Revista Alimentação Animal n.º 117

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ALIMENTAÇÃO ANIMAL TEMA DE CAPA

NEUTRALIDADE CLIMÁTICA NO SETOR PECUÁRIO EM PORTUGAL, CONSIDERAÇÕES REAIS E FILOSÓFICAS: ONDE ESTAMOS E PARA ONDE VAMOS? Introdução

Ana Sofia Santos Engenheira Zootécnica PhD Diretora de Ciência e Inovação do FeedInov CoLab

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ALIMEN TAÇÃO AN IMAL

Recentemente foi publicado o relatório intercalar do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) relativamente ao estado do clima mundial. Este relatório apresenta dados reveladores do impacto negativo que a atividade antropogénica tem tido para o estado do clima e a sua evolução, estando a Humanidade a atingir metas nefastas mais rápido que o antecipado. Na realidade, verificamos quase diariamente que a ocorrência de eventos climatéricos extremos é mais frequente, e que o clima já é uma das maiores ameaças à Humanidade. Pedem-se, e bem, ações incisivas, rápidas e concretas para conseguir de alguma forma minimizar estes impactos e conseguir travar o aumento da temperatura. Paralelamente, temos uma população mundial crescente, com direito a uma alimentação equilibrada e nutricionalmente completa. Será essencial ter os pés bem alicerçados na ciência, e não tomar atitudes e decisões precipitadas. Em matéria de ação climática, a União Europeia (UE) lidera e é exemplo. O European Green Deal apresentado em dezembro de 2019 fornece o enquadramento geral em termos de estratégia para mitigação de emissões para todo o espaço da UE. A sua aplicação nos sistemas de produção agrícola e pecuária é detalhado pela estratégia do Prado ao Prato, e pela estratégia da biodiversidade para 2030. Nestes documentos são propostos objetivos ambiciosos, nomeadamente a neutralidade climática na UE, em 2050. Em junho de 2021, sob a presidência portuguesa, foi aprovada a proposta de primeira Lei Europeia do Clima apresentada pela Comissão e que tem por objetivo, consagrar na lei o objetivo de neutralidade climática até 2050 para a economia e sociedade europeias, estabelecido no Pacto Ecológico Europeu, antecipando muitas das metas para 2030. Para cumprir este objetivo é necessário conseguir que as emissões líquidas de gases com efeito de estufa (GEE), do conjunto dos países da UE, diminuam até atingir zero, principalmente através da redução das emissões, do investimento em tecnologias verdes e da proteção do ambiente natural. Este ato legislativo destina-se a garantir que todas as políticas da UE contribuam para este objetivo e que todos os setores da economia e da sociedade participem neste esforço. Simultaneamente, a estratégia Farm to Fork estabelece metas, também elas ambiciosas para aumentar a resiliência dos sistemas alimentares e antecipar

choques climáticos, ambientais e de saúde, humana e animal. O bem-estar animal é uma prioridade. Além dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e dos compromissos da COP21, estas políticas europeias abrem o caminho para uma agricultura rejuvenescida, melhorando o seu o papel socioeconómico. O objetivo de todas estas medidas e dos seus intervenientes é chegar a sistemas agroalimentares eficientes em termos de recursos, de elevada eficiência produtiva, e com impactos ambientais e ecológicos mínimos, que forneçam alimentos seguros e nutritivos, para além de uma ampla gama de bens e serviços, como solos saudáveis, restauração da qualidade dos ecossistemas e da biodiversidade, paisagens rurais atrativas, etc., e que, simultaneamente, forneçam retorno económico justo para os agricultores. Todas estas ações parecem dar frutos. No recente relatório “OECD-FAO Agricultural Outlook 20212030”, projeta-se que no território da Europa e Ásia Central as emissões diretas de GEE provenientes da agricultura diminuam 1% na próxima década, apesar do crescimento da produção agrícola em 8%.

Cenário atual: onde estamos O setor pecuário contribui substancialmente para a economia europeia e o seu valor representa cerca de 40% da atividade agrícola (dados UE 2018). A pecuária tem atualmente um papel essencial a desempenhar no sentido da promoção de sistemas alimentares mais ecológicos, saudáveis e justos. Como recicladores por natureza, os animais podem contribuir para a circularidade de forma ímpar, e para um uso mais eficiente e melhor dos recursos, utilizando a biomassa não edível, produtos alimentares locais e fontes inovadoras de alimentos, fornecendo, ao mesmo tempo, fertilizantes orgânicos. A função da pecuária vai muito para além da produção de alimentos, o seu impacto no desenvolvimento rural, na fixação de pessoas em zonas vulneráveis e na manutenção de ecossistemas é comprovadamente importante e frequentemente negligenciado. De acordo com a FAO, os sistemas de produção animal podem contribuir diretamente para 7 dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (SDGs) definidos pelas Nações Unidas em 2015. Os sistemas europeus de produção animal estão entre os melhores do mundo em termos de pegada ambiental, estado de


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