INFORMATIVO AMC 16

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CAUSO MÉDICO: TIRANDO AS CEARENSES DO CARITÓ

casadoiras que ficam no prejuízo.

Dr. Marcelo Gurgel

Membro SOBRAMES

Na primeira metade do século XX, quando se dispunham de poucas faculdades no Ceará, era fato comum os jovens cearenses, pertencentes a famílias de maior poder aquisitivo, emigrarem para outros estados, a fim de cursarem Medicina.

Logo após a II Grande Guerra, toma corpo em Fortaleza um movimento, com vistas à criação de uma escola médica no Ceará, cuja empreitada viria a vingar em 1948. Um dos fatores que con tribuiu para isso foi a pressão da sociedade local, máxime das classes mais altas, para que os médi cos se formassem aqui mesmo, pois já batia um cansaço de perder garbosos jovens, rapazes cita dinos, para as cariocas, baianas, pernambucanas etc., com as quais contraíam núpcias, deixando as cearenses no mais autêntico “ora vejam só o que aconteceu”.

Se já engatado um namoro ou um noivado, aqui na capital, diante da dificuldade de manter ativos os contatos com os familiares, do alto custo das passagens e da demora no percurso, o reencontro se limitava aos períodos das férias, normalmente as do final de ano, que eram mais longas, uma vez que, nas de julho, boa parte do período era consumida no deslocamento. Com o avançar do curso e à medida que se aproximava a format ura, os acadêmicos, já preocupados com o futuro exercício profissional, engajavam-se em estágios nos serviços hospitalares, como Pronto Socorro e Santa Casa, para adquirir a prática necessária, e assim terem mais segurança para o momento em que viessem a assumir o trabalho médico. De um modo geral, os retornos ao Ceará rareavam, substituídos por cartas com as devidas desculpas pela ausência. E, quase sempre, eram as moças

A distância da família, a vida em repúblicas ou em pensões e a própria idade, na plena efervescên cia juvenil, deixavam os estudantes carentes e ansiosos por contatos femininos. Não era difícil que, nesse ambiente, prosperassem oportuni dades para a iniciação ou intensificação sexual com mulheres, inapropriadamente, ditas de vida fácil. Quando não, o “flirt” era só o começo de um relacionamento mais estreito com “moças de família”, em idade de casar e em condições de oferecer as benesses de um casamento vantajoso. Como, amiúde, os rapazes eram de “boa família”, e, portadores, em breve, de um diploma de méd ico, o que conferia elevado status social ao seu detentor, era até natural que fossem assediados pelas jovens desejosas de ter um bom partido, fir mando um contrato matrimonial que garantisse uma existência confortável.

Alguns dos nossos emigrados, movidos pelos atrativos da cidade grande, que os acolhera por seis anos, criaram vínculos, sociais, afetivos e/ou laborais, sendo ali retidos. A grande maioria, no entanto, por sorte, voltava às suas raízes, regres sando ao torrão natal; contudo, por um suposto azar, parte deles ostentando uma aliança de noi vado, refletindo um compromisso nupcial; alguns até chegavam casados, e nem sempre com uma mulher que caía nos agrados de sua família, a exemplo de certas baianas, com uma tez mais impregnada de melanina, numa época em que os preconceitos raciais vicejavam visivelmente na Terra da Luz, apesar de ser pioneira da abolição escravagista no Brasil.

O compromisso nupcial dos médicos recémchegados causava um certo transtorno social, frustrando expectativas matrimoniais, desfal cando a prata da casa e também deixando no caritó, muitas moçoilas na flor da idade. Era, talvez, como países em conflagração, cuja força viril foi deslocada para os campos de batalha, num distante “front”, despojando as mulheres de seus cobertores auriculados.

Não é à toa, que a aprovação da instalação da Faculdade de Medicina do Ceará, em 1948, foi comemorada, em notícia de jornal, como algo alentador, no sentido de assegurar bons parti dos para as moças “casadoiras” do nosso estado, ameaçadas pelo estigma de se tornarem “vitali nas” e nunca mais saírem do caritó.

Fonte: SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Medicina, meu humor! Contando causos médicos. 2.ed. Fortaleza: Edição do Autor, 2022. 144p. p.38-40.

Dr. Pedro Wilson, recebendo o certificado de patrimônio AMC do nosso Colaborador Isidoro Lima. Dr. Pedro Wilson Leitão, é associado desde 25 de Maio de 1969.

SAÚDE PLANETÁRIA: O QUE É, POR QUE ESTUDAR E QUAL A RELAÇÃO COM A EMERGÊNCIA DAS ARBOVIROSES?

Ao longo da história, o ensino médico sofreu diversas modificações que o fizeram concentrar mais atenção e esforço nos determinantes sociais de saúde. Passamos a pensar, em sala de aula, em como o meio ambiente, a comunidade, as condições sani tárias, climáticas, alimentícias e outros aspectos influenciam na saúde da população. Mas, será que a maioria dos estudantes em formação e profissionais já formados conseguem ter uma visão ampla e inte grada sobre o assunto?

