Revista Amazônia Viva ed. 74 / novembro de 2017

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IDOSOS

A população da região amazônica está envelhecendo

VOU DE “BIKE”

Voluntários ensinam crianças e adultos a andar de bicicleta

REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

NOVEMBRO 2O17 | EDIÇÃO NO 74 ANO 7 | ISSN 2237-2962

ESTE CARAPANÃ JÁ TE DERRUBOU? É bem provável que sim, pois doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, como dengue e febre amarela, são comuns no Brasil. Somente neste ano, quase 400 mil casos, incluindo os de chikungunya, foram registrados no país. No Pará, o Instituto Evandro Chagas desenvolve uma vacina para combater outro mal causado pelo mosquito: a zika.


Gente que faz música, música que faz gente. Contém: Desenvolvimento de novos artistas Formação de plateia Promoção da cultura Assim como as notas musicais, o apoio à cultura se propaga e toca as pessoas de diferentes formas. Rafaele Brabo ingressou no programa Vale Música quando tinha10 anos. Aos 13, se apresentou pela primeira vez no Theatro da Paz e, com 15, já tocava em concertos pelo eixo Rio-São Paulo. Mas nada se compara à emoção de ter sua família e amigos do bairro do Jurunas na primeira fila dos espetáculos do Vale Música, em Belém. A Vale acredita no potencial transformador do investimento em cultura e, por isso, os eventos do programa são gratuitos, amplindo o acesso da população à música clássica. Conheça mais sobre a história de Rafaele e de outras pessoas que crescem lado a lado com a gente. Acesse vale.com/ladoalado


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Rafaele Brabo, 22 anos. Foi aluna e hoje é professora do Vale Música, programa patrocinado pela Vale via Lei Rouanet


EDITORIAL

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - JORNAL O LIBERAL NOVEMBRO 2017 / EDIÇÃO Nº 74 ANO 7 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA

Pesquisador do Instituto Evandro Chagas analisa material genético do mosquito vetor de doenças como dengue e zika

FELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe

4 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

Aedes aegypti na mira da Ciência Para a maioria dos brasileiros, ele é sinal de ameaça à saúde, apesar de ainda ser bastante ignorado pela população. Mas para o Instituto Evandro Chagas, no Pará, o mosquito Aedes aegypti é alvo de constantes pesquisas para combater doenças, como dengue, zika, febre amarela e chikungunya. O inseto é vetor de arboviroses que acometem grande parte da população brasileira. O setor de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas do IEC reúne pesquisadores da Amazônia, que se dedicam às descobertas e ao combate de doenças por meio de estudos avançados e qualificados mundialmente. Com o surto da zika no Brasil, iniciado em 2012, o Instituto Evandro Chagas participou diretamente do estudo e desenvolvimento da vacina contra o vírus transmitido pelo Aedes. Em parceria com a NOVEMBRO DE 2017

TARSO SARRAF

CIÊNCIA NO LABORATÓRIO

Universidade do Texas, nos Estados Unidos, o trabalho do centro de pesquisa amazônico pretende reduzir a infecção e proteger da doença crianças menores de 10 anos e mulheres grávidas. Uma das principais sequelas deixadas pela zika em fetos em formação é a microcefalia, uma anomalia caracterizada por um crânio de tamanho menor que o da média. De acordo com levantamento feito pelo Ministério da Saúde, realizado de 1º de janeiro de 2017 a 5 de agosto deste ano, foram registrados 15.039 mil casos prováveis de febre pelo zika vírus no país. Já de chikungunya, o número, durante o mesmo período de análise, é de 163.135 mil. Para dengue os registros saltam para 210.627 possíveis casos. Para combater essas doenças é preciso cada vez mais investimentos em ciência voltada para a saúde pública.

Presidente Executivo RONALDO MAIORANA Vice-Presidente ROSÂNGELA MAIORANA KZAM Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Diretor Jurídico Corporativo EDUARDO CORREA PINTO KLAUTAU Conselho editorial RONALDO MAIORANA ROSÂNGELA MAIORANA KZAM LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Fundação Cultural do Pará Oficinas do Curro Velho, Instituto Mamirauá (acervo); Alinne Morais, Jobson Marinho, Vanessa Van Rooijen, Victor Furtado (reportagem); Carlos Borges, Fernando Sette, Tarso Sarraf, (fotos); Fabrício Queiroz (produção), Anderson Araújo e Thiago Almeida Barros (artigos) André Abreu, J.Bosco, Jocelyn Alencar e Leonardo Nunes (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Cesar Favacho / Museu Goeldi AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade. CNPJ (MF) 04.929.683/0001-17. Inscrição estadual: Isenta Inscrição municipal: 032.632-5 Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco Belém - Pará amazoniaviva@orm.com.br REALIZAÇÃO


NESTA EDIÇÃO

EDIÇÃO Nº 74 / ANO 7

TARSO SARRAF

NOVEMBRO2017

34 Guerra ao mosquito O Instituto Evandro Chagas desenvolve uma pesquisa para descobrir a vacina contra a zika CAPA

48

FERNANDO SETTE

CARLOS BORGES

CARLOS BORGES

TARSO SARRAF

30

E MAIS

20

42

FOTOGRAFIA

TERCEIRA IDADE

URBANIDADE

MÚSICA

O fotógrafo Tarso Sarraf

A presidente do Departa-

O projeto Bike Anjo incen-

Com seu inseparável

preparou uma galeria

mento de Gerontologia da

tiva o uso de bicicletas e

violão, a cantora e com-

especial de belas imagens

Sociedade Brasileira de

a educação no trânsito

positora Lídia Belo lança o

sobre a cultura paraense,

Geriatria e Gerontologia,

de Belém. Os voluntários

primeiro disco da carreira.

que enriquece a vida na

dra. Hilma Khoury, fala

ensinam crianças e adultos

“Madurecer”, um registro

região amazônica.

sobre a população idosa.

a andar sobre duas rodas.

musical da vida da artista.

OLHARES NATIVOS

ENTREVISTA

EDUCAÇÂO

PAPO DE ARTISTA

4 6 7 11 13 14 15 16 17 18 19 19 54 55 57 58

EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES ELES SE ACHAM FATO REGISTRADO PERGUNTA-SE EU DISSE APPLICATIVOS CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS ESTANTE AMAZÔNICA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS

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ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES

NAILANA THIELY

COMPANHEIROS ALADOS DA AMAZÔNIA A reportagem sobre a arte da falcoaria no Estado foi a mais compartilhada em nosso Facebook na edição passada. CÉSAR FAVACHO

BICHINHO FOTOGÊNICO

A foto do inseto da família Corydalidae, de autoria do biólogo César Favacho, foi a mais curtida em nosso Instagram na última edição.

CARLOS BORGES

fb.com/amazoniavivarevista

USE UM LEITOR DE QR CODE PARA ACESSAR A EDIÇÃO DIGITAL DE SETEMBRO

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TEXTOS VICTOR FURTADO E ALINNE MORAIS

LUZ PARA OS MORTOS. E PARA OS VIVOS. COSTUME POPULAR DE VISITAÇÃO AOS CEMITÉRIOS À NOITE NO DIA DE FINADOS MOSTRA QUE A VIDA ESTÁ EM CONSTANTE MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO PÁGINAS 8, 9 E 10

BIODIVERSIDADE

NATUREZA

Localizado no Museu Paraense Emílio Goeldi, o aquário Jacques Huber foi reaberto em outubro para visitação após passar 13 anos fechado. PÁG.12

Filhotes de tracajás foram soltos no Lago Água Preta, no Parque Estadual do Utinga, na Região Metropolitana de Belém. PÁG.15

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FÁBIO PINA

PRIMEIROFOCO

O QUE É NOTÍCIA NA AMAZÔNIA


PRIMEIRO FOCO

SEM MEDO DA ESCURIDÃO

Em Colares, no nordeste paraense, a população tem o hábito de visitar o cemitério à noite, numa forma de levar luz aos mortos da cidade

A ILUMINAÇÃO DOS MORTOS EM COLARES 8 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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FOTOS: FÁBIO PINA

O Dia de Finados, para muitas pessoas, pode significar um dia de dor. Afinal, é uma data marcada no calendário para lembrar-se de quem já morreu. No mundo inteiro, há dias exclusivos de homenagens aos mortos. O México dedica três dias (de 31 de outubro a 2 de novembro). É quase como um festival, muito movimentado, icônico e que reúne diversas expressões e sensações diferentes a respeito da morte. Mas, no interior do nordeste paraense, há outro evento, não tão longo quanto o mexicano, mas igualmente menos pesaroso e triste do que a maioria das homenagens Brasil afora. É conhecido como “Iluminação dos Mortos”. Não se sabe ao certo quando a Iluminação dos Mortos começou no Pará. Nem quanta influência - se é que tem alguma tem das celebrações mexicanas. Há registros de celebrações na América Central há mais de 3 mil anos. Alguns costumes são retratados nas celebrações atuais do México, que tomaram o formato mundialmente conhecido entre o final do século 19 e o início do século 20. Mais ou menos o período em que a população de Salinópolis começou a iluminar os finados, como retrata a dissertação de mestrado de Marcus Vinícius Nascimento Negrão, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Curiosamente, a Iluminação dos Mortos ocorre num horário que o senso comum recomendaria estar longe de um cemitério, já que ocorre à noite. Várias velas são acesas e deixam as necrópoles com uma luz avermelhada bem característica. NOVEMBRO DE 2017

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PRIMEIRO FOCO FOTOS: FÁBIO PINA

O fotógrafo Fábio Pina soube de um desses eventos no ano passado. Mas não em Salinópolis. Era em Colares, também no nordeste do Pará. Uma amiga que mora no município o convidou para ver. E crer. Fazia três anos que a mãe dele havia morrido, num 3 de novembro, após o Dia de Finados. Acostumado com homenagens mais deprimidas, ele se surpreendeu ao chegar ao cemitério de Colares. Viu várias pessoas sorridentes, conversando com os mortos em família e cuidando dos túmulos. “Até passeando fotógrafo está trabalhando. E o barato da fotografia é presenciar essas coisas inusitadas, diferentes. Colares fica a duas horas do centro urbano de Belém e parece um universo diferente, com uma cultura diferente. Nunca tinha visto nada parecido com o festival do México”, conta Pina. Os visitantes que estavam no cemitério de Colares estavam sentados em cadeiras, como quem vai para a porta de casa conversar com familiares, amigos e vizinhos. Um cemitério lotado e o pesar e a tristeza eram os sentimentos menos recorrentes e visíveis. Assim como em Colares, a Iluminação dos Mortos de Salinópolis, como descreve Negrão, é um evento que muda toda a rotina da cidade. Cada família e amigo de uma determinada pessoa que já morreu, tem um dia inteiro de muito trabalho. As sepulturas são limpas e há uma preparação intensa para passar várias horas até a madrugada no cemitério. Em Salinas, a Prefeitura até disponibiliza areia nova para colocar sobre os túmulos. Mais branca e limpa, contrastando com a terra mais escura e suja de uma necrópole, área 10 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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geralmente esquecida durante quase o ano todo. Esses detalhes que se repetem em Salinas, Colares e outros municípios do nordeste paraense estão descritos na pesquisa de Marcus Vinícius Negrão. “Realmente é iluminado. São muitas velas. Crianças também participam com naturalidade e parecem lidar muito bem com a ideia da morte. Vi lá pessoas com cadeiras, comendo, contando histórias, rindo e falando com as pessoas que já se foram como se realmente estivessem lá. Foi uma experiência diferente e saí de lá leve, relembrando coisas boas e detalhes da minha mãe e de outros entes queridos. Claro, havia quem estivesse mais triste. Uma história que me chamou a atenção era a de três túmulos pequenos. Pareciam ser de crianças. Todos lado a lado”, relata Pina. O ponto alto da celebração é quando todos os visitantes se unem para fazer orações. Geralmente um padre ou pastor ajuda a organizar o fluxo de homenagens, que depois retoma um ritmo mais espontâneo até se encerrar por completo com a saída do último visitante do cemitério. Fábio Pina pretende voltar a Colares e buscar os outros municípios que fazem a Iluminação dos Mortos no Dia de Finados. Possivelmente, os registros vão se tornar um trabalho mais formal no futuro, tal qual o costume de Salinópolis foi tema da dissertação de mestrado de Negrão. Mais do que luz para os mortos, esse hábito paraense lança luz para os vivos também, que sempre têm maneiras muitos únicas de lidar com a morte e a ausência de uma pessoa querida. Experiência que Pina e Negrão tiveram sob pontos de vista diferentes.


