A revolta imediata gerada por esses avanços evidenciou a ferocidade da contestação contra o direito básico das mulheres de controlarem seus próprios corpos e transformarem suas vidas3-5. Consequentemente, a Declaração do Milênio, adotada por 189 Membros da ONU e frequentemente descrita como um documento

“centrado nas pessoas” com o objetivo de incorporar questões sobre o desenvolvimento humano, não continha uma única referência à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos8-9. Em contrapartida, os ODMs, construídos por meio de um processo tecnocrático e hierarquizado como um guia de implementação da Declaração do Milênio, incluíam apenas um Objetivo relacionado à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos - o ODM 5, que é um apelo para a melhoria da saúde materna4,5,10. Por outro lado, são menos conhecidas as consequências normativas e empíricas da escolha do objetivos, metas e indicadores do ODM 5 e a relação entre os acontecimentos envolvendo a ODM 5 e a perspectiva de desenvolvimento da agenda do Milênio como um todo. Desde o seu estabelecimento, em 2001, os ODMs tornaram-se o modelo internacional para a cooperação global11. Apesar concebidos para refletir o empenho da Declaração do Milênio com a erradicação da pobreza mundial, os ODMs terminaram por contribuir apenas com

46

Doi: (do artigo original) 10.1016/S0968-8080(13)42727-1

www.grupocurumim.org.br/site/revista/qrs8.pdf


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Incorporando a saúde e os direitos reprodutivos a uma perspectiva transformadora de desenvolvimento by Ana Paula Portella - Issuu