A Saúde Planetária é um campo transdisciplinar que tem como foco o estudo de como a ação humana sobre o ecossistema terrestre impacta a saúde de toda a população e as diversas formas de vida da Terra. Nesse sentido, tudo está integrado. A des truição de um parque de árvores para construção de imóveis, a forma como uma cidade cresce, o des matamento… cada movimento, política pública e mudança que realizamos em nosso bairro, cidade, estado ou país vai impactar o planeta, a sociedade e as pessoas como um todo, visto que somos seres biopsicossocioespirituais, sendo a partir disso que se formam os determinantes sociais em saúde, os quais atuam de forma diferente em cada comunidade. Nesse contexto, podemos pensar, por exemplo, no

notável aumento, nos últimos anos, de casos rela cionados à arboviroses no Brasil, principalmente as causadas pelo mosquito Aedes aegypti, sendo elas dengue, chikungunya e Zika. Essas enfermidades são bastante prevalentes e podem ser controladas com uma boa educação em saúde para população e políticas públicas que reduzam fatores de risco. Pesquisas apontam para a forte relação entre a escas sez de saneamento básico e o aumento do número de casos dessas doenças na população, tendo em vista que os ovos do mosquito vetor dessas doen ças são postos em recipientes que contenham água parada, como poços de água, vasos de plantas, gar rafas e pneus deixados em aterros que acumulam água da chuva, entre outros exemplos.

Muitos de nós, brasileiros, vivem em situação pre cária de saneamento básico, onde, na maioria das vezes, não há acesso à água potável, necessitando usar poços e até mesmo rios e lagos para as necessi dades básicas, como tomar banho, lavar roupas, usar dessas águas para consumo, dentre outras situações. Diante disso, as águas ficam sujas e se tornam um ambiente mais favorável para a deposição dos ovos do aedes aegypti, contribuindo para o aumento do número de mosquitos capazes de transmitir as prin cipais arboviroses que circulam no nosso meio. Além disso, diversos fatores que estamos acostuma dos a ver e a ouvir têm implicação importante no meio ambiente e constituem fatores de risco para a disseminação das arboviroses. Podemos referir os citados déficit no saneamento básico, que gera acúmulo de lixo e esgoto nas ruas e surgimento de lixões, e problemas no abastecimento de água, que força pessoas a procurarem fontes de consumo não

Acadêmica Filiada AMC Jovem Gabriela Pessoa Taís Bezerra Acadêmica Filiada AMC Jovem

seguras, além de outros como as ocupações irregu lares, que aumentam os riscos de alagamento por conta da erosão e do assoreamento de rios, gerando grandes regiões de água parada, e os inchaços das cidades. Tudo isso caracteriza uma urbanização desorganizada, presente em diversas cidades do país, que tem origem no acelerado processo de urbani zação que o Brasil sofreu a partir de 1950, e eleva consideravelmente os riscos de infecções transmi tidas por veiculação hídrica e por vetores que se multiplicam nessas áreas vulneráveis.

Pensando em um contexto mais macroscópico, podemos observar o estabelecimento definitivo do Aedes aegypti nas Américas associado às mudanças climáticas, desmatamentos, urbanização desorgani zada, inchaço das cidades, déficit no abastecimento de água e no saneamento básico e deslocamentos populacionais. Tais fatores definem os caminhos que as doenças vão tomar ao exercer pressão sobre a mutação viral e a necessidade de adaptação genética dos vírus a hospedeiros, vetores e novos ambientes.

A partir dessas reflexões, fica mais fácil perceber a importância que os determinantes sociais de saúde, e, consequentemente, as noções de Saúde Planetária têm em nossa prática clínica. Se quisermos com bater doenças, principalmente as infecciosas, pela raiz e educar nossa comunidade a fazer o mesmo, é fundamental que possamos compreender os fato res que contribuem para sua disseminação local e globalmente.

Assim, baseado nessas pesquisas e estudos que demonstram a forte correlação entre o aumento de casos de arboviroses com o saneamento básico precário, a urbanização desorganizada, o desma tamento e outros fatores que tanto impactam o meio ambiente, é de extrema importância que incentivemos e promovemos campanhas voltadas para a conscientização da população acerca de tais

doenças, principalmente aqueles que vivem em áreas mais vulneráveis como favelas e comunida des mais carentes. Dessa forma, as pessoas poderão aprender e ensinar estratégias para reduzir o número de reservatórios para os ovos do mosquito, o que irá gerar uma redução no número de casos das arbovi roses, diminuindo fatores de risco e melhorando a qualidade de vida.

Além disso, é importante caminhar junto e trocar conhecimentos com a população no sentido de incentivá-la e levá-la à conscientização de lutar pelo direito de ter acesso a saneamento básico e mora dia segura, diminuindo outros problemas de saúde relacionados à higiene e consumo de água, redu zindo também a sobrecarga do sistema de saúde, o que acaba favorecendo um melhor atendimento médico e maior disponibilidade de atendimentos de demanda espontânea nas UAPS.

Tendo esse contexto em vista, é notável o quanto uma boa educação sobre Saúde Planetária pode e vai fazer a diferença no Sistema Único de Saúde brasileiro, favorecendo tanto a população, que terá um atendimento de maior qualidade e menos enfermidades, quanto profissionais de saúde, que poderão experimentar uma redução na sobrecarga de trabalho e a possibilidade de dar uma maior aten ção a outras doenças mais graves e preocupantes.

Ademais, nosso papel também envolve dialogar com nossas universidades por um ensino mais integrado da saúde, que nos proporcione um olhar crítico sobre os determinantes sociais de saúde e doença das comunidades e nos promova reflexões que nos possibilitem ser atuantes no desenvolvimento e na melhoria da Saúde Planetária.

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