TRÊSQUESTÕES MONITORAMENTO

Financiamento coletivo para histórias de fé

SISTEMA IDENTIFICA A DERRUBADA DE ÁRVORES NA REGIÃO

produtor cultural Mario Seixas lançaram o projeto “Círio de Nazaré: histórias de fé”. Eles lançaram uma

novas derrubadas na Transamazônica, no Pará. Os satélites alertaram ainda o desmatamento no município de Tomé-Açu, nordeste paraense. Já em uma fiscalização no município vizinho, Paragominas, a área desmatada era 10 vezes maior do que a que aparecia no alerta do Imazon. Em um levantamento mais recente do Instituto, a Amazônia perdeu 194 Km quadrados de floresta. Somando apenas os alertas de pequenos desmatamentos, foram 39 km quadrados, 21% do total desmatado. Segundo o Instituto, ainda é cedo para saber qual será o impacto das derrubadas menores no cálculo anual da taxa de desmatamento na Amazônia, mas o novo sistema já serve de alerta. “Esses números, gerados a partir do novo sistema multissensor, são bastante interessantes e reveladores”, diz o pesquisador do Imazon, Marcelo Justino.

campanha de financiamento coletivo, com doações de R$ 10, que já garantem um exemplar das obras e ingresso na exposição do projeto. A ideia é contar, de várias formas e acessíveis a diferentes públicos, tantas histórias diferentes que se encontrar no Círio de Nossa Senhora de Nazaré. O que o projeto tem como proposta e diferencial para o Círio de Nazaré? Sempre encontramos muitos livros e muitas exposições sobre o Círio, sobre suas procissões, sobre suas promessas. Mas não vemos produtos que se debruçam apenas nos devotos e em suas histórias. Nós queremos saber o que pensam, como vivem e qual a relação desse povo com a festa. Nossa proposta vai além da procissão. O Círio ainda precisa de registros para ser mais divulgado e compreendido? Todos nós temos histórias marcantes que estão esquecidas. Queremos, com o projeto, resgatá-las, tirá-las da memória e mostrar os bastidores desse universo de lutas, de dores, de devoção, de superação e, principalmente, de fé. O livro e a exposição serão experiências diferentes do mesmo projeto? Nós os pensamos de forma complementar. Nosso objetivo é propagar da melhor forma possível o resgate dessas histórias de fé. O livro fica na eternidade, é um produto físico que nos acompanha. Entretanto, a exposição traz o mesmo conteúdo a partir de uma experiência artística única que nos leva a uma imersão singular na obra. Além disso, tanto o livro como a exposição foram pensados a ASCOM / IBAMA

partir de conceitos de acessibilidade: um com cota em braile e o outro com audiodescrição.

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ARQUIVO PESSOAL

No Pará, pesquisadores do Instituto Imazon desenvolveram um sistema de monitoramento florestal capaz de identificar pequenas derrubadas de árvores na Amazônia. Com a tecnologia, os especialistas conseguem detectar falhas que não eram encontradas pelos satélites. Quando se trata de Amazônia, um hectare de floresta é como se fosse um grão de areia na praia. De tão pequeno, nenhum satélite consegue detectar sozinho. Assim, com a nova tecnologia, as mínimas derrubadas nesses espaços, que antes eram invisíveis, agora passam a aparecer no mapa do desmatamento. Para desenvolver o sistema, os especialistas decidiram combinar imagens de três satélites ao mesmo tempo. Por meio da tecnologia, foi descoberta uma nova fronteira de desmatamento entre os estado do Acre, Rondônia e Amazonas além de

O jornalista Alan de Jesus e o


PRIMEIRO FOCO

LÍVIA PRESTES/ ACERVO MUSEU GOELDI

AQUÁRIO DO MUSEU GOELDI É REABERTO APÓS 13 ANOS Localizado no Museu Paraense Emílio Goeldi, o aquário Jacques Huber reabriu no início de outubro para visitação após passar 13 anos fechado. Considerado o aquário público mais antigo do País, a reinauguração do espaço marcou os 151 anos do Museu. Fundado em 1911, o aquário Jacques Huber passou por reformas. Agora, em nova fase, o espaço abriga espécies de pirarucu (Arapaima gigas), tambaqui (Colossoma macropomum) - foto acima, tucunaré (Cichla ocellaris), piramutaba (Branchyplatystoma vaillant), piranha (Pygocentrus nattereri), piramboia (Lepi12 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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dosiren paradoxa), acará (Pterophyllum scalare), acari (Hypostomus plecostomus) e surubim (Pseudoplatystoma fasciatum). Além de peixes, o espaço também passa a contar um plantel de répteis com serpentes das espécies sucuri (Eunectes murinus), jiboia (Boa constrictor) e periquitamboia (Corallus caninus). O aquário também abriga quelônios como a tartaruga matamatá (Chelus fimbriata) e o lagarto jacuraru (Tupinambis teguixin). Segundo o pesquisador Horácio Higuchi, um dos biólogos responsáveis pelo espaço, o aquário abriga espécies emblemáticas da região amazônica. “O nosso

aquário é exclusivamente de água doce e amazônico. Nós privilegiamos peixes e outros animais que são importantes para a nossa cultura, sejam porque são os que a gente come e fazem parte do nosso dia a dia, sejam porque são marca das nossas tradições indígena e cabocla e do próprio imaginário da região”, explica. Mesmo reativado recentemente, a limitação de recursos e a recente crise são fatores que impedem o pleno funcionamento do Aquário Jacques Huber, que só poderá ser visitado entre os dias de quarta e sexta-feira. Os horários são de 9h30 às 11h30 e 15 às 17 horas.


RISCO

ELESSEACHAM

O hábito de fazer selfies, fotos em que o próprio fotógrafo fica em primeiro plano, está impactando diretamente a vida dos animais silvestres. Segundo dados do relatório “Foco na Crueldade: o impacto prejudicial das selfies com vida silvestre na Amazônia”, publicado pela ONG Proteção Animal Mundial, o uso desenfreado das mídias sociais tem provocado o aumento no sofrimento e na exploração de alguns dos animais mais icônicos da Amazônia. Entre as espécies mais atingidas estão o bicho-preguiça, a sucuri (foto abaixo) e o jacaré. De acordo com o relatório, desde 2014 o Instagram recebeu 292% a mais de fotos no formato selfie com animais silvestres. Segundo os estudiosos, cerca de um quarto dessas imagens são as consideradas “cruéis” porque mostram pessoas abraçando ou interagindo inadequadamente com as espécies. Em alguns locais da Amazônia, os pesquisadores desvendaram que mui-

INOCÊNCIO GORAYEB

SELFIES PODEM PREJUDICAR A SAÚDE DE ANIMAIS SILVESTRES tos animais são extraídos da natureza, em sua maioria ilegalmente, para serem utilizados como atrações turísticas. Isso, segundo eles, prejudica a vida silvestre com a finalidade de entreter os turistas e oferecer oportunidades de fotos com as espécies. Na tentativa de reverter esse cenário, a ONG promove a campanha mundial “Silvestres. Não entretenimento” para acabar com a retirada forçada do ambiente natural e a crueldade aplicada a animais usados em atrações turísticas como passeios e shows. A ONG também atua junto aos governos para que eles passem a garantir que empresas de viagens e os indivíduos que exploram animais selvagens para o turismo na Amazônia respeitem as leis já existentes. Além disso, a organização acaba de lançar o “Código da Selfie” que instrui turistas a tirarem fotos com responsabilidade sem alimentar a indústria cruel do entretenimento com esses animais.

Pulgões e a “Morte Branca”

CEZAR FILIPE/ ACERVO MUSEU GOELDI

A vida entre pequeninas folhas de plantas pode ser uma batalha sem precedentes pela sobrevivência. E, para determinadas espécies, pode ser como matar um pulgão por dia. Como o soldado finlandês Simo Häyhä, o famoso agente “Morte Branca”, terror do Exército soviético, a larva cobre-se de branco para espreitar o inimigo. Explica-se. Dos insetos, os pulgões certamente não são os mais famosos. Muito se fala sobre as formigas e suas variedades. As borboletas esvoaçam beleza por aí, as baratas espalham o nojo. Mas os pulgões, bom, ninguém os conhece, mas são como cigarrinhas, de um a sete milímetros. Na alimentação do pulgão, está a seiva de plantas. E é aí que a briga começa. Da família Aphidoidea, divisão Homoptera da Ordem Hemiptera, são pelo menos 250 espécies. Um batalhão considerado uma séria praga para a agricultura, jardinagem e florestas. Geralmente, colonizam plantas em grandes populações, perfurando tecidos das folhas e caules moles, transmitindo vírus e outros patógenos para as plantas. Mas esse ataque também atrai outros insetos em função da disponibilidade de matéria orgânica e seiva associadas. As larvas de insetos da ordem Neuroptera, especialmente da família Chrysopidae, atacam sem piedade os pulgões já instalados em seus processos de colonização. Jogando sobre seu corpo o lixo produzido pelos pulgões, a larva age como o “Morte Branca”, o filandês que camuflava-se na neve para atingir os soldados soviéticos durante a Guerra de Inverno entre a Finlândia e a União Soviética, em 1939. A ele são atribuídas mais de 500 mortes. A larva, camuflada, passa despercebida pela colônia de pulgões, devorando-os um a um.

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FATO REGISTRADO

Campos da costa norte são ecossistemas distintos TEXTO E FOTOS INOCÊNCIO GORAYEB

Os campos naturais de Santa Maria e Santa Tereza em Tracuateua, Bragança e Quatipuru, no Pará, e os campos de Perizes e Anajutuba, no Maranhão, são ecossistemas especiais e únicos, onde o capim-de-marreca ou capim-mimoso (Paratheria prostata) é dominante. Um gênero novo de besouros da família Carabidae foi descrito em 1987 e contém somente a espécie Platymetopsis overali, que até hoje tem registro somente nestes campos litorâneos. Gorayeb e técnicos do Museu Paraense Emílio Goeldi coletaram os únicos exemplares desta espécie de besouro. Os pesquisadores Ball e Maddison (1987) 14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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descreveram o gênero Platymetopsis e a espécie em homenagem ao entomólogo William Overal, do Museu Goeldi. Este registro e o endemismo nestes campos comprovam que estes são ambientes únicos e distintos que têm uma história evolutiva diferenciada de outros ambientes abertos de savanas. A foto registrou o momento da coleta de 31 exemplares que foram usados na descrição da espécie, em 21 de novembro de 1987. Nela estão os técnicos Francisco Ferreira Ramos (já falecido), Raimundo Rodrigues, Fernanda Torres e o biólogo Edmar Oliveira. Em novembro de 1988, outros 150 exemplares, coleta-

dos no campo de Santa Maria de Tracuateua, foram incorporados à coleção do Museu Goeldi. Estes campos são áreas abertas de pastagens naturais às imediações do litoral. Nos meses de setembro a dezembro, ou até janeiro, há o período seco. No período chuvoso os campos estão alagados e na seca cobertos por gramíneas, formando um pasto natural que é utilizado para criação de gado, cavalos e búfalos. No auge da seca as gramíneas secam conferindo uma vista amarelada à paisagem. Os besouros foram coletados na terra imediatamente sob as gramíneas secas.


