Anac boletim 69

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ESPAÇO DE REFLEXÃO -

POR ANTÓNIO GOMES MARQUES

A P R E N D E R A LG U M A CO I S A CO M O PA S S A D O A P O N TA M E N TO S PA R A « E M V I AG E M P E L A R Ú S S I A » - I I PA R T E A questão religiosa, nomeadamente no que ao poder da Igreja Ortodoxa diz respeito, foi uma das preocupações do primeiro governo revolucionário, como o demonstra em um dos seus primeiros decretos impondo a separação da Igreja e do Estado, tentando cortar cerce um poder que se vinha acentuando, nomeadamente nas grandes influências exercidas no reinado de Nicolau II, o último Czar, por sua vez dominado pela Imperatriz e esta por Rasputine, o tal, segundo aquela, «a quem Deus diz tudo», o qual acabou assassinado por familiares da corte sem que a influência da Igreja Ortodoxa diminuísse, embora a Revolução já estivesse em marcha e as pressões sobre Nicolau II a intensificar-se e este «na noite de 15 para 16 de Março (de 1917) abdica em favor de seu irmão o grão-duque Michel, que não chega a reinar» (Jean Bruhat, «História da URSS») e aquele decreto tratou o problema como devia ser tratado, não devendo esquecer-se que ao leme estava Lénine. No entanto, há uma outra referência que não pode deixar de ser feita e que se refere ao que se seguiu à insurreição clerical na cidade de Shuia e que, na estimativa do historiador Orlando Figues, 8 mil sacerdotes e leigos foram executados, mas a crueldade numa guerra civil, seja em que país for, é sempre uma constante. O professor Christopher Read («Lenin», London, 2005, Routledge) afirma que, apesar de o terror ter sido utilizado na Guerra Civil, «de 1920 em diante, a apelação ao terror foi muito reduzida e desapareceu dos discursos tradicionais de Lénine e na prática» (v. https://pt.wikipedia.org/wiki/Lenin). O ateísmo marxista é inerente à própria filosofia. Escreve Roger Garaudy («Marxisme du XX.eme Siècle», Ed. La Palatine, Paris-Genève, 1966), que «O ateísmo, no marxismo, é uma consequência do humanismo e um aspecto da luta contra o dogmatismo», mas convém, no entanto, falar um pouco dos seus antecedentes, a começar pelo ateísmo do século XVIII –dos socialistas utópicos- e no seu combate, nomeadamente, contra a Igreja que justifica o despotismo como um direito divino. «A sua luta contra a religião é uma luta pela liberdade contra a tirania» (R. G., o. c.), é uma luta política. O ateísmo do século XIX combate a religião não aceitando a sua explicação não científica do mundo. O ateísmo marxista provém de uma análise mais profunda da história, a qual nos mostra não só a autonomia do homem como também que a Igreja sempre considerou como uma vontade de Deus “todas as dominações de classe: escravatura, servidão, assalariado, e os mais recentes chamamentos da «doutrina social» mantêm esta orientação fundamental. Esta experiência histórica irrecusável Karl Marx resumiu-a numa fór-

mula lapidar: «A religião, é o ópio do povo.»” (R. G., o. c.). Sendo verdade que a «fórmula lapidar» é da autoria de Karl Marx não pode olvidar-se o facto de que essa ideia é comum a autores anteriores a Marx, muito presente em autores do século XVIII e XIX, como acima escrevemos, em filósofos como Kant e Feuerbach, nomeadamente, mas outros poderiam ser referidos, como o Marquês de Sade. Ora, não há nada na filosofia marxista que permita combater a religião dinamitando os seus templos, muito menos um templo com o significado deste para o povo russo, como também já referimos, esquecendo Estaline e os seus apaniguados do aparelho burocrático —que dominava já o Partido Comunista da URSS e onde os seus militantes tinham cada vez menos poder de intervenção—, com esta burocracia a separar-se cada vez mais da classe operária e dos principais actores da revolução, com estes a começarem a ser tratados como a inquisição tratava os hereges. Sabemos que a melhor forma de combater a alienação religiosa será criar condições para que as pessoas, o povo menos culto, vivam sem necessidade de entregar o seu direito à felicidade num orar a um deus, seja ele de que religião for, criando assim a ilusão de que esse deus será capaz de resolver os seus problemas, aprofundando a igreja a ideia de que, para se ser feliz, se torna necessário sofrer na terra como caminho para mais facilmente se conquistar o reino do céu. Para o oprimido, ou para os «humilhados e ofendidos» de que fala Fiódor Dostoiévski, a religião é a última oportunidade para manter alguma esperança em que a sua situação venha a ter alguma melhoria, será o seu último suspiro por uma vida melhor. Relembremos o que nos diz François Châtelet, em «O Pensamento de Hegel» (Editorial Presença, Lx., Julho de 1976), não olvidando que é o pensamento de Hegel que o autor comenta: «A religião de um povo não é simplesmente uma crença, é a expressão do conhecimento (e do grau de conhecimento) que ele tem de si e da sua relação com o mundo.» (pág. 170). Ora, convém lembrar que aquela fórmula de Marx tem de ser enquadrada no devido contexto histórico. Também não podemos deixar de lembrar que o marxismo é uma filosofia humanista e naturalmente contrária a qualquer dogmatismo e todos os crimes de Estaline não podem deixar de ter nesta filosofia uma evidente condenação. O período do acontecimento que referimos era o da consolidação do poder de Estaline, poder esse que se foi cimentando graças à sua capacidade para a intriga, o aproveitamento da doença de Lénine, que o levaria à morte em 21 de Janeiro de 1924, na cidade de Gorki, que o impediu de acompanhar o

- a pont a mentos para « Em Viage m pe la Rús s ia»

O Templo de Cristo Salvador e vista parcial de Moscovo a partir do Templo, com o Kremlin à esquerda (1)

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