PERGUNTA-SE

PARQUE ESTADUAL

É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES

FILHOTES DE TRACAJÁS SÃO SOLTOS NO UTINGA Cento e cinquenta filhotes de tracajás foram soltos recentemente por fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio). As espécies foram liberadas no Lago Água Preta, no Parque Estadual do Utinga, na Região Metropolitana de Belém. Os animais são excedentes de um zoológico de São Francisco do Canindé, interior do Ceará. Segundo o Ibama, em época de reprodução da espécie, os excedentes são comuns e a soltura é o melhor procedimento, desde que ocorra em locais adequados para os animais. De acordo com Júlio Meyer, gerente da Região Administrativa de Belém da Ideflor-bio, historicamente o Parque do Utinga é um lugar apropriado para soltura de animais. Atualmente, esse trabalho vem sendo feito

Carne de porco contamina cérebro de vermes? Esse alerta nunca some totalmente das redes

com maior controle do órgão. Ainda segundo Júlio Meyer, as espécies passaram por inspeção sanitária antes da viagem para a Belém, e realizaram exames para detectar a presença de salmonela, bactéria causadora de doenças transmitidas ao homem. Com resultado negativo, os animais foram soltos na natureza. “Temos que ter este controle, verificar se os animais estão aptos para a soltura, e fazer a análise sanitária necessária”, explicou o gerente. O tracajá é uma espécie de cágado comum na Amazônia, encontrado nas regiões Norte, Centro-Oeste e parte da região Nordeste. Quando adulto pode chegar a 45 cm e pesar 8 kg. O animal é visado pelo comércio ilegal porque faz parte do cardápio habitual das populações ribeirinhas. Geralmente esses animais são pegos durante a desova, porque na terra seus movimentos são mais lentos.

sociais digitais. Infelizmente é possível que vermes realmente cheguem ao cérebro e outros órgãos pelo consumo de carne de porco. Mas também de carne bovina, de ovos, de frango e até alguns legumes e verduras. Tudo depende da higienização dos alimentos e preparo. As carnes precisam estar adequadamente cozidas, fritas, grelhadas, assadas ou como o consumidor preferir. Os legumes precisam estar bem lavados e purificados. O professor Bruno Morais, do curso de Nutrição da Universidade da Amazônia (Unama), explica somente a carne quase crua ou mal cozida tem riscos e não somente a de porco. Basta ter sido mal armazenada, mal conservada, descongelada em temperatura ambiente (precisa ser na geladeira e não na pia), sido posta em contato com água suja ou ambientes contaminados e não preparada com cuidado. “O Brasil apresenta condições precárias nos criatórios e abatedouros, o que fazem com que esta preocupação se instale”, observa o professor.

OSWALDO FORTE / ARQUVO O LIBERAL

MANDE A SUA PERGUNTA IDEFLOR / ASCOM

Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br

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EU DISSE

“A nossa cultura está no gosto popular, as pessoas estão gostando de experimentar nossas comidas, de ouvir nossas músicas, de experimentar o Pará.”

“Vários indígenas têm talento e não usam para lutar e batalhar simplesmente porque os preconceitos são muito fortes. Basta crer e confiar.” Kunumi MC, rapper de etnia guarani, sobre o preconceito que os índios ainda enfrentam nos dias atuais.

Félix Robatto, cantor e guitarrista, sobre o destaque que o Pará vem recebendo no cenário nacional nos últimos meses. entre o Pará e o Amapá. Devido à pressão popular, a Justiça Federal suspendeu a decisão de Michel Temer.

REPRODUÇÃO

“Vão transformar o jardim do Éden, que tudo dava, em um agreste, onde tudo falta” Antônio Donato Nobre, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sobre a devastação na Amazônia.

“Com a Amazônia não se brinca” Caetano Veloso, cantor, no vídeo da campanha “342Amazônia”, feito por ele e por outros artistas em defesa da Amazônia.

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APPLICATIVOS

“É preciso criar cidades sustentáveis na Amazônia”

TruckPad Esse app é uma espécie de comunidade de caminhoneiros e empresas de logística. O usuário diz o que planeja transportar, ori-

Thomas Lovejoy, biólogo e ambientalista em entrevista ao jornal O Globo.

gem, destino e vê quem são os profissionais disponíveis para o transporte. O aplicativo é gratuito para Android e iOS e localiza os melhores preços.

Planner 5D Há muitos apps de planejamento de interiores, mas este é um dos mais famosos e DIVULGAÇÃO / GLOBO

“Num país como o nosso, parece que a gente está retrocedendo! É uma coisa muito triste isso. É uma tristeza.” Wanderléa, cantora em entrevista ao Estadão. Na ocasião, ela declarou sua insatisfação com a atual situação do País.

baixados para Android e iOS. Aqui, o usuário pode fazer medidas novas ou gerar planos a partir de espaços já existentes. Tudo de forma fácil e intuitiva, sem necessidade de réguas, trenas. O trabalho é salvo e depois basta executar. O app é gratuito.

Medidor de Áreas e Distâncias Para agricultores, agrimensores, estudantes e curiosos, é um app de fácil utilização para medir áreas e distâncias. Dá para saber a distância entre uma rua e outra, tamanho de uma área plantada, área de determinado terreno. São muitas possibilidades e usabilidades. É gratuito apenas para Android e tem uma versão paga com recursos mais avançados e complexos. FONTES: PLAY STORE E ITUNES

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE

O banquete das andorinhas TEXTO E FOTOS INOCÊNCIO GORAYEB

Cametá é um município que tem muita água do baixo rio Tocantins, mas também possui vastas áreas de campinas. Essas formações são enclaves de habitat aberto distribuídos de forma irregular na Amazônia, geralmente com solos arenosos muito lixiviados e pobres em nutrientes. São pobres em espécies, mas distintos por apresentarem taxas comparativas elevadas de endemismo, fenômeno no qual uma espécie ocorre exclusivamente em determinada região geográfica. São diferentes das savanas. O grande complexo de campinas do Pará escapou dos mapas feitos por pes18 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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quisadores e também por isso são pouco estudados. O município de Cametá tem cerca de 36% do seu território coberto por campinas, as quais sofrem impactos da exploração de areia e seixo e das queimadas anuais. Essas campinas são terrenos baixos e no período chuvoso (de janeiro a abril) enchem e ficam alagadas. Após esse tempo, as águas escoam para os igarapés próximos e, gradativamente, vão secando até deixarem o solo arenoso exposto, nos meses de outubro a dezembro. Nas coleções de águas das campinas ocorre uma alta produtividade de insetos aquáticos que colonizam estes ma-

nanciais. Aproveitando esta concentração de biomassa das altas populações de insetos aquáticos as andorinhas se aglomeram nas campinas para se alimentarem dos insetos que eclodem e daqueles que vão agonizando com o rápido processo de secagem das campinas no verão. A ação do homem de explorar areia e seixo nas campinas promove escavações e deixa grandes depressões que viram lagos mais profundos e que se mantêm por maior tempo que o processo natural. As andorinhas, então, permanecem no entorno destes lagos predando a fauna aí confinada.


ACERVO MUSEU GOELDI

DESENHOS NATURALISTAS

CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO

A cruviana

Petróglifos da Serra dos Martírios-Andorinhas Em 2008, foi publicado o livro “Parque Martírios-Andorinhas: conhecimento, história e preservação”, editado por Paulo Gorayeb. Dentre os 17 capítulos, Edithe Pereira escreveu sobre “Arqueologia da região da Serra das Andorinhas” e as figuras apresentadas são de petróglifos desta região. A serra está localizada no município de São Geraldo do Araguaia, sudeste do Pará. Dentre os vários sítios arqueológicos o mais famoso é o da Ilha dos Martírios, localizado em frente à vila de Santa Cruz. As inúmeras gravuras encontradas nas rochas da ilha eram associadas pelos bandeirantes aos instrumentos utilizados no martírio de Cristo – coroa de espinhos, cravos, martelos, escadas, cruzes, lanças e o galo que cantou à meia-noite – por esse motivo o local passou a ser conhecido como Ilha dos

Martírios. Outros sítios registrados foram Pedra Escrita e Lajeito do Cadeno. Apesar dos registros desde Condreau (1897) somente a partir de 1986 pesquisas começaram a ser desenvolvidas sobre os sítios arqueológicos do Baixo Araguaia. Hoje, existem cerca de 130 sítios registrados. Os pesquisadores sugerem que a área foi ocupada por grupos caçadores-coletores do horizonte pré-cerâmico e por grupos horticultores de floresta tropical do horizonte cerâmico. Na Ilha dos Martírios já foram identificadas 3.039 gravuras de diversos tipos: machado, seliformes, santa (gravura que lembra o manto de uma santa, 51 gravuras, de 15cm a 1m), pontos cheios entre outros. Representações de animais e o homem também estão registradas.

O substantivo feminino “cruviana”, no Norte do Brasil, significa vento muito intenso e gelado, ar frio da madrugada. No Nordeste, quer dizer chuva fina, chuvisco. Em Pernambuco, especificamente, é aplicado ao estado de indolência, preguiça e malandrice. Para algumas tribos indígenas da Amazônia é a deusa do vento. Uma lenda conta que durante as noites, a linda entidade se transforma em brisa e seduz os forasteiros durante o sono, que na manhã do dia seguinte acordam apaixonados pela terra, de onde nunca mais vão embora. Com o tempo a palavra se tornou sinônimo de vento frio, que causa arrepios. Os pescadores e ribeirinhos da Amazônia previnem os amigos de passagem com recomendações: “Parente, te agasalha bem senão a cruviana vai te pegar na madrugada”; “Compadre, a bruma do rio está forte, a cruviana vai atacar na madrugada.” No inverno amazônico, quando a noite cai, a umidade relativa do ar sobe à quase 100% e na madrugada o sereno é intenso, formando uma bruma branca na superfície do rio e nas capoeiras. É a cruviana. Mas não há chuva nem vento forte. A temperatura chega a 22 graus, mas a sensação é de mais frio, daquele que dá nos ossos. Arrepiante. Por INOCÊNCIO GORAYEB

Por INOCÊNCIO GORAYEB

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OLHARES NATIVOS

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Um Pará que pulsa cultura O Estado é nacionalmente conhe-

cido por ser um celeiro cultural que difere das demais federações do Brasil. Em todos os setores culturais, seja do sagrado ou do profano, há um traço de “paraensismo” que marca uma identidade própria do amazônida de Belém do Pará. E o fotógrafo TARSO SARRAF tem sempre um olhar atento e sensível para captar as expressões mais singulares do ser paraense. A exemplo da foto à esquerda que abre esta seção, que mostra o mar de gente formado pelos membros do Arraial do Pavulagem fazendo um arrastão cultural nas proximidades do Ver-o-Peso, as imagens nas páginas a seguir denotam a essência do povo do Pará, que vive sua amazonidade constante ao exprimir os valores mais puros da região.

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Eternos outubros

A força que movimenta o Círio de Nazaré na Cidade das Mangueiras é inexplicável mesmo para os paraenses. FOTO: TARSO SARRAF

Vida colorida

Os foliões do Arraial do Pavulagem colorem as ruas de Belém com os chapéus de fitas. FOTO: TARSO SARRAF 22 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Trajetória de fé...

A Romaria Rodoviária é um dos momentos mais marcantes da Festa de Nazaré em Belém FOTO: TARSO SARRAF

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Madrugada adentro

Os trabalhadores do Ver-o-Peso começam a nutrir de vida e labuta o famoso mercado de Belém nas primeiras horas da manhã FOTO: TARSO SARRAF

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Na baía do destino

As águas do Guajará banham os sonhos dos paraenses, que têm no rio uma forte ligação cultural FOTO: TARSO SARRAF 26 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Entre marujos

A Marujada, que louva São Benedito, transforma Bragança nos dias de festa FOTO: TARSO SARRAF

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OLHARES NATIVOS

Aventura amazônica

Surfistas se encontram todos os anos em São Domingos do Capim, no nordeste paraense, para pegar onda no fenômeno da pororoca FOTO: TARSO SARRAF

Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos 28 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!


OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES TARSO SARRAF

IDEIASVERDES

PESQUISA APURADA

CIENTISTAS DO INSTITUTO EVANDRO CHAGAS ESTUDAM OS EFEITOS DA ZIKA PÁGINA 34

IDOSOS

EDUCAÇÃO

A presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, dra. Hilma Khoury, fala sobre a 3a Idade. PÁG.30

Projeto voluntariado Bike Anjo ensina crianças e adultos a andar de bicicleta, além de noções de cidadania e zelo pelo meio ambiente. PÁG.42


ENTREVISTA

O

Brasil vivencia nas últimas décadas um processo de envelhecimento da população. Dados divulgađos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a presença de idosos no total da população aumentou de 9,8% para 14,3% entre 2005 e 2015. O número crescente de brasileiros com 60 anos ou mais traz desafios de adaptação para as políticas públicas e para a sociedade como um todo. Para compreender melhor os fatores psicológicos que envolvem o envelhecimento e os avanços que ainda são necessários para acolher os novos idosos, a Amazônia Viva conversou a professora doutora Hilma Khoury, da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ela é doutora em psicologia, presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG Pará) e realiza projetos de ensino, pesquisa e extensão voltados para as questões do envelhecimento na Amazônia. Confira a entrevista:

De acordo com o Estatuto do Idoso, a pessoa idosa é aquela com 60 anos ou mais. Mas existe uma idade específica para que o indivíduo comece a se perceber como idoso? A Organização Mundial da Saúde estabelece como idosa a pessoa com 60 anos nos países em desenvolvimento e 65 nos desenvolvidos. É por isso que aqui a gente tem no Estatuto do Idoso a questão dos 60 anos, ela segue a determinação da OMS. Acredito que esse demarcador cronológico é necessário, porque de qualquer maneira o envelhecimento traz um declínio biológico, uma mudança fisiológica importante para o indivíduo. Agora, psicologicamente, não tem uma idade certa para a velhice começar, mas colocamos em torno de 60 anos porque tem que ter um 30 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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“As pessoas estão vivendo cada vez mais” A PRESIDENTE DO DEPARTAMENTO DE GERONTOLOGIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE GERIATRIA E GERONTOLOGIA, DRA. HILMA KHOURY, FALA SOBRE A NECESSIDADE DA ATENÇÃO PSICOLÓGICA PARA UMA VELHICE SAUDÁVEL DOS AMAZÔNIDAS TEXTO JOBSON MARINHO FOTOS CARLOS BORGES


limite cronológico, até porque é um fato o declínio biológico do corpo. Mas a percepção da velhice varia muito de pessoa para pessoa porque depende muito das condições de vida que o indivíduo teve. Alguns são muito sofridos, passaram dificuldades desde a infância, tiveram trabalhos muito desgastantes ao longo da vida adulta, então essas pessoas envelhecem mais cedo. Já tem outros tiveram condições de vida melhor, não só em termos de mais acesso a oportunidades, mas também a serviços de saúde. O envelhecimento desses já é mais lento. Com relação a saúde mental, quais os problemas mais comuns que as pessoas passam com o processo de envelhecimento? Quando a gente fala de saúde mental, às vezes se pensa logo em psicopatologias, em problemas mais graves. Mas se a gente olhar a saúde de uma forma mais ampla, eu digo que a saúde mental inclui desde problemas menores, como a percepção da própria velhice, até os pro-

blemas mais graves. Os problemas que eu estou chamando de mais leves são os que não são psicopatologias. A percepção psicológica da velhice influencia na maneira como você encara a vida, como você a enfrenta. Então se o indivíduo tem uma percepção muito negativa de que ele, como idoso, não pode fazer mais nada, não tem mais capacidade de fazer certas coisas, ele vai acabar ficando dependente antes do tempo, porque vai desistir mais cedo de fazer o que gostava e vai se isolar. Acho que nesse sentido, a percepção, a atitude diante da velhice é saúde mental também. Porque essa atitude pode ser positiva, enxergando na velhice não apenas perdas, mas a possibilidade de ganhos que se pode ter nessa fase da vida. E aí o idoso vai para rua, vive a velhice e descobre muitas potencialidades, apesar de alguns problemas de saúde que inevitavelmente existem pelo desgaste biológico do corpo. Mas, quando a gente fala dos problemas mais graves, um dos que mais preocupam é a doença de Alzheimer. Infelizmente, de todos os casos de demência, 60% são doença de Alzheimer e a partir

“A percepção da velhice varia muito de pessoa para pessoa porque depende das condições de vida que o indivíduo teve. Alguns são muito sofridos, passaram dificuldades desde a infância. Então essas pessoas envelhecem mais cedo.” NOVEMBRO DE 2017

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ENTREVISTA

dos 80 anos, a prevalência é muito grande. Ou seja, as pessoas estão vivendo cada vez mais, mas também existe esse problema que até hoje ninguém conhece a causa. Qual a importância de estimular uma velhice ativa para o cidadão? Na PNSPI, que é a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, de 2006, é colocado como critério de velhice saudável a manutenção da capacidade funcional, que é a capacidade de um indivíduo se manter independente para exercer suas atividades de vida diária e autônomo, com poder de decisão e autogoverno. Assim, a velhice saudável não é a ausência de doenças - porque isso é impossível para uma pessoa já idosa - mas a manutenção da capacidade funcional. Nesse sentido é que eu acho importante estimular a velhice ativa. Segundo o IBGE, entre 2005 e 2015, o nível de ocupação dos idosos caiu de 30,2% para 26,3%. Quais os motivos que a senhora observa que levam as pessoas a trabalhar, apesar da idade avançada? O trabalho traz benefícios para o idoso? É comum as pessoas dizerem que o idoso trabalha porque a aposentadoria é pouca. De fato, a aposentadoria é pouca e o idoso quer aumentar a renda dele. Muitos jovens estão desempregados e dependem da aposentadoria do idoso para sua sobrevivência. Tem muitas famílias em que os filhos casam e continuam morando na casa dos pais e os pais acabam tendo que sustentar filhos adultos e netos, então nesses casos as pessoas idosas continuam trabalhando porque a aposentadoria não é suficiente para sustentar a família. Esse é um fato, mas eu não acredito que esse seja o único motivo que leva pessoas idosas e aposentadas a continuarem trabalhando. Eu acredito também no fator psicológico. A gente fez uma pesquisa a respeito de motivos que levam aposentados a retornar ao trabalho e uma coisa que se sobressaiu muito foi a necessidade de se sentir produtivo. Quer dizer, as 32 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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“Está se falando de uma reforma da Previdência para que as pessoas trabalhem por muito mais tempo, olhando só o lado econômico de que você precisa diminuir o déficit da Previdência. Coloca-se a culpa no aposentado quando não é” pessoas não querem aquela sensação de inutilidade que a aposentadoria traz, de não ter o que fazer de manhã, de não saber para onde ir. Por outro lado eu vejo muitos que se aposentam e são felizes com a aposentadoria. Existe variação do comportamento do idoso de acordo com a região do país? Existe alguma particularidade sobre o envelhecimento na Amazônia? Acho que nos meios urbanos é muito parecido. Talvez se comparássemos o meio urbano e o rural, a gente encontrasse diferenças, não só na Amazônia, mas também em outras regiões do Brasil. Eu não tenho pesquisado para ver as diferenças da velhice no meio urbano e no meio rural, mas a gente sabe que no meio rural os idosos são mais participativos, muitas vezes eles trabalham até mais tarde, têm um respeito maior da família, uma autonomia maior. Voltando a comentar o aumento da população idosa no país, a senhora acredita

que, quando se olha para os serviços de saúde, mobilidade urbana e assistência social, o Brasil está preparado para acolher esse número maior de novos idosos? Eu acho que o Brasil ainda tem muito o que fazer e muito o que aprender para dar acolhimento e qualidade de vida para esse crescimento em massa da população idosa. Infelizmente, a população como um todo está desassistida no Brasil e os idosos mais ainda. Você vê, por exemplo, a questão da aposentadoria. Está se falando de uma reforma da Previdência para que as pessoas trabalhem por muito mais tempo, olhando só o lado econômico de que você precisa diminuir o déficit da Previdência. Coloca-se a culpa no aposentado quando não é e não se vê que nem todos vão conseguir trabalhar até os 65 anos, porque existem muitos serviços pesados onde nem se vive até essa idade.

A senhora lançou recentemente um livro chamado “Desenvolvendo Competências Pessoais para Viver Bem a Velhice”. Quais as principais discussões que você aborda na publicação? O livro foi publicado em agosto e é exatamente sobre o projeto de extensão que eu desenvolvo dentro da Uniterci (Programa Universidade da Terceira Idade, da UFPA). O que a gente chama de competências pessoais, é desenvolver recursos de personalidade e atitudes para que se possa enfrentar os preconceitos, ressignificar a velhice e viver com qualidade. Ao mesmo tempo que o livro é um método para que outros profissionais habilitados possam desenvolver esse projeto e serem multiplicadores da qualidade de vida no envelhecimento, ele também é uma boa leitura para pessoas que já envelheceram ou estão envelhecendo e que desejam informações que lhe ajudem a viver bem a sua velhice. NOVEMBRO DE 2017

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UM ALIADO DA PESQUISA NA AMAZÔNIA O Instituto Evandro Chagas estuda há mais de 60 anos arbovírus como dengue, zika e chikungunya, levando desenvolvimento para a saúde pública do Brasil

TEXTO VANESSA VAN ROOIJEN FOTOS TARSO SARRAF

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É

provável que todo brasileiro já tenha sido ou conhece alguém que foi infectado pelo famoso mosquito Aedes aegypti. Esse inseto muito conhecido no País há anos transmite diversas doenças, como a dengue, a zika e a chikungunya. De acordo com levantamento feito pelo Ministério da Saúde, até a Semana Epidemiológica 31 (SE 31) feita de 1º de janeiro de 2017 a 5 de agosto deste ano, foram registrados 15.039 mil casos prováveis de febre pelo vírus zika no país. Já de chikungunya, o número, durante o mesmo período de análise, é de 163.135 mil. Para dengue os registros saltam para 210.627 possíveis casos. Os números alarmantes de ocorrências ao longo dos anos fizeram com que diversas instituições de saúde e educação, empresas e mobilizações governamentais realizassem campanhas e ações de prevenção e combate à proliferação do mosquito Aedes aegypti. Além disso, as pesquisas relacionadas às origens, características e ciclo biológico dessas arboviroses também foram ampliadas. Esse trabalho é feito, dentre outros órgãos, pelo Instituto Evandro Chagas, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, no Pará (IEC/SVS/MS). De acordo com a médica pesquisadora em Saúde Pública do IEC dra. Socorro Azevedo, arbovirose se refere à doença causada por um grupo de vírus denominado arbovírus. São eles que mantêm um ciclo de vida biológico que ocorre, principalmente, em ambiente silvestre. “Eles se mantêm no ambiente se replicando dentro de artrópodes (mosquito) e vertebrados, ou seja, um artrópode transmite o vírus para o vertebrado, lá esse se replica e quando outro artrópode faz a sucção do sangue, que ele precisa para NOVEMBRO DE 2017

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amadurecer os ovos, também adquire o vírus, transmitindo posteriormente para outro vertebrado, mantendo assim o ciclo zoonótico”, diz. A médica explica que esses arbovírus existem há muitos anos e são de origem silvestre, atingindo os animais presentes nesse ambiente. Ela conta que o ciclo de transmissão sempre ocorreu entre os vertebrados desse espaço e que, em relação aos homens, essa infecção ocorria somente quando ele adentrava o espaço para caça ou pesca, por exemplo. “Com a presença cada vez mais intensa dos homens nesses ambientes e com a manipulação do ecossistema por ele, os arbovírus saíram do habitat natural e se adaptaram aos vetores do meio urbano, como o Aedes aegypti”, explica Socorro. Ela afirma que os vírus se propagam a partir da grande facilidade de deslocamento das pessoas pelo mundo. De acordo com a pesquisadora, essas doenças chegam ao Brasil porque os vírus e mosquitos “viajam” com os humanos pelo mundo há séculos. O Aedes aegypti, por exemplo, é originário do Egito, na África. Daí o nome da espécie. “Há alguns anos, não tínhamos mais casos de febre amarela no Brasil porque conseguimos eliminar grande parte da população de Aedes (que também transmite a doença), não havendo mais caso dessa doença no ambiente urbano”, exemplifica. Ela explica que os vírus chegaram, provavelmente, por pessoas doentes que estavam com o vírus circulando no organismo. “Ao serem picadas pelo Aedes no Brasil, o mosquito se infectou e uma vez infectado, ele passa o vírus para toda a prole. Com isso, quando as fêmeas colocam os ovos, eles já ficam infectados para o resto da vida”, diz Socorro Azevedo. 36 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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PESQUISA NO LABORATÓRIO

Os estudos realizados pelo IEC com o Aedes aegypti possuem diversas metodologias e encaminhamentos científicos


EVANDRO CHAGAS É UMA REFERÊNCIA NO MUNDO TODO O setor de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas do Instituto Evandro Chagas contribui para as descobertas pelo mundo e evolução da saúde pública por meio de estudos e pesquisas realizadas. A chefe da Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas do instituto, dra. Lívia Carício, conta que o IEC tem importância na contribuição para os avanços sobre o vírus da zika, assim como as outras arboviroses. “Fomos os primeiros a diagnosticar o caso no Ceará, que relacionou o vírus à microcefalia em bebês. A repercussão desse achado do IEC estabeleceu o alerta internacional de saúde pública”, recorda. Ela conta que após a descoberta, houve uma alta significativa no financiamento do instituto e as pesquisas puderam ser ampliadas. O Instituto Evandro Chagas participou diretamente do estudo e desenvolvimento da vacina contra o vírus da zika. Em parceria com a Universidade do Texas, nos Estados Unidos, a vacina visa à diminuição da infecção e à proteção de crianças menores de 10 anos e mulheres grávidas. Segundo o diretor do IEC, dr. Pedro Vasconcelos, a escolha do público se deu pela relação do vírus com a microcefalia e indícios, que estão sendo estudados, da doença ser transmitida sexualmente. Segundo ele, a vacina já foi desenvolvida e foram realizados ensaios pré-clínicos. O primeiro em camundongos, constou que a vacina protegeu os animais de infecções graves e microcefalia. “Fizemos também experimentos para mostrar que o vírus não infecta o mosquito, pois como a vacina é composta por vírus vivo atenuado, ou seja, o vírus modificado para perder a capacidade de causar a doença, foi possível verificar que se o artrópode picar um animal vacinado, ele não será infectado, quebrando o ciclo”, explica. Ainda com os camundongos foram realizados testes que demonstraram

PESQUISA SOBRE VÍRUS

O diretor do Instituto Evandro Chagas, Pedro Vasconcelos, afirma que a vacina contra a zika está em desenvolvimento. Abaixo, Lívia Carício, chefe da Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas do IEC.

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que a vacina protege contra a esterilidade em machos, devido as lesões graves dos testículos. “Isso abriu expectativas para testar nos humanos. Já estão sendo desenvolvidos projetos para obter financiamento para estudos e testes em homens relacionados a esterilidade, queremos saber se o resultado no humano será o mesmo que no animal após a infecção”, diz Pedro Vasconcelos. A última etapa do experimento demonstrou que a vacina protege macacos contra a infecção pelo vírus da zika. “Os animais que foram vacinados se protegeram da doença e desenvolveram anticorpos protetores. Após vacinados, eles foram infectados com vírus selvagens, não ocorrendo manifestações da doença”, descreve o diretor. Além disso, a vacina apresenta mais um ponto positivo. O protocolo previsto para ela é de dose única, capaz de proteger a pessoa por toda a vida. O pesquisador afirma que já foram encerrados todos os testes pré-clínicos. Os lotes desses candidatos vacinais foram repassados para o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos, unidade de produção de vacinas da FioCruz, no Rio de Janeiro. “Lá está sendo iniciado o processo de preparação de ambiente e de células para produção dos lotes vacinais para talvez no final de 2018 iniciar os testes em humanos”, afirma. Além da vacina, o IEC é produtor de ciência e formador de pesquisadores. Neste ano, há mais de 200 pesquisas sendo desenvolvidas, divididas entre assuntos no âmbito regional, nacional e internacional. De acordo com Lívia Carício, o instituto abre as portas para alunos de mestrado, doutorado, pós-doutorado e oferece bolsas de iniciação científica para estudantes de graduação. “O IEC também apoia e oferece capacitação para outros laboratórios de pesquisa do Estado. Somos colaboradores da Organização Pan-Americana de Saúde e compomos o Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública, ligado a Rede de Laboratórios do Ministério da Saúde”, cita. Os estudos realizados pelo IEC possuem diversas metodologias e encaminhamentos. Por meio de vários tipos de estudos, como clínico, experimental, genético, ecoepidemiológico e de casos, diversas temáticas são abordadas, dentre elas, os arbovírus, como a zika, a chikungunya e a dengue. Dentre 38 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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GERAÇÃO DE CONHECIMENTO

O Instituto Evandro Chagas também forma pesquisadores. Neste ano, há mais de 200 pesquisas sendo desenvolvidas, divididas entre os âmbitos regional, nacional e internacional.


esses estudos, está sendo desenvolvido um grupo de acompanhamento a mães e seus filhos que estavam com suspeita de infecção pelo zika vírus. Há também o estudo genético sobre os vírus citados. Nesse processo, dra. Lívia Carício explica que o vírus é pego em sequência para ser avaliado, saber se houve mutação e entender quais as consequências causadas por ele. Faz-se então uma relação com os vetores e a adaptação genética. Por meio de estudos experimentais, como os ligados ao zika vírus, o IEC analisa a manifestação dele em animais primatas não humanos (macacos). Essa forma de estudo contribui, dentre outras formas, para as pesquisas e desenvolvimentos de vacinas. “Tivemos casos de relação entre a zika e a transmissão do vírus de forma sexual. Por meio de experimentos com hamsters, estamos tentando comprovar o caso e identificar se há relação com a má formação do feto”, explica a pesquisadora. Os estudos de caso com base em autolimitados (pacientes que tiveram contato com o vírus, mas se curaram) e óbitos, relacionam pesquisas para conhecer como a doença evoluiu e como ela se manifesta. Já ir a campo, conhecer e entender as doenças é o trabalho realizado pelos estudos ecoepidemiológicos. “Nós analisamos o humano, o vertebrado, o mosquito e o ecossistema. Dessa forma obtemos maior conhecimento sobre o vírus, desde o surgimento até as formas de manifestação”, diz Lívia Carício. Segundo ela, um estudo se relaciona com o outro e se concentra onde ações atrópicas são comuns.

RECONHECIMENTO DO TRABALHO NA REGIÃO AMAZÔNICA Os estudos sobre os arbovírus no Instituto Evandro Chagas iniciaram-se em 1954, resultado de um convênio do governo brasileiro, representado pelo IEC, e a Fundação Rockfeller, dos Estados Unidos. De acordo com o diretor do IEC, dr. Pedro Vasconcelos, naquela época a Fundação tinha muito interesse em estudar os arbovírus que começaram a se destacar no cenário nosológico mundial (estudo,

EDUCAÇÃO EM SAÚDE 'O Instituto Evandro Chagas (IEC) promove ainda ações educativas com o objetivo de conscientizar crianças e adolescentes para o combate do mosquito Aedes aegypti. A ação Educação em Saúde leva palestras, peças de fantoches, jogos de fixação e informativos para escolas do Estado. Além de entender como combater o mosquito, os estudantes têm a oportunidade de conhecer mais sobre a missão do IEC e a contribuição dada para a saúde pública na Amazônia por meio de atividades práticas, como observação em microscópio do ciclo biológico do Aedes. Diretores, professores, pais e responsáveis interessados podem solicitar a programação de Educação em Saúde do IEC nas escolas. Para isso, é preciso entrar em contato com a Assessoria de Comunicação do instituto pelo (91) 3214-2186. NOVEMBRO DE 2017

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! I T P Y G E A S E D E A O M O C O D A CUID >> >> CAPA

osquito s transmitidas pelo m ça en do r ita ev o m co Veja

COMO IDENTIFICAR?

COMO SE PROTEGER?

Não deixe o Aedes aegypti invadir sua casa e vizinhança, protegendo a você mesmo e sua família de forma rápida e prática. Para evitar a proliferação do mosquito e acabar com o foco para as doenças, faça uma vistoria na residência, podendo ser semanal ou até diária, e siga as seguintes instruções:

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Evitar água parada. Tampe os tonéis e caixas d’água; retire água acumulada na área de serviço, geralmente localizada atrás da máquina de lavar roupas; e cubra as piscinas, fazendo sempre a manutenção periódica. Mantenha as calhas sempre limpas; lixeiras bem tampadas; deixe os ralos limpos, e se possível, com aplicação de tela; e Deixe garrafas e potes virados com a boca para baixo. Troque e limpe semanalmente pratos de vasos de planta com areia e tenha atenção com plantas como bromélia e babosa, pois podem acumular água;

! ATENÇÃO!

Se você detectar um foco de Aedes aegypti e não é possível eliminá-lo devido à localização ou outros motivos, entre em contato com a Secretaria Municipal de Saúde da cidade, órgão responsável e capacitado para fazer a remoção do foco.

Fique atento também aos sintomas de cada doença, mesmo com a prevenção e ações de combate, é possível que algum mosquito escape e possa a vir infectar alguém. Zika, dengue e chikungunya são doenças com tratamento sintomático e apresentam de forma geral sintomas parecidos, com maior ou menor intensidade. Veja algumas diferenças:

>> ZIKA:

- Manifestação branda, podendo o paciente estar infectado e não apresentar qualquer sintoma; - Manchas vermelhas na pele que provocam intensa coceira; - Febre baixa; - Dores leves nas articulações; - Dores musculares, na cabeça e nas costas; - Irritação que deixa os olhos vermelhos, mas sem secreção e sem coceira. - Doença ligada a complicações neurológicas.

>> DENGUE:

- Febra alta; - Fortes dores de cabeça, nos olhos, muscular e óssea; - Fadiga; - Manchas avermelhadas predominantes no tórax e membros superiores; - Diarreia; - Vômitos; - Tosse e congestão nasal.

>> CHIKUNGUNYA: - Fortes dores nas articulações, podendo, em alguns casos, impedir os movimentos; - Febre; - Manchas na pele.

FONTE: AGÊNCIA BRASIL COM BASE EM INFORMAÇÕES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

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É PRECISO ESTAR ATENTO

A médica pesquisadora em Saúde Pública do IEC dra. Socorro Azevedo alerta para o risco das arboviroses

descrição e classificação das diferentes doenças) como um vírus de importância em saúde pública. “Naquele período já eram conhecidos alguns arbovírus, como a febre amarela e a dengue. A Fundação também tinha interesse em estudar com detalhe o ciclo da febre amarela silvestre e com essa perspectiva foi montado o laboratório do IEC, em Belém, na época, que viria a ser hoje a seção de Arbovirologia e Febres Hemorragias do instituto”, lembra. Em 1983, o IEC recebeu o primeiro reconhecimento pelo trabalho realizado para o desenvolvimento da saúde pública. O Organização Mundial de Saúde (OMS) credenciou o instituto como Centro Colaborador para Diagnóstico e Referência em arbovírus. Já em 1988, foi credenciado pelo Ministério da Saúde como laboratório de referência nacional para os estudos de vírus como dengue, zika e chikungunya. “Isso mostra a importância do IEC no estudo dos arbovírus. Podemos dizer que os arbovírus isolados no instituto são aproximadamente 25% do que se conhece no mundo todo, representando inclusive um recorde mundial porque não existe nenhuma instituição do mundo que tenha caracterizado mais vírus

do que o IEC”, afirma Pedro Vasconcelos. De acordo com o diretor do instituto, a capacidade de isolar novos vírus e caracterizá-los se deve à expertise da equipe e a localização estratégica do centro de pesquisa na Amazônia. “O IEC tem caracterizado parte do estudo desses vírus na observação de tentar isolá-los, sejam eles causadores de doenças nos humanos ou não, e caracterizar esses vírus para estudos experimentais, geralmente realizados em animais para entender como são infectados ou atingidos. Dessa forma é possível compreender se um vírus está inclinado a infectar humanos”, explica. Para o diretor, a Amazônia talvez seja local com mais arbovírus do mundo. Isso se deve à biodiversidade amazônica, pois, segundo ele, não há em nenhum outro lugar tanta biodiversidade como na região. “Temos um grande número de espécies de mosquito e outros insetos hematófilos. Há também um grande número de vertebrados silvestres, que são dois elementos básicos do ciclo de manutenção desses vírus. Os arbovírus são mantidos basicamente em natureza de ciclos entre o inseto hematófilo e o vertebrado silvestre”, explica, ao afirmar que isso faz com que haja uma perspectiva que de ainda há

muitos arbovírus por descobrir. Segundo dr. Pedro Vasconcelos, o IEC acredita que a medida que o homem adentra os ecossistemas naturais, por diversos objetivos como desmatamento e desenvolvimento de projetos, seja agropecuário, instalação de hidrelétrica ou exploração mineral, esses ambientes que estão em equilíbrio tendem a se desequilibrar, surgindo assim novos vírus. “Sabemos que esses vírus mantém a relação com os vetores e com os hospedeiros num equilíbrio que é estável a medida que não se mexe no estado natural, caso contrário isso pode promover um grande impacto para a saúde pública porque o arbovírus saem do seu habitat natural e se adaptam facilmente”, afirma. Ele alerta que os riscos não são só para quem vive na região amazônica, tendo em vista que devido à facilidade de movimentação mediante os voos e embarcações nacionais e internacionais, é possível que hoje uma pessoa possa estar infectada e amanhã já estar em outro local do mundo, como ocorreu com a dengue, zika e chikungunya. Para o diretor, é preciso ter cuidado, respeitar o ecossistema e o equilíbrio natural da biodiversidade, mantendo os arbovírus nos locais de origem. NOVEMBRO DE 2017

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EDUCAÇÃO

Aprendizado sobre duas rodas

Projeto voluntário incentiva o uso de bicicletas e a educação no trânsito de Belém TEXTO JOBSON MARINHO FOTOS CARLOS BORGES

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a manhã do Dia das Crianças deste ano, dezenas de pais levaram os filhos à praça da Bandeira, no centro de Belém. A atividade do dia era especial: as crianças estavam ali para aprender a pedalar. No último dia 12, voluntários do projeto Bike Anjo, que estimula o uso de bicicletas e ensina pessoas de todas as idades a aprender a andar sobre duas rodas, realiza-

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ram uma aula especial para pais e filhos. “A ideia de fazer essa aula não é que os Bike Anjos ensinem as crianças, mas sim que a gente ensine os pais a ensinarem seus filhos, para que eles tenham essa referência da mãe ou do pai terem ensinado a pedalar”, explica o articulador regional da Rede Bike Anjo em Belém, Murilo Rodrigues. O Projeto Bike Anjo surgiu em 2009, em São Paulo, com o obje-

tivo de melhorar o trânsito com o fomento ao uso de bicicletas para a mobilidade urbana. A iniciativa conta com uma rede de ciclistas voluntários, que podem ser acionados através do site por quem deseja aprender a pedalar. A partir do pedido, a central do projeto faz uma análise e agenda uma aula particular para o usuário. Além de ensinar a pedalar, o Bike Anjo também auxilia novos ciclistas a

URBANIDADE

O Projeto Bike Anjo surgiu em 2009, em São Paulo, com o objetivo de melhorar o trânsito com o fomento ao uso de bicicletas para a mobilidade urbana. Hoje, já circula por Belém.


perderem o medo do trânsito com dicas de segurança, comunicação com os motoristas, mecânica básica e sugestões de rotas seguras. Em Belém, o projeto existe desde 2012 e conta com mais de 100 voluntários cadastrados e também já se expandiu para outros municípios do Pará, como Abaetetuba, Ananindeua e Cametá. Por conta da grande demanda de aprendizes, a rede de voluntários criou a Escola Bike Anjo (EBA) - uma aula coletiva, geralmente em praças, para pessoas de todas as idades. Em Belém, as aulas para adultos e crianças são separadas e intercaladas a cada mês. Não é necessário ter bicicleta e nem fazer agendamento prévio para participar das EBAs, basta apenas ter saúde e vontade de aprender a pedalar. “A EBA, geralmente, é no primeiro sábado do mês, mas como em outubro iria coincidir com o Círio Fluvial, decidimos fazer uma Escola Bike Anjo especial para crianças no dia delas. A gente entende que quando uma pessoa vê outra aprendendo, isso motiva mais, quebra mais a vergonha”, diz Murilo. A técnica em enfermagem Helena Benchimol foi uma das pessoas que mudou a própria rotina graças ao Bike Anjo. Ao procurar ajuda para ensinar a filha de 12 anos a pedalar, no ano passado, Helena se sentiu motivada e resolveu virar uma ciclista também. Ela usa a bicicleta há dois meses para se locomover de casa para o trabalho e já sente os benefícios da atividade física. “Antes de começar a pedalar, eu sentia muita dor no joelho, tinha arritmia e pa-

vor de trânsito. Tudo isso melhorou. Antes eu usava o ônibus, que além de ser mais caro, também demorava mais. Agora eu chego no trabalho em menos de meia hora. Quando você usa bicicleta, faz um bem pra você e para os outros”, conta a técnica de enfermagem, que aproveitou o Dia das Crianças para levar não só a filha, mas vários amigos e familiares para conhecer o projeto e aprender a pedalar. A história de Helena motivou a cunhada, Lidia Pereira, a participar da ação também. Lidia frequentou a Escola Bike Anjo pela primeira vez no Dia das Crianças e levou as filhas Sofia, 5, e Ana Luiza, 14, para aprenderem juntas a andar de bicicleta. “Essa iniciativa é bem legal, porque não estou só ensinando as meninas a pedalar, estou aprendendo a pedalar com elas. Os voluntários do Bike Anjo são muito atenciosos e pedalar é uma forma legal de fazer exercício e contribuir ao mesmo tempo para o meio ambiente”, conta Lidia. A EBA também atrai novos voluntários, que se dispuseram a motivar pais e filhos a praticar o ciclismo. Um dos Bike Anjos de primeira viagem é o ator José Arnaud, que interpreta o palhaço Claustrofóbico. Ele aprendeu a pedalar aos sete anos, mas passou a usar a bicicleta como meio de transporte diário a partir do ano passado. Para o Claustrofóbico, foi um 12 de outubro diferente e especial neste ano. “Ensinar os pequenos a andar de bicicleta é um negócio emocionante, ainda mais no Dia das Crianças. Esse

FORÇA DE VONTADE

Não é necessário ter bicicleta e nem fazer agendamento prévio para participar da Escola Bike Anjo. Basta apenas ter boa saúde e vontade de aprender a pedalar.

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EDUCAÇÃO

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dia tem uma relação forte com o ciclismo, porque um dos presentes mais comuns que os pais dão aos filhos nessa data é justamente a bicicleta, então a gente resgata também um pouco dessa tradição”, conta o artista. A arquiteta Alice Rosas, que também se tornou instrutora do Bike Anjo neste dia das crianças, considera que ensinar a andar de bicicleta é uma forma de incentivar as pessoas a se apropriarem mais do espaço público e vivenciarem o próprio ambiente urbano. “Muitas pessoas não pedalam por medo da cidade, mas esse medo também vem porque a gente não se apropria do espaço público. Existe mais segurança quando a gente sai de casa e ocupa o espaço que a cidade nos oferece. Como urbanista, também acho que a bicicleta é um meio de

transporte muito interessante para incentivar as pessoas a perceber mais o ambiente. Diferente do carro, que te mantém à parte do meio ambiente, a bicicleta te faz perceber muito mais a cidade e se apropriar dela”, explica a voluntária, acrescentando que já conseguiu abolir as viagens de carro da rotina.

A BICICLETA E A MOBILIDADE URBANA

De acordo com um estudo sobre o uso de bicicletas no Brasil publicado em 2015 pela Rosenberg Associados, o modelo de desenvolvimento urbano vivido pelo País no século XX privilegiou o uso de automóveis, fazendo com que a promoção da bicicleta ficasse espremida entre os carros e o transporte coletivo. Apesar disso, o fato de a bicicleta ser encarada como uma

ferramenta de esporte e lazer e um meio de transporte barato faz com que o seu uso permaneça frequente entre os brasileiros. A pesquisa mostra ainda que, na comparação com outros meios de transporte, a bicicleta sai na frente. Entre as vantagens de pedalar, o estudo aponta a agilidade no meio urbano, o baixo custo por quilômetro percorrido, os benefícios para a saúde do usuário, o risco menor de acidentes graves e o investimento baixo em infraestrutura necessário para esse tipo de transporte. Já entre as desvantagens, estão a vulnerabilidade a furtos, aos rigores do clima e aos acidentes causados por imprudência no trânsito. Melissa Noguchi, que também é voluntária e articuladora regional do Bike Anjo, explica que um dos objetivos da rede é conscientizar a NOVEMBRO DE 2017

SEM MARMELADA

Um dos voluntários do Bike Anjos é o ator José Arnaud, que interpreta o palhaço Claustrofóbico. Ele aprendeu a pedalar aos sete anos, mas passou a usar a bicicleta como meio de transporte diário a partir de 2016. Hoje, o artista ensina crianças a andar de bicicleta.

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EDUCAÇÃO

população da viabilidade da bicicleta como um meio de transporte. Para isso, o Bike Anjo investe também em projetos e palestras educativas. “Fazemos palestras em diversos lugares que solicitam orientações da Rede Bike Anjo, e aí nós explicamos por que a bicicleta é muito viável e adequada para as cidades. Este ano, também começamos o projeto ‘Pedala, Mana’, que estimula o empoderamento de mulheres por meio da bicicleta, e vamos começar o ‘Bike na Obra’, que foca na conscientização para os trabalhadores da construção civil”, diz. Melissa também defende que os motivos para pedalar são “irresistíveis”. Ela conta que, com dicas simples, é possível driblar o clima da capital paraense. “Belém é maravilhosa para pedalar por ser uma cidade plana. Apesar do calor e chuva, a gente consegue se adequar com algumas 46 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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dicas, como não pedalar muito rápido e se hidratar com água gelada quando chegar no destino”. Com relação à infraestrutura, a ciclista argumenta que a dificuldade maior não é a falta de ciclofaixas, mas a consciência de que a bicicleta é um meio de transporte que também tem direito a transitar pela cidade. “Quando a gente aprende a se comunicar, vemos que é possível pedalar com segurança. O importante é que o ciclista seja visto e respeitado. Quando existe o respeito e a educação, é possível compartilhar a via e transitar em todos os meios de transporte, nas ruas onde tem ciclofaixa e onde não tem”. Já sobre a segurança, a articuladora diz que o risco existe, mas é relativo e, com algumas precauções, também é possível lidar com ele. “A solução que eu achei foi an-

dar com uma bicicleta básica. Ela, apesar de ser colorida, não é cara e eu acredito que não desperta muito interesse. Eu prendo ela em qualquer lugar, uso a bicicleta como meio de transporte desde 2015 e nunca fui assaltada. Nos grupos de ciclismo, a gente até brinca que nunca viu um colega de bike sofrer um sequestro relâmpago, então pra gente o entendimento é da bicicleta como um transporte seguro sim”, diz Melissa.

SERVIÇO

Para ensinar ou aprender a pedalar no Bike Anjo, basta acessar a plataforma no site www.bikeanjo.org ou a página “Bike Anjo Belém” no Facebook e realizar o pré-cadastro. O grupo atende todas as faixas etárias e não é necessário ter bicicleta para começar.

CONSCIÊNCIA CIDADÃ

O Bike Anjo investe também em projetos e palestras educativas, agregando voluntários e simpatizantes do movimento.


PENSELIMP

ARTE, CULTURA E REFLEXÃO

MÚSICA MADURA PÁGINA 48

MEMÓRIAS

NEGÓCIOS

A bondade do médico Camilo Salgado fez dele um dos maiores personagens da história de Belém do Pará, sendo considerado um santo popular. PÁG.52

O jornalista ambiental Thiago Barros analisa o avanço da agroindústria no Estado e seus efeitos na economia. PÁG.58

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FERNANDO SETTE

CANTORA E COMPOSITORA, LÍDIA BELO LANÇA O PRIMEIRO DISCO DA CARREIRA, “MADURECER”


PAPO DE ARTISTA

A beleza da música autoral A CANTORA E COMPOSITORA LÍDIA BELO LANÇA O PRIMEIRO DISCO DA CARREIRA. “MADURECER” É UM REGISTRO DE VIDA DA ARTISTA TRADUZIDO EM LETRAS E ACORDES DE VIOLÃO. TEXTO ALINNE MORAIS FOTO FERNANDO SETTE

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C

antora e compositora desde a infância, Lídia Belo, também formada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Pará (UFPA), acaba de lançar o primeiro disco da carreira. O trabalho, que recebeu o nome de “Madurecer”, traz dez canções que misturam diferentes gêneros, como pop, MPB e carimbó. A variedade de ritmos é uma característica do trabalho da paraense, que carrega influências da música brasileira e regional em suas canções. Natural de Capanema, nordeste do Pará, Lídia começou a cantar e tocar aos oito anos, quando teve aulas de violão popular. Aos 13, foi classificada com uma música autoral no Festival da Canção Ouremense e, tempos depois, passou a competir em outros eventos locais e nacionais. A carreira musical ficou suspensa devido à conclusão do mestrado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPA, porém, o amor pela música falou mais alto e no início deste ano a cantora passou a se dedicar ao projeto do disco. Atualmente, Lídia Belo já acumula mais de 60 composições próprias que refletem diferentes temas e momentos do cotidiano. Para a artista, mostrar parte desse trabalho no primeiro álbum é um momento marcante em sua trajetória. A paraense também destaca que o trabalho é o pontapé de sua carreira profissional na música. Você se dedica à música desde os oito anos de idade. Como foi que você se sentiu despertada por ela? Eu fui criada em uma família musical, meus tios por parte de mãe tocavam violão e meu pai, tios e tias paternos tinham coleções de vinil e, posteriormente, de CDs. Então, desde criança, eu escutava músicas de “gen-

“Muitas coisas me inspiram, mas acho que o mais frequente são pessoas e emoções que eu sinto, que podem vir dos mais diferentes estímulos.” te grande”. Fui criada ouvindo Geraldo Azevedo, Marisa Monte, Xangai, Lenine, Fagner, Chico, e muitos outros. Aos oito anos comecei a estudar violão popular, por decisão do meu pai. Minha mãe me levava à escola de música em Capanema duas vezes por semana. Lá, tinha um estúdio de balé e de alguns instrumentos, como piano clássico, teclado e violão. Lembro que eu era a única aluna de violão, a maioria das meninas fazia balé e os meninos faziam teclado. Eu queria piano clássico, mas como era muito pequena a decisão foi tomada pela família e acabei fazendo violão. Eu choraminguei um pouco por conta disso e me recordo de ouvir meu pai dizer que violão era mais prático porque eu podia colocar ele nas costas e tocar em qualquer lugar. NOVEMBRO DE 2017

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PAPO DE ARTISTA

E no começo de sua carreira, no período entre a infância e a adolescência, quais os principais artistas e estilos que você ouvia e interpretava? Eu escutava muita música nordestina, por influência do meu pai, que é pernambucano, e também muita música popular paraense, que minha família adorava. Minha casa foi, desde que me lembro, frequentada por músicos. Eu gosto de cantar desde sempre. Quando fiz três anos, ganhei do meu padrinho aquele gravador “meu primeiro gradiente”, que muitas crianças tinham nos anos 90, tenho até hoje essas gravações, não tem nenhuma música infantil nelas, por incrível que pareça. Tem Tim Maia, Fagner, Nara Leão, Marisa Monte, Geraldo Azevedo e até “Evidências”, do Chitãozinho e Xororó. E como esses artistas que você ouvia ajudaram no desenvolvimento de sua trajetória como cantora e compositora? Minha formação musical foi decisiva para eu começar a compor. Quando criança, a cantora que eu mais admirava era a Marisa Monte, ela era um modelo pra mim. No meu aniversário de sete anos, em 1994, ganhei dos meus pais um CD dela que eu escutava sem parar. Eu gostava muito da Marisa, porque ela cantava, tocava e compunha as próprias músicas, era completamente autossuficiente, eu queria ser assim também. Então comecei a compor, quase logo que comecei a tocar. Você nasceu em Capanema, e na região tem muitos grupos locais que defendem a música regional, como o carimbó. Isso de alguma forma também influenciou no seu trabalho? Por incrível que pareça, meu envolvimento com o carimbó começou apenas mais tarde. Na infância eu escutava uma coisa ou outra, no mês de junho às vezes dançava no colégio e escutava em casa os mais famosos, mas só. 50 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Eu comecei a curtir carimbó quando me mudei pra Belém e comecei a ter contato com músicos daqui e também por influência de um dos meus tios, que é músico, nasceu em Marapanim, escuta e conhece muito de música paraense. Por intermédio dele conheci muita gente, inclusive o Pedrinho Callado, que produziu meu CD e que tem uns carimbós incríveis. E toda essa mistura de ritmos que você teve ao longo de sua carreira reflete de alguma forma no disco “Madurecer”? Completamente. Madurecer tem músicas que eu compus há anos e músicas muito recentes. Ele faz um passeio por várias fases da minha vida, desde a adolescência, com “Por conta do Tempo”, parceria minha com o percussionista Cássio Lobato, até o final do mestrado, no ano passado, quando compus, por exemplo, “Madurecer”, a música que dá nome ao álbum. Ele mistura ritmos que eu curto e escuto, tanto que lá é possível encontrar desde baladas até xote e carimbó. Tive também a audácia de compor uma música em francês, o que foi uma tremenda “cara de pau” da minha parte, porque eu ainda era estudante do terceiro semestre na Aliança Francesa quando a fiz. Mostrei para o Pedrinho, um pouco insegura, mas ele gostou e me incentivou a gravar. Esse CD tem muito de mim, com todas as qualidades e limitações que eu tenho, ele é bem verdadeiro. E por que você decidiu fazer um disco só agora, 20 anos após o começo de sua relação com a música? Eu, a princípio, não me via numa vida de cantora profissional, apesar da música ter grande influência na minha história e de gostar bastante de cantar. Eu sempre soube que ser artista no nosso país não é fácil, requer resiliência, persistência, muita dedicação, então eu não me encorajava muito a tentar uma carreira profissional, pensava nisso como um hobby, uma coisa pra mim. Porém, é um pouco frustrante


compor e guardar na gaveta, e, por outro lado, é algo muito gratificante ouvir as pessoas cantarem e gostarem de algo que você fez. Eu decidi me dar isso de presente, perto dos meus 30 anos. Não dizem que todo mundo tem que plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho? Pois é, acho que essa é a minha versão desse ditado, é uma coisa que eu queria fazer por mim. O álbum tem uma pegada leve, e eu escuto muita gente me dizendo que tem uma sensação de felicidade quando escuta, isso pra mim é muito importante, esse é o espírito que eu tinha quando decidi fazer esse trabalho, é algo que me faz muito feliz também.

NA TRILHA CERTA

Lídia Belo resolveu desengavetar as composições e gravar seu primeiro disco, o “Madurecer”

Você guarda hoje um grande acervo de canções que são escritas desde a infância. Ao longo de todos esses anos, o que lhe inspira na hora de compor? Muitas coisas me inspiram, mas acho que o mais frequente são pessoas e emoções que eu sinto, que podem vir dos mais diferentes estímulos. Eu já escrevi música pra pessoas que eu amo, mas também já escrevi porque li uma matéria triste no jornal e aquilo me comoveu de alguma maneira. Dificilmente eu vou falar explicitamente da situação que levou àquele sentimento na música, mas ele está ali. Acho que tudo o que me cerca me inspira, depende do momento. Às vezes me esforço e não sai nada, aí eu deixo pra lá, porque quando é um dia bom para compor a coisa flui naturalmente e acontece rápido. E as suas composições mudaram muito desde o começo da carreira até agora?

Mudaram bastante. Na parte harmônica, que sofre influência direta das coisas que eu ando escutando e de como está tecnicamente meu violão, mas também em relação às letras. Acredito que hoje eu me preocupe menos ao compor, eu era mais rígida quando comecei, queria fazer músicas mais eruditas, mesmo gostando pra caramba de ouvir música popular. Esse momento que vivemos, na música paraense, do resgate do tradicional, da valorização dos ritmos tradicionais e populares, foi muito importante para me fazer repensar isso. Hoje ainda componho músicas estilo canção, com mais cara de festival, mas acabo tendo mais vontade de gravar as coisas que eu sei que vou querer escutar no carro, num engarrafamento, porque vai me trazer alegria e eu vou querer aumentar o som e cantar junto. Em paralelo a música você também é formada em Comunicação pela Universidade Federal do Pará. Como você concilia esses dois trabalhos? Eu trabalho atualmente como gerente cultural da Aliança Francesa de Belém, por isso tenho a oportunidade de lidar com cultura o tempo todo, com produção de espetáculos e com artistas. Todos os meus colegas de lá apoiam e incentivam esse lado tão importante da minha vida. Paralelo a isso, eu continuo gravando, me apresentando, compondo e divulgando o que eu faço. Com jogo de cintura e compreensão das pessoas que me cercam dá pra ser feliz trabalhando com as coisas que eu mais gosto, cultura, comunicação e arte. NOVEMBRO DE 2017

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

O médico do povo e para o povo TEXTO BRENDA PANTOJA ILUSTRAÇÕES JOCELYN ALENCAR

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Camilo Salgado 1874-1938


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ogo na entrada do cemitério Santa Isabel, no bairro do Guamá, uma sepultura chama a atenção pela quantidade de velas, flores, fitas e placas de agradecimento. Em frente a ela, é comum ver muitos visitantes fazendo orações a Camilo Henriques Salgado Junior, o renomado médico paraense que, após a morte, tornou-se figura de devoção popular. Ainda hoje são reproduzidos os relatos de curas milagrosas e conservadas as lembranças de um homem caridoso e profissional competente. Quando iniciou os estudos na Faculdade de Medicina da Bahia, o jovem Camilo Salgado talvez não imaginasse a dimensão do vasto legado que deixaria também como professor e político. Nascido em Belém em 22 de maio de 1874, frequentou o Liceu Paraense, hoje chamado Colégio Estadual Paes de Carvalho. Depois de iniciar a formação em Salvador, em 1891, Camilo concluiu o curso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, passando pelos dois únicos polos de ensino médico de sua época. Retornou ao Pará em 1897, já formado, mas logo decidiu aprofundar os conhecimentos e embarcou para Paris. Ao voltar definitivamente para a terra natal, atuou como médico generalista (atual clínico-geral) e cirurgião, em hospitais como a Santa Casa de Misericórdia do Pará, Hospital da Ordem Terceira e Beneficente Portuguesa. Camilo foi um dos fundadores e o primeiro presidente da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará, criada em 15 de agosto de 1914. Ele também contribuiu para a instalação da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, em 1919, onde foi diretor e lecionou até sua morte. A trajetória política transcorreu paralelamente, uma vez que ele foi eleito ao Senado Estadual em 1918 e 1927, e como vereador em 1935. Todo o prestígio da figura pública não impedia que o médico fizesse atendimentos domiciliares ou concedesse consultas e cirurgias gratuitas para pacientes carentes. “No início do século XX, a ciência médica estava em processo de consolidação, com os profissionais se articulando para fortalecer sua atuação e a confiança na medicina científica.

Camilo esteve à frente de muitos projetos e era reconhecido pela competência técnica e pela maneira como se doava aos pacientes”, ressalta o antropólogo e historiador Éden Moraes da Costa. Pela qualidade da formação no exterior e o trabalho em uma região necessitada de recursos, o médico chegou a ser considerado um homem à frente de seu tempo. Aliado a esses aspectos, sua morte repentina contribuiu para a construção da imagem de santo popular. Dentre as muitas histórias conhecidas e admiradas do médico, está a de que ele trabalhou até o último dia de sua vida, mesmo sentindo os sintomas de uma crise de angina, complicação cardíaca que o matou em 2 de março de 1938. Ele faleceu em casa, na rua dos Pariquis, de onde saiu um cortejo até o cemitério de Santa Isabel. “O processo de glorificação começou ali mesmo e a devoção segue forte até hoje, quase 80 anos depois, alcançando muitos jovens”, observa Éden. Desde então, todos os anos, na primeira semana de novembro, em função do Dia de Finados, é enorme o fluxo de devotos ao túmulo de Camilo Salgado, mas a missa em honra aos mortos também reúne muita gente que pede por saúde e proteção ou agradecer as curas alcançadas. A celebração é realizada toda segunda-feira no cemitério onde ele está enterrado e muitos participantes aproveitam a ocasião para recitar uma prece que foi escrita em homenagem a Camilo. Oficialmente, a Igreja Católica se refere ao médico como uma “alma santa e bem-aventurada”, mas a “santificação” foi um processo popular. “O interesse pela pesquisa surgiu porque existe uma circularidade cultural dessa devoção, que acontece entre pessoas de diferentes níveis econômicos e educacionais, e mesmo quem não conhece a trajetória dele, sabe fazer referência ao médico”, explica. A crença nas curas milagrosas não anula a busca dos devotos pela medicina tradicional. Ao recorrerem a Camilo Salgado, um homem que reconhecidamente praticou o bem para a população local, como um santo popular, esses devotos buscam não só fortalecer a saúde, mas também revigoram a fé. NOVEMBRO DE 2017

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ESTANTE AMAZÔNICA

Livros sobre a Amazônia produzidos na região

AS ICAMIABAS LENDA DAS AMAZONAS - PAÍZ DAS PEDRAS VERDES A obra “As Icamiabas – Lenda das Amazonas - Paíz das Pedras Verdes – romance de mulheres guerreiras sem marido e seus muiraquitãs” é o mais recente trabalho de Salomão Larêdo. O livro conta a história de uma tribo de mulheres guerreiras, que vivem no coração da floresta. Sem maridos, elas são protegidas por seus muiraquitãs - talismãs em forma de sapo que, segundo a crença popular, são amuletos de sorte. A obra é o 41ª livro do autor e é baseada no folclore regional, abordando temas como independência feminina, preconceito e opressão de gênero. Para produzir o livro, Larêdo recorreu a fontes e relatos de grandes pesquisadores de mitos e lendas amazônicas. Autor: Salomão Larêdo Páginas: 126 Editora: Empíreo 54 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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CASTANHA DO PARÁ (HQ) Vencedor da edição 2017 do Prêmio Jabuti na categoria “Histórias em Quadrinhos”, a HQ “Castanha do Pará”, de Gidalti Jr., conta a história de um menino que é metade humano metade urubu. O personagem é um jovem da periferia, criado solto entre as barracas do mercado do Ver-o-Peso. Ele sobrevive de pequenos furtos, dos alimentos que encontra no local e da pouca atenção que recebe dos visitantes. A obra de estreia de Gidalti, que nasceu em Minas Gerais, mas se identifica como belenense, foi produzida ao longo de três anos e se tornou possível por meio de uma campanha de financiamento coletivo na internet. Autor: Gidalti Jr. Páginas: 80 Editora: Produção independente

CIÊNCIAS AMBIENTAIS: PESQUISAS EM INTERDISCIPLINARIDADE, EDUCAÇÃO AMBIENTAL, MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE

EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO PÚBLICA NO PARÁ IMPERIAL E REPUBLICANO

O livro da Editora da Uepa (Eduepa) é uma compilação de artigos nas áreas de Ciências Humanas e Ciências Sociais, e foi organizada para contribuir com a expansão das discussões sobre as pesquisas na Amazônia, sob a ótica interdisciplinar das Ciências Ambientais. A obra possui 20 capítulos estruturados em quatro eixos temáticos: Interdisciplinaridade, Educação Ambiental, Meio Ambiente e Sustentabilidade. O organizador do livro, Altem Nascimento Pontes, é doutor em Ciências, na modalidade Física, pela Universidade Estadual de Campinas e coordenador da pós-graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado do Pará (Uepa). Autor: Altem Nascimento Pontes (org.) Páginas: 317 Editora: Eduepa

Composto por onze capítulos, o livro destaca estudos de pesquisadores de diversas Universidades da Amazônia Legal. Os textos organizados da obra consolidam estudos de sujeitos, instituições e de práticas ao longo do período do Império a República brasileira. Os artigos dão ao leitor a dimensão de como a educação pública alcançava poucos e era invisível para as políticas públicas da época. A educação de mulheres e de órfãos, bem como as reformas educacionais pela qual o Estado passou também são alvo das pesquisas contidas no livro, organizado pelas professoras Sônia Araújo, Maria do Socorro Avelino e Laura Alves. Autoras: Sônia Araújo, Maria do Socorro Avelino e Laura Alves (org.) Páginas: 307 Editora: Eduepa


FAÇA VOCÊ MESMO

EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO PÚBLICA NO PARÁ IMPERIAL E REPUBLICANO

Lenço afro artesanal

Autor: Sônia Araújo, Maria do Socorro Avelino e Laura Alves (org.) Páginas: 307 Editora: Eduepa Composto por onze capítulos, o livro destaca estudos de pesquisadores de diversas Universidades da Amazônia Legal. Os textos organizados da obra consolidam estudos de sujeitos, instituições e de práticas longoao Dia da Consciência Negra, em 20 de leve e fi no, ganha estampas coloridas com efeitos deEmao alusão do período do Império a República brasileinovembro, as Oficinas Curro Velho ensinam o leitor a gradê e que acompanham muito bem penteados com ra. Os artigos dão ao leitor fazer a dimensão de afro, tingido com uma técnica da ilha estilos africanos ou outros acessórios. Depois de fazer uma lenço como a educação pública alcançava de Java,poucos na Indonésia, chamada batique (“batik”), que o primeiro modelo, experimente fazer outras come era invisível para as políticas públicas da ser da África, tem uma proximidade binações de cores, tecidos e texturas. Mas lembre-se apesar de não época. A educação de mulheres e degrande órfãos,com a moda africana, que esbanja colo- que a consciência negra vai muito além de apenas um muito bem como as reformas educacionais pela ridos exuberantes. O acessório, que deve ser de tecido usar um acessório. qual o Estado passou também são alvo das pesquisas contidas no livro, organizado pelas professoras Sônia Araújo, Maria do So• Pedaço de tecido sedoso (crepe de seda, cetim, • Um pincel grosso Nº 18 corro Avelino e Laura Alves. oxford) • Um vidro de guta (delineador)

Do que vamos precisar?

Tinta aquarela silk (ou tinta para tecido diluída em

Uma tesoura com pontas arredondadas

água) nas cores laranja, amarelo-ouro, amarelo-

Godê (cuba de gelo)

-pele, violeta, azul-celeste, vermelho-fogo, verde-

Borrifador

-abacate, preto

Uma régua de madeira / Bastidor de madeira

Folha de papel 40 kg

Giz de cera

Um pincel fino Nº 08

Percevejos (tachinhas) / Fita crepe

Um pincel médio Nº 14

Sal de cozinha

INSTRUTOR: MIGUEL BARROS / COLABORAÇÃO: LUIZA NEVES (TÉCNICA EM GESTÃO CULTURAL – ARTES VISUAIS) / FOTOS: WALACE FERREIRA / MODELO:JANIELY SILVA NOVEMBRO DE 2017 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 55


FAÇA VOCÊ MESMO

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Corte um pedaço de tecido no tamanho 1,40 x 50 cm e defina as margens com o lápis e a régua de madeira.

Com o giz de cera ou lápis transfira a imagem do papel para o tecido.

Separe as tintas na cuba de gelo e, com o pincel, passe levemente a tinta sobre cada parte do desenho, alternando as cores e lavando o pincel a cada troca de cor.

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Com o giz de cera, desenhe no papel 40 kg (cortado no mesmo tamanho do tecido) a imagem escolhida para estampar o tecido.

Retire o tecido já desenhado e estique-o em uma mesa ou bastidor de madeira, utilizando os percevejos.

Borrife água para espalhar a tinta e coloque pequenas quantidades de sal para criar um efeito especial.

3

Posicione o tecido sobre a folha de papel 40 kg desenhada e passe a fita crepe ou grampeie as laterais para deixá-lo bem esticado.

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Com a guta, contorne todo o desenho (as partes riscadas com a guta não receberão a tinta), isolando assim as cores escolhidas. Aguarde 24 horas para a completa secagem.

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Lave o tecido a partir de duas horas após o processo de pintura e faça o acabamento queimando levemente as bordas do tecido com vela ou faça a bainha. Seu lenço afro está pronto!

Para saber mais Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. A Fundação Curro Velho fica localizada na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 56 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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RECORTE AQUI

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ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsável


LEONARDO NUNES

BOA HISTÓRIA

Feio

A história estava quase perdida na cidadezinha, misturada à

falação do povo, puída pelo tempo, como a roupa de Tenório, que dormitava em frente à igreja, feio como sempre, de olho vazio e baço de tristeza antiga. A feiura foi uma marca que na infância rendeu ao menino Tenório zombaria e moldou uma timidez taluda, pesada, que o fazia andar nas sombras dos muros com medo de ser visto. Sem querer, pela boca das Matildes, soube de Marília, a filha do prefeito, que se encantava por rapazes sem nenhuma beleza. Os bonitos? Nem olhava, era o que diziam. Já aos horrorosos destinava suspiros e comentários. Diziam por aí que estava de namoro com Joca, logo ele, o horror do dedão do pé ao cabelo ralo. Tenório ouvia maledicências sobre musa dos tronchos e passava na porta da mocinha de pescoço espichado, quase morto de vergonha de ter o olhar fla-

grado. Já rapaz estudado e enleado pela poesia, Tenório ouviu que Marília o tinha visto e quis saber quem ele era. Sem saber se era verdade ou não, ouviu de um quase amigo que a moça lhe rendeu elogios às avessas. “Como é feio, meu Deus!”, teria dito ela. Desde então não dormiu mais direito. Passou a sonhar com a donzela, suava em sonhos românticos. Estava mais amuado do que nunca. Escrevia cartas e guardava. Já tinha uma sacola cheia. Faltava coragem para entregá-las. Num domingo, viu Marília na igrejinha. Teve plena consciência que ela lhe sorriu. Acalentou ainda mais o amor ao descobrir que Joca, logo ele, era página virada de verdade e para sempre. Num abril qualquer, a angústia de Tenório venceu a encabulação. Ele contou a aflição à mãe, finalmente. Ela, sem muito tato, cortou o mal pela raiz e avisou: Marília casaria no mês seguinte,

com Gervasinho, o filho do fazendeiro. O noivo? Alto, forte e lindo, como um astro do cinema. Tenório desatinou. Percorreu as ruas empoeiradas da cidadela por dias. Deixou a mãe em desespero e todos sem notícias, sumiu para nunca mais. Voltou anos depois, como andarilho, sem ser reconhecido por ninguém, sem parentes vivos para lhe amparar. A história dele ainda existia, já totalmente deturpada em versões de todo gosto e tipo. Roto e faminto, passou a dormir na porta da igrejinha onde recebia moedas e comida. Alimentava a esperança de ver o casal do seu passado, mas Marília e Gervasinho partiram fazia anos para Belém com os filhos a tiracolo. A Tenório restou o velho saco de cartas transformado em travesseiro para amenizar a dureza e o frio na calçada do templo. NOVEMBRO DE 2017

Anderson Araújo

é jornalista e escritor

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NOVOS CAMINHOS

O salto da Agroindústria na região amazônica Nas últimas décadas, a agroindústria tem se destacado entre as atividades econômicas mais desenvolvidas na Amazônia. Estados como o Pará

THIAGO BARROS

é jornalista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável (NAEA-UFPA) e professor da Universidade da Amazônia @thiagoabarros

e Amazonas se tornaram foco de investimentos privados e de financiamentos governamentais para a exploração de produtos com base em espécies nativas ou adaptadas, mas dentro de uma estrutura que garante maior valor agregado. Estudos feitos com a chancela do Banco da Amazônia no início dos anos 2000, relacionados a investimentos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), já apontavam a tendência que se consolida atualmente, de que a diversificação e a capilaridade da agroindústria proporcionam uma maior capacidade de geração de empregos em relação a outros setores produtivos. A dinâmica da agroindústria amazônica, ainda considerada emergente por grande parte dos especialistas, ganhou impulso com o desenvolvimento acelerado de inovações tecnológicas, mas o setor não alcançaria o estágio atual sem a aproximação com instituições de pesquisa como as universidades federais do Pará e do Amazonas, a Ufra, do Museu Paraense Emílio Goeldi, Embrapa, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, além de estudos produzidos por organizações não governamentais e instituições privadas. Atividades como a produção de insumos com base no guaraná ou dendê, dentre as mais destacadas, foram beneficiadas com o resultado de pesquisas sobre melhoramento genético de espécies,

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aplicação de novos sistemas de cultivo e de tecnologias para a intensificação do aproveitamento industrial dos recursos naturais com reduzido impacto ambiental e resultados positivos para o desenvolvimento de populações locais, de acordo com o doutor em Geografia Humana e professor da Universidade de São Paulo Wanderley Messias da Costa, autor de estudos sobre sistemas produtivos emergentes na Amazônia. O exemplo mais avançado desses empreendimentos é o polo de extratos vegetais concentrados e compostos, com o guaraná como carro-chefe, instalado na Zona Franca de Manaus, com vendas que tendem a se aproximar de 100 milhões de dólares anuais até 2020. O complexo, liderado por empresas internacionais, integra uma cadeia produtiva que envolve praticamente todos os estados da Amazônia Legal, segundo dados sobre a produção agrícola municipal elaborados pelo Instituto Superior de Administração e Economia da Fundação Getúlio Vargas (ISAE/FGV). Atualmente, as novas tecnologias têm surtido efeito intensivo sobre a agroindústria. O desenvolvimento de motores industriais e automotivos que utilizam combustível de base vegetal abre novas portas para a produção de óleo de dendê no Pará, que já atende à demanda de empresas de alimentos processados e da indústria de cosméticos. Juntas, as cinco empresas que atuam na produção de óleo de palma em seis municípios do Estado possuem capacidade instalada para o processamento de mais de 200 toneladas de cachos de frutos frescos por hora.

“A dinâmica da agroindústria amazônica ganhou impulso com o desenvolvimento acelerado de inovações tecnológicas”

SAIBA MAIS Dimensões Humanas da Biosfera-Atmosfera na Amazônia. Bertha Becker, Diógenes Alves e Wanderley da Costa (organizadores). Edusp (2007). O Fundo Constitucional de Financiamento do Norte e o Desenvolvimento da Amazônia. Antônio Santana (coordenador). M&S/Basa (2002